TURIBA, Luis. O homem que sonhou a UnB. UnB revista. Brasília, jul. 2000.

O homem que sonhou a UnB

Luis Turiba

Vale lembrar os seis princípios básicos da escola idealizada por Anísio Teixeira: a educação é um direito; a educação não é um privilégio; a educação de base deve ser geral e humanista; educar pelo trabalho; a escola pública é a máquina que prepara para a democracia; e o professor tem de ser capacitado democraticamente.

Nascido em Caetité, na Bahia, a 12 de julho de 1900, e morto misteriosamente em 11 de março de 1971 (seu corpo foi encontrado no poço de um elevador no prédio onde morava Aurélio Buarque de Hollanda, a quem ele pretendia pedir o voto para sua eleição na Academia Brasileira de Letras). Anísio Spínola Teixeira criou uma obra tão complexa, densa e coerente que ainda hoje é um ideário programático de tentativas de acertos para o futuro do País.

O educador nunca foi chegado a grandes homenagens. No entanto, hoje é patrono de um nobre espaço na UnB, o Pavilhão Anísio Teixeira, com 30 salas de aula para abrigar a comunidade acadêmica dos oito novos cursos criados nos últimos quatro anos: Engenharia de Redes, Engenharia Mecatrônica, Farmácia, Medicina Veterinária, Licenciatura em Português, Letras/Japonês, Letras/Espanhol e Licenciatura em Informática. Seu nome também foi lembrado para uma vasta biblioteca na Internet. Quem desejar conhecê-lo melhor, e as suas obras, basta navegar pelo endereço www.prossiga.cnpq.br/anisioteixeira. Agora, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) está homenageando-o com o simpósio Anísio Teixeira e sua Projeção Educacional além do Século 21. Há também uma exposição de textos e fotos montada pelo Centro de Documentação (Cedoc) da Universidade.

As homenagens ao homem que pensou, como ninguém, a educação no Brasil se ampliam. A fortuna de pensamentos desse filósofo que transcede a área educacional vem sendo retratada por pensadores, políticos, educadores. Enfim, os discípulos se multiplicam.

Sua viagem para Nova Iorque, na década de 20, onde realizou um curso de pós-graduação no Teachers College da Columbia University e recebeu o título de Master of Arts, em 1929, foi fundamental para a sua formação. A bordo do avião, Anísio Teixeira confessava: "Sigo para a América com o espírito de um estudante de curiosidade, de entusiasmo pelo novo e pelo inédito. Não prevejo qual seja o meu depoimento sobre o povo que é hoje objeto de tanta curiosidade e fonte de tantas lições. Tenho tanto que aprender. O sentido da viagem por turismo, por prazer, é que me falta. As viagens terão sempre para mim esse travo sério de um alto exercício espiritual. O desenraizamento penoso de nossos costumes, nossos amigos e nossas coisas – de nossa terra – e o cultivo novo em terra alheia é para mim sempre uma ginástica custosa do espírito".

Foi o senador Josaphat Marinho quem lembrou, em recente homenagem no Conselho Federal de Educação, o espírito inquieto do educador: "Conheci-o na intimidade e na planície, sem nenhum cargo público, quando excluído pela ditadura Vargas da formação do pensamento nacional. A informalidade no trato e na agudeza de espírito refletia a dimensão do homem superior: de inteligência peregrina, culta e democrata."

"Ouvindo intelectuais, políticos, educadores, artistas, estudantes, literatos ou mesmo pessoas simples com quem meu pai conviveu," diz sua filha Anna Christina Teixeira, a Babi, "vou reavaliando minha própria experiência da relação com ele, vou reaprendendo Anísio Teixeira. (...) De uma maneira muito clara, percebo que a obra de meu pai não é mais dele. Aliás, nunca foi. Sua obra se confunde com o trabalho de seus colaboradores, dos professores que, nas salas de aula, procuram reencantar a educação, criando situações que valorizam a profissão do educador, e despertam a dignidade de que somos todos portadores. Meu pai atravessou vários desertos na sua vida: o deserto da fé, quando abdicou de um Deus que lhe dava segurança, mas abafava suas mais vivas inquietações; o deserto da análise que, dizia ele em carta à minha mãe, sufocava os sentimentos e a alegria da vida; o deserto das relações, quando foi asperamente hostilizado por suas convicções e ações políticas em ‘defesa da escola pública’, perseguido e impedido de exercer-se educador, como queixou-se, também em carta, em seu exílio no sertão da Bahia, ao seu grande amigo Monteiro Lobato. E, no entanto, manteve a fidelidade à concepção de que educação não é privilégio...educação é um direito de todos."

Sobre a criação da Universidade de Brasília, Anísio Teixeira confessou certa feita: "Não fui, de início, entusiasta de uma universidade em Brasília. Fundamentalmente, ao contrário da metrópole, nunca achei que a capital de uma República devesse necessariamente possuir uma universidade. Brasília deveria ser apenas a sede do Governo. Vi, porém, transformado em Lei, o projeto de criação de nada menos do que 11 universidades. Diante disso, logo percebi que, dia menos dia, Brasília teria a sua universidade e, a tê-la, que a tivesse certa. Aderi, então, à idéia de Darcy Ribeiro."

E Darcy Ribeiro nunca escondeu a admiração pelo mestre e parceiro na construção da UnB: "Anísio exerceu uma influência muito grande sobre mim. Tanta que costumo dizer que tenho dois alter-egos. Um, meu santo-herói, é Rondon, com quem convivi e trabalhei por tanto tempo, aprendendo a ser homem. Outro, meu sábio-santo, é Anísio. Por que santos os dois? Sei lá... Missionários, cruzados, sei que eram. Cada qual de sua causa, que foram ambas causas minhas. Foram e são: a proteção dos índios e a educação do povo."

Darcy Ribeiro continua: "O que mais me impressiona e até assustou em Anísio, quando o vi pela primeira vez com os olhos sectários do fanático que eu era aos 30 anos, foi a sua amplitude espiritual. O que eu vi em Anísio, e mais me espanta, no meu dogmatismo de dono da verdade, foi ouvi-lo dizer, e repetir, com seu juízo mais profundo, que ele não tinha compromisso com suas idéias. Veja bem como ele se expressava: ‘Eu não tenho compromisso com as minhas idéias’. Por muito tempo, ou pelomenos por algum tempo, fiquei atônito: um pensador que não tem compromisso com as suas idéias. E eu com tanto compromisso que eu chamava lealdade, coerência ideológica. Só anos depois vim a entender que Anísio tinha a única coerência admissível num pensador, que é fidelidade com a busca da verdade. Anísio era o próprio questionamento. Nunca encontrei ninguém como ele de inteligente, de agudo, de livre e de questionador. De tarde questionava o que tinha dito de manhã. Perturbava com isso muita gente. Meu convívio com ele foi um exercício permanente de me repensar a mim mesmo, vendo-o repensar a si e as coisas, questionando e discutindo tudo o que parecia mais tranqüilo a mim e a todos. Lembro-me também da agudeza com que Anísio tentava entender o espírito brasileiro, deslumbrando por cada amostra de criatividade (Lobato; Gilberto); paciente com os burros esforçados (Fernando, Lourenço); só intolerante com os charlatães."

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