SCHNEIDER, Elizer. Progresso e história da educação: uma releitura de Anísio Teixeira e Paul Monroe.Forum Educacional. Rio de Janeiro, v.10, n.3, jul./set. 1986. p.3-15.

PROGRESSO E HISTÓRlA DA EDUCAÇÃO:
UMA RELEITURA DE ANÍSIO TEIXEIRA E PAUL MONROE

Eliezer Schneider *

Progresso, progredir e o neologístico "progressismo" são termos com conotações comuns na linguagem coloquial, talvez de todos os países do mundo. De John Dewey a Anísio Teixeira e Lourenço Filho, formaram-se correntes de pensamento que abriam amplas perspectivas alvissareiras em torno da educação progressiva que deu origem ao movimento da "escola nova", escola ativa, moderna enfim. "Progresso" passou a ter um sentido de adiantamento, desenvolvimento, aperfeiçoamento, evolução, superação do conservadorismo anacrônico, rígido, autoritário, repressivo e, no caso da escola, punitivo e liberticida. Ao conceito de progressismo, associaram-se, também, conotações doutrinárias do liberalismo, e, mais recentemente, no campo da comunicação política, posicionamentos da esquerda também assumiam a identificação progressista. O progresso passou a ser uma orientação e meta altamente valorizadas, e expressões como modernização e desenvolvimento econômico, social e político carregavam-se de sentido progressista. Por outro lado, o progresso passou, também, a ser associado aos males da industrialização e revolução tecnológica. Muitos autores, a começar por Rousseau e Thoreau, viam no progresso efeitos destrutivos e antinaturais, sendo hoje estigmatizado por muitos como a grande causa da poluição e do poderio letal apocalíptico dos explosivos nucleares. Mas os benefícios do progresso são tantos e tão gratificantes, que seu mau uso é que se torna objeto de crítica. Também seria através do progresso, moral e social, que se propõem projetos de saneamento e de paz. Após a Revolução Industrial, o Século das Luzes (lluminismo) e as grandes invenções técnicas de interesse público e geral (lâmpada elétrica, telefone etc.) do século passado e corrente, o objetivo altamente valorizado do progresso firmou-se como condição de bem-estar e sobrevivência nas sociedades humanas, interessando, ainda, a aborígenes e primitivos como nossos índios, sempre atraídos pelos civilizados (modus in rebus) com instrumentos e utensílios de clara e persuasiva utilidade.

As correntes filosóficas também reforçaram a valorização do progresso, expressamente a utilitarista, a pragmatista, a materialista e a positivista. A. Comte, um dos grandes precursores do otimismo humanista, formulou uma teoria do progresso intelectual que se tornou famosa, embora profusamente contestada - a lei histórica das três etapas, ou dos três estados ou estágios (teológico, metafísico e positivo). A crença no progresso intelectual, científico, tecnológico, sócio-político-econômico, moral e educacional, tão forte em Condorcet, Comte, Saint Simon, Hegel, Marx e Engels, nos Enciclopedistas franceses, etc., foi anterior à revolucionária influência do evolucionismo darwiniano que tanto repercutiu no pensamento social e nas ciências humanas. Percebia-se, através dos estudos históricos, o fenômeno da mudança, freqüentemente corretiva, acreditando-se nas "lições da história" e no pensamento que Gordon Allport (1968) atribuiu a G. Santayana: "A geração que ignorar a história condena-se a repetir os erros da história." E, para E. Durkheim, os seres humanos acumulam conhecimentos, habilidades, registros vários "na e através da sociedade" (Allport-1968). Esta seria, pois, inerentemente progressista. Mas Comte, além de propor uma lei do progresso das idéias, popularizou-se com seu conhecido lema parcialmente registrado na bandeira brasileira: o amor por base, a ordem por meio e o progresso por fim.

A história da educação é, em grande parte, um registro de críticas e modificações corretivas, melhoristas; história, portanto, do progresso da teoria e da prática educativa. Compreende-se, pois, a preferência de eminentes educadores como Anísio Teixeira (1934), J. Dewey e outros pela "educação progressiva". E tem o mesmo sentido progressista a tese de Kilpatrick, de que a educação deve ser considerada para uma civilização em mudança e não para o status quo. Anísio Teixeira prefere associar o termo "educação progressiva" com o conceito biológico de "evolução", insinuando um abuso na palavra progresso. Referindo-se a seu livro (1934) esclareceu Anísio Teixeira: "Quanto ao título - Educação progressiva - não se veja aí nenhuma referência ao termo "progresso", na acepção entusiástica de crença, mas simplesmente a equivalência, no campo social, do termo "evolução" no campo biológico." Anísio Teixeira chega a ser atualíssimo em várias passagens desta sua obra, como vemos na citação que segue: "Crescer e desenvolver-se é para o homem aumentar em força de compreensão, força de realização e força de expansão. Nenhuma dessas forças se efetiva, porém, sem que ele experimente antes dirigir, coordenar e comandar as próprias forças de seu desejo, do seu pensamento e do seu corpo" (Teixeira - 1934).

A escola progressiva é a escola onde as atividades se processam com o máximo de oportunidades para essa ascensão.

"O meio que aí se desenvolve é um meio cheio de estímulos para atividades que tenham continuidade, que exijam esforço direto e que sejam cabalmente desempenhadas." A. Teixeira, certamente, pensava na infância em geral, sem discriminação de classe. O mesmo ocorria com os liberais progressistas como J. Dewey, W. Kilpatrick, Ed. Claparede etc. O cientificismo humanista que pregavam só podia visar o educando em geral e não apenas o que descendia de classes média e alta. A criança pobre, aplicada e estudiosa, é o heróico personagem de Coração, a famosa obra sentimental de Edmondo d'Amici. Idealizava-se a influência da escola pública, como instituição democrática e popular, na elevação intelectual e psico-sócio-cultural das crianças de origem humilde. Mas a realidade que passou a ser divulgada e investigada é que a evasão e o fracasso escolares eram graves problemas sociais e humanos, por condenarem as crianças carentes à marginalização, à fome ou subnutrição, a doenças e à delinqüência. Esta problemática, todavia, também sensibiliza os liberais progressistas, não exclusivamente os educadores, políticos e filósofos, sociólogos e psicólogos da educação de orientação socialista. Merenda escolar, bolsas de estudo, gratuidade do ensino público, fornecimento de material escolar, ampla participação assistencial do Estado, política econômica de maior sentido social, distribuição de renda mais eqüitativa, emprego para todos em idade de trabalhar e manter família, são algumas das medidas aventadas sem o caráter radical de mudança revolucionária do regime democrático-liberal. Os projetos políticos liberal-reformistas ou social-revolucionários são discordantes, mas ambos essencialmente progressistas.

Coerentemente, o liberalismo progressista de J. Dewey, W. Kilpatrick, Anísio Teixeira e outros, abria perspectivas para uma escola não apenas cientificamente orientada, mas principalmente de orientação e organização democrática, universal, popular, para todos. Mas, realmente, ignorava as imensas desvantagens intelectuais e motivacionais dos alunos carentes e o problema da evasão, repetência e ausência, na escola, da população infantil de origem humilde, além do problema dos menores abandonados e dos delinqüentes infantis e juvenis. A matéria tornou-se, porém, prioritária, e objeto de estudos minuciosos de pedagogos, psicólogos infantis e educacionais inclusive em países desenvolvidos e com mais eqüitativa distribuição de rendas, como nos Estados Unidos.

Os bons princípios e ideais progressivos não foram formulