RIBEIRO, Darcy. Universidade de Brasília. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. v.36, n.83, jul./set. 1961. p.161-230.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

DARCI RIBEIRO

Da Universidade do Brasil

Tradição Universitária

Não temos, no Brasil, uma verdadeira tradição universitária a defender e preservar. Nossa universidade mais antiga foi instituída depois de 1920 e só anos mais tarde conseguiu estruturar-se. Esta, como as que se seguiram, constituiu-se pela reunião nominal de escolas pré-existentes que, apesar de congregadas, permaneceram estanques e auto-suficientes. Nestas circunstâncias, poucas puderam passar de reitorias, montadas para serviços centralizados de orçamento e administração, para atos solenes de abertura e encerramento do ano letivo e para o debate, ainda tímido, sôbre a inviabilidade da própria estrutura e a necessidade de preceder-se à reforma universitária.

Seria, talvez, mais apropriado dizer instauração que reforma, tão pouco há de universitário em nosso ensino superior. Nossa tradição é de escolas independentes, eriçadamente defensoras de sua autonomia, organizadas para receber alunos graduados no curso secundário e segregá-los para ministrar-lhes preparo profissional em algumas poucas modalidades de formação, autorizadas por uma legislação formalística e rígida.

Alunos e professôres de cursos equivalentes, duplicados na mesma universidade, se ignoram completamente. Assim, o ensino de matemática, de física, química, biologia ou economia, compartimentado em dezenas de províncias, a cargo de catedráticos autônomos, se repete, escola por escola, multiplicando equipamentos, instalações e professôres. A julgar pelo número de professôres catedráticos, cada qual com uma equipe independente, mantidos por nossas universidades, elas fariam boa figura em comparação com as maiores do mundo. Lamentàvelmente, raras dessas equipes têm condições de funcionamento eficaz, pois são tantas, que a cada uma sempre falta e sempre sobra pessoal e material para o exercício de suas funções.

Uma das causas dessas situações é a instituição da cátedra, tal como a concebemos; ou seja, o loteamento do saber em províncias vitalícias, outorgáveis através de certos procedimentos de seleção, que asseguram a um professor-donatário a propriedade do ensino de uma disciplina, em certa série de dado curso, a determinada Faculdade. Após o concurso, o usufrutuário vitalício da cátedra se liberta da obrigação de estudar e de atualizar-se. Pairando acima de qualquer juízo, orienta o ensino como bem entende ou desendente, se quiser, pode dar ou não dar aulas e até ensinar outra disciplina, desde que esta não tenha donatário.

Os constituintes de 1946, justificadamente zelosos para com a liberdade docente – duramente desrespeitada em tantos professôres presos e destituídos no período estadonovista – procuraram defendê-la, instituindo como norma constitucional o concurso para o provimento de cátedra no ensino superior e assegurando vitaliciedade ao catedrático. A doutrina constitucional é, porém, perfeitamente compatível com a concepção da cátedra como um grau universitário que assegure o provimento dos cargos de magistério por concurso público e garanta ao professor estabilidade e liberdade docente, sem atribuir-lhe a propriedade de certo ramo do saber. Para isso, a unidade universitária passará a ser o Departamento, dentro do qual se deverá estruturar a carreira do magistério, escalonando hieràrquicamente os cargos – professor-assistente, professor-adjunto e professor-titular –- e os graus universitários correspondentes – doutorado, docência e cátedra – de modo a garantir o provimento, por concurso, a estabilidade do professor em cada etapa da carreira e a liberdade de ensino, sem o prejuízo das duplicações, e do esclerosamento.

Outro óbice institucional com que se defronta nosso ensino superior é a legislação casuística e rígida que estabelece receitas fixas para a graduação em cada categoria profissional. Currículos obrigatórios fixam as matérias que devem ser ministradas em cada série, ano após ano, do primeiro ao último, de cada curso. Nenhuma há de faltar, ainda que se tenha de improvisar o professor e os meios didáticos e fazer do ensino mera simulação. Nenhuma pode ser acrescentada, tal a pletora da lista mínima obrigatória.

Entretanto, já é evidente para todos que, em seu desenvolvimento atual, as ciências e a tecnologia não podem ser contidas na estreiteza desta compartimentação. Por outro lado, com a industrialização, as atividades produtivas se tornaram mais complexas e estão a exigir um número crescente de modalidades novas de especialização em que se têm de improvisar, como autodidatas, nossos engenheiros, médicos, advogados ou economistas, depois de formados. Assim, após anos de estudos e provas para obter licença legal de trabalho em certo campo, é que muitos de nossos graduados vão dominar, pela prática profissional ou em cursos de "recuperação" no país ou no estrangeiro, o saber e a técnica que os habilitarão para diversos tipos novos de atividades tornados indispensáveis.

Essa rigidez tem, também, a conseqüência de condenar o jovem egresso do curso colegial a uma escolha definitiva e prematura da carreira. Se dois ou três anos depois de iniciar o curso médico, de engenheiro civil ou professor, verifica que não tem aptidões para aquêle campo, vê-se compelido a recomeçar tudo, perdendo o tempo e os estudos realizados.

Reforma Universitária

Os melhores professores de nossas universidades têm plena consciência dessa situação. Muitos procuram atender a ela em setores particulares, criando instituições complementares ou extracurriculares, sobretudo nos campos em que alcançamos mais alto padrão técnico, como a engenharia e a medicina. Mas todos se defrontam nas principais universidades e escolas isoladas, cada vez que procuram renovar o ensino superior, como a massa de interesses constituídos, os óbices de uma legislação rígida e de uma burocracia educacional estreita.

No passado, foram feitas diversas tentativas para romper com esta estrutura obsoleta. Tal foi o propósito da Universidade do Distrito Federal e, também, do projeto original da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras que Armando de Sales Oliveira procurou instituir como órgão integrador da Universidade de São Paulo. A primeira foi fechada na onda de reação que varreu o mundo inteiro, nos anos de ascensão do fascismo. A segunda não conseguiu vencer a resistência das Faculdades tradicionais que teimavam em continuar estanques e auto-suficientes. E a conseqüência foi a consagração do modêlo de Faculdade de Filosofia com que contamos, cindida entre as tarefas de formar professores e de preparar quadros científicos e intelectuais, e, para isto, compelida a reproduzir, em miniatura, uma universidade inteira, da forma mais precária.

Nas condições presentes, só uma universidade nova, inteiramente planificada, poderá estruturar-se em bases mais flexíveis e abrir perspectivas de pronta renovação de nosso ensino superior.

O modêlo que se recomenda nada tem de inovador já que constitui a estrutura universitária usual, largamente experimentada e comprovada em sua eficácia, em todos os países desenvolvidos. A renovação do ensino superior na Alemanha, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Rússia, se fêz ao integrarem-se nos seus cursos universitários a ciência moderna e a tecnologia e processou-se por um caminho que ainda hoje se recomenda ao Brasil. Somos, talvez, o único país que ainda pretende formar cientistas e tecnólogos segundo o modo tradicional de ensinar e cultivar a erudição clássica.

Há poucos anos, êste atraso não tinha grande relevância, porque a tarefa de nossos estabelecimentos de ensino superior era qualificar socialmente, pela diplomação, uns poucos doutôres para o exercício de uma medicina só acessível às camadas mais abonadas ou de uma engenharia destinada à construção de casas senhoriais ou de umas tantas obras públicas.

As tarefas da produção recaíam, inteiramente, nos seus executores mais imediatos: sôbre o lavrador que cultivava algodão e café, o vaqueiro que cuidava dos rebanhos, o garimpeiro que bateava ouro ou pedras preciosas, o seringueiro que colhia borracha. Filho de fazendeiro, de criador, de seringalista, ia à escola para se fazer doutor. A produção não era tarefa de doutôres, não exigia saber técnico nem qualificação profissional. Por isto, em parte, fomos superados em tantos ramos da produção, cada vez que outro país decidia entrar em competição conosco. Quando técnicos eram exigidos para instalar ou movimentar uma usina, uma fábrica, para construir uma rodovia ou explorar uma jazida, tratava-se de importá-los juntamente com a maquinaria e as normas de procedimento.

Ao ingressar na era tecnológica, a ciência e a técnica passaram a constituir para nós, também, ingredientes fundamentais dos processos produtivos e seu domínio, um imperativo da autonomia nacional. Se fracassarmos neste desafio, justamente no momento em que nos tornamos independentes sob tantos títulos, ver-nos-emos novamente subordinados. Já não dependeremos da importação de automóveis, geladeiras e televisores, mas da técnica que os produziu e os aperfeiçoa incessantemente.

Por muitos anos estivemos na condição dos índios Xavantes que, ao aprenderem a utilizar machados de aço, não mais puderam prescindir dêles e se viram atados a seus fornecedores. Agora que já produzimos aço, telefones, penicilina e com isto muito acrescentamos à nossa autonomia, caímos em nôvo risco de subordinação, representada pela dependência de normas e de saber técnicos. Só seremos realmente autônomos quando a renovação das fábricas aqui instaladas se fizer pela nossa técnica, segundo procedimentos surgidos do estudo de nossas matérias-primas e de nossas condições peculiares de produção e de consumo. Só por êste caminho poderemos acelerar o ritmo de incremento de nossa produção, de modo a reduzir e, um dia, anular a distância que nos separa dos países tecnològicamente desenvolvidos e que se apartam cada vez mais de nós pelos feitos de seus cientistas e técnicos.

A reforma do ensino superior, para ajustá-lo às exigências da formação de tecnólogos, é, pois, imperativo a que não podemos fugir. A oportunidade para iniciar, na prática, esta reforma foi criada com a mudança da sede do Govêrno Federal para uma cidade especialmente edificada para recebê-lo, a que não pode faltar um centro cultural e científico.

A Universidade de Brasília

Por que criar uma universidade em Brasília?

A resposta a esta questão deveria ser óbvia, em face do número de universidades inviáveis com que contamos, a reclamar recuperação ou mesmo fusão que as torne capazes de funcionar adequadamente como instituições de ensino superior e de pesquisa.

Seria igualmente óbvia se considerássemos as dificuldades com que se defrontam nossas principais universidades para concluir seus programas de obras, equipar seus laboratórios, enriquecer e atualizar o acervo de suas bibliotecas, aperfeiçoar seu pessoal docente e proceder às reformas estruturais reclamadas, há tantos anos, por seus professores e alunos.

A realidade, porém, nos coloca diante de um problema diferente. Não se trata de saber se convém ou não criar mais uma universidade, nem de examinar a capacidade de recuperação das nossas escolas superiores, mas de reconhecer que, construindo-se uma cidade no centro do país e nela instalando o Govêrno da República, se tornou inevitável a instituição ali de um núcleo cultural a que não pode faltar uma universidade.

Nestas circunstâncias, nossa área de opção é bem estreita. Trata-se de escolher entre deixar que surja em Brasília, espontâneamente, uma série de escolas superiores precárias como as que se vêm multiplicando por todo o país que em breve se aglutinariam em mais uma universidade inviável, ou aproveitar a oportunidade para, com os mesmos recursos, provavelmente até com maior economia, dotar o país de uma universidade moderna, estruturada nos moldes que vêm sendo recomendados pelos nossos mais capazes professores e pesquisadores.

A inevitabilidade da criação de estabelecimentos de ensino superior em Brasília está evidente, também, no fato de que já tramitam no Congresso projetos de criação de duas faculdades, uma de Direito, outra de Economia, modeladas segundo nossa tradição de improvisar escolas e professôres.

Acresce, ainda, que os diversos órgãos do poder público, transferidos para uma cidade artificial, necessitam da assistência de centros culturais e científicos que só uma universidade pode prover. Quando êstes órgãos se encontravam no Rio de janeiro, cidade dotada de tradição cultural própria e servida por grande variedade de instituições científicas, tal assessoramento se processava quase espontaneamente Especialistas de todos os campos do saber podiam ser chamados a pronunciar-se sôbre cada problema, em tôdas as fases de formulação de soluções por parte do executivo, do legislativo e do judiciário. Com a transferência da capital para uma cidade nova, vêem-se os podêres públicos diante do grave risco de perderem êsse assessoramento intelectual e científico.

É certo que a nova capital manterá necessariamente estreitos vínculos com os principais centros culturais do país. Mas não poderá depender exclusivamente dêles e, sobretudo, não será capaz de compreendê-los, de utilizá-los e de estimular-lhes o desenvolvimento se não constituir-se, ela própria, em centro cultural autônomo, à altura dos melhores.

Aliam-se, pois, um imperativo inelutável e uma necessidade prática para recomendarem a criação, em Brasília, de uma universidade projetada nas mesmas bases dos centros de ensino e de pesquisa que estão revolucionando o mundo moderno.

Nestes têrmos é que foi pensada a Universidade de Brasília. Suas funções básicas serão:

* Ampliar as exíguas oportunidades de educação oferecidas à juventude brasileira.

* Diversificar as modalidades de formação científica e tecnológica atualmente ministradas, instituindo as novas orientações técnico-profissionais que o incremento da produção, a expansão dos serviços e das atividades intelectuais estão a exigir.

* Contribuir para que Brasília exerça, efetivamente, a função integradora que se propõe assumir, pela criação de um núcleo de ensino superior aberto aos jovens de todo o país e a uma parcela da juventude da América Latina e de um centro de pesquisas científicas e de estudos de alto padrão.

* Assegurar a Brasília a categoria intelectual que ela precisa ter como capital do país e torná-la, prontamente, capaz de imprimir caráter renovador aos empreendimentos que deverá projetar e executar.

* Garantir à nova capital a capacidade de interagir com os nossos principais centros culturais, para ensejar o pleno desenvolvimento das ciências, das letras e das artes em todo o Brasil.

* Facilitar aos podêres públicos o assessoramento de que carecem em todos os ramos do saber, o que somente uma universidade pode prover.

* Dar à população de Brasília perspectiva cultural que a liberte do grave risco de fazer-se medíocre e provinciana, no cenário urbanístico e arquitetônico mais moderno do mundo.

Nenhuma dessas funções poderia ser exercida por uma universidade de tipo tradicional. Se tais universidades não conseguem funcionar de modo adequado, mesmo nos nossos principais centros culturais tradicionais, numa cidade artificial e nova, sua réplica estaria condenada a uma mediocridade ainda maior.

Conjugam-se, pois, vários fatôres para ensejar a instituição, no Brasil, de uma universidade moderna, defendida dos principais percalços com que lutam as já existentes, porque planejada à base da experiência dos erros e acertos destas, o que será mais viável conseguir-se através de edificação de nova estrutura que pelo aproveitamento e recondicionamento das estruturas viciadas com que contamos.

Estrutura da Universidade

A estrutura da Universidade de Brasília baseia-se na integração de duas modalidades de órgãos: os Institutos Centrais e as Faculdades.

Aos Institutos Centrais compete ministrar:

* cursos introdutórios de duas séries para todos os alunos da Universidade, a fim de dar-lhes preparo intelectual e científico básico para seguir os cursos profissionais nas Faculdades;

* cursos de bacharelado de 3 séries em qualquer disciplina departamental, para os alunos que desejem seguir a carreira do magistério;

* cursos de formação científica de dois anos mais, após o bacharelado, para os alunos que revelem maior aptidão, para pesquisas e estudos originais;

* programas de estudos pós-graduados de dois anos para os candidatos ao doutoramento.

Funcionarão, portanto, em quatro níveis: o introdutório (2 séries) que pode estender-se até o bacharelado (3 séries), o de formacão especializada (5 séries) e o de pós-graduação (7 séries) ao nível de doutoramento.

As Faculdades receberão alunos já preparados pelos cursos introdutórios e ministrar-lhes-ão treinamento especializado tendo em vista o exercício de uma profissão.

A diplomação nas carreiras tradicionais far-se-á após cursos que, somados ao dos Institutos, perfaça o mínimo de anos de estudo exigido pela legislação do ensino para cada tipo de formação superior.

A Universidade deverá contar, inicialmente, com oito Institutos Centrais, a saber: Matemática, Física, Química, Biologia, Geo-Ciências, Ciências Humanas, Letras e Artes, que poderão ser desdobrados mais tarde. Cada um dêles se dividirá em Departamentos. Êstes constituirão as unidades básicas da Universidade onde se reunirão os professôres coletivamente responsáveis pelas atividades de ensino e de pesquisa, em cada especialidade.

Assim, o Instituto de Ciências Humanas, por exemplo, dividir-se-á em Departamentos de Antropologia, Sociologia, Psicologia, Economia, Ciência Política, História, Filosofia e Demografia. A êle serão encaminhados os alunos que se proponham fazer cursos nas Faculdades de Direito, Serviço Público, Diplomacia, Administração de Emprêsas, e Ciências Econômicas, ou graduarem-se como professôres secundários de História, Filosofia, Psicologia ou Sociologia.

No Instituto, os alunos realizarão cursos introdutórios de dois a três anos, o primeiro dedicado a estudos gerais que completem a formação básica, dando-lhes nível universitário: o segundo e o terceiro já com tendência à especialização. Após esses dois a três anos, o estudante poderá permanecer no Instituto, se fôr aceito como aluno para formação especializada em um dos departamentos, com o objetivo de fazer-se antropólogo, psicólogo, sociólogo, analista-econômico, demógrafo, historiador, etc. A maioria dirigir-se-á, naturalmente, para as Faculdades citadas, onde receberá formação profissional através de dois a três anos mais de estudos.

O sistema funcionará nas mesmas bases para os demais cursos. Exemplificando: o candidato a qualquer dos ramos especializados de Engenharia, fará seus estudos básicos nos Institutos Centrais de Matemática, de Física e de Química, podendo, ao fim permanecer em um dêles, para se fazer pesquisador, ou encaminhar-se para a carreira que escolhera originalmente; ou, ainda, dirigir-se ao magistério secundário daquelas matérias, mediante cursos complementares na Faculdade de Educação. Poderá, também, orientar-se para a documentação, inscrevendo-se, para isto, na Faculdade de Biblioteconomia.

O estudante de Medicina receberá seus créditos básicos nas matérias pré-médicas nos Institutos Centrais de Biologia, de Física e de Química, podendo, igualmente, optar por outras carreiras após os dois anos introdutórios, ou, já na Faculdade de Ciências Médicas, permanecer em um dos Departamentos para especializar-se em certo campo como farmacologia, microbiologia, fisiologia, sem fazer-se médico.

As principais vantagens dêsse sistema duplo e integrado consistem em:

* Evitar a multiplicação desnecessária e onerosa de instalações e equipamentos, e permitir a concentração dos recursos de pessoal. Assim, um único Instituto Central de Química, de Física ou de Biologia pode ser melhor equipado e ter seus recursos melhor utilizados que com a proliferação de pequenos laboratórios, bibliotecas e equipes dispersas pelas Faculdades cujos alunos requerem formação básica nesses campos.

* Dar ao estudante a oportunidade de optar por uma orientação profissional, quando mais amadurecido e melhor informado sôbre os diferentes campos a que se poderia devotar.

* Proporcionar modalidades novas de formação científica e de especialização profissional que o nosso sistema atual não pode ministrar. E, graças a esta flexibilidade, atender aos reclamos de qualquer nova modalidade de formação tecnológica por parte do mercado de trabalho, mediante a combinação de certos tipos da formação básica com linhas especiais de treinamento profissional.

* Selecionar melhor os futuros quadros científicos e culturais do país, porque, ao invés de fazer-se esta seleção dentre os poucos alunos que, concluindo o curso secundário, se decidem por essa orientação, far-se-á dentre todos os estudantes que freqüentem os Institutos Centrais e aí revelem especial aptidão para a pesquisa fundamental.

* Estabelecer mais nítida distinção entre as atividades de preparação científica e as de treinamento profissional, libertando as Faculdades da tarefa de formar pesquisadores, que às vêzes intempestivamente se atribuem, permitindo, assim, que cuidem melhor de seu campo específico de ensino e de pesquisa aplicada.

* Ensejar uma integração mais completa da Universidade com os setores produtivos que deverão empregar os técnicos que ela formar.

Assinale-se, ainda, que essa estrutura dará oportunidade de constituir-se um verdadeiro campus universitário. Quando estiverem em funcionamento os diversos Institutos Centrais, tôdas as Faculdades e órgãos auxiliares, alunos e professores viverão numa comunidade efetivamente universitária. O estudante de medicina fará uma formação científica básica junto com o de engenharia, por exemplo, nos mesmos Institutos Centrais; residirá na mesma casa com colegas que seguem os mais diversos cursos: com êles praticará esportes e freqüentará os centros recreativos e culturais da Universidade. Os Museus, o Instituto de Arte, a Biblioteca Central, a Rádio Universidade de Brasília funcionarão como Centros de integração que, além de suas funções específicas, permitirão constituir um lastro de experiência cultural básica para todos os que passem pela Universidade, qualquer que seja a carreira que abracem.

Mestres inteiramente devotados ao ensino e à pesquisa, convivendo com seus alunos no campus comum, comporão o ambiente próprio à transmissão de experiência, não apenas por meio de atividades curriculares como, ainda, através do convívio e da interação pessoal, com o que se poderão plasmar mentalidades mais abertas, mais generosas e mais lúcidas.

