FREITAS, Kátia Siqueira de. Quem foi Anísio Teixeira? Revista da Bahia. Salvador, v.32, n.31, jul. 2000. p.84-90.

Quem foi Anísio Teixeira

Kátia Siqueira de Freitas

Quando nos foi solicitado escrever sobre Anísio Teixeira fiquei feliz. É bom pensar em alguém do nosso mundo educacional. Alguém que parece estar sempre presente nos avanços registrados no mundo da educação. O que mais pode ser comentado sobre Anísio que já não tenha sido dito?

Comecei a remexer nos meus armários mentais e físico-materiais. Estava iniciado o processo de ativação mental. Buscava na lembrança as lições aprendidas sobre Anísio Teixeira. De repente, a memória convocou Anísio Teixeira e seus feitos pela educação nacional pública e gratuita: seu papel junto a Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação - ANPAE -, sua preocupação com o professor, com o administrador da educação, com a autonomia da escola, com a democracia, corn a relação filosofia e educação.

O desfile havia começado. Vieram à mente, de modo até desordenado, Universidade do Distrito Federal (Rio de Janeiro), Lei de Diretrizes e Bases da Educação promulgada em dezembro de 1961, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Professores de Ensino Superior - CAPES, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, o Ministério da Educação - MEC, a Universidade de Brasília - UnB.

A memória me fez reviver o lançamento do livro sobre Anísio Teixeira, organizado por João Augusto de Lima Rocha, em 1992, contendo o testemunho de 16 eminentes educadores, dentre os quais vários atuais colegas da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.

Fui rever os livros do próprio Anísio Teixeira, nos quais apreendi a estreita ligação entre os ensinamentos do filósofo americano John Dewey e os do seu discípulo baiano de Caetité, o nosso Anísio Teixeira.

Busquei, no acervo da ANPAE, o texto intitulado Natureza e Função da Administração Escolar, publicado em 1968, de autoria de Anísio Teixeira. Ele já afirmava que "somente o educador ou o professor pode fazer administração escolar" (1968, p.14).

Para Anísio Teixeira

"jamais... a administração escolar poderá ser equiparada ao administrador de empresa, à figura hoje famosa do manager (gerente) ou do organization-man.... Embora alguma coisa possa ser aprendida pelo administrador escolar de toda a complexa ciência do administrador de empresa de bens materiais de consumo, o espírito de uma e outra administração são de certo modo até opostos. Em educação o alvo supremo é o educando a que tudo mais está subordinado; na empresa, o alvo supremo é o produto material, a que tudo mais está subordinado. Nesta, a humanização do trabalho é a correção do processo de trabalho, na educação o processo é absolutamente humano e a correção um certo esforço relativo pela aceitação de condições organizatórias e coletivas inevitáveis" (1968, p.150).

Sem surpresa, confirmo que as questões discutidas no último ano do segundo milênio (2000) permanecem muito próximas das levantadas por Anísio Teixeira e seus companheiros de lutas em prol da melhor qualidade da educação pública, laica, humana, ética e cidadã.

"A escola tem, pois, de se fazer, verdadeiramente, uma comunidade social integrada. A criança aí irá encontrar as atividades de estudo, pelas quais se prepara nas artes propriamente escolares (escola-classe), as atividades de trabalho e de ação organizatória e prática, visando a resultados exteriores e utilitários, estimuladores da iniciativa e da responsabilidade, e ainda atividades de expressão artística e de fruição de pleno e rico exercício de vida. Deste modo, praticará na comunidade escolar tudo que na comunidade adulta de amanhã terá de ser: o estudioso, o operário, o artista, o esportista, o cidadão enfim, útil, inteligente, responsável e feliz. Tal escola, não e um suplemento à vida que já leva a criança, mas a experiência da vida que vai levar a criança em uma sociedade em acelerado processo de mudança (Teixeira, 1977, p.131).

Facilmente são identificadas as preocupações de Anísio com as preocupações do ano 2000. Os conceitos de "comunidade escolar", "feliz", "sociedade em acelerado processo de mudança" persistem sob discussão no meio educacional.