Órgãos Complementares

A Universidade de Brasília deverá manter, também, um corpo de órgãos Culturais destinados a funcionar supletivamente como centros de extensão para a cidade e para o país. Tais serão:

* A Aula Magna, grande auditório montado para atender às necessidades da Universidade e da Capital Federal, dotado dos recursos audiovisuais que possibilitam a realização de reuniões e congressos internacionais. A construção desta unidade deverá ser encetada prontamente, porque Brasília servirá de sede à Assembléia Geral da UNESCO, em 1964 e precisará contar, então, com um auditório com capacidade para acolher as representações de mais de 90 países para reunião em que serão faladas simultâneamente cinco línguas. Contando com a Aula Magna e com os recursos de hospedagem que a Universidade poderá proporcionar nos períodos de férias, Brasília far-se-á um dos principais centros latino-americanos de conferências internacionais.

* A Biblioteca Central que coordenará uma unidade principal com obras gerais e de referência, serviços de documentação e intercâmbio científico e cultural e dezesseis bibliotecas especializadas, sediados nos Institutos Centrais e nos conjuntos e faculdade afins. O acervo básico destas bibliotecas deverá montar a um milhão de obras, representando um dos principais investimentos da Fundação e aquêle para cuja constituição mais se necessitará apelar para a ajuda de instituições estrangeiras e internacionais. Na Biblioteca Central funcionará o curso de Biblioteconomia montado para receber alunos bacharelados pelos Institutos Centrais e especializá-los na biblioteconomia e documentação nos respectivos campos de especialidade.

* A Rádio Universidade de Brasília, que terá como programa básico a difusão cultural e artística, através de emissoras de ondas médias e curtas. Deverá, contudo, especializar-se em cursos por correspondência e radiodifusão para aperfeiçoamento do magistério de nível médio. A relevância dessa tarefa é evidente, em face do crescimento das matrículas nesse nível de ensino que ascenderam de 60.000 alunos em 1933, para mais de um milhão, atualmente. Êsse extraordinário incremento foi acompanhado da inevitável improvisação do professorado.

* A Editôra Universidade de Brasília, que se destina a traduzir para o português as principais obras do patrimônio cultural, científico e técnico da humanidade que ainda não são acessíveis em nossa língua e,

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

SERVIÇOS AUXILIARES

sobretudo, fazer elaborar e editar textos básicos para o ensino em nível superior, além de editar a produção científica e literária da própria Universidade. Somos, hoje, um dos maiores importadores de livros técnicos da Espanha, do México e da Argentina. Vale dizer que os alunos de nossas universidades estão estudando em espanhol. A exemplo do que fizeram todos os países modernos, impõe-se editar em português a bibliografia básica para a formação profissional comum, em nível universitário.

* O Museum, que compreenderá o Museu da Ciência, o Instituto de Artes e o Museu de Civilização Brasileira. Êste último com o objetivo de vincular Brasília às nossas tradições históricas e artísticas e dar, aos moradores da nova capital e aos visitantes que a procurarem, uma visão do nosso esfôrço secular para criar uma civilização.

* As Casas de Cultura, para o ensino de línguas e o estudo da literatura e da tradição cultural das nações a que estamos vinculados e que se disponham a manter, junto à Universidade de Brasília, um centro de difusão cultural.

Dentre os órgãos Culturais, contam-se, ainda, o Centro Educacional – com escolas primárias e média de demonstração para os alunos da Faculdade de Educação, – o Centro Recreativo e Cultural e o Estádio Universitário.

Estão previstos, também, Serviços Auxiliares, como o Centro de Assistência Médica e Dentária, a Casa Internacional, destinada a abrigar estudantes estrangeiros, principalmente latino-americanos, aos quais deverá ser reservada certa percentagem de matrículas, e o setor de habitações de estudantes e professôres, além dos diversos serviços públicos indispensáveis a uma cidade universitária.

Organização administrativa

Uma instituição, planejada para funcionar em moldes pioneiros, não poderá ser estruturada na forma de autarquia, como ocorre com as nossas universidades federais. O que se recomendava e foi consagrado no projeto de lei que institui a

FUNDAÇÃO UNIVERSITÁRIA DE BRASÍLIA

ÓRGÃOS DE DIREÇÃO E DE COORDENAÇÃO

Universidade de Brasília, era a estrutura de Fundação, suscetível de assegurar a indispensável autonomia na organização e na direção de seus órgãos. Fundação de caráter especial, como outras já criadas pelo Poder Público, por êle dotadas de patrimônio e providas nas necessidades de manutenção, para exercerem funções de alta relevância nacional.

A iniciativa se impõe, mais uma vez, em vista da necessidade de dotar a nova capital, produto mais amadurecido da cultura brasileira, especialmente em sua feição urbanística e arquitetônica, de uma Universidade moderna que a torne capaz de imprimir às obras que planejará e executará, amanhã, por todo o país, o mesmo sentido renovador que presidiu sua criação.

O órgão supremo da Fundação Universitária de Brasília será o Conselho Diretor, composto de seis membros nomeados livremente pelo Presidente da República da primeira vez e, daí por diante, renovado sob seu contrôle, através de nomeações dos novos membros por escolha sôbre listas tríplices elaboradas pelo Conselho.

O Conselho Diretor elegerá o Presidente da Fundação que terá o título de Reitor e um Vice-Reitor, com funções executivas no que respeita à vida escolar e às atividades de ensino e de pesquisa.

O corpo docente da Universidade terá plena autonomia didática, técnica e científica. Para exercê-la, os professores titulares, adjuntos e assistentes reunir-se-ão em Conselhos Departamentais, nas Congregacões de Carreiras e em Assembléia Universitária, como órgão deliberativo supremo da Universidade.

Às Congregações de Carreiras compete estabelecer os currículos e suas variantes, em cada modalidade de formação e acompanhar individualmente, através de tutôres, cada um dos alunos, desde seu ingresso na Universidade até a graduação. Para isto serão integradas por todos os professores dos Institutos Centrais e das Faculdades que tenham participação em cada modalidade de formação. Assim, a Congregação da Carreira de Engenheiro-Mecânico, por exemplo, será integrada por professôres dos Institutos Centrais de Matemática, de Física, de Química e de Ciências Humanas (Economia) e mais pelos professôres dos Institutos Tecnológicos de Mecânica e outros da Faculdade de Tecnologia, cujos cursos os alunos respectivos devam seguir.

As Congregações elegerão para cada tipo de formação dois Decanos, um para os cursos de graduação, outro para os cursos de pós-graduação. Todos os membros das congregações terão obrigações de tutoria de alunos, sob a supervisão dos respectivos Decanos.

A Direção de cada unidade universitária caberá ao Conselho Diretor, integrado pelos respectivos chefes de Departamento e a um Diretor, eleito pelos professôres que a integram.

O órgão supremo de coordenação da universidade é a Corporação Universitária formada por três Conselhos Coordenadores, um dêles integrado pelos diretores dos Institutos Centrais; outro, pelos diretores das Faculdades; o terceiro, pelos diretores dos órgãos Culturais. Êstes Conselhos elegerão os três respectivos Coordenadores Gerais que serão as autoridades superiores da Universidade e a representação diante do Reitor e do Vice-Reitor.

Os diversos órgãos de deliberação e coordenação entrarão em funcionamento depois de inaugurados os cursos, à medida que cada unidade universitária se estruture. Até então, a direção caberá ao Conselho Diretor, ao Reitor e ao Vice-Reitor que serão assistidos por assessores de sua livre escolha, um para cada unidade universitária a ser criada.

A êsses assessôres caberá: contratar e preparar as equipes com que se instalarão em Brasília, em data prevista; dar assistência aos arquitetos no planejamento das respectivas unidades; planejar e promover a aquisição dos respectivos equipamentos e bibliotecas; preparar a elaboração dos livros de texto e outros materiais que devam ser adotados pela Universidade para os cursos iniciais.

A Fundação e a Universidade deverão contar, também, com a colaboração de diversos órgãos auxiliares, incumbidos de serviços específicos. Tais serão, entre outros:

* Um setor encarregado de coordenar com as Fôrças Armadas a prestação do serviço militar pelos universitários, através de Centros de Preparação de Oficiais da Reserva, do tipo tradicional, ou de modalidades novas e formação de especialistas em tecnologia militar;

* Um comitê de coordenação das relações entre a Universidade e a Indústria, encarregado de desenvolver os serviços de assistência técnica, planejamento econômico e pesquisa aplicada;

* Uma comissão incumbida do levantamento de fundos para obras e serviços e de relações públicas com os patrocinadores de unidades específicas da Universidade;

* Um serviço de admissões, encarregado dos exames vestibulares e do contrôle permanente da validade dos critérios de seleção;

* Uma curatoria, responsável pelos problemas de disciplina e um serviço de assistência social ao universitário.

Lotação da Universidade

A lotação da Universidade deverá ser calculada tendo em vista um número de matrículas que assegure por baixo custo aluno-ano e permita proporcionar formação de alto nível. Exigindo-se que a maioria dos professôres regulares e dos alunos resida na Universidade e que todos trabalhem em regime de dedicação exclusiva, os dois propósitos podem ser alcançados com uma matrícula total da ordem de 10.000 alunos.

Essa lotação nada teria nem de modesta, nem de exagerada, nas condições brasileiras, pois nossa maior Universidade, a de São Paulo, contava em 1959 com 9.058 alunos, a do Brasil com 8.225, a de Minas Gerais com 3.601 e tôdas elas têm demonstrado pequena capacidade de expansão para os tipos de formação mais requeridos, como engenharia e medicina.

QUADRO l

MATRíCULA E CORPO DOCENTE DAS UNIVERSIDADES E DOS

ESTABELECIMENTOS ISOLADOS - BRASIL, 1959

 

UNIVERSIDADES

 

 

Universidades

Escolares

 

Corpo

Docente

 

Matrícula

Geral

 

Conclusão

de Curso

 

Relação

Prof./Alu.

 

de São Paulo .....................

do Brasil ............................

do Rio Grande do Sul .......

de Minas Gerais ................

do Paraná .........................

do Recife ..........................

da Bahia ...........................

 

 

42

57

41

37

31

41

37

 

1.870

1.617

1.599

951

494

723

509

 

9.058

8.225

4.250

3.601

3.239

3.175

2.562

 

1.204

1.317

616

614

520

740

364

 

1:4,8

1:5,0

1:2,6

1:3,7

1:6,5

1:4,3

1:5,0

Tôdas as Universidades

 

 

504

 

11.703

 

54.933

 

9.511

 

1:4,6

 

Est. Isolado .......................

 

 

492

 

6.934

 

32.670

 

5.991

 

1:4,7

 

Total Geral ........................

 

 

996

 

18.637

 

87.603

 

15.502

 

1:4,8

Ainda que só se efetive completamente em 1970, o acréscimo de 10.000 matrículas será uma contribuição ponderável para atender à exigüidade de oportunidades de educação superior que oferecemos a nossa juventude. Para avaliar essa carência basta compulsar estatísticas recentemente divulgadas pela UNESCO, demonstrando que, em 1957, para cada 100.000 habitantes, os Estados Unidos mantinham 1.773 estudantes em suas escolas superiores, o Japão 690, a França, 410, a Argentina, 783, o Chile, 237, a índia, 212 e o Brasil, tão-sòmente, 130. Assim se vê o grau de atraso em que permanecemos também no ensino superior, fator decisivo para o desenvolvimento e setor educacional em que os investimentos são mais prontamente reprodutivos.

Torna-se ainda mais evidente essa exigüidade de oportunidades de estudo em nível superior, quando se analisa sua distribuição pelos ramos. Uma quarta parte dos nossos estudantes cursaram, em 1959, Faculdade de Direito (21.977) ; a metade se encontrava nos cursos de Filosofia, Ciências Econômicas e ramos menores (45.053), mas apenas 10.325 (11,8%) estudavam Engenharia e 10.248 (11,7%) freqüentavam os cursos de Medicina.

Na primeira série dos cursos de medicina de todo o país, ingressaram, em 1959, 1.789 alunos, número tão desproporcional para uma população de 60 milhões que equivale a condenar o nosso povo a ser tratado por curandeiros. Para preencher estas vagas concorreram aos exames vestibulares 12.403 candidatos, só alcançando matrícula 15,9%, não porque apenas êstes fôssem capazes de acompanhar o curso com proveito, mas pela exigüidade do número de vagas postas em concurso.

QUADRO 2

RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO EM CADA RAMO DE ENSINO

BRASIL - 1959

Ramos de

Universidades

Estabel.

Total

Relação

Ensino

Isolados

Prof.: Aluno

Matr.

Doccn.

Matr.

Docen.

Matr.

%

Doc.

%

Univ.

E.IS

Direito

11828

529

10149

572

21977

25,1

1101

5,9

1:22,3

1:17,7

Engenharia

9124

3867

1201

331

10325

11,8

4198

22,5

1: 2,3

1: 3,6

Medicina

7215

1111

3033

407

10248

11,7

1518

8,2

1: 6,4

1: 7,4

Filosofia

12670

2714

5783

2170

14040

16,0

4884

26,2

1: 4,6

1: 2,6

Outros

14096

3482

12504

3454

31013

35,4

6936

37,2

1: 4,0

1: 3,6

Todos os

ramos

54933

11703

32670

6934

80603

100

18637

100

1: 4,6

1: 4,7

O mesmo se dá com o ensino de engenharia já que dos 10.055 candidatos que fizeram exames vestibulares em 1959 só 2.510 (23,5%) alcançaram inscrição. Em conseqüência, êste será o número de engenheiros que estaremos formando em 1963, cêrca de 70% dos quais especializados em construção civil. A carência salta aos olhos, sobretudo quando se considera que somavam 50.000 as matrículas iniciais em cursos de engenharia nos Estados Unidos em 1950 e que aquêle país já no século passado, quando sua produção industrial era inferior à nossa atual, formava um número muito maior de engenheiros. Como manter em funcionamento nossas fábricas e usinas, como expandi-Ias e aperfeiçoá-las nestas condições de carência técnico-científica quando aumenta cada vez mais a proporção da mão-de-obra altamente especializada que se exige para a produção industrial?

A taxa de incremento das matrículas em nossas faculdades é também muito baixa. Na década de 1950 a 1959 as matrículas de medicina passaram de 100 a 116, em engenharia, de 100 a 151. Assinale-se que a quase totalidade do incremento nesse período se fêz pela criação de novas faculdades. Em alguns casos como os das Faculdades de Medicina mantidas pela União, que são das melhores equipadas do país, muitas das quais contam com pessoal docente altamente qualificado, as matrículas iniciais foram reduzidas, – em certos casos de forma drástica – passando cada escola a formar metade e até mesmo uma quarta parte dos médicos que graduavam no passado.

QUADRO 3

OPORTUNIDADE DE EDUCAÇÃO SUPERIOR

BRASIL, 1959

Exames

Matrícula na 1ª Série

Concl. 1958

Incremento

Ramos de

Vestibulares

Ensino

Candi-

%

Ho-

Mulhe-

Total

Nos.

%

Mat.Global

1959

datos

aprov.

mens

res

absol.

em 1950

(1950=100)

Direito

11.430

42,5

4.664

795

5.459

3.240

21,5

11.393

193

Engenharia

10.055

23,6

2.471

39

2.510

1.239

8,0

7.103

151

Medicina

12.403

15,9

1.586

203

1.789

1.578

10,2

8.854

116

Filosofia

8.444

60,4

3.078

4.832

7.910

4.206

27,1

6.397

288

C.Econ.

3.651

58,5

2.504

144

2.648

997

6,4

2.924

241

Outros

7.282

96,0

4.142

2.850

6.992

4.142

26,8

12.328

194

Todos os

ramos

53.265

37,3

18.445

8.863

27.308

15.402

100

48.999

178

Nestas circunstâncias a oferta de dez mil novas oportunidades de matrícula pela Universidade de Brasília será altamente desejável, sobretudo na medida em que estas se concentrarem nos setores em que são maiores as nossas carências, empenhando-se na formação de profissionais habilitados ao exercício de atividades técnicas mais urgentemente requeridas pelo desenvolvimento econômico.

A lotação total da Universidade de Brasília, se fixada em 10.000 matrículas, poderá distribuir-se de modo que os Institutos Centrais acolham, em média, 1.000 alunos cada, 800 para os cursos introdutórios e 200 para os cursos de formação de especialistas e de pós-graduação. Como os cursos introdutórios para cada tipo de formação serão feitos simultâneamente em diversos institutos Centrais – conforme os créditos que o aluno deva perfazer – as 1.000 vagas previstas não equivalem a igual número de alunos, mas um montante substancialmente menor.

A lotação das Faculdades em 1970 deverá ser prevista para os tipos correntes de graduação e com vagas suplementares, em número pelo menos igual, para modalidades novas de formação especializada.

* O grupo de Faculdades, que formarão quadros para a administração pública e a diplomacia e ministrarão cursos especiais, como por exemplo o de superintendente municipal, poderia oferecer 450 matrículas ou 150 vagas iniciais.

* As Faculdades de Direito, de Ciências Econômicas e de Administração de Emprêsas, para as modalidades tradicionais de cursos e para currículos novos, especializados, poderiam atender a um total de 1.200 alunos, ou 400 vagas iniciais.

* A Faculdade de Educação, destinada a formar professôres e especialistas em administração escolar, em currículos e programas, testes e medidas, etc., para o ensino elementar e médio, poderia ter uma lotação de 1.000 alunos para cursos de duas a três séries anuais.

* As Faculdades de Artes e de Comunicação Visual preencherão as funções hoje exercidas pelas Escolas de Belas Artes, de Arquitetura e de Urbanismos, mas manterão além dos cursos tradicionais, currículos especializados de desenho industrial, arte do livro, artes gráficas, cinema, teatro, televisão e propaganda. Poderão ser montadas para 500 alunos.

* O grupo de Ciências Agrônomas, compreendendo cursos de Agronomia, Veterinária e Zootecnia, Engenharia Florestal e Tecnologia Rural deverá ser estruturado em bases inteiramente novas, em vista do fracasso do padrão tradicional que se tem revelado pouco capaz de atrair estudantes, apesar de sua extraordinária importância econômica. O que se recomenda, nesse campo, à Universidade de Brasília, é criar núcleos de pesquisa e experimentação capazes de desenvolver bases tecnológicas, para a ocupação econômica do Centro-oeste e da Amazônia. Para isto deveria desenvolver, de preferência, a formação de especialistas altamente qualificados para a pesquisa e a assistência técnica naquelas áreas, além de tecnólogos para o estudo dos nossos principais ramos de produção agronômica, florestal e pastoril.

* O setor de Ciências Médicas, compreendendo a Medicina, a Farmácia, a Odontologia, a Higiene e a Enfermagem, é daqueles em que contamos com maior nível técnico e mais alto grau de profissionalização. Apesar disso, raras vêzes se ofereceu a oportunidade de reestruturá-lo em bases melhor ajustadas às condições e às necessidades brasileiras como a que se apresenta, agora, na Universidade de Brasília. A experiência das nossas melhores escolas recomenda a estruturação desta unidade em Institutos Especializados cada um dos quais capaz de dar formação básica para o médico comum, e de abrir perspectivas de especialização para os que desejem dedicar-se a um dado ramo das ciências médicas. A lotação dêste conjunto poderá ser da ordem de 1.500 matrículas, sendo 500 iniciais para os diversos ramos.

* A Faculdade de Engenharia, dividida em Institutos Tecnológicos de Construção Civil, Hidráulica, Mineração, Metalurgia, Mecânica, Eletricidade, Eletrônica e Química Industrial deverá constituir-se como a principal unidade universitária. Receberá, como as demais escolas, alunos bacharelados pelos Institutos Centrais ou alunos já formados em alguns dêstes campos, para ministrar-lhes formação profissional, tendo em vista prepará-los para as atividades produtivas e para a pesquisa aplicada. Formará as modalidades correntes de engenheiros e outras, segundo recomendações dos setores produtivos interessados em mão-de-obra com qualificação específica. Para alcançar êste objetivo os cursos dividir-se-ão em períodos de estudos nos Institutos Tecnológicos e períodos de treinamento na indústria. Além dos engenheiros com currículo completo da Universidade, poderão ser formados técnicos de nível mais baixo que ingressarão diretamente nos Institutos Tecnológicos para completar formação prática ou teórica obtida alhures. Para tôdas estas modalidades de formação, a Faculdade de Engenharia deverá manter matrícula total de 2.100 alunos, cem, em média, para cada unidade.

Professôres e alunos

A relação professor-aluno em nosso ensino superior é, em média de um docente para 4,7 estudantes, variando relativamente pouco de uma universidade a outra, mas, de maneira acentuada, em cada ramo de ensino. Esta proporção seria ótima se se tratasse de professores com dedicação exclusiva, o que, lamentàvelmente, não ocorre, pois nosso magistério superior é geralmente exercido como atividade parcial que só ocupa o docente poucas horas por semana.

A Universidade de Brasília, adotando o regime de dedicação exclusiva para professores regulares, poderá tomar, como têrmo médio, a proporção de um docente para seis alunos, que permite distribuir as tarefas de modo que cada professor tenha um encargo máximo de 10 horas de aula em 40 horas semanais de trabalho. Neste caso, calculando-se sempre em têrmo médio, teríamos para 1.500 alunos, em 1964, a necessidade de um mínimo de 250 docentes e, para 1970, quando a matrícula ascender a 10.000 alunos regulares, cêrca de 1.650 professores. Êste dado aproximativo permite avaliar o vulto da tarefa de selecionar e aperfeiçoar tão grande número de professores em um país carente de pessoal qualificado como o nosso.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

I – LOTAÇÃO PROGRESSIVA - 1964-1970

ALUNOS

Conclusões

Corpo

Pós-

Anos

Institutos

Faculdades

Total

de Curso

docente

Graduação

1964

1.500

-

1.500

-

250

100

1965

3.500

-

3.500

-

600

150

1966

4.000

1.000

5.000

-

850

200

1967

5.000

2.000

7.000

-

1.200

250

1968

5.500

3.500

9.000

1.500

1.490

750

1969

5.500

4.000

9.500

1.500

1.580

1.000

1970

5.500

4.500

10.000

2.000

1.650

1.000

Diante dêstes números se verifica que a mais grave responsabilidade da Universidade de Brasília será a formação de seu corpo docente e que os prazos de três anos para a etapa inicial de instalação e de dez para o conjunto, representam o tempo mínimo necessário para selecioná-lo e prepará-lo em centros de aperfeiçoamento do país e do estrangeiro.

Esta tarefa há de constituir o programa principal da Universidade e para levá-la a cabo será indispensável socorrer-se da ajuda das nossas universidades já amadurecidas, bem como dos organismos internacionais, de fundações estrangeiras que atuam no campo e dos governos que queiram e possam auxiliar neste empreendimento.

Avaliamos que o número de bôlsas de aperfeiçoamento no estrangeiro, necessário para formar as diversas equipes que entrarão em atividade a partir de 1964, será de cêrca de 1.000 em dez anos. Como estas necessidades se concentrarão no período inicial e muitas das bôlsas deverão ser de dois anos, o cumprimento dêsse programa exigirá, de 1962 a 1966, cêrca de 350 disponibilidades anuais de estudos na América do Norte, ou na França, ou na Inglaterra ou em outros países.

Os alunos da Universidade de Brasília serão selecionados em todo o país, através de concurso como o que realiza, hoje, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica, mas assegurando-se a cada unidade da Federação uma quota preferencial de matrícula, proporcional ao número de jovens que terminam o curso médio.

Assim, um Estado que conte com uma quota anual de 100 matrículas preenchê-la-á inteiramente se apresentar igual número de jovens com capacidade de seguir os cursos que se proponham realizar. Neste caso, os candidatos só competirão com seus coestaduanos, naturalmente a partir de um nível mínimo de suficiência exigido pela Universidade. Êsse nível será avaliado através de provas que levem em conta o quociente intelectual do candidato, a sua capacidade de aprender, o domínio dos instrumentos elementares de estudo, como capacidade de redação em português e de leitura em línguas estrangeiras e, finalmente, o grau de aproveitamento revelado nas diversas matérias ministradas no curso médio. Assim, de cada candidato se traçará um perfil intelectual que indicará se êle tem nível para ser admitido na Universidade e, neste caso, para que campos gerais do saber e da técnica revela aptidão.

Como os alunos vindos dos Estados residirão necessariamente na Universidade, deverão contar com bôlsas que cubram todos os seus gastos com estudos e manutenção. Para isto a União deverá custear certo número de bôlsas de valor igual à despesa por aluno-ano da Universidade. Outras bôlsas poderão ser custeadas por Estados Municípios e por emprêsas privadas, estas últimas podendo ser para tipos particulares de formação em que estejam interessadas. Admite-se, também, que certo número de vagas possa ser reservado para alunos em condições de pagar os próprios estudos.

O custeio dos alunos latino-americanos far-se-á com bôlsas parciais do govêrno brasileiro e dos países de origem, mas se deverá apelar para a OEA e para entidades intercontinentais semelhantes, com o objetivo e ampliar êste serviço.

Dada a dificuldade de pessoal destinado a serviços gerais de conservação, já que a cada pessoa contratada para servir em Brasília se precisa prover de residência, êstes serviços recairão principalmente sôbre os estudantes, como ocorre, de resto, nas universidades norte-americanas. Para isto, a bôlsa-de-estudo deverá ser estipulada de modo a estimular os alunos a complementá-la com obrigações de trabalho remunerado durante algumas horas, diariamente, em serviços de conservação de equipamento, catalogação, contrôle, etc.

Programa de obras

Um programa desta envergadura só poderá ser pôsto em execução através de etapas progressivas e bem marcadas. A estrutura da Universidade de Brasília adapta-se, aliás, a êsse procedimento uma vez que os Institutos Centrais, ministrando os cursos introdutórios, devem ser instalados antes das Faculdades; estas só poderão iniciar suas atividades dois anos após a, inauguração dos cursos básicos. Acresce ainda que a singularidade da estrutura da Universidade de Brasília não admitindo transferência de alunos, no período de instalação, permitirá inaugurar, série por série, os diversos cursos, à medida que os serviços respectivos entrem em atividade.

Ao Conselho Diretor apresentar-se-á, portanto, a oportunidade de adotar um programa decenal que preveja, numa primeira etapa, a edificação dos Institutos Centrais, o equipamento dos respectivos laboratórios e o preparo do pessoal docente que nêles deverá trabalhar. Numa etapa posterior, seriam iniciadas as obras das Faculdades e órgãos Culturais. Dado o vulto do empreendimento, se a primeira etapa fôr iniciada em 1961, poderá concluir-se em 1964, quando seriam inaugurados os Institutos Centrais. Neste caso, as Faculdades deveriam ficar concluídas em 1966, de modo que, já em 1968, estariam graduando as primeiras turmas.

Iniciando suas obras em 1961, a Universidade poderia receber, em 1964, os primeiros 1.500 alunos para os cursos introdutórios dos Institutos Centrais e, daí em diante, dois mil novos alunos a cada ano, até completar-se a lotação em 1970, quando teria 10.000 alunos, descontados os graduados no correr do decênio. Êste programa permitiria distribuir as despesas por vários exercícios e evitar, tanto quanto possível, a acumulação dos gastos de edificação com gastos de manutenção.

O plano de cada unidade universitária deverá ser elaborado pelo respectivo assessor, nomeado pelo Conselho Diretor. Mas, tomando-se por base instituições semelhantes, nacionais e estrangeiras, pode-se ter uma idéia global do montante das obras requeridas.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

II - MODULO DOS INSTITUTOS CENTRAIS

LOTAÇÃO

Biblioteca dos

500 m²

Institutos

Séries

Alunos

Turmas

Cursos

400

10

Serviços

20% de área

Introdutórios

400

10

Administrativos

construída

Cursos

50

2

UNIDADE DIDÁTICA

Unid.

Área m²

de

50

2

Grande Anfiteatro ....................

1

500

Formação

50

2

Sala de Conferências ..............

2

250

Pós-Graduação

50

5

Aulas para 50 alunos ..............

10

1.000

Aulas para 25 alunos ..............

15

750

LOTAÇÃO

1.000

31

TOTAL ..........................

28

2.500

DEPARTAMENTOS

Unid.

Chefia

1

50

Conjuntos

Professôres

LABORATÓRIOS

Unid.

m2

Depar-

Titulares

2

60

Laborat.

tamen-

Professôres

Laboratórios

Didático

1

500

tais

Adjuntos

4

100

dos

Laborat.

Assistentes e

Institutos

Pesquisas

5

250

Estagiários

10

250

Oficinas

1

150

Serviços

1

140

Serviços

1

100

Total

18

600

Total

8

1.000

Admitindo-se que a matrícula por Instituto seja de 1.000 alunos, 400 na primeira série introdutória e igual número na segunda, 50 em cada uma das três séries de formação e 50 nos cursos de pós-graduação, procuramos estabelecer um módulo arquitetônico. Para atender simultâneamente a tantos alunos, deverá cada Instituto Central contar com um anfiteatro de 5OOm2, duas salas de conferência para 100 alunos com um total de 25Om2; 10 salas de aula com o total de 1.000m2, 15 salas de estudos e seminários com um total de 750m2, o que, somado, dá o total de 2.500m2 para cada unidade didática.

Os Institutos Centrais, como as Faculdades, se dividem em Departamentos que são as unidades básicas da Universidade. A cada um dêles será necessário assegurar instalações apropriadas para o pessoal docente e os estudantes de nível pós-graduado. Para isto, o departamento-tipo deverá contar com uma sala de chefia que servirá para reunião de professores (5Om2); duas salas para professores titulares (6Om2) ; quatro salas para professôres-adjuntos (100m2) ; dez salas para professor-assistente, instrutores e estagiários (25m2) ; espaço para os serviços administrativos (l40m2) o que soma 600m2 por unidade.

Os laboratórios dos Institutos Centrais ou instalações equivalentes das Faculdades poderão ter como módulo uma unidade didática, com área de 500m2, 5 unidades de pesquisa com o total de 250m2 e igual área para oficinas e serviços, perfazendo um total de l.000m2 por laboratório.

Os diversos Institutos deverão contar, ainda, com áreas de 500m2 para biblioteca e com espaços para serviços, avaliados em 2O% da área total.

À base dêstes módulos, foi montado o seguinte quadro que permite avaliar, aproximadamente, o vulto das obras do conjunto de Institutos Centrais.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

III - INSTITUTOS CENTRAIS

Institutos

Matrí-

Salas

Departament.

Laboratór.

Bibliote-

Admin.

Total

Centrais

culas

Aula m²

Unid.

Unid.

cas m²

1. Matemática

1.000

2.500

4

2.400

1

1.000

500

1.280

7.680

2. Física

1.000

2.500

10

6.000

5

5.000

500

2.800

16.800

3. Química

1.000

2.500

10

6.000

5

5.000

500

2.800

16.800

4. Biologia

1.000

2.500

12

7.200

7

7.000

500

3.440

20.640

5. Geologia

500

2.000

8

4.800

3

3.000

500

2.060

12.360

6. C. Humanas

1.000

2.500

8

4.800

2

2.000

500

1.960

11.760

7. Letras

2.000

2.500

5

3.000

1*

1.000

1.00

1.500

9.000

8. Artes

500

2.000

8

4.800

2*

2.000

500

1.860

11.160

TOTAIS

8.000

19.000

65

3.900

26

26.000

4.500

17.700

106.200

Área equivalente a laboratório, destinada a outros fins)

Para as Faculdades o cálculo é mais difícil em vista do número de serviços complementares de demonstração e treinamento que deverão manter. Êstes podem ter expressão maior ou menor, conforme as conveniências locais e as possibilidades de utilizar órgãos estranhos como centros de treinamento. No caso de Brasília, porém, a Universidade terá de edificar todos êstes serviços, devendo contar, para tanto, com especial ajuda governamental em vista de seu valor extra-universitário. Assim, em lugar de construir-se em Brasília um grande hospital de especialidades para atender à população regional como prevêem os planos da NOVACAP, os mesmos recursos poderão ser destinados a um Hospital de Clínicas que cumprirá êstes objetivos e poderá servir como Hospital-Escola à Faculdade de Ciências Médicas. O mesmo ocorre com respeito a um grande número de instituições e serviços que não podem faltar a uma cidade-capital e que, com vantagens recíprocas, se estruturariam no corpo da Universidade.

O quadro seguinte procura dar uma idéia da área a ser construída, por grandes conjuntos, para as Faculdades, no período 1963/1970.

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

IV - FACULDADES

Lotação

Área m²

9.

Serviço Público - Diplomacia - Ciência Política

400

4.000

e Jornalismo ........................................................

10.

O Direito - Administração de Empresas - Ciências

1.000

7.000

Econômicas .........................................................

11.

Educação e Centros de Educação Elementar e

1.000

20.000

Média ...................................................................

12.

Arquitetura - Urbanismo - Comunicação Visual

500

5.000

13.

Ciências Agronômicas - Agronomia - Veterinária

- Zootecnia - Engenharia Florestal - Tecnologia

Rural ....................................................................

500

10.000

14.

Ciências Médicas - Hospital- Escola. Medicina -

Odontologia - Farmácia - Higiene - Enfermagem

1.500

30.000

15.

Engenharia - Institutos Tecnológicos de Cons-

trução Civil - Hidráulica - Mineração - Metalurgia

- Mecânica - Eletricidade - Eletrônica - Quími-

ca Industrial ........................................................

2.100

34.000

7.000

110.000

Além dos Institutos Centrais e Faculdades, o programa de obras deverá prever a instalação dos diversos órgãos Culturais e Serviços Auxiliares da Universidade. Alguns dêles como a Biblioteca Central e a Reitoria serão obrigatòriamente incluídos na primeira etapa de instalação, outros deverão ser escalonados de acôrdo com o preenchimento das matrículas e um plano de prioridade estabelecido pelo Conselho Diretor.

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V - ÕRGÃOS CULTURAIS

A - AULA MAGNA

Área - m²

Total

16. Auditório para 2.000 pessoas

8.000

17. Reitoria e Prefeitura Universitária

4.000

18. Biblioteca Central

6.000

19. Editôra Universidade de Brasília

2.500

20. Rádio Universidade de Brasília

2.500

21. Centro Recreativo e Cultural

5.000

28.000

B - MUSEUM

22. Museu da Civilização Brasileira

5.000

23. Museu da Ciência

5.000

24. Instituto Central de Arte

(7.500)

25. Arquitetura - Urbanismo - Comunicação Visual

(5.000)

10.000

C - ESTÁDIO UNIVERSITÁRIO

26. Construções cobertas

10.000

27. Construções a descoberto

40.000

50.000

88.000

Dentre os Serviços Auxiliares destacam-se, pelo seu vulto, dois itens, a saber: o programa de habitações e os serviços públicos e de urbanização. O primeiro equivalerá à metade da área edificada da Universidade. Sua realização poderá efetuar-se num período de 10 anos acompanhando a progressão das matrículas até completar-se com o preenchimento da lotação da Universidade. Para 1964 serão necessários, só neste item, quase 80.000m2 de obras. O segundo compreenderá obras de grande envergadura que ficarão a cargo da Companhia Urbanizadora da Nova Capital, por disposição da lei que institui a Fundação Universidade de Brasília.

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VI - SERVIÇOS AUXILIARES

 

28. Habitações (programa para 1964)

A. Professôres e Funcionários

a) 50 casas ou apartamentos de 200m²

10.000

b) 100 casas ou apartamentos de 150 m²

15.000

c) 200 apartamentos de 100 m²

20.000

d) 100 apatamentos de 50 m²

5.000

50.000

B. Estagiários e alunos

a) 4 edifícios para 400 rapazes cada um

16.000

b) 1 edifício para 400 môças

4.000

c) 2 edifícios para 200 estagiários

6.000

26.000

29.

Serviços Públicos (a cargo da NOVACAP)

A. Água - Luz - Energia - Esgotos

B.

Restaurantes - Comércio - Cooperativas -

Lavanderias

C.

Transportes e comunicações

D.

Almoxarifado - oficinas de manutenção e

reparos - Limpeza pública

20.000

20.000

96.000

O programa de habitações para 1970 exigirá a construção de mais de 200.000 m2 de residências para atender a tôda a população universitária, residente no campus, que deverá alcançar, naquele ano, 15.000 pessoas.

O conjunto de obras da Universidade de Brasília deverá orçar, portanto, em cêrca de 600.000 m2, a serem edificadas em 10 anos. O cronograma seguinte procura exprimir como as obras se distribuirão ao longo do período 1961/1970, indicando os momentos de início e término de cada conjunto e a área a ser construída por ano.

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VII - CRONOGRAMA DAS OBRAS - 1961/1970

UNIDADES

1961

1962

1963

1964

1965

1966

1967

1968

1969

1970

1. Institutos

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2. Faculdade

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.........

 

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3.Aula Magna

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.........

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4. Museum

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5. Habilitações

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6. Estádio

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7. Serviços Auxiliares

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.........

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.........

.........

.........

.........

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Milhares de m²

50

100

200

300

350

400

450

500

550

600

Programa financeiro

Para calcular o orçamento total do empreendimento se devem prever, como principais parcelas, o custo das edificações, do equipamento didático, dos laboratórios e bibliotecas e o financiamento do programa de aperfeiçoamento do pessoal docente, no país e no estrangeiro. As despesas com a urbanização da área e com serviços públicos de água, luz, esgotos, transporte e comunicações ficarão, como foi dito, a cargo da Companhia Urbanizadora da Nova Capital.

O custeio das despesas com edificações que ascendem a 9 bilhões de cruzeiros poderá ser feito com os recursos do patrimônio da Fundação que será de dois bilhões de cruzeiros (dotação inicial e 12 superquadras de Brasília, para venda) e de sua renda, no período, que deverá orçar em cinco bilhões de cruzeiros, complementados com dotações orçamentárias globais da União. Estas não serão muito vultosas, levando-se em conta o que despendemos anualmente com a rêde de universidades federais e que muitas despesas serão meramente substitutivas porque se aplicarão em obras que, se não forem feitas através da Universidade, teriam que ser efetuadas de qualquer maneira para dotar a cidade de hospitais, escolas de demonstração, museus, e outros serviços indispensáveis.

A instalação e manutenção da Rádio Universidade de Brasília será custeada, por determinação legal, com metade dos rendimentos da Rádio Nacional. A Editôra Universidade de Brasília deverá operar com um fundo rotativo de 50 milhões de cruzeiros, criado pela lei que institui a FUB.

Para o custeio da aquisição do equipamento dos laboratórios e do acervo básico das bibliotecas, avaliado em 4.750 milhões de cruzeiros, poderia ser solicitada a colaboração do Fundo Especial das NAÇÕES UNIDAS mediante o acôrdo que fizesse da Universidade de Brasília um centro-pilôto de formação técnica e científica para a América Latina. Aquela instituição tem dado contribuições dêsse gênero, é certo que de menor vulto, mas conta com recursos financeiros suficientes para o empreendimento e teria, no presente projeto, a oportunidade de associar-se a um programa universitário completo para servir a um grande número de países, num campo em que se defrontam todos com enormes deficiências.

O aperfeiçoamento do pessoal docente da Universidade demandará, também, despesa ponderável, avaliada em 2.250 milhões de cruzeiros, a maior parte a ser realizada em moeda estrangeira. Nesse campo também se deverá apelar para a ajuda de instituições corno a OEA e a UNESCO que mantêm serviços de bôlsas-de-estudo, e para Fundações como a Ford, Rockefeller e outras devotadas à assistência técnica e à formação de pessoal cientlfico. Dado o vulto do programa e a influência que a nova universidade deverá exercer no país, poder-se-á solicitar, também, a colaboração governamental de países como os Estados Unidos da América do Norte, a França, a Inglaterra, a Alemanha, o Japão e outros que, preoccupados em manter vínculos culturais com nosso povo, provavelmente conviriam em participar do empreendimento.

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VIII - ORÇAMENTO DE CUSTO EM MILHÕES DE

CRUZEIROS - 1961/1970

Despêsas

1961

1962

1963

1964

1965

1966

1967

1968

1969

1970

Totais

1. Edificações

750

750

1.500

1.500

750

750

750

750

750

750

9.000

2. Equipamento

-

500

500

500

1.000

1.000

500

250

250

250

4.750

3. Aperf. de Pessoal

250

250

250

250

250

200

200

200

200

200

2.250

Totais Anuais

1.000

1.500

2.250

2.250

2.000

1.950

1.450

1.200

1.200

1.200

16.000

Podem contribuir ponderàvelmente para atender esta classe de despesa, diversas instituições particulares, sindicatos, grupos econômicos e emprêsas privadas e de economia mista que operam serviços ou se dedicam a formas de produção que exigem pessoal de alta qualificação técnico-científica. Esta colaboração poderá efetuar-se através de convênios que interessem determinadas instituições, na instalação de unidades específicas da Universidade. Êste é o caso, por exemplo, da Petrobrás, com respeito ao Instituto de Geo-Ciências da Universidade que poderá ser projetado, mediante convênio e financiamento daquela emprêsa, para formar os especialistas de que ela mais necessita. Acôrdos da mesma natureza poderão ser propostos à indústria automobilística, em relação ao Instituto Tecnológico de Mecânica; à indústria eletrônica com relação ao Instituto Tecnológico de Eletrônica; à indústria farmacêutica, com respeito ao Instituto de Farmacologia e, ainda, às emprêsas metalúrgicas, de mineração, de produção de energia elétrica e outras, para o patrocínio de órgãos universitários de pesquisa, de assistência técnica e de formação de pessoal especializado nos respectivos campos.

O Banco de Desenvolvimento Econômico, o Banco do Brasil, e órgãos de desenvolvimento regional como a Sudene, poderão contribuir para a instituição, na Universidade, de um Centro de Pesquisas Econômicas e de formação de economistas, bem como de pessoal para a administração de empresas.

Naturalmente muitas dificuldades se apresentarão para a execução dêste programa, dado o isolamento em que têm vivido nossas instituições de ensino superior, habitualmente desvinculadas dos problemas da produção e dada a falta de uma tradição de convívio e ajuda entre a Universidade e a Indústria. Mas, nos últimos anos, os dois setores vêm tomando consciência de sua recíproca complementariedade e um programa desta ordem já encontraria algumas condições de realização que permitiriam acelerar o plano de instalação da Universidade de Brasília de modo que alguns dos seus setores entrassem em funcionamento antes dos prazos previstos.

PRONUNCIAMENTO DE EDUCADORES SÔBRE O PROJETO

A Revista Anhembi, dirigida pelo Prof. Paulo Duarte, publicou, em seus números 126, 127 e 128, correspondentes aos meses de maio, junho o julho de 1961, depoimentos de vários educadores sôbre a estrutura e organização da Universidade de Brasília.

Divulgamo-los juntamente com pronunciamentos de professôres universitários e cientistas a O Metropolitano, órgão oficial da União Metropolitana de Estudantes.