Quem foi Anísio Teixeira, esse homem público polêmico e de tamanha vanguarda, alvo de tantas investigações? Fizemos essa pergunta a cerca de 240 (duzentos e quarenta) jovens estudantes de pedagogia e de outros cursos de formação de professores - licenciaturas de diversos tipos.

As respostas mais freqüentes foram evasivas: "não sei", "vou pensar", "já ouvi esse nome muitas vezes, mas agora não lembro"..., "ah esse é o nome da biblioteca da FACED".

- "Sim, certo". respondíamos.

- "Mas", perguntávamos novamente, "Quem foi Anísio Teixeira? O que você sabe sobre ele?"

- "Ah, deixe ver.. para que você quer saber? É para algum trabalho? É pra nota? - Ah, lembrei é o nome do IAT que dá curso, aquele da Paralela - é o nome - Instituto Anísio Teixeira".

As perguntas e informações continuaram.

"Ah, Anísio Teixeira, deixa ver... sim, lembro... é nome de uma rua que fica na Pituba.... Itaigara... ali onde tem o Shopping Boulevard 161... é por ali."

Aprendi que Anísio Teixeira é nome de rua em Salvador. Eu não sabia até então.

Nada mais do que dezenove estudantes de graduação associaram o nome Anísio Teixeira ao grande educador que, em 12 de julho, completaria 100 anos, se a vida não Ihe houvesse sido misteriosa e suspeitosamente interrompicla num fosso de elevaclor em 11 de março de 1971.

Alguns dos estudantes entrevistados lembraram que há uma biblioteca virtual chamada Anísio Teixeira.

- "Endereço?", pergunto.

- "Bem, não lembro agora, mas vou procurar. Depois Ihe digo."

Mas, quem foi Anísio Teixeira? Pergunto a alguns educadores pós-graduados com idade superior a trinta anos. Um número bem maior de entrevistados, cerca de 50% foi capaz de identificar o nosso personagem como sendo um grande educador, que dentre outros feitos criou a Escola Parque. Essa escola pública, conhecida como uma das mais atuantes nos anos de 1970, revitalizada no meado dos anos de 1980 e finalmente relembrada e aquecida no centenário de nascimento de Anísio Teixeira.

Uma dessas educadoras lembrou que o Centro Carneiro Ribeiro, em Salvador, concebido por Anísio Teixeira, foi iniciado em 1950 e concluído em 1960. Esse Centro ao ser criado, seguia a inspiração de semi-internato. Seus estudantes chegavam as 7:30h, tinham aulas até ao meio dia, à tarde tinham iniciação para o trabalho, educação física, atividades artísticas.

Por sorte, duas das educadoras entrevistadas conversaram longamente sobre Anísio Teixeira. Das duas uma é baiana, radicada em Minas Gerais; a outra, não sei a naturaliclade, está radicada em Brasília. Ambas afirmaram que, na década de 70, tiveram o privilégio de participar de cursos para professores primários concebidos por Anísio Teixeira. A primeira das entrevistadas citadas fez o curso na Universidade de São Paulo; a segunda em Minas na Fundação João Pinheiro.

Elas me contaram que Anísio Teixeira criou centros de estudos e preparação para o ensino e a pesquisa visando desenvolver os antigos professores primários, assim chamados até o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9394/96. Desde então, esses professores passaram a ser nomeados como professores do ensino fundamental. Ambas as entrevistadas, educadoras da mais alta competência e reconhecidas nacionalmente, afirmaram que "...a raiz da dedicação aos altos estudos e à pesquisa foi plantada em mirn durante a participação nesses cursos. Esses centros, salvo engano de memória, eram em número de cinco e estavarn estrategicamente espalhados no país para atender a toda a nação".