Abrindo a série, o Prof. A. Almeida Júnior, da Fac. de Direito da Univ. de S. Paulo:

"1. Fim do século XIX. Consulta do govêrno japonês ao químico Wilhelm Ostwald: "Queremos mandar à Europa moços inteligentes e promissores, para que pelo estudo se convertam ern grandes homens. Como escolhê-los?" Resposta de Ostwald: "Processo infalível não há. O melhor é mandar os que se mostrarem descontentes com o ensino de seus professôres. Há muito tempo tive um aluno descontente com o ensino de seus professôres". Inclusive com o meu. Formado, sumiu. Decorridos alguns anos, ouvi falar nêle: já era um nome consagrado entre os indianistas da América. Depois, um sociólogo. Hoje, uma autoridade em educação. Chama-se Darci Ribeiro. Não é que deu certo o testo do alemão?

2. A "Universidade de Brasília", de Darci Ribeiro, merece atenção e estudo. É o trabalho de um líder. Antes de construir o futuro edifício, o ilustre renovador procura pôr abaixo tudo quanto nesta área mal cuidada existe no país: para "as condições presentes (diz êle) só uma universidade nova", convindo falar em "instauração" e não em "reforma". Dando-se um certo desconto ao seu impeto iconoclasta, concorda-se quase sempre com o diligente coordenador do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais.

3. A cátedra vitalícia tem defeitos – e, êsses defeitos, Darci os aponta com acêrto. Mas a inexistência do "loteamento" (como êle diz) e da "vitaliciedade" - êle próprio o reconhece – seria muito pior. O loteamento, no caso, significa especialização (não é monopólio); a vitaliciedade representa, tanto no Brasil como no estrangeiro, o baluarte da liberdade de cátedra. Os males que Darci Ribeiro enumera, e que de fato infelicitam certos setores de nosso ensino superior, residem muito menos na instituição da cátedra do que na personalidade de uns tantos catedráticos (que não cultivam devidamente o seu lote de terreno) e também na inércia dos órgãos que fecham os olhos aos abusos. Temos leis: mas os que as cumprem são poucos. Volto, portanto, ao lugar-comum de que me apropriei há muitos anos: o de que precisamos é de reformar as autoridades, os professôres, os estudantes, a sociedade. E isto está acontecendo, embora devagar.

4. Darci Ribeiro acredita na eficácia das reformas institucionais. Eu tarnbém. A diferença está na dose: êle acredita muito; eu, muito menos que êle. Tomo para exernplo o confronto entre a cátedra (que Darci condena) e o departamento (que êle preconiza). Pois a realidade brasileira, ao alcance da nossa inspeção, pode mostrar cátedras eficientes e cátedras ineficienes, tanto quanto departamentos produtivos e departamentos estéreis. Outro exemplo, o regime de tempo integral, ou de "dedicação exclusiva". Foi um passo feliz a sua instituição na Faculdade de Medicina de São Paulo, que a êle deveu, em grande parte, o seu progresso. Mas de então para cá, quantos abusos têm ocorrido!

5. No tocante ao currículo do sistema em vigor, o arquiteto da "Universidade de Brasília" formula duas críticas: a imposição de padrões idênticos para cada categoria profissional, e a rigidez dos currículos normais, que impede combinações curriculares adequadas às novas profissões. Ambas as críticas procedem; mas até certo ponto. Por que? Porque de uns anos a esta parte, graças à nova jurisprudência do Conselho Nacional de Educação, tem havido afrouxamento no respeito sagrado aos velhos padrões de 1930 (como se pode ver em relação a certas escolas médicas, por exemplo). De outro lado, nada impede (salvo a falta de verba) que os institutos de ensino superior façam funcionar cursos pós-graduados de especialização; mesmo porque os certificados que lhes correspondem não conferem novos direitos aos respectivos titulares e, assim, independem de registro. Veja-se, nesse sentido, a recente lei estadual paulista que, para substituir o obsoleto curso de doutorado em direito, da reforma federal de 1931, instituiu cursos de especialização bastante flexíveis. Cursos superiores para as novas profissões, também podem ser criados, e a velha e inexplicável condição de pré-existência de padrão federal, foi derrogada em 1946. Todavia, devemos reconhecer que os cursos dêsse tipo, previstos na "Universidade de Brasília", podem organizar-se mais facilmente e em maior escala.

6. Entre as inovações da "Universidade de Brasília" figura o método "tutorial" de certas universidades inglêsas, e que a Harvard, nos Estados Unidos, adotou parcialmente. O livro admirável de Gilbert Highet, A Arte de Ensinar, tradução de Lourenço Filho, mostra as inegáveis virtudes do método, mas refere também suas dificuldades e limitações. De idêntico sentido, e muito mais severas, são as páginas que a êste assunto dedicou o conhecido relatório harvardiano publicado em 1946 sob o título de General Education in a Free Society. As críticas podem resumir-se do seguinte modo: o método "tutorial" é ótimo, mas para determinados alunos; só produz bons resultados nas mãos de uns poucos professôres; só dá certo em relação a alguns ramos de estudo; só é possível quando a instituição pode gastar muito dinheiro. Por minha conta pergunto ainda: deve a lei, o estatuto, ou o regulamento impor à universidade o uso deste ou daquele método didático?

7. Da administração da Universidade de Brasília há muito que dizer; mas as aperturas do tempo me obrigam a parar aqui. O mérito principal do exaustivo trabalho de Darci Ribeiro está, para mim, na seriedade e meticulosidade, com que o eminente educador examinou o seu tema e, acima de tudo, na sua atitude francamente renovadora. Com a grande inteligência, a grande cultura e o infatigável desejo de "servir", que o caracterizam, Darci Ribeiro irá desempenhar, certamente, papel de relêvo na formulação das reformas educacionais que o Brasil vem reclamando. É um líder que aí está, e do melhor padrão".

O Prof. Jayme Abreu, Coordenador da Divisão de Estudos e Pesquisas Educacionais do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais:

"Ao ensejo da Instituição da Universidade de Brasília, vários são os temas que a êsse importante propósito devem ser postos.

Pode discutir-se se existem em Brasília condições culturais que estimulem o funcionamento de uma Universidade, representando aquêle necessário fermento alentador do viço de frutos naturais da cultura, sem o qual se poderia resvalar para uma inautenticidade artificial, inoperante.

Pode debater-se, em relação ao desenvolvimento cultural do país, se é justificável, prioritàriamente, o grande Investimento financeiro a fazer e a mobilização do rico capital humano de uma fina flor de professores a técnicos, nacionais e estrangeiros, face a necessidades outras já agudamente sentidas em áreas brasileiras de clientela universitária certa e de tradição cultural consistentemente consolidada, como, por exemplo, São Paulo, Guanabara, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Pernambuco e Bahia.

Pode questionar-se, e seria pertinente se seria viável obter-se no rlgidamente estratificado aparelho universitário brasileiro, as imperiosas modificações estruturais que o nosso desenvolvimento exige inadiàvelmente, diante da soma de interesses investidos e de direitos adquiridos no status quo "latifundiário" das cátedras.

Podem ser postos em exame os virtuais reflexos saudáveis que uma organização universitária em novos moldes acarretaria para rejuvenescer e vitalizar a recente e já ultrapassada estrutura universitária nacional.

Pode e deve debater-se a estrutura organizatória mais própria a essa Universidade, os princípios que a devem reger, incorporando à básica consideração dos aspectos brasileiros, as necessárias conexões com modelos universitários outros da cultura universal, com a atenção devida ao sentido do universal próprio a uma Universidade.

As considerações a seguir visam a uma abordagem do último desses tópicos, vale dizer, da estrutura geral da novel Universidade em relação ao que há de mais definidor de modelos universitários mais próximos, como seriam o europeu ocidental, o norte-americano e o latino-americano.

Em verdade, é de tôda oportunidade êsse debate, aqui apenas suscitado, entre o clássico modêlo europeu e o novel modêlo norte-americano, por isto que há entre ambos diferenças tão essenciais, fruto de propósitos tão diversos, que chegam a tornar questionável a possibilidade do paralelo.

É efetivamente difícil ao scholar europeu clássico entender e aceitar os moldes universitários americanos que rejeita, por isso que se lhe afiguram êles uma extravagante distorção e um espúrio abastardamento do seu tradicional conceito de universidade.

Cremos, outrossim, que não seria uma pura falácia conjectural o admitir-se que boa parte da elite cultural brasileira reagiria à moda européia ao modêlo universitário norte-americano, pois, em que pêse à penetração e à assimilação de certos modos de ser da cultura americana em áreas urbanizadas e industrializadas do Brasil, no campo da educação institucionalizada, de vagarosa dinâmica, e, dentro dela, no aparelho universitário, ainda prepondera o espírito europeu, francês particularmente, que chegou a ser, praticamente, o dominante na elite brasileira da belle époque, que se estendeu até a revolução de 1930 e que persiste inconformada ante o advento do "barbarismo" tecnológico norte-americano.

Não são assim raras entre nós as manifestações de horror e repúdio, no melhor estilo europeu, ao "abastardamento" americano de cursos universitários como, entre outros, aquêle freqüentemente glosado, da Universidade da Flórida, "de venda científica de passagens aéreas", possivelmente, à luz de um entendimento construtivo, não preconceituoso, uma atividade prática no campo de estudos de psicologia que não se querem limitar a eruditas dissertações sôbre teorias psicológicas.

Tampouco são infreqüentes distorções, incompreensões totais da filosofia educacional de Dewey, e suas implicações no sistema educacional americano, na rnedida em que representa ela uma teoria instrumental do conhecimento ao invés de constituir pura área de especulação metafísica, posição que comentadores menos atentos errôneamente admitem limitada por Dewey apenas para valer para a escola primária, sem aplicação à escola média e muito menos à superior, como se pudesse ser êste o caso.

Vamos procurar, assim, resumir alguns daqueles aspectos mais definidores do espírito geral da educação nos Estados Unidos, na parte que contém maiores implicações no campo universitário, segundo os aponta George S. Counts em "O espírito da educação nos Estados Unidos".

É preciso, preliminarmente, não perder de vista uma circunstância muito importante e que explica muita coisa, no cotejo entre a educação européia e a norte-americana, qual seja a de que o contrôle das escoias americanas em última análise compete ao povo, em que pesem intervenções sofridas de parte de grupos ou de classes privilegiadas, por motivos religosos ou de outra natureza.

Não é da tradição educacional americana e o mesrno não pode ser dito da Europa – pura e simples imposição de cima para baixo de modelos escolares por altas castas burocráticas, conselhos de sábios ou de sacerdotes, estadistas ou por alguns poucos membros da classe intelectual de um governo centralizado, sem considerar qualquer diálogo com o povo.

No nível primário e médio são juntas escolares, com o caráter de representação social, quase tôdas eleitas pelos membros da comunidade, que controlam e aprovam os rumos de funcionamento das escolas.

No nível superior, mais particularmente nas escolas públicas, é ainda relevante êsse contato com o povo mediante o canal de comunicação dos boards diretivos, de composição social, que evitam se clausure a escola na tôrre de marfim de sua própria corporação, desvinculada senão alienada, dos interesses compartilhados de sua matriz social.

Êsse pormenor, que pode quiçá parecer menos importante à primeira vista, em verdade não o é, pois é por êle que se chega a dar ênfase à orientação social da Universidade, evitando a freqüente distorcão de passar ela a se nutrir de sua própria substância, considerando-se um fim absoluto em si rnesma, ao invés de ser órgão a serviço de um Organismo muito mais amplo, que é a nação.

Outra idéia-fôrça da democracia, atuante necessariamente no seu aparelho escolar, é a da igualdade de oportunidades, implicando o desenvolvimento de um sistema educacional público, universal, aberto a tôdas as classes sociais, da escola primária à Universidade, muito ao contrário da comum tradição européia de um programa escolar restrito para as massas e extenso e rico para as classes privilegiadas. Se ainda existem sensíveis violações a essa conquista máxima da democracia americana – um sistema escolar universal – como é, por exemplo, o caso dos negros no Sul, são, todavia, exceções que, combatidas, vão gradualmente desaparecendo.

É preciso não perder de vista, por sua importância, êsse aspecto que é daqueles donde emanam as mais relevantes diferenças entre o sistema universitário americano e o europeu: em 1958 tinham os Estados Unidos, da população escolarizável em nível universitário, 25% de matrículas contra 5%, na Europa Ocidental...

Outro valor plenamente atuante na cultura americana com implicações necessárias na educação, em todos os seus graus e ramos, é o da utilidade prática do conhecimento.

Instrumentalizá-lo para ganhar a vida, melhorar seus níveis, ao invés de sua pura fruição estética, foi sempre preocupação essencial ao modo de ser americano.

"Desde a época de Benjamin Franklin se veio edificando um sistema escolar afastado da estreita tradição do clero e da aristocracia, adaptando-se, sem reservas, às necessidades da indústria, da agricultura, do comércio, da vida diária" (George S. Counts – "O espírito da educação nos Estados Unidos").

Isto trouxe como corolário, é ainda George S. Counts quem o acentua, no trabalho acima citado, "uma revolução na escola média e na universitária", refletida seja no tremendo aumento de matrícula, seja nas alterações dos planos de estudos, montados essencialmente para o desenvolvimento de ciência o de tecnologia, ao invés de o serem para o prevalecimento de estudos à base da erudição contemplativa, para gôzo de uma elite aristocrática.

As escolas médias e superiores dispõem-se assim a ensinar os assuntos que representem ponderável interesse dos seus clientes e da sociedade a que servem, sem rejeições liminares por intelectualismos aristocráticos, sem estabelecer uma rígida discriminação de dignidade acadêmica de assuntos.

Expressão dêsse valor cultural americano, que é a instrumentalidade do conhecimento, é a filosofia experimentalista de John Dewey, permeando afinal tôda a teoria educacional americana e representando, do mesmo passo, justificação filosófica do método científico experimental e expressão própria ao espírito da civilização industrial que vigora na América.

Evidentemente, a confluência de valores como êsses resulta na cornposição de um contexto cultural fundamentalmente diverso em relação àquele europeu ocidental, com entendimento diferente do que é educação, seu conteúdo e extensão e do que é universidade e do para que e como deve existir.

Recebendo inicialmente e largamente a contribuição cultural européia, ao reconstruí-Ia no seu nôvo mundo, constituiu objetivo deliberado da educação americana "deseuropeizar" os novos cidadãos de lá provindos, em relação a velhos moldes culturais de origem, para enculturá-los no nôvo mundo em processo de formação.

A educação européia em grande parte e a universitária de preferência se propõem a preparar uma limitada elite, provinda essencialmente das camadas sociais mais altas, que irá dirigir-lhe a vida econômica, social e política de jeito a preservar-lhe a estrutura de classe.

Educar passa assim a ser apenas transmitir às gerações novas a herança das civilizações passadas.

Essa estática maneira européia de ver a educação, no fundo corresponde, filosoficamente, à posição do conhecido silogismo de Hutechins de que "a verdade em tôdas as partes é a mesma; que a educação é para propagar a verdade; e que por isso a educação deveria ser a mesma em tôdas as partes e épocas".

Êste não é, todavia, o prevalecente modo de ver americano que, dinâmicamente, acredita que a verdade, como a conhecemos, muda na medida em que evolui o mundo e o nosso conhecimento.

Um conceito como êsse jamais fundamentaria a existência de aristocráticos e estratificados subjetivismos idealistas centralizadores em educação, como ocorre em boa parte na Europa, por isso que, ao contrário, constitui matriz de diversidade e de experimentação, com todos os seus defeitos e dificuldades reconhecidos, mas representando, sempre, base para competição e progresso.

Dewey e seus partidários, é preciso acentuar, sempre se insurgiram contra a posição da chamada "escola de Chicago", na questão da relação entre teoria e prática, pretendendo a mesma isolar a conceptualização no campo dos colleges e universities e destinar a prática aos institutos técnicos e à vida corrente.

Dewey e seus adeptos objetavam à viabilidade do ensino e da aprendizagem de conceitos fora do contexto em que são exemplificados.

Nem conceitos, segundo êles, seriam objetos primários do conhecimento e sim instrumentos para chegar ao conhecimento da realidade.

Rumos utilitários aprovados e encorajados na educação superior americana, são, assim, considerados como concomitantes naturais do processo democrático, como afirma John S. Brubacher ("Higher Education in Transition").

"Nada é mais extraordinário em nossa história educacional", escreve Frederick Jackson Turner, "do que a firme pressão da democracia sôbre as universidades para adaptá-las às necessidades de todo o povo".

E o tremendo crescimento, com o enfrentar de elevados ônus para manutenção tão ampla da educação superior americana são devidos, em grande parte, ao desejo de atender às necessidades e demandas do povo, não há como, procedentemente, contestá-lo.

Êsse propósito, como o analisa Brubacher, filho de uma concepção de igualitarismo social da democracia, não significa o descurar de aspectos qualitativos, mas apenas a substituição de uma meta aristocrátca por uma democrática.

As dimensões jacksoniana e jeffersoniana da Universidade compuseram-se mediante sistema de eletividade onde os valores do homem comum ganharam original presença no currículo, sem sujeição a qualquer aristocrática hierarquia fixa de valores educacionais, admitindo assim que esta ou aquela matéria seriam igualmente boas entre si para permitir ingresso aos estudos superiores, desde que ensinadas competentemente e em tempo equivalente.

Evidentemente, nesta rápida súmula caracterizadora de alguns aspectos essenciais à educação e à Universidade americana, se contêm valores diferentes dos preponderantes no mundo europeu ocidental.

Não se julgue todavia que a cultura européia ocidental não sinta hoje a necessidade de rever e formular mudanças em seu sistema educacional, do que o Butler Report na Inglaterra e os trabalhos da Comissão Langevin – Wallon de reformas educacionais na França, são, por exemplo, provas evidentes. Tampouco a educação norte-americana deixa de ser objeto de permanente e profundo processo crítico.

O que é certo porém é que desde que se ampliem as oportunidades de educação, o mesmo problema americano da qualidade e da diversidade na quantidade surgirá aos europeus, com inevitável revisão de suas fechadas filosofias de educação, de seus valores em tôrno a um intelectualismo acadêmico que é fim em si mesmo.

Que rumos tomará a novel Universidade de Brasília, nessa encruzilhada crucial de sua instituição, onde haverá inevitável balizamento de diretrizes? Aproximar-se-á mais do tradicional modêlo ocidental europeu ou buscará inspirações razoáveis no novel modêlo americano? Incorporará o que de melhor houver em um e em outro, em relação à problemática nacional brasileira?

O seu conceito de autonomia, conquista porfiada que é preciso preservar, não é todavia para ser candidato daquela forma a que alude R. Munizaga Aguirre, "como uma superior e intangível essência metafísica", nem para retirá-la da realidade nacional, mas, ao contrário, para dar-lhe condições de pensar e formular sôbre ela seus problemas e soluções, com as condições necessárias ao êxito da tarefa.

Sem pretender, evidentemente, sobrepor-se à tarefa dos políticos e governantes na solução de problemas político-sociais, a tarefa universitária no caso é dar-lhes, como instrumentos à ação, os recursos do pensamento científico de que é guardiã e oficina.

Todo o nosso pensamento desejoso em tôrno à novel Universidade que se cria, é assim no sentido de que pense e repense ela acuradamente sua missão e sua tarefa e que, viva e dinâmica, se organize e se ponha à altura do desempenho das sérias responsabilidades que lhe cabem, como diz Anisio Teixeira ("A Universidade e a liberdade humana") "na redireção da vida social, no sentido da formação democrática e moderna da cultura brasileira".

O Prof. Florestan Fernandes, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo:

"O projeto de criação da Universidade de Brasília representa o passo mais avançado que já demos no sentido de submeter nossas instituições universitárias a um planejamento racional, modernizado e integrativo. Êle leva em conta e permite contornar algumas das principais dificuldades que encontramos nas experiências universitárias empreendidas, dignas de consideração, como as de São Paulo e do antigo Distrito Federal (Universidade do Brasil). Doutro lado, consegue propor a questão em têrmos práticos, combinando eficiência do ensino, crescimento da pesquisa com economia nos gastos.

No entanto, não me sinto, apesar disso, apto a opinar sôbre sua viabilidade no meio brasileiro e, muito menos, sôbre sua superioridade diante de outras soluções possíveis. Para falar com franqueza, ainda não tive oportunidade de fazer um estudo comparativo rigoroso sôbre os diferentes modelos de organização de universidades, o rendimento didático e científico que êles oferecem, os gastos que envolvem, o pessoal qualificado que exigem, etc. Minhas opiniões, consubstanciadas em duas publicações, divulgadas pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, e em algumas digressões de caráter geral,1 fundam-se nos aspectos negativos do nosso "ensino superior". Seria preciso ir além, principalmente através da análise de tentativas de outros países, melhor sucedidos a êsse respeito, para formar uma idéia clara do que seria conveniente realizar-se entre nós, tendo em vista os recursos materiais, culturais e humanos de que dispomos.

Mesmo assim, penso que será difícil cercar a fundação dessa Universidade das garantias que a emprêsa requer. Até agora, o Govêrno Federal não tem primado por excesso de zêlo no tocante ao ensino superior... Bem ao contrário: projetos mais ou menos razoáveis perdem-se numa ânsia de aventura e numa tendência irrefreável de atender a aspirações que são incompatíveis até com a decência. Basta que se atente para a chamada federalização de escolas superiores, em diferentes regiões do país, para que se compreenda a natureza dos obstáculos que ainda não tentamos superar, A federalização constitui um verdadeiro processo de consagração e oficialização de escolas superiores que, na maioria das vêzes, deveriam ser sumàriamente fechadas pelo Executivo. Enfim, um processo pelo qual candidatos a empregos seguros ficam "catedráticos", sem prestação de concursos, e grande parte das nossas cidades alcançam a euforia de possuir faculdades disto ou daquilo! Empulha-se o povo e destrói-se, improdutivamente, parcelas enormes dos escassos recursos aplicados à instrução.

À luz dêsses fatos amargos, dos quais devemos tomar consciência para lutar contra êles e defender uma orientação diversa na disseminação e na expansão do nosso ensino superior, são magras as perspectivas que se nos abrem de otimismo e de esperanças. O projeto possui inegáveis qualidades e merece ser encarado com a devida seriedade, pelo que contém de positivo para a renovação de nossos hábitos intelectuais. Todavia, os projetos por si só não bastam. É preciso que exista clima intelectual apropriado, que incentive o florescimento contínuo das experiências. O que aconteceu em São Paulo, com a nossa Universidade – presumìlvelmente a que está em melhores condições na situação cultural brasileira – demonstra que não nos devemos contentar com o projeto e a sua aprovação. Impõe-se estabelecer uma política definida de defesa e de desenvolvimento de seus centros de ensino e de pesquisa, a qual não será bem recebida enquanto não se encarar com espírito de responsabilidade a significação e a importância ímpares de tais instituições. Pelas declarações do atual Ministro da Educação, nada se pode inferir de auspicioso para o destino das instituições escolares nos próximos anos. Continuaremos a sofrer os mesmos males do passado, com a improvisação a consumir esforços, energias e recursos, que poderiam ser melhor empregados em outros fins. Além disso, os boatos que circulam a respeito da Fundação da Universidade de Brasília não são por si mesmos animadores. Existem interesses escusos de tôda sorte tocaiando a realização: políticos com candidatos para postos importantes, influências que distribuem lugares-chaves para semi-especialistas (para não dizer coisa pior) e por aí a fora. Somando-se ocorrências dessa ordem com a incompreensão reinante a respeito das condições de trabalho e do rendimento de uma universidade, pode-se temer pelo que irá acontecer a um projeto, sob todos os títulos digno de aproveitamento construtivo.

Em virtude de não ter, ainda, opinião formada sôbre o assunto, sinto-me inibido no exame das questões mais graves, suscitadas pelo projeto no plano organizatório e funcional. Não sei se os institutos centrais irão funcionar com a devida plasticidade. Os alunos e os professores não encontram, no atual sistema "universitário" brasileiro, possibilidades de trabalho interdisciplinar. Se não se tomarem medidas decisivas, os institutos centrais poderão recair nesse estado de isolamento, impedindo uma comunicação frutífera que, nos melhores centros universitários, atende à curiosidade da mente humana e começa nos primeiros anos da vida escolar dos alunos. Outro ponto, que merece atenção, está na conglomeração de matérias díspares no Instituto de Ciências Humanas. Entendo que se aplicou dois padrões organizatórios discrepantes no planejamento dos institutos centrais. As ciências de laboratório tiveram reconhecidos os seus méritos e as suas necessidades fundamentais. O mesmo não ocorreu com as ciências sociais, tratadas de forma insatisfatória. Em primeiro lugar, é incompreensível e inaceitável a posição em que ficou a filosofia. Há uma separação nítida e insuperável entre ciência e filosofia. Assim como existem institutos centrais de diversas disciplinas científicas, de letras e de artes, deveria haver um instituto central de filosofia. Só dêsse modo o ensino da filosofia poderá expandir-se e a contribuição dos vários especialistas nos diferentes campos da filosofia tornar-se útil ao cientista moderno; e quer me parecer que só assim êsses especialistas poderão contar com condições para tirar proveito dos avanços da ciência. Em segundo lugar, acredito que a história, pelo menos, deveria receber um tratamento especial. Ninguém ignora que o historiador e o cientista social realizam tarefas que dependem de uma colaboração estreita, contínua. Isso não implica, porém, que se procure comprimi-los num mesmo instituto central, fazendo a história correr novos riscos de sufocação de campos de trabalho e de diminuição dos recursos para o ensino ou a pesquisa. O número de Institutos centrais aumentaria, mas êsse não deve ser obstáculo essencial. Na verdade, quando se adota o critério de converter os institutos em estrutura básica da universidade, o número dêles importa muito menos que sua organização, a maneira pela qual são entrosados e, principalmente, o espírito de trabalho que deverá presidir à produção intelectual no conjunto. Por fim, restaria fazer algumas restrições à estruturação do Departamento de Sociologia, que foi projetado de forma relativamente obsoleta. Mas, isso pode ser pôsto de lado, como matéria de interêsse particular e limitado.

O que releva notar é que estamos diante de um esfôrço autênticamente inovador. A estrutura e as funções da Universidade foram pensadas com vistas para o mundo moderno – as necessidades de preparação do homem, que resultam do pensamento científico e da tecnologia da era industrial. Muitas dessas questões não se impõem, literalmente, a partir das exigências da situação histórico-social brasileira. Elas decorrem, porém, do sentido do processo civilizatório pelo qual está passando ou irá passar no futuro próximo, inevitàvelmente, a sociedade brasileira. Temos escamoteado demais a ligação íntima do desenvolvimento econômico-social com o desenvolvimento da educação, da ciência e da tecnologia. O presente trabalho do professor Darci Ribeiro tem o elevado mérito de propor tais questões pragmàticamente, procurando associar a solução de nossos problemas universitários às exigências dinâmicas do desenvolvimento sócio-econômico do Brasil. O retrato que nos traça da futura Universidade de Brasília está projetado sôbre essa complexa realidade, que é o estado presente o a condição futura da civilização ocidental em nossa terra. Os homens cultos e de boa vontade não poderão negar-lhe sua simpatia e colaboração, pois estão em jôgo interêsses e valores fundamentais seja para o bom funcionamento de Brasília, como capital do país, seja para a revisão e aperfeiçoamento dos padrões de trabalho intelectual, que temos explorado ao longo de nossa curta experiência universitária."

O Prof. Milton da Silva Rodrigues, Diretor do Centro Regional de Pesquisas Educacionais de São Paulo:

"Acabo de ler o artigo de Darci Ribeiro sôbre a sua criação, a Universidade de Brasília. Três são os pontos-de-vista dos quais pode êsse trabalho ser comentado: 1º) o que visa à crítica, em abstrato, da própria concepção dessa especial estrutura universitária; 2º) o que visa à critica da sua concretização, no conjunto das escolas superiores do Brasil, levando em conta sua oportunidade e localização; 3º) o que a considera como modêlo para projetos de reforma de universidades já existentes. O simples fato de admitir esta terceira atitude revela a alta opinião que tenho da estrutura da Universidade de Brasília. Não creio, todavia, possa ela, tão cedo, alcançar as proporções a que pretende. Espontâneamente, seus alunos serão poucos; para seduzi-los com bôlsas-de-estudo atraentes, o gasto seria muito grande. E, por melhor que ela seja, em sua estrutura, faltar-lhe-á, por muito tempo ainda, êsse complemento tão necessário – uma atmosfera de cultura, progresso e tradição, inseparável do ambiente local.

O que primeiro chama a atenção, na estrutura da Universidade de Brasília, é o fato de, nela, todos os cursos profissionais superiores (medicina, engenharia, direito, etc.) alicerçarem-se em cursos bienais introdutórios comuns, modêlo êste diverso do adotado pelas universidades brasileiras, mas análogo ao que se pratica em vários países e que, de certa forma, já aqui fôra proposto quando da criação da Universidade de São Paulo. O que aqui se propôs, no entanto, foi a simples transferência para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do estudo das matérias de natureza geral e papel básico na formação superior. Na Universidade de Brasília, porém, a própria faculdade de filosofia, ciências e letras inexiste, como unidade, nela se achando dispersas – nos chamados "Institutos Centrais" – as subunidades que, atualmente no Brasil, constituem uma Faculdade daquela ou de equivalente denominação.

A finalidade puramente profissional e utilitária sempre serviu de base a uma definição mais nítida e mais facilmente aceita das instituições de ensino superior. Já na Idade Média, as faculdades consideradas "superiores" eram as de Teologia, Direito e Medicina; a de Artes Liberais, pela qual todos passavam antes de numa daquelas ingressarem, era cognominada "inferior". Ela de fato o era, não só pela sua posição, no currículo universitário, como pelo pouco desenvolvimento das ciências, na época. Os estudos mais especiais e aprofundados que ulteriormente foram surgindo, desenvolviam-se em "academias" e associações científicas, independentes umas das outras e, nas mais das vêzes, dos podêres que controlavam as universidades. As Faculdades de Artes Liberais eram de caráter propedêutico; por isso, na França, por exemplo, acabaram por desaparecer, sendo essa finalidade acrescida, ao ensino secundário. Mas já ali haviam introduzido as faculdades de ciências e as de letras, sem finalidades utilitárias, a não ser a de licenciar professores secundários. Nelas, no entanto, se fazia ciência, e da melhor. O caso é que, paralelamente, nas "grandes écoles", de caráter profissional, se cultivavam as mesmíssimas ciências, embora nelas – distinção importante – não se colassem os mesmos graus universitários. Nos países anglo-saxônios, ao contrário, a faculdade de artes liberais, muitas vêzes, permaneceu, enriquecendo seu conteúdo currlcular e tendendo, por si ou por desdobramentos seus, a servir simultâneamente duas finalidades: uma propedêutica, como ponto de passagem obrigatório, pelo menos em parte dela, dos candidatos às demais escolas superiores; outra, de cultivo da ciência pura e formação de pesquisadores.

Que seja aconselhável a existência de um canal de acesso às escolas profissionais superiores, êle próprio já de nível superior, não me parece sofrer dúvida. Êle é a base concreta da existência do "espírito universitário", conceito que se torna mais claro quando nos lembramos que êste, por por sua vez, é a base da mentalidade da elite nacional – una, em substituição à pluralidade constituída pela coexistência de uma mentalidade de engenheiro, uma mentalidade de advogado, uma de médico, etc. Para isto, no entanto, será necessário reunir em uma só unidade administrativa todos os departamentos de ciência e letras? Ou bastará que, imbricados, êles funcionem como um conjunto, úinicamente pelo fato de vários dêles, animados de um mesmo espírito, contribuírem simultâneamente para a formação de uma mesma pessoa?

Há dois critérios para se reunirem cadeiras ou departamentos numa única instituição: o critério segundo o qual se reúnem cadeiras1 afins pela natureza das matérias de que tratam, e o que leva mais em conta a comunidade do objetivo profissional a que elas visam. Na realidade, matérias já em si de cunho profissional – anatomia patológica, resistência dos materiais – melhor se sujeitam ao segundo, enquanto as disciplinas gerais e básicas – análise matemática, biologia – ao primeiro. Por isso, é justo que exista uma "escola de engenharia", uma "escola de medicina", etc. O caso é que a tendência à especialização vai se fazendo sentir em todos os setores; uma escola de engenharia, atualmente, congrega cursos diversos, porém análogo sob muitos aspectos. Entre êles existem disciplinas (aplicadas) comuns; todos os seus alunos convivem. Tais fatos contribuem poderosamente para a formação de uma consciência profissional do engenheiro, quer seja êle de construções civis, quer eletrotécnico.

Tanto a solução que reúne numa mesma faculdade de filosofia, ciências e letras, como a que, tal a Universidade de Brasília, a substitui por um conjunto disperso de "institutos centrais" reconhecem a necessidade de, já em nível superior, iniciar todos os universitários nas técnicas da pesquisa científica nas disciplinas básicas. Esta iniciação obedece a princípios pedagógicos essenciais: o de que o conhecimento provém da construção, ou reconstrução, da ciência pela experiência direta, e o de que o único meio de: fazer face ao ritmo acelerado do progresso atual é o que consiste em dar a cada profissional uma mentalidade de pesquisador, ainda mesmo que, pelas ,exigências açambarcadoras do exercício profissional, não possa êle próprio dedicar-se à pesquisa na ciência aplicada. Ambas as .soluções reconhecem que a finalidade dêsses cursos não se esgota aí: ela pode e deve prolongar-se para além dos cursos introdutórios que formam a base comum de todos os demais, a fim de formar pesquisadores no domínio da ciência pura. Nenhurna das duas, porém, reconhece plenamente que a pesquisa científica também é uma profissão, com suas técnicas, por vêzes até manuais, mas que exigem sempre intenso e prolongado treinamento. Entre pesquisadores na ciência pura – os que se formam nas faculdades de filosofia, ou em institutos centrais desvinculados – e pesquisadores na ciência aplicada – que se originam, por seleção, das escolas técnicas superiores – a distinção não é muito grande, mas é evidente que ambas essas classes de pesquisadores devem ter a mesma formação básica e que, para esta, a de que é capaz o ensino secundário é insuficientíssima.

Como conseqüência dos têrmos acima, a reunião das matérias básicas numa só faculdade – a de filosofia, ciências e letras - parece ser tão lógica quanto a dos diversos cursos de engenharia numa mesma escola de engenharia, ou politécnica. Acresce que a dispersão em institutos centrais inteiramente separados, considerada como modêlo de reforma para as universidades já existentes, encontraria forte oposição por parte dos professôres das atuais faculdades de filosofia, ciências e letras.

A consolidação, em uma só faculdade de tôdas as cadeiras que se ocupam com matérias básicas, também, por seu lado, apresenta graves inconvenientes. Essas cadeiras (ou departamentos) são muito diferentes e diferentes suas necessidades: impossível adotarem-se normas regimentais uniformes para a estrutura e o funcionamento de tôdas elas. Suas congregações são muito heterogêneas. Órgão supremo de sua direção, seus membros, porém, não conseguem, e com motivos, compreender uns as necessidades dos outros. Uma vez convencidos disso (o que demora), acabam todos por aceitar, sem o discutirem, o que cada um reclama. Isto é, a direção acaba. A confusão que se estabelece no discriminar e atribuir das verbas é das mais lamentáveis e de conseqüências iníquas. Os serviços burocráticos vão se complicando, por não se atinar com o que deve ser centralizado e o que não o deve e como. Isto tudo, apenas do ponto-de-vista administrativo do funcionamento. Mesmo, porém, do ponto-de-vista da estrutura equilibrada e eficiente dos currículos, os defeitos são flagrantes.

Enquanto as faculdades de filosofia – tais como a da Universidade de São Paulo – professarem cursos que, desde o seu início, visam à formação do pesquisador especializado, êstes cursos não interessarão às outras escolas superiores. Para que êsses cursos possam servir aos objetivos das outras faculdades, êles têm de adotar uma seriação cíclica, iniciando-se com currículos introdutórios e gerais, comuns a tôdas as escolas, para só em seguida, voItando a tratar, em maior minúcia e profundade, dos mesmos assuntos e acrescentando-lhes outros novos, cuidar então, e só então, do preparo do pesquisador, rneta exclusiva2 dessas faculdades. Por êste motivo não é de admirar que as outras escolas superiores relutem em deixar que as de filosofia tomem conta do preparo básico de seus alunos, como não é de admirar que elas mantenham cátedras dos mesmos assuntos ali professados. Acresce que muitas destas já são antigas e, freqüentemente bem providas. Acontece, também, que um curso introdutório pode ser insuficiente para certas finalidades profissionais. Para um curso de formação de estatísticos, pode ser insuficiente o curso introdutório de análise matemática ministrado por faculdade de filosofia. Além dêste, no entanto, esta faculdade talvez só possua cursos já muito extensos, compreendendo inúmeros tópicos que não interessam ao estatístico, omitindo outros que lhe são indispensáveis e tratando todos com um espírito excelente, do ponto-de-vista da ciência pura, mas que pode vir a ser daninho, do da ciência aplicada, por desviar a atenção dos seus objetivos concretos e utilitários. Preferível será que tais extensões das matérias básicas se façam já nas escolas profissionais superiores e por membros do seus próprios corpos docentes.

Na crítica acima, qualidades e defeitos se assinalam, tanto no sistema que distribui as matérias básicas por vários "institutos centrais", como no que as reúne –tendo "cadeiras" como unidades – numa só escola. Reconheceu-se também que todos os cursos profissionais – inclusive o de formação de pesquisadores – devem ter uma base comum, na instituição, ou nas instituições, que se encarregam dessa formação de pesquisadores e que, por isso, são as mais indicadas para iniciarem os estudantes no conhecimento científico, pois que êste não se faz senão iniciando-o na técnica e no espírito da pesquisa científica. É preciso, agora, que de tanta crítica surja alguma coisa positiva. E' o que a seguir se esboça.

Preliminarmente, procuremos desenvencilhar-nos de uma sujeição muito estrita à conotação de certas palavras. "Faculdade" e "Instituto", são palavras que possuem tantos sentidos que, afinal, só se definem pela descrição de suas organizações e fins. "Faculdade", aliás, significa o "corpo de professôres de um grupo de ciências professadas numa universidade", ou seja, uma "congregação" e não, como popularmente se usa no Brasil, um estabelecimento de ensino superior formando uma unidade administrativa.3 É comum que uma escola tenha uma congregação só, que administra e orienta todos os seus cursos. Mas isto não é necessário. Uma mesma congregação (ou "faculdade") pode orientar os cursos e superintender à concessão dos respectivos graus de vários institutos (ou escolas), mas não administrar a todos êles; uma mesma instituição pode possuir vários corpos autônomos de administradores. É o que sucede no esquema abaixo. Nêle, tem-se em vista, principalmente, a possível reestruturação das faculdades de filosofia, juntamente com a das universidades de que fazem parte.

Para começar, as cátedras, como elementos componentes fixos das faculdades, deveriam ser extintas. O elemento básico seria o departamento, em que se conteria todo um grupo de disciplinas, afins pela sua natureza, acrescidas freqüentemente de uma ou outra, de natureza diversa, mas de finalidade subsidiária para os objetivos básicos dêsse departamento. Os docentes de um mesmo departamento dividiriam entre si, por comum acôrdo e segundo suas qualificações e tendências individuais, a tarefa afeta ao grupo. Um professor-chefe, assistido por um conselho departamental, administraria, científica, didática e financeiramente as atividades dêsse elemento. A secretaria do departamento, após receber da Secretaria Geral, as fichas de matrícula referentes às matérias ali cultivadas, caberia o registro da vida escolar dos alunos. Uma vez o registro encerrado, a ficha seria devolvida à Secretaria Geral, para o fim da expedição de diploma, títulos, certificados, arquivamento e apuração de estatísticas. Sòmente os professôres-chefes de departamento teriam assento na Congregação (congregação tal como ela é entendida no Brasil). Suas atribuições seriam reduzidas à orientação, contrôIe e supervisão gerais, à manutenção do "espírito" da Faculdade, à concessão de graus regulares e honoríficos, à representação coletiva da instituição perante as autoridades externas ou superiores. Uma faculdade de filosofia assim organizada corresponde, mais ou menos, ao que em países anglo-saxônios é designado por faculdade de artes, juntamente com sua graduate school e ao que na U.R.S.S. se chama, simplesmente, uma "universidade", pois que, nessa confederação, as escolas profissionais superiores (medicina, engenharia, pedagógica, etc), são instituições dispersas. Neste particular, poder-se-ia dizer que a solução soviética constitui o oposto da de Brasília. A primeira impede, ou pelo menos dificulta, a colaboração entre a teoria e a prática. Restaria, ainda, o problema eventual da transição de um sistema para outro, pois que, conforme se disse acima, noutras escolas superiores já existem "cadeiras" de disciplinas gerais e básicas. Tais cadeiras lecionam suas matérias obedecendo a uma seleção de tópicos e a uma quantidade que se adaptem às finalidades aplicadas que nessas escolas se perseguem, mas seus titulares, comumente, possuem formação muito boa. A experiência, em curso, na edificação da Cidade Universitária, de reunião em um mesmo bloco arquitetônico de vários departamentos afins, pertencentes a diversas faculdades, bem como a recente criação e alguns assim denominados "institutos de pesquisas", iniciativas, ainda, amorfa a primeira, e tímida a segunda, sugerem o caminho para o que resta fazer. Não me parece que, desde já e a priori, se deve fixar rìgidamente a futura organização da Universidade. Tais são as peculiaridades do ambiente brasileiro e paulista, no momento que passa e, acima de tudo, tal a importância, para a eficiência dos resultados, de que uma obra decorra da sólida convicção de todos que nela se encontram empenhados, que penso ser preferível que a estrutura de uma universidade seja criação dos seus próprios professores, guiados pela sua experiência própria, uma vez esclarecidos quanto às linhas mestras do arcabouço da instituição. De qualquer modo, aquelas duas iniciativas não só são promissoras, mas contêm algo de precioso e nôvo: o esbôço de uma associação entre a pesquisa teórica e a aplicada, a geral e a especial.

Para finalizar estas considerações, devo dizer que uma nova legislação que disponha apenas sôbre a estrutura de uma universidade não me parece bastante. É preciso ir-se além; não só é preciso dispor a respeito do conjunto das universidades como formando um sistema, mas é preciso que se introduzam certas leis de caráter geral. Assim, penso que os currículos dos diversos cursos das faculdades de filosofia deveriam ser instituídos pelas próprias faculdades, e não por leis estaduais e, muito menos, federais. Estas leis deveriam, isso sim, estipular as disciplinas constituintes dos exames de ingresso ao magistério secundário e aos cargos para os quais se exigem graus concedidos por aquelas faculdades. Está visto que estas colocariam tais matérias entre as obrigatórias dos seus currículos, preenchendo o restante do número de horas de estudos, também fixado em lei geral, como melhor lhes parecesse, e admitindo opções por parte dos estudantes."