Nascido em Caetité em 12 de julho de 1900, Anísio Spínola Teixeira se formou em direito em 1922. Dedicou sua vida à educação. Conheceu os sistemas de ensino da Europa e Estados Unidos. Realizou estudos de mestrado, obtendo o título de Master of Art em 1929. Influenciado pelos ensinamentos do filósofo John Dewey, passa o resto de sua vida lutando pela qualidade da educação brasileira, por uma gestão democrática da educação e pela consolidação da democracia brasileira:

"Há educação que é treino, que é domesticação. E há educação que é formação do homem livre e sadio. Há educação para alguns, há educação para muitos e há educação para todos. A democracia é o regime da mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens, todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes. Nesse regime, pois, a educação, faz-se o processo mesmo de sua realização. Nascemos desiguais e nascemos ignorantes, isto é, escravos. A educação faz-nos livres pelo conhecimento e pelo saber e iguais pela capacidade de desenvolver nossos poderes inatos. A justiça social, por excelência, da democracia consiste nessa conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Democracia é, literalmente, educação. Há, entre os dois termos, uma relação de causa e efeito. Numa democracia, pois, nenhuma obra supera a de educação". (Autonomia para educação, Anísio Teixeira, 1947, in: Rocha, José Augusto de Lima. Anísio em movimento: a vida e as lulas de Anísio Teixeira pela escola pública e pela cultura brasileira. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992, p.26-27).

Esse é Anísio Teixeira, um pensador nas palavras de Iracy Picanço (Rocha, 1992, p.167).

Nas palavras de Felipe Serpa, os pensamentos de Anísio Teixeira continuam sendo atuais, relevantes e inovadores.

Para alguns, ele era um crítico, um inconformado com os privilégios e com o pouco caso que era feito da educação das classes menos influentes politicamente.

Em Educação não é privilégio (1977, p.70) Anísio Teixeira critica a enxurrada de decretos e legislações que abundam na educação. Ele afirma:

"Toda educação, hoje, é uma educação por decreto, uma educação que para valer somente precisa ser 'legal', isto é oficial ou 'oficializada'. É pela lei que a escola..."

Anísio critica a "escola para poucos" e seletiva 'Por ser uma escola cujo rendimento e qualidade dependem sobretudo do aluno e não do programa, do método, do professor: O aluno é que tem de ser capaz de aprender a adaptar-se ao programa, ao método ou ao professor: O método de se lhe apurar a eficiência é o das reprovações. Quanto mais reprovar, tanto mais será considerada eficiente" (Teixeira, 1977, p.125).

Será que a escola citada por Anísio Teixeira já foi eliminada? Ou essa ainda é uma realidade na sociedade que se considera pós-moderna?

Que lições a escola de 2000 aprendeu com o passado? Será que a escola aprende a aprender ou só o aluno precisa aprender a aprender?

Para Anísio Teixeira, na escola verdadeiramente democrática o ideal democrático é "a atitude fundamental do professor, do aluno e da administração". Ele afirma que:

"a escola é uma comunidade com seus membros, seus interesses, seu governo. Se esse governo não for um modelo de governo democrático, está claro que a escola não formará para a democracia. Diretores, professores e alunos devem organizar-se de forma a que todos participem da tarefa de governo, com a divisão de trabalho que se revelar mais recomendável. A participação de todos, o sentimento de interesse comum é essencial ao feliz desempenho da missão educativa das escolas " (Teixeira, 1977, p.210).

Não está contido nesses pensamentos de Anísio Teixeira o embrião dos conselhos e colegiados escolares? Por que será que 23 anos após estes pensamentos serem publicados pela segunda vez, os conselhos e colegiados escolares ainda ndo funcionam na sua plenitude?

Anísio teve seu rosto e nome gravados em cédula de 1000 cruzeiros. Ano? Não sei. Mas, a cédula, eu a guardo com muito carinho. Anísio foi um precursor da gestão democrática da educação, da municipalização da educação e as idéias básicas lançadas nos seus múltiplos pronunciamentos sobre a educação estão hoje contidas na Lei nº 9394/96, a atual LDB.

Bibliografia

- ROCHA, João A. L. (Org.) Anísio em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e pela cultura brasileira. Salvador: Fundação Anísio Teixeira, 1992.

- TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. São Paulo: Nacional, 1977.

- TEIXEIRA, Anísio. Natureza e função da administração Escolar. In: TEIXEIRA, Anísio, MASCARO, C. C., RIBEIRO, J. G., BREJON, M. Administração escolar. Edição comernorativa do I Simpósio Interamericano de Administração Escolar. Salvador: Faculdade de Filosofia da UFBa. ANPAE, 1968, p.9-17.

- TEIXEIRA, Anísio. Educação e o mundo moderno. São Paulo: Nacional. 1977.

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