O Prof. Anísio Teixeira, Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos:

"Não fui, de início, entusiasta de uma Universidade em Brasília. Fundamentalmente contrário à idéia de Metrópole, nunca achei que a Capital de uma República devesse necessariamente possuir uma Universidade. Brasília deveria ser apenas a sede do govêrno. Vi, porém, transformada em lei, durante o último ano, o projeto de criação de nada menos de onze universidades! Diante disto, logo percebi que, mais dia menos dia, Brasília teria a sua Universidade e, a tê-la, que a tivesse certa: aderi, então, à idéia de Darci Ribeiro e, não só à idéia, ao plano Darci Ribeiro. Êsse plano é uma exata correção dos defeitos mais graves de que sofrem as universidades brasileiras em sua mistura de anacronismo e deformações congênitas.

Embora não houvéssemos tido, como muito bem diz Darci Ribeiro, tradição universitária, possuímos cento e cinqüenta anos de experiência com o ensino superior profissional. Não tivemos experiência do ensino superior para a cultura de letras ou de filosofia, nem para a cultura científica. Hoje sabemos que as Universidades, sem que deixem de formar os profissionais chamados liberais, são, sobretudo, centros de cultura geral e de pesquisa, formando os quadros superiores de especialistas em humanidades e ciências.

Como nos havíamos limitado às escolas profissionais, seriam as Faculdades de Filosofia (filosofia, letras e ciências) que viriam completar-nos a Universidade. Desprovidos, porém, das tradições necessárias para essa nova Faculdade, emprestamos-lhe caráter profissional, dela fazendo uma escola normal para professôres secundários.

Isto feito, entramos a multiplicá-las, já sendo perto de 60 as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras do país. Instituição que começara, como a de São Paulo e a do Distrito Federal, contratando os seus professores na Europa, hoje se organizam em cidades do interior e recrutam de qualquer modo seu improvisado professorado. Está claro, assim, que continuamos, como em Bolonha, no século XIII, com universidades de escolas profissionais: medicina, direito, engenharia, magistério secundário. Nem as letras, nem a ciência conseguiram constituir-se verdadeiramente campos de estudo universitário no Brasil.

A Universidade de Brasília encaminha-se para uma correção radical. A nova estrutura universitária compreenderá uma série de institutos, devotados às letras e ciências, que ministrarão cursos básicos em qualquer dos campos do conhecimento humano, e uma série de faculdades devotadas à formação profissional. Além dos cursos básicos, os institutos serão centros de pesquisa e de formação de cientistas e humanistas, no nível de graduarão e pós-graduação.

As faculdades, utilizando amplamente os institutos, ministrarão cursos de caráter profissional e corresponderão às diferentes escolas de formação ou graduação nos diversos campos profissionais.

Tanto nos institutos quanto nas faculdades, a unidade é o departamento e não a cátedra, com o que se deseja dar ao ensino o espírito de equipe, ou seja, o espírito universitário, graças ao qual as atividades por disciplina serão tão extensas e intensas quanto as atividades interdisciplinares, interdepartamentais, interinstitutos e interfaculdades.

Se a essa estrutura imaginada para a cooperação e a interpenetração juntamos as demais instituições planejadas para a vida em comum dos estudantes e dos professôres, não será difícil perceber que a Universidade de BrasíIia deverá transformar-se no primeiro marco da integração universitária no Brasil. Ao Invés da atual organização ganglionar senão pulverizada, a nova Universidade será verdadeiramente a unidade na diversidade. Pelo menos uma vez vamos ser fiéis à semântica.

Dou, por isto, o apoio mais entusiástico ao plano Darci Ribeiro e faço votos para que o Legislativo e o Executivo se associem neste significativo esforço pelo ensino superior na República."

O Prof. Jairo Ramos:

"Da leitura do anteprojeto da Universidade de BrasíIia, exposto por Darci Ribeiro, deduz-se o empenho com que seus idealizadores procuraram corrigir os graves defeitos de nossa organização Universitária.

No início de sua exposição o autor diz muito bem da falta de tradição Universitária no Brasil. Assim nada temos a "defender e a preservar". Temos porém que evitar que os mesmos vícios das atuais Universidades venham a se fazer evidentes na novel Universidade de Brasília.

Não temos realmente tradição universitária, temos porém a tradição das Escolas profissionais. E esta tradição exerce grande Influência nas nossas Universidades que são dominadas pelas Escolas profissionais, mais de caráter técnico que científico. O domínio é tão grande que até a Faculdade de Filosofia e Ciência, funciona mais na base de formação de profissionais – professor secundário – do que na formação de verdadeiros investigadores.

É evidente que não há êrro em tal procedimento, desde que o objetivo seja sanar o grande atraso de nosso ensino secundário. O êrro está na mentalidade que poderá advir desta conduta dando-se caráter permanente ao que deveria ser transitório.

A organização da Universidade de Brasília criando os Institutos Centrais procura sanar esta falha. Entretanto, se a Universidade mantiver o cronograma exposto, é para se temer que as Faculdades ou escolas profissionais, criadas precocemente, venham a intervir, corno sempre fizeram, na orientação geral da Universidade.

Julgamos que os Institutos Centrais deveriam funcionar um período nunca inferior a 10 anos e só então é que poderiam ser criadas as Faculdades profissionais.

Êste proceder ofereceria ainda a vantagem de através dos Institutos Centrais e Departamentos anexos, a Universidade formar o elemento humano capaz para o ensino e a pesquisa de muitas das disciplinas das escola, profissionais. Elemento humano que levaria para as escolas profissionais a mentalidade adquirida nos Institutos Centrais, isto é, o gesto e a orientação para a investigação científica.

Não se argumente que tais Institutos perderiam parte de sua função qual seja preparar o elemento humano que se deveria inscrever nas Escolas profissionais. Bastaria que a Universidade de Brasília entrasse em entendimento com outras Universidades para instruir o elemento humano que integraria o corpo discente de algumas escolas profissionais.

Assim, com êste proceder, os Institutos Centrais teriam a possibilidade de atrair muitos elementos humanos e possìvelmente interessá-los para a investigação, considerada no estrito senso do têrmo.

O anteprojeto assinala outro ponto fundamental qual seja considerar como unidade de ensino e de pesquisa o departamento. A instituição do Departamento permite ainda dar flexibilidade aos currículos evitando a rigidez programática que hoje observamos nas nossas escolas profissionais.

A comissão organizadora da Fundação Universidade Brasília tem tôda a razão em estabelecer planejamento seguro, pois, do contrário, com as facilidades com que se aprovam a fundação de novas escolas, surgiriam em Brasília uma série de escolas profissionais pejadas de todos os defeitos que sabemos e talvez surgisse o pior, qual seria a reunião destas escolas profissionais em uma "Universidade" como quase tôdas as existentes no Brasil.

Outra condição útil que se observa no plano da Universidade Brasília é a sua constituição na forma de Fundação que outorga à Instituição a indispensável independência administrativa tão desejada para as atuais Universidades e até hoje ainda não obtida.

Interessante é ainda a constituição prevista para o Conselho Diretor que, constituído, total ou parcialmente, por elementos estranhos à Universidade, evita o que aqui temos observado, a interferência manifesta das escolas profissionais através dos Conselhos Universitários.

A obrigatoriedade do trabalho no regime da dedicação exclusiva é condição que demonstra o cuidado que teve a comissão no planejamento da Universidade Brasília.

Hoje não mais se admite o trabalho na Universidade sem existir o regime da dedicação exclusiva, particularmente quando organizada na forma de Departamento que constitui unidade de ensino e de pesquisa.

Dificuldade grande para o regime de dedicação exclusiva é o critério adotado para a remuneração, sem considerar a excepcional função reservada ao professor Universitário. Esta condição desfavorável se torna mais nítida nos períodos de rápido encarecimento da vida.

Interessante e original é o critério da seleção dos alunos, realizada em todo o país, mantendo percentagem variável para cada unidade da Federação. Aliás o Instituto de Tecnologia da Aeronáutica já demonstrou a validade e a exeqüibilidade do sistema.

A organização departamental nos institutos centrais deve ser mantida para as escolas profissionais. Deve-se, porém, admitir que o Departamento precisa ser encarado como unidade de ensino e de pesquisa e não como um conjunto de cátedras que até então isoladas se reuniriam para constituir o departamento, mantendo porém as liberdades que a atual lei universitária confere às cátedras. Estas liberdades que deveriam ser apenas doutrinárias para o ensino dão ao catedrático, na realidade, regalias de senhor feudal.

Constituindo-se a Universidade Brasília em bases novas, seria desejável que muitos dos erros que perturbam o funcionamento das atuais universidades fôssem abolidos ou corrigidos. Assim deveria ser o método até agora usado para a escolha de professôres através concurso de provas e de títulos, onde de regra valem mais as "provas" que os "títulos". Vale mais o "momento" do concurso, deixando-se de considerar o passado e sem base para prever o futuro.

O concurso de provas valoriza muito mais o esfôrço de memorização que permite o candidato realizar "excelentes" provas do que o esfôrço que empregou em trabalho, estudo e meditação para a realização de pesquisas, com todos os percalços que esta norma condiciona.

No Brasil os professôres "se revelam" de modo súbito, após anos de trabalho profissional, quase sempre bastante rendoso, sem nunca demonstrarem espírito investigador e de bom orientador de homens para o estudo e para a pesquisa.

A Universidade Brasília deve procurar evitar, desde o início, a aplicação do dispositivo constitucional que garante a vitaliciedade para o professor. Esta condição tem trazido maiores malefícios para o ensino e para a investigação do que os benefícios que poderiam resultar da garantia de direitos para os professôres vencerem nossas crises políticas.

A Universidade Brasília com seus Institutos Centrais deveria estabelecer íntimas relações com as outras Universidades, com o propósito de:

1) preparar o elemento humano para ingressar nas escolas profissionais das atuais Universidades;

2) instruir científica e tècnicamente licenciados para muitos de nossos cursos técnicos;

3) criar ambiente para a investigação, estimulando a pesquisa, a fim de formar investigadores para os nossos Institutos de pesquisa.

Mantendo para a Universidade de Brasília a base fundamental dada pelos Institutos Centrais, dever-se-ia incentivar o contrato de professôres estrangeiros e criar o sadio hábito de professôres visitantes, para estágios de maior ou menor duração que traz proveito nítido, talvez mais proveitoso que as bôlsas para estágio demorado no estrangeiro. Tais bôlsas, quando demoradas, desambientam o indivíduo e tornam difícil a adaptação às nossas condições e métodos de trabalho.

Por último obter para a Universidade Brasília a prerrogativa de escolher professôres sem o concurso de provas e sem a vitaliciedade prevista pela lei.

Não negamos a necessidade de preservar para o pessoal docente, particularmente quando no regime de dedicação exclusiva, garantia financeira para as necessidades da vida. A vitaliciedade é má quando oferece garantia para o exercício do magistério, quando ficar demonstrada a incapacidade didática e a falta de qualidades necessárias à investigação e, principalmente, de orientador de pesquisa".

O Prof. Fernando Henrique Cardoso, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo:

"É difícil comentar a criação da Universidade de Brasília. Por um lado, salta tanto à vista que nossas universidades são obsoletas, nasceram já obsoletas, que seria desejável, em tese, criar no Brasil uma Universidade realmente aparelhada para servir ao país e à cultura. Por outro lado, a Universidade de Brasília é apenas uma lei que a instituiu e um plano, melhor, um ato de fé exposto sob a forma de plano pelos que a idealizaram. Assim, antes de mais nada, a Universidade de Brasília aparece para a opinião do país vinculada diretamente a um conjunto de cientistas, professores, homens de letras e técnicos que a idealizaram para exprimir uma determinada concepção de cultura e de ensino. Quanto à instalação da Universidade, nada se sabe por enquanto de concreto, havendo inclusive a possibilidade de que pessoas totalmente alheias às intenções iniciais venham a desincumbir-se dessa tarefa. Como, pois, julgar da oportunidade das intenções de um grupo que, talvez, devam ser realizadas por outros grupos, menos interessados nos valores que nortearam o plano inicial da Universidade?

Êsse é o problema fundamental: em última análise, o êxito de qualquer Universidade repousa no material humano que empresta sentido aos ideais universitários. Em si mesmo o plano da Universidade de Brasília não representa uma garantia. É muito mais fácil preparar um grande plano salvador para um país do que resolver concretamente um conjunto limitado de dificuldades dêsse mesmo país. Com maior razão, a dificuldade não está em escolher um modêlo de Universidade, mas em realizá-lo. Assim, a Universidade de Brasília será, em larga medida, aquilo que seus organizadores e primeiros professôres fizeram dela. Com o plano atual ou com outro, ela poderá vir a ser boa ou má, conforme a capacidade de realização, a seriedade e o entusiasmo dos que a ela se dedicarem.

Entretanto, seria insuficiente a análise que considerasse apenas êsse ângulo da questão, pois realmente tanto a escolha do modêlo a ser seguido é importante para a definição do futuro da Universidade, como importa considerar as condições culturais e técnicas do meio no qual a instituição vai ser radicada.

Quanto à linha de organização escolhida, parece-me que a questão nodal foi resolvida de forma satisfatória: a cátedra, que se tem tornado o principal entrave das escolas superiores brasileiras, foi suprimida. Acredito, entretanto, que é preciso tomar medidas complementares que, sem desnaturar a intenção que norteia o plano da Universidade, dêem as garantias necessárias ao professor, ao cientista e ao técnico, como homem e como criador de cultura. Assim, é preciso manter as conquistas sociais correntes que abrangem tanto a estabilidade do professor (não pelo mero decurso do tempo, mas a partir de critérios que considerem o currículo), quanto a viabilidade de uma carreira universitária à qual o trabalhador intelectual se possa dedicar na certeza de que terá amparo na velhice e de que sua família estará assegurada no caso de morte... Mas é preciso, sobretudo, não esquecer o outro ponto decisivo dessa questão: a autonomia, de criação fica comprometida quando a permanência do intelectual na instituição passa a depender de critérios externos às próprias imposições da carreira universitária. Nesse sentido, o entrosamento entre a direção da Fundação e a direção da Universidade (isto é, dos Institutos, das Faculdades, dos órgãos de cultura e pesquisa em geral) precisa ser organizado de forma a impedir a ingerência do Conselho da Fundação na contratação de Professôres, pesquisadores ou técnicos e na orientação do ensino e das investigações. Isto só será obtido se os critérios organizatórios permitirem o contrôle e a orientação dos órgãos da Universidade na direção da base para o ápice. Acredito mesmo que a distribuição das verbas dentro da Universidade devam subordinar-se a órgãos que exprimam o ponto-de-vista dos trabalhadores intelectuais e não aquêles do Conselho da Fundação. É preciso evitar que em nome da flexibilidade da instituição (em si mesmo louvável), resulte uma subordinação de tôda a vida da Universidade a um Conselho que seja uma réplica brasileira do board of trusts, cuja experiência nos Estados Unidos é passível, do ângulo da liberdade de criação, de tantas críticas.

No que diz respeito à segunda questão, ou seja, as relações entre a instituição e o meio cultural, os organizadores da Universidade de Brasília podem servir-se amplamente da experiência de criação da Universidade de São Paulo, notadamente de sua Faculdade de Filosofia. Os organizadores dessa escola foram buscar no estrangeiro os especialistas que não existiam aqui. O êxito foi, como se sabe, parcial. Isto tanto porque nem sempre vieram os melhores homens, mas, principalmente, porque o meio reagiu, a longo prazo, de forma a diminuir o impacto causado pela introdução de novos hábitos universitários, acabando por amortecer, nalguns setores, o efeito esperado. Sabe-se mesmo que, antes das condições permitirem, abriram-se concursos de cátedra que resultaram na substituição dos mestres estrangeiros por professôres que ainda, não estavam preparados para o exercício da cátedra e para a formação de discípulos, objetivo necessário na vida universitária.

Repetir a experiência da Universidade de São Paulo, hoje, seria imperdoável. As condições do meio cultural já são outras, exigindo algo mais que a simples contratação de professôres estrangeiros, e o exemplo mostra que a mudança de mentalidade que sempre se espera como efeito do convívio com professôres e práticas de trabalho importados não se faz do dia para noite, nem independe de condições inerentes ao meio nacional: tanto é necessário existir um mínimo de condições locais que suscitem as transformações esperadas, como é preciso renovar os influxos iniciais obtidos graças ao contato com centros culturais mais adiantados. Caso contrário, a reabsorção da nova instituição pelo meio tradicional se efetivará, total ou parcialmente.

Os organizadores da Universidade de Brasília propõem uma política de formação de pessoal que, nas grandes linhas, é justa. Realmente, ainda é necessário preparar os quadros para a decência e a pesquisa, e a melhor forma para isso é o treinamento através do trabalho em centros mais desenvolvidos e com grande tradição de cultura. Entretanto, não creio que em dez anos seja possível criar as condições mínimas para o funcionamento de uma boa Universidade. Nesse setor a tradição de trabalho conta decisivamente. Por isso seria preciso uma política que aproveitasse ao mesmo tempo o material humano já experimentado que há de melhor no Brasil (e só o que há de melhor), e trouxesse para a Universidade especialistas estrangeiros, que fôssem naturalmente recrutados em função da competência e não apenas por serem estrangeiros. Está claro que não se pode esperar hoje que a importação de técnicos estrangeiros para a Universidade resolva todos os problemas de instituições dêsse tipo. Ao contrário, a experiência mostrou que as Universidades só aproveitam plenamente a contribuição dos estrangeiros quando já há um núcleo de professôres nela radicados que orientem a seleção dos problemas nos quais a colaboração dos estrangeiros é necessária, que escolham os especialistas e que façam a crítica de suas contribuições. Além disso, de nada adianta contratar professôres altamente competentes no exterior se não existe um grupo de pessoas suficientemente motivadas para acompanhar os cursos e trabalhar sob a orientação dêsses mestres, de tal maneira que ao regressar às suas Universidades de origem êles deixem um grupo de discípulos treinados. Mas daí a dispensar-se, desde o início, a colaboração de eminentes especialistas estrangeiros a distância é grande.

Por tôdas essas razões acredito que, pelo menos nalguns campos, o êxito da Universidade de Brasília dependerá da colaboração que se suscitar de pessoas altamente capacitadas a serem recrutadas tanto no Brasil como no exterior. Não vejo mesmo inconveniente algum que se traga especialistas de fora, como assessôres para os brasileiros encarregados de organizar os Institutos de Pesquisas, as Faculdades o os órgãos Culturais da Universidade. A pior política será certamente a contrária, que, sob a capa de um jacobinisrno inaceitável, tenda a valorizar a "prata-da-casa"; política cujo resultado fatal será um vesgo provincianismo cultural, que mal dará para encobrir os acôrdos entre grupos de compadrio que ràpidamente se apossarão da Universidade.

Em suma, há muitos fatôres que podem interferir positiva ou negativamente sôbre o êxito da Universidade de Brasília. Êste, contudo, dependerá fundamentalmente da orientação do grupo que a instalará. Por isso, o único penhor dêsse empreendimento diante da Nação, que vai custeá-lo, está na escolha de homens capazes para realizá-la: que tenham a medida das próprias possibilidades e das potencialidades do meio, e que disponham da férrea energia necessária para não ceder às pressões e às avaliações estereotipadas, de forma a orientar sempre sua lealdade mais no sentido dos valores impostos pela Ciência, pela Cultura e pela Nação, do que pelos ideais e os interesses, alheios aos objetivos do saber universal, de pequenos ou grandes grupos, aos quais eventualmente pertençam."

PRONUNCIAMENTOS A "O METROPOLITANO"

Tecendo considerações acêrca do projeto de criação da Universidade de Brasília, afirmou o Prof. Leopoldo Nachbin, do Instituto de Matemática Pura e Aplicada: 1

"A idéia de ter um Instituto Central de Matemática, onde se concentrem tôdas as atividades de ensino e de pesquisa, me parece excelente, e eu espero que essa idéia venha a ser posteriormente copiada por outras universidades brasileiras.

Atualmente há enorme carência de matemáticos no Brasil, devido ao aparecimento de várias escolas de Engenharia, faculdades de Ciências, centros de Pesquisas, em todo o país, de modo que não será fácil conseguirmos, dentro de três anos, o número total de matemáticos previstos pelo corpo docente da Universidade de Brasília.

Nosso sistema universitário atual tem sérios defeitos que eu espero não se verifiquem, novamente, na Universidade de Brasília. Por exemplo: sistema de professor catedrático; o fato de um assistente ser assistente de um determinado professor ou cadeira; a divisão de departamento em cadeiras com nomes específicos; o sistema rígido de ensino universitário, em que o aluno é obrigado a seguir disciplina numa ordem precipitada, não havendo flexibilidade na escolha dessas disciplinas.

No caso específico da Matemática, parece-me que a estrutura da Faculdade Nacional de Filosofia é errada. Existem cadeiras com denominações que são expressivas e não correspondem às tendências atuais do ensino da Matemática. Em particular, eu lamento a legislação federal que instituiu o sistema de uma faculdade-padrão, pela qual se devem guiar as outras faculdades de filosofia, no país. A legislação prevê que as faculdades que surjam tenham pelo menos as disciplinas que existem na Faculdade Nacional de Filosofia, o que pressupõe que o sistema de ensino nessa faculdade seja o mais indicado, o que – a meu ver – no setor da Matemática não se verifica.

No esbôço de projeto da Universidade de Brasília, na parte referente ao Instituto de Matemática, estão previstos menos professôres do que em outros setores de Ciências básicas como Física, Química e Ciências Biológicas e que também não havia uma previsão diária para laboratório. A meu ver, isto está errado. Não se deve, a priori, limitar o número de membros do corpo docente do Instituto de Matemática, como sendo inferior ao das outras ciências básicas, porque o Instituto de Matemática vai servir a vários outros institutos, como Física, Química, Engenharia, Ciências Sociais, etc., e, além disso, é necessário que desenvolvamos a parte de Matemática Aplicada, que até hoje não foi estudada no Brasil. É possível que a Universidade de Brasília venha a ter um Centro de Cálculo Numérico, que corresponderá, no setor de Matemática, à Física Experimental, no campo da Física. Em outros têrmos: é preciso que seja prevista uma área de laboratório para o Instituto de Matemática, onde será instalado um computador eletrônico destinado a servir ao Instituto de Matemática e aos outros setores da Universidade."

O Prof. José Leite Lopes, do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais:

"A verdade é que essas universidades foram feitas a algum tempo como um conjunto de escolas que já existiam antes e que se transformaram em Universidades, tendo-se simplesmente reunido essas escolas e decretado, no papel, que elas formariam uma Universidade. As escolas continuaram independentes, autônomas, sem intercâmbio, sem vida comum, de maneira que a Universidade com essa estrutura não tem podido exercer uma influência ponderável na vida cultural, científica e econômica do país. Sobretudo, o que é mais grave, os estudantes que se formam na Universidade e os que querem dedicar-se à pesquisa científica, a trabalhos literários, filosóficos, e que se vão especializar no estrangeiro, com bôlsas-de-estudo, encontram, em geral, as portas das Universidades fechadas. Não porque as universidades estejam saturadas, pois que elas necessitam tremendamente de material humano nôvo, mas porque a estrutura atual lhes veda o acesso, tornando o aproveitamento dêsses valores pràticamente impossível para a própria renovação da Universidade.

Além disso, há o sistema antigo do professor catedrático, escolhido por um concurso de provas, de maneira que numa faculdade ou departamento não é possível a formação e equipes homogêneas porque não se sabe quando as cadeiras ficam vagas, quem vai concorrer ao concurso e, em geral, muitos especialistas se recusam a se submeter às normas vigentes do concurso no Brasil. Nos países mais avançados, em geral, os departamentos científicos e outros formam seus corpos docentes mediante a escolha dos melhores homens onde êles estiverem, sem necessidade de concurso algum.

De modo que, não sendo isso possível na estrutura atual, surgem os defeitos que, hoje em dia, até as autoridades universitárias reconhecem. O importante, porém, não é continuarmos a criticar as defeitos, mas encontrarmos uma saída, uma solução para tais problemas.

Se não é possível uma reforma radical da Universidade pela própria Universidade, então a solução será construir-se um exemplo nôvo, e nesse sentido Brasília se apresenta como uma oportunidade única. Construa-se ali uma universidade nos moldes mais modernos, mais eficientes e mais adaptados à época da revolução científica que estamos vivendo hoje, e que as demais universidades pelo exemplo do que se fizer em Brasília procurem ver que não haverá outra saída que não modificarem sua estrutura atual.

Na realidade, uma das coisas mais importantes, e que é necessário levar em conta, é que estamos vivendo uma época em que a ciência tem importância fundamental na vida de todos os povos: importância tanto cultural, como econômica ou militar. Notícias de maior importância de descobertas científicas se sucedem todo dia nos jornais. É necessário, pois, que as autoridades universitárias compreendam a importância fundamental da ciência dentro da Universidade, pois o Brasil é país que se está transformando ràpidamente e aquêles que não se adaptarem a essa transformação rápida ficarão para traz, serão postos de lado pelo processo histórico.

Uma coisa importante será a atenção, o interesse, a preocupação fundamental dos nossos estudantes em colaborar com os cientistas, sobretudo para que seja possível a modificação das universidades, no sentido de serem elas atualizadas. É necessário que se tenha em conta que nos Estados Unidos, que citamos em geral como exemplo, se processa um trabalho importante de reformulação dos métodos universitários. Estando os americanos em vésperas de modificar radicalmente seus métodos de ensino nas universidades e nos colégios, é preciso pois que nós, que somos mais atrasados, e que temos conseqüentemente maior obrigação de fazermos transformações em nosso meio, tomemos consciência disso e trabalhemos nesse sentido.

Cito, então, exemplos das dificuldades que temos atualmente: falta de instalações, prédios, Insuficiência de aparelhamentos, estudantes insatisfeitos, cursos inadequados e não atualizados, greves etc. Ora, nessa situação, evidentemente, necessita-se de uma solução. Uma cidade universitária no Rio de Janeiro foi planejada há mais de 20 anos, creio, com prédios imensos e que estavam para ser acabados.

Então, fica-se esperando transformar a Universidade quando a Cidade Universitária estivesse pronta, mas deixa-se para acabá-la quando se reformar a Universidade. Resultado disso, um círculo vicioso, e é necessário quebrá-lo numa parte, que não sei qual é. A solução seria juntarem-se os homens de boa vontade e realizar uma reforma como os tempos atuais estão a exigir no mundo inteiro. A esperança é que a Universidade de Brasília dê exemplo, com sua estrutura diferente, com institutos básicos de modo que não haja duplicação de laboratórios em escolas independentes. Na Universidade de Brasília haverá corpos de professores, pesquisadores homogêneos, serão pessoas escolhidas pela sua capacidade científica, que se reunirão para realizar um trabalho de equipe, pesquisando sempre, fazendo sempre investigações e dando aulas ao mesmo tempo. Não se concebe professôres que não realizem pesquisas. E' impossível ensinar sem se ter a experiência de corno se tem novos conhecimentos. O resto é um ensino esclerosado que não pode transmitir ao aluno uma formação adequada.

Espero pois que a Universidade de Brasília seja uma universidade realmente nova nos moldes em que essa estrutura foi discutida na sociedade brasileira para o progresso da Ciência. E espero também que autoridades competentes realizem aquilo que os homens de ciência e os professores estão sugerindo, porque se realizarem uma Universidade de Brasília nos moldes tradicionais ou entregue a pessoas não competentes, isso aumentará a insatisfação e a agitação no país, nos meios científicos, nos meios universitários e entre os estudantes.

É indispensável que se realize essa oportunidade, que não é uma oportunidade aberta a todos os países. Que a capital nova do país não seja sòmente um lugar para burocratas, mas que seja também centro cultural e científico do qual se irradiem novas concepções e novos métodos para o resto do país, inclusive dando exemplo a outros de nível equivalente ao nosso.

No tocante à Física, esta se desenvolveu no Brasil desde 1934 e está pràticamente concentrada no Rio de Janeiro e em São Paulo. Há um número de físicos da ordem cem que são pessoas competentes, geralmente com especialização no exterior. Porém encontra grande dificuldade, que é a falta de recursos nos institutos onde trabalham. Além de não haver realmente uma profissão de físico, nem atração de físicos pela indústria, o que faz com que o número de estudantes que escolham essa carreira seja ainda pequeno. Por outro lado, as pessoas que se formam em física, química ou matemática, nas faculdades de filosofia, deveriam, na sua maioria, ensinar no curso secundário, mas essa é também uma profissão muito mal remunerada. Aliás, o problema do ensino secundário bom não pode ser afastado do da remuneração adequada e condigna ao professor secundário. De nada adianta a reforma de programas e de currículos desde que não haja professores competentes e bem remunerados. Em ciência, em Cultura, o elemento humano é o elemento primordial. Um excelente pesquisador e Professor encarregado de dar um curso com mau programa dará um excelente curso, ao contrário um ótimo programa entregue a uma pessoa não competente resultará um péssimo curso.

Os físicos aqui reunidos na Sociedade Brasileira para o progresso da ciência deram sua opinião sôbre a formação do instituto de Física na Universidade de Brasília, notando principalmente que temos ainda um número relativamente pequeno de físicos e sendo necessário um esfôrço das Instituições existentes para contribuírem para a formação dêsse instituto, necessário também será o convite a professôres estrangeiros e para isso urge que a Universidade de Brasília conte com recursos e pague salários que possam atrair mais cientistas estrangeiros. Mas o Instituto de Física da Universidade de Brasília, como os demais, vai depender das pessoas, dos técnicos escolhidos. Se forem competentes, o Instituto terá êxito."

O Prof. Celso Furtado, da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste:

"Pela minha experiência pessoal, estudei em duas universidades européias e estive em várias universidades dos Estados Unidos, observando seus métodos de ensino, sinto-me em situação favorável para indicar, digamos, as deficiências maiores da Universidade Brasileira no momento atual. Em primeiro lugar, não existem no Brasil, pròpriamente, Universidades, no sentido de que os institutos de ensino dentro de cada Universidade são completamente estanques, isolados uns dos outros, não havendo quase nenhuma interpenetração, mesmo em campos bastante afins. Isso numa época em que todo o mundo luta insistentemente para reaproximar certos problemas de ordem geral. No momento, no campo das ciências sociais, por exemplo, a grande preocupação é poder abordar certos problemas como o do desenvolvimento econômico, o da mutação social. E não é de forma alguma possível abordar êsse problema, seja estritamente, do ângulo da antropologia social ou do ângulo da economia ou do da ciência política. É indispensável reaproximar essas ciências para que alcancemos um enfoque global de interêsse básico, normativo no campo das ciências sociais. Não aprendemos ciências sociais por aprender, no sentido de adquirir cultura livresca. Estudamo-las sim, para atuar na sociedade em que vivemos, isto é, para orientarmo-nos, no esfôrço permanente que temos o dever de fazer para poder melhorar as condições do mundo em que estamos, particularmente daquelas camadas sociais menos favorecidas.

Universidade de Brasília constitui uma grande oportunidade de tentar reorientar todo o sistema universitário brasileiro. Tratando-se de criar uma universidade totalmente nova, evidentemente, estamos diante da possibilidade de criar qualquer coisa à altura das necessidades presentes do ensino superior no Brasil. Se estamos todos de acôrdo de que o que se está fazendo é caro, inadequado, insuficiente e é em grande parte errado, e temos a oportunidade de criar uma universidade nova, evidentemente seria um crime perder essa oportunidade. Em particular, quero chamar a atenção para o fato de que o ensino universitário no Brasil, não sòmente está afastado da verdadeira formação de quadros superiores, mas também é um ensino extremamente caro, creio que dos mais caros do mundo. Faculdades de engenharia que estão organizadas no sentido de criar todo o tipo de dificuldades para que uma pessoa comum, um rapaz, por exemplo, que não tenha possibilidades materiais amplas, não possa freqüentá-las. Em outros países, como por exemplo a Argentina, nas faculdades de engenharia, as aulas teóricas não são obrigatórias e sempre que o estudante através de um esfôrço sistemático possa realizar seus trabalhos práticos e passar nos exames, êle consegue seu diploma. No Brasil, não: obriga-se à aula teórica, aula que muitas vêzes é complementar ou mesmo secundária, dificultando-se, dessa forma, totalmente o acesso à universidade de uma série de pessoas que têm aptidão, mas que não têm meios para se sustentar. Resumindo, os principais defeitos do ensino atual são em primeiro lugar seu alto custo e em segundo o fato de que êle não corresponde às necessidades presentes do desenvolvimento cultural e social do Brasil.

No que diz respeito à minha especialidade, atualmente no Brasil não se formam propriamente economistas, pois as escolas de contabilidade e com professôres de formação adquirida nas Faculdades de Direito, não formam propriamente economistas, apenas dão um treinamento preliminar que serve para certas pessoas trabalharem em emprêsas ou em certos departamentos do govêrno.

Dentro da Economia como tal, isto é, como ciência, só se pode formar um indivíduo se se der a êle uma oportunidade para manejar o método científico como economista. Em outros palavras, não é possível estudar economia sem fazer pesquisa. O trabalho prático, a pesquisa básica em Economia é tão essencial na formação de um economista como na formação de, por exemplo, um engenheiro. Evidentemente o engenheiro, como o médico, não é um cientista, homem de ciência: êle aplica a ciência. Nesse sentido também o economista não é um homem de ciência. Mas não é possível formar um engenheiro, um médico ou um economista autênticos sem se dar a êsses homens uma oportunidade de domínio do método básico da ciência, que é a infra-estrutura, que está por detrás do conhecimento da Economia.

Acho que não é possível aprender economia apenas lendo livros, é necessário também realizar trabalhos práticos, pesquisas básicas para se conseguir ter um domínio sôbre a ciência econômica. O que ocorre atualmente no Brasil é que a Economia é ensinada simplesmente através de aulas teóricas ,como se ensina Direito. Ora, o Direito é simplesmente um conjunto de doutrinas que são aprendidas e depois utilizadas dentro de um sistema essencialmente estático. A economia, porém, é método de análise de uma realidade que está mudando a cada momento. Se o homem não se habitua a observar, se não está acostumado a ver a realidade como qualquer coisa que êle deve estudar, analisar antes de tentar interpretá-la, êle é levado como o jurista, por exemplo, a aplicar à realidade um esquema que já está pronto.

Aí é que está a grande falha. No ensino de economia, pois, não temos, nas faculdades de economia, institutos para dar o treinamento fundamental dos trabalhos práticos que constituem a base mesma de estudo da economia.

A oportunidade que teremos em Brasília é única porque lá deveremos criar primeiramente um Instituto de Economia e aquêles que tenham conseguido no Instituto o treinamento básico, êsses poderão, em seguida, seja completar seus estudos para ser simplesmente, digamos, um profissional da economia, um indivíduo que vai trabalhar nas empresas, ou então um economista teórico, um economista para fazer pesquisas básicas, sendo essa pois a primeira oportunidade de se formar realmente economistas no Brasil.

Justificando a afirmativa de que nós não temos economistas, cito como prova o fato de que não se publica, no Brasil, um artigo de economia teórica, o ano inteiro, nas revistas especializadas em economia.

A ciência econômica, na forma que a recebemos já feita, se fundamenta num conjunto de princípios; princípios êsses que por sua vez são derivados de modelos abstratos que não incluem alguns elementos essenciais à nossa realidade.

Em outras palavras, tôda ciência se baseia em princípios feitos ou hipóteses. Essas hipóteses são derivadas de uma simplificação da realidade. A ciência relaciona os dados que são chamados pertinentes e então cria um modêlo abstrato da realidade e é através do funcionamento dêsse modêlo que ela deriva os princípios, princípios êsses que vão servir para se deduzirem outros princípios menos gerais, etc.

Na Economia, êsses modelos são feitos com os elementos representativos da realidade de economias de muito maior grau de integração que a brasileira. Portanto, quando queremos aplicar êsses modelos a uma realidade muito mais inorgânica, muito menos diferenciada corno é a nossa, caímos num dilema: ou temos que forçar a realidade, ou então o modêlo. E o que é indispensável é que os países subdesenvolvidos façam um esforço de teorização para complementar a teoria aceita nos grandes centros, para generalizar mais êsses modelos. Não podemos aceitar a ciência econômica na forma que ela já vem, pronta, porque a ciência econômica é uma tentativa para explicar uma realidade que na verdade não pode ser enfeitada em modelos abstratos, por ser demasiadamente diferenciada. Nós não abandonamos os modelos; apenas partindo dêles, nós os generalizamos, incluindo novos elementos, negando outros.

Dando um caso concreto, a inflação. O modêlo básico para explicar a inflação, usado nos grandes centros universitários europeus e norte-americanos, de nenhuma maneira inclui uma série de elementos que são específicos da realidade brasileira. Isso nos obriga a fazer um esfôrço para criar um modêlo mais complexo, como temos dito, um modêlo que inclua os aspectos estruturais do processo inflacionário ou a inflexibilidade das estruturas subdesenvolvidas e que criam pressões Inflacionárias. É uma tentativa, na verdade, para criar um modêlo maior, pois se aplicarmos, por exemplo, o modêlo simplista que o Fundo Monetário Internacional elaborou e usa como ciência definitiva da realidade brasileira, nós então simplificamos de tal maneira nossa realidade que somos levados a formular uma política econômica que na verdade pode conduzir a resultados opostos àqueles que nós almejamos.

Sôbre o ensino da Economia, na Universidade de Brasília, apresento o esquema seguido no Simpósio da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência. Tal esquema mostra que "um departamento de economia com as funções culturais que vão ser atribuídas à Universidade de Brasília deverá abranger um campo de ação de grande amplitude". Para tal, êsse campo pode ser dividido em três setores:

a) – economia aplicada;

b) – política econômica;

c) – economia teórica.

No primeiro dêstes setores, far-se-á, recebidos os dados necessários, um "esfôrço de interpretação da realidade". Tal setor compreenderá "estudos dos fenômenos do curto prazo ou de natureza conjuntural" e "estudos das tendências a longo prazo, inclusive projeções".

Já no segundo setor, teríamos a indicação da política econômica, que serviria de orientação à diretiva governamental neste campo. Está claro que o desenvolvimento econômico seria a preocupação básica dêste setor, tendo em vista a realidade nacional. Aqui caberiam o "estudo dos aspectos institucionais" de desenvolvimento, formulações "ligadas à ação direta do Estado", em vista das diretrizes da programação dos investimentos públicos, e, ainda, estudos relacionados com a ''política de orientação e incentivo ao setor privado".

Tanto o primeiro quanto o segundo dêstes setores utilizam, em suas análises, ou fundamentação de diretrizes, respectivamente, conjunto de princípios ou hipóteses que são fornecidos pela Economia Teórica, o terceiro dos setores citados. É aqui que cabe o estudo das próprias bases sôbre as quais se assentam os estudos econômicos, cabendo "um esfôrço de complementação teórica", do que vem sendo feito em outros países e em outras áreas econômicas, "testando a efetividade de princípios gerais e indicando elementos complementares que poderão contribuir para dar maior generalidade às hipóteses em uso.

Esta, a base para a organização de um departamento de economia pioneiro, a ser criado na Universidade de Brasília, como modêlo para o estudo da matéria".

O Prof. Paulo Sawaya, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo:

"Durante a reunião que se realizou em Piracicaba, promovida pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, foi feita a proposta de se discutir a Universidade de Brasília aqui no Rio, essa proposta nasceu espontâneamente, visto como no Brasil a organização universitária apresenta defeitos graves, que vêm impedindo sensìvelmente o desenvolvimento da ciência e na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência êsses defeitos vêm sendo percebidos desde a sua fundação.

Um dos defeitos mais acentuados vem a ser a fixação das cátedras. Acho que a existência de cátedras é, hoje em dia, fenômeno superado; elas devem ser substituídas por professôres titulares que, de comum acôrdo, possam realizar um ensino eficiente.

Outro defeito também acentuado é a seleção do pessoal por concurso, fenômeno também já superado em muitas partes do mundo e esperamos que, em Brasília, essa fórmula de seleção não seja a tradicional por títulos e provas que é uma instituição constitucional em nosso país.

Como diretor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, tenho tido contato com diversos professôres dêsses três ramos, e os defeitos acima apontados são sentidos fortemente em tôdas essas grandes divisões; é claro que sendo elas de índole diferente, todavia, sendo a finalidade da faculdade de filosofia, ciências e letras a de formar pesquisadores e professores que serão formadores de outros professôres, deve ela ter uma grande elasticidade, pois o progresso técnico não condiz com a rigidez das leis que regem nosso ensino superior.

No meu setor especial de filosofia posso dizer que novos campos muito promissores devem ser explorados, como, por exemplo, o da biologia marinha, para o qual não se encontra uma verdadeira adequação no esquema atual da organização de um departamento de filosofia. Há grandes professôres que têm interesse excepcional pela biologia marinha, entretanto, muitos dêles não são aproveitados em virtude de não se encontrar um meio de enquadrá-los na universidade, assim, pois, se não houvesse cátedras, mas apenas os institutos, êsses professôres poderiam exercer sua função de ensinar e pesquisar, dando rendimento muito maior do que dão hoje no campo restrito em que se encontram.

Maria Yedda Leite Linhares, da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil:

"A estrutura atual da universidade brasileira tem sido, de maneira geral, suficientemente discutida e todos estão mais ou menos de acôrdo com que essa estrutura não corresponde mais às necessidades brasileiras, tendo em vista a atual fase de desenvolvimento e de transformação da sociedade brasileira. De forma que nesta atual estrutura, difìcilmente essa universidade poderá fornecer os quadros necessários para que se acentue êsse desenvolvimento e muito menos as bases científicas e tecnológicas, a fim de possibilitar e aumentar êsse desenvolvimento. Nêsse sentido, creio que a estrutura universitária brasileira atravessa urna crise e precisa urgentemente de uma transformação.

Universidade de BrasíIia virá, justamente, suprir tôdas essas falhas e por ser uma iniciativa inteiramente nova e revolucionária estará realmente em condições de executar as funções que a universidade deve executar dentro da sociedade brasileira.

É uma universidade absolutamente revolucionária no sentido de sua estrutura. Não será revolucionária na acepção universal, visto que iguais a ela já existem algumas no mundo. Mas para o Brasil ela será realmente revolucionária na medida em que poderá estar de acôrdo com o Brasil de hoje; será uma universidade autênticamente brasileira e não um tipo semeIhante às universidades que temos atualmente, completamente alienadas dos nossos problemas, da nossa cultura e inteiramente voltadas para outra época. Ao contrário, a Universidade de Brasília será constituída tendo em vista, de fato, uma realidade brasileira, tendo em vista, pois, uma real necessidade do Brasil e, para isso, essa universidade deverá preencher papel importantíssimo na nossa vida.

Julgo que, com a experiência da Universidade de Brasília, certamente as outras universidades terão de se reformar, pois do contrário elas correrão o perigo de desaparecer por inanição. Universidade de Brasília virá a ser como que uma injeção de coramina no organismo da universidade brasileira.

Dentro da minha especialidade, parece-me importante fazer com que a Universidade de Brasília possa desenvolver o ensino e a pesquisa da História, tendo em vista justamente a realidade brasileira. Nessas condições, creio que o ensino de História, numa universidade como a de Brasília, deve estar inteiramente voltado para os dias de hoje. A História ensinada deve estar altamente comprometida com as ciências sociais, com as ciências humanas e com a realidade atual. Deve ser uma história voltada para o Brasil, voltada para os problemas, não apenas específicos do Brasil, mas do Brasil dentro de um mundo também com problemas. E são êsses os problemas que nós, professôres de história e historiadores, devemos compreender e transmitir aos nossos alunos.

Outro aspecto me parece importante: na Universidade de Brasília nós pretendemos fornecer os cursos de História, no nível do Instituto de Ciências Humanas, fornecendo aquêles cursos que sejam necessários aos outros institutos e também os cursos de História para a formação de professor secundário, abrangendo uma série de disciplinas, de ciências sociais, incluindo Economia, Sociologia, Antropologia e um conteúdo de História que vise justamente o nosso professor secundário. Mas a História que realmente seja útil, que realmente seja viva e não cheia de cadáveres, de corpos mortos e de papéis velhos, de nomes e datas apenas. Enfim, uma História que leve o nosso professor secundário a formar uma geração altamente consciente, não só do passado como dos dias de hoje e das possibilidades futuras do Brasil e do mundo.

Admito, também, que mais complexo do que o curso de formação do professor secundário é o da formação do especialista. É quase certo que teremos de recorrer a alguns professôres estrangeiros altamente qualificados e escolhidos com o máximo cuidado. Estou, pois, absolutamente certa de que a História, dentro do Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília, poderá conviver de uma maneira bastante saudável com as ciências sociais, e se tornar no Brasil uma ciência eminentemente humana. Êsse o objetivo a ser alcançado."

Oraci Nogueira, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo:

"Na verdade, não temos ainda nenhuma universidade verdadeira porque não temos ainda nenhuma universidade que seja constituída de faculdades ou institutos de pesquisas bem coordenados e situados no mesmo campo. Difìcilmente se poderá conceber uma vida universitária digna dêsse nome se não houver um conjunto de escolas de nível superior e de institutos de pesquisas situados numa mesma área, aos quais estejam adidos ou justapostos outras instituições que farão com que a vida tanto dos estudantes quanto dos professôres e dos pesquisadores daquela universidade se entrelace, não apenas em função das atividades curriculares, das atividades de classe, das atividades de laboratório, mas das atividades em geral daquela unidade de ensino superior e de pesquisa.

A estrutura da Universidade de Brasília foi planejada, estou seguro disto. tendo em vista corrigir aquêles defeitos clássicos da vida nas instituições de ensino superior, no Brasil, porque, ao invés de ser universidade como as já existentes, constituídas de uma soma de faculdades, sem muitas relações entre si, a não ser de ordem administrativa, o que se prevê para Brasília é um conjunto de faculdades e de Institutos coordenados.

A meu ver, um dos defeitos da nossa vida universitária é o fato de que a carreira universitária no Brasil está constituída sob a forma de um funil, tendo na ponta um catedrático, que é inamovível.

Acho muito bom que êle seja estável, pois o defeito não está, pròpriamente, na estabilidade do catedrático, isso se deve, defender a todo risco, a todo custo, porquanto a estabilidade de cátedra é essencial para a defesa da soberania da própria cátedra. Mas os problemas da nossa vida universitária decorrem justamente dessa configuração de funil da carreira universitária. Para que um elemento nôvo tenha acesso é preciso que um mais antigo se aposente ou morra.

A estrutura da Universidade de Brasília se assemelha rnuito mais a uma estrutura mais moderna de países como os Estados Unidos, onde em cada nível, no rnesmo estudo, no mesmo departamento, na mesma faculdade, pode haver vários cursos no sentido de diversos assuntos do mesmo campo, tratados paralelamente por diferentes professôres. A possibilidade de opção por parte dos alunos é muito grande, a possibilidade de tecnicidade do currículo para o aluno é também muito grande.

Outro aspecto a ser notado, é o da economia de pessoal e de material mencionada pelos organizadores da Universidade de Brasília. Os mesmos professôres estarão influindo sôbre alunos que se destinam a campos muitos diversos, diferentemente do que se dá conosco que temos na mesma universidade vários professôres da mesma disciplina mas cada um dêles tendo Influência apenas sobre aquêle grupo limitado de alunos que se destina a uma determinada carreira.

Sôbre a Sociologia, tenho a impressão que o Instituto de Ciências Humanas da Universidade de Brasília e seus vários departamentos e faculdades irão permitir um ensino mais profícuo dela, em linhas mais modernas, com a possibilidade de aulas simultâneas sôbre diferentes assuntos, e sem a atual rigidez de currículo, pois está a Univ. de Brasília organizada de maneira não tão convencional quanto, atualmente, a maior parte das instituições brasileiras".

Osvaldo Gusmão, da FacuIdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil:

"Tenho a impressão de que a universidade brasileira, neste momento, exatamente porque se situa como organismo de formação de profissionais e sobretudo de aprendizado de nível superior, está fortemente marcada pelo processo substancial de transformação por que passa a sociedade brasileira. Se, em verdade, o que se verifica é que todos os setores da atividade social, Política e econômica do Brasil, face ao processo de desenvolvimento econômico, estão sujeitos a uma mudança, mudança que ora sofre acelerações, ora retardamento, devido aos problemas que, na conjuntura nacional, se vão desenvolvendo, hão de se fazer sentir estas mudanças nos níveis superestruturais de nossa sociedade, um dos quais é, efetivamente, a universidade. O ensino universitário reflete, necessàriamente, o modo pelo qual a sociedade se pensava a si mesma, com seus valores e modelos.

Se, naturalmente, os valores substanciais nesta sociedade se transformam e, em conseqüência do processo de desenvolvimento, a própria estrutura da sociedade brasileira é que se vê face ao impacto de transformações radicais, não haveria de ser o organismo universitário brasileiro o único a permanecer numa situação de estagnação. A meu ver, a sociedade brasileira imporá o sistema de ensino nacional, uma substâncial mudança de estrutura na universidade.

Já há indícios desta mudança nos vários Estados da federação, com a adoção de medidas inéditas no campo do ensino superior.

A Universidade Brasília é uma experiência, "grande e promissora experiência", na qual "há de salientar-se o nome dêste jovem extraordinário que é Darci Ribeiro. Ao longo de seu desenvolvimento a Universidade de Brasília há de ter, para as outras universidades brasileiras, "a significação da universidade pioneira" que procura introduzir uma "nova perspectiva" para nosso ensino superior".

Há de ter a significação de um modêlo, uma nova dimensão que se abre para a vida universitária brasileira. Por essa razão, creio que não haverá evidentemente, silêncio de parte de homens mais conservadores, no que diz respeito às possíveis necessidades de reformulação organizacional da Universidade.

A Universidade de Brasília tem aberta, à sua frente, a perspectiva de não só converter-se em modelo de universidade para o país, mas num "modêlo de universidade para os países subdesenvolvidos, especialmente os da América Latina.

A organização que eIa propõe, o sentido que a ela se empresta, a própria vocação revolucionária, no que diz respeito à reorganização do ensino no Brasil, do ensino superior, são todos esses fatôres que realmente a tornam merecedora de saudação a mais efusiva – a vontade à energia tanto quanto ao esfôrço dos que se dedicaram a esta tarefa porque realmente ela pode representar algo de totalmente revolucionário no ensino brasileiro.

Porque adequada à nova realidade brasileira, ao processo de transformação que atravessamos, é que a Universidade Brasileira deve mobilizar as resistências dos conservadores. Mas, ao mesmo tempo, há de receber o grande apoio, a consagração, de todos os que pretendem ver uma transformação nacional, capaz de levar o país ao sentido de autodeterminação, não apenas no plano do conhecimento, superando tôdas as dominações de caráter metropolitano que nos esmagam a liberdade de pensar, que nos impingem modelos que já não nos servem. Dêste modo, a Universidade de Brasília pode ser "a grande tribuna das nações subdesenvolvidas do Continente, eis que, pela prirnelra vez, em nossa realidade, compatibiliza-se "o processo de conhecimento com o processo de desenvolvimento real da sociedade".

Ciência Política, minha especialidade, tem sido objeto de consideração de nossos cursos de ciências sociais desde, principalmente, o fim da segunda guerra mundial. Há, nas faculdades, cadeiras especializadas, que exigem a análise sociológica do fato político. Todavia, parece evidente que ainda algumas preocupações de natureza jurídica, talvez decorrentes da formação básica dos especialistas brasileiras na matéria hajam de certo modo desviado a substância sociológica que deveria presidir a orientação das cadeiras de ciência política.

Sem embargo de tôdas estas dificuldades de uma melhor clarificação sociológica do pensamento político brasileiro, encontramos nas universidades do Brasil, na de Minas ou de São Paulo, bem como na Bahia ou no Recife, homens que, imbuídos do mesmo propósito, o de realmente levar para o plano do ensino da Ciência Política uma orientação nítida, clara, aberta, fundamentalmente sociológica. Daí por que verificar o aumento de interesse cada vez maior pelo ensino e pelo aprendizado da matéria.

Todo o esfôrço que nós dedicamos à especialidade, foi o de primeiro colhêr, na bibliografia estrangeira, os elementos que nos pudessem dar, pelo menos, um sistema de referência básico, para naturalmente ministrar ensino de categorias básicas, também, para os nossos alunos, nas universidades em que lecionamos.

Evidente que a bibliografia estrangeira, a contribuição estrangeira, haveria de trabalhar à base de certos modelos e estereótipos que muitas vêzes importamos ingênua e acrìticamente. Mas, na medida em que, aos poucos fomos tomando consciência do problema nacional e para usar uma expressão que hoje já é corrente, fomos assumindo a consciência crítica do processo que estávamos vivendo, foi-se fazendo sentir normalmente, entre os professôres de Sociologia e de Ciência Política, a necessidade de uma revisão dos sistemas de referências que manipulávamos, da bibliografia que nos chegava às mãos, não só para contemplá-los, criticamente, como, em relação aos primeiros, tentar substituí-los por sistemas de referências e modelos tìpicamente adequados à realidade nacional.

Êsse trabalho de reformulação de conceitos, de elaboração crítica de novas categorias compreensivas do fenômeno político nacional já é possível na atual situação do ensino, desde que adotado o sistema de bôlsas-de-estudo de tempo integral e na medida em que "a cátedra esteja no mesmo nível que a carteira". Não há, porém, a completa elasticidade necessária "no sentido de que se possa formar, através daí, equipes novas, capazes de uma contribuição mais densa, mais profunda", se bem que a adoção de tal sistema seja um grande passo à frente.

O fato de que a Universidade de Brasília, através de sua organização, permita o início da solução de um dos mais graves problemas de um país subdesenvolvido, como o nosso – o da carência de técnicos especializados, acrescendo-se a todo o ineditismo que esta mesma organização oferece – é auspicioso. A Universidade de Brasília está fadada a duas funções básicas na realidade brasileira: a primeira, a de ser uma universidade que, na verdade, está sendo organizada, ou, pelo menos, que se projeta organizar, tendo em vista sua compatibilização com o projeto do destino que o povo brasileiro busca neste momento, para cumprir um programa de criação de quadros que constitui magna aflição de todos os países subdesenvolvidos; a segunda, é a de realmente constituir uma organização pioneira capaz de, sem ferir direitos adquiridos, sem violentar as prerrogativas de nenhum centro universitário do Brasil, nem os critérios jurídicos para estabilização ou garantia dos seus catedráticos, exemplificar uma concepção dinâmica de universidade para o futuro, chegando mesmo a possuir a significação de um modêlo nôvo a seguir, daqui por diante",

O Prof. Valter Osvaldo Cruz, do Instituto de Manguinhos, assim se manifestou:

"O único contato que tive com relação a questões de ensino foi a seleção que fiz de alguns jovens estudantes de medicina para a carreira de pesquisador. Selecionei-os, não por um critério de conhecimentos gerais, mas de capacidade intelectual. E fiquei admirado, na ocasião, com o nível relativamente baixo dos alunos das faculdades de medicina, o que me faz crer que não se consegue, nos exames de seleção para essas faculdades, selecionar indivíduos com as características intelectuais adequadas a essa profissão. A tendência, creio, é a de selecionar indivíduos com facilidade de memorizar e isso, de um ponto-de-vista geral e principalmente de ponto-de-vista científico é um êrro grave.

Era eminentemente contra a criação de novas universidades no Brasil, dado, principalmente, o grande número das já existentes, cuja função é ainda muito pobre. Criar uma outra universidade só tem a meu ver, uma única justificativa – a de que se faça nela alguma coisa de muito nôvo e mesmo revolucionário. Parece-me um contra-senso fazer-se uma universidade nova, nos moldes atuais, ou mesmo com pequenas modificações. De modo que se justifica a criação da Universidade de Brasília, tanto quanto ela fôr mais nova e mais adaptada às melhores e mais modernas técnicas do conhecimento sôbre a arte de ensinar.

Aliás, dentro do que se está preparando para a Universidade de Brasília, o que eu considero fundamental é exatamente a metodologia do ensino. Eu me referi, no decorrer dos debates do "simpósio" que na América do Norte, depois do advento dos satélites artificiais em 1957, tem havido enorme fermentação cultural no sentido do ensino de ciências básicas.

E os americanos, verificando que os processos que usam para ensiná-las são muito fracos, estão modificando tais processos com urna rapidez extraordinária. Tenho a impressão de que Brasília terá que adotar essas modificações, que não são baseadas em simples opiniões, mas em escolas-pilôto, em comissões de indivíduos com grande prática no ensino de ciências, em reformas dos livros escolares e diversos outros métodos. Acho, também, absolutamente essencial que se escolha professôres que aceitem, compreendam e pratiquem êsses métodos, que são a última palavra no ensino de ciências básicas Se a Universidade de Brasília não adotar e adaptar desde logo essa revolução americana, teremos, daqui há alguns anos, que importar êsses métodos, como temos aliás importado quase tudo em matéria de ensino.

O Brasil tem um completo desconhecimento de seus valores porque êsses valores não são prestigiados. E cito, como exemplo, um dos pontos para o qual foi chamada a atenção nos debates do simpósio: o fato de que não se poderia conseguir, em três anos, quarenta e cinco físicos competentes. Não tenho elementos para discordar dessa afirmação no campo da física, que desconheço. Entretanto, no campo da Biologia, tal afirmação não seria verdadeira. Temos, no Brasil, cêrca de dez laboratórios ativos, podendo cada um deles preparar cinco biologistas em nível de decência. Ora, seria muito fácil, desde que se contasse com recursos financeiros, e pesquisadores experimentados, selecionar, no fim de três ou quatro anos, cinco indivíduos de cada um dos laboratórios, que poderiam chegar a um nível de decência na Universidade de Brasília. No Brasil, pois, é difícil fazer técnicos porque não há interesse e principalmente não há cargos para êsses técnicos ocuparem quando formados. Isso, evidentemente, causa certa frustração e desinteresse dos jovens. Não tenho dúvidas, porém, que, em se planificando, dando-se aos jovens garantia de postos bem remunerados depois de se terem formado, conseguir-se-ia no Brasil, ao menos em Biologia, a extinção de tôdas as deficiências atuais.

Quando, há cinco anos atrás, eu me interessei particularmente pelo problema da renovação do pessoal do laboratório em que trabalhava, havia nessa ocasião uma vaga de médico interino que poderia ser preenchida por um dos rapazes que mencionei acima quando falei da seleção que fiz. Isso garantiria a êsse Indivíduo a possibilidade de exercer sua carreira de pesquisador. Percorri todos os escalões de responsabilidade administrativa, indo até ao próprio ministro correspondente ao meu instituto. Negaram-me, em todos êles, o preenchimento dessa vaga, que foi provida um mês depois por injunções meramente políticas, e por indivíduo sem nenhum treinamento e que não poderia ser aproveitado nos trabalhos de pesquisas do Instituto. Êste é, evidentemente, um caso particular de desprestígio da profissão. Mas exemplifica claramente um estado de coisas. No Instituto Osvaldo Cruz – estou lá há 25 anos – houve apenas um ou dois concursos para preenchimento de cargos. Os cargos são em número diminuto, o preenchimento de cargos por interinidade é feito sem a menor seleção e por pessoal que não tem nenhuma prática de laboratório. Isso indica, novamente, desprestígio da pesquisa no Brasil. Faz-se necessária, pois, uma atitude geral, administrativa, política de prestigiar-se, não se nomeando para qualquer cargo, por exemplo, sem que antes se realizem provas de seleção e períodos de treinamento. O que não se pode exigir é ciência dentro de dois dias, quando a desprestigiam durante vinte anos".

Jacques Danon, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas:

"A atual estrutura da Universidade Brasileira é uma estrutura que já não se enquadra nas nossas necessidades de desenvolvimento econômico e cultural. Nossa estrutura universitária foi baseada num sistema social já ultrapassado, pois, se tem desenvolvido em alguns pontos, econômica e culturalmente, precisa ainda se desenvolver muito mais, e, se não cuidarmos logo da modificação dessa estrutura, em breve teremos dificuldades muito maiores que serão motivadas pela impossibilidade de formar em massa pessoal técnico qualificado e pessoal de nível cultural mais elevado do que temos atualmente.

Duas grandes contribuições a Universidade de Brasília nos daria. A primeira delas, a Universidade de Brasília já deu, mesmo antes de ser criada. É o fato de ter o Poder Executivo enviado à Câmara um projeto baseado na necessidade da modificação de estrutura da nossa universidade. A prova disso é que a estrutura da Universidade de Brasília é essencialmente diferente, nos pontos principais, das nossas atuais universidades. De modo que essa contribuição já foi dada implícita a explìcitamente, pois o projeto é, nessas condições, uma crítica à situação atual da universidade, visto que não haveria de se criar urna universidade diferente se as atuais estivessem funcionamento de forma satisfatória.

A segunda grande contribuição será que com a efetivação da Universidade de Brasília, numa estrutura nova, diferente, mais avançada, haverá enorme melhoria nas nossas condições de desenvolvimento, e nas condições culturais; essa contribuição dar-se-á na formação de pessoal qualificado em melhores condições de que tem sido feito atualmente.

Outro aspecto importante é notar o movimento em tôrno dos recursos postos à disposição para a criação da Universidade de Brasília, que serão utilizados na formação de pessoal que posteriormente irá para Brasília. Nesse processo, mesmo, estaremos ajudando a formação de pessoal mais qualificado e a modificação das próprias estruturas existentes na procura de criar uma coisa nova. Evidentemente, essa modificação deveria processar-se em todos os lugares, em São Paulo, no Rio, etc. Mas Brasília apareceu como excelente oportunidade, porque os outros centros apresentam uma série de dificuldades, pois já encontramos nêles universidades prontas, feitas, terminadas. Nós criaríamos um choque muito grande para modificar essa estrutura, enquanto uma coisa que vai ser criada, nova, deve-se aproveitar a oportunidade para fazê-la certa.

Não tenho dúvidas porém que a Universidade de Brasília poderia servir de exemplo, de modêlo, para as outras universidades, pois que sua estrutura foi pensada, elaborada por pessoas que trabalham ativamente nos diferentes campos de pesquisa, de conhecimento. Foi estudada com cuidado, com carinho, de modo que servirá de exemplo com seus frutos, com sua eficácia, e será um apoio à luta que estudantes, professôres e pesquisadores e de forma geral a sociedade brasileira se empenham para a modificação da nossa estrutura universitária. Já não teremos mais idéias senão um modêlo em frente a nós para mostrar mesmo como funciona uma coisa de tipo nôvo.

A química – nesse setor – tem sido das ciências mais abandonadas do ponto-de-vista da pesquisa. E isso não é um fato de pouca importância, pois sabemos que não se pode divorciar o ensino moderno da pesquisa. Temos escolas de química, algumas, boas escolas, no sentido de formação de corpos de profissionais de nível satisfatório. Queremos para nós a formação de novas escolas, que proporcionassem a subida de nível para todos os nossos técnicos, e isso só se poderá conseguir com a modificação da estrutura das mesmas escolas.

A industrialização do país se hoje é ainda incipiente, que se satisfaz com o profissional de nível baixo, dentro em breve será ela uma industrialização de caráter competitivo, e a universidade é quem tem de formar e de prever Isso. De modo que, dentro de minha profissão, de um lado temos a formação profissional, que considero em muitos casos deficiente, por outro lado a atual estrutura universitária, no caso especifico da química, por exemplo, é como em todos os aspectos divorciada da pesquisa científica. E isso tem contribuído eficazmente, para que não haja pesquisa científica, em química, no país. Não há nas escolas, não há nos institutos de química, nas em que existe é dedicado a aspectos tecnológicos muito imediatistas de modo que na Universidade de Brasília pretendemos modificar essa situação dando prioridade à pesquisa em íntima conexão com o ensino. Será uma universidade que preparará o homem para estar sempre preparado hoje e no futuro às condições do país. É essa, pois, a contribuição fundamental da Universidade de Brasília".

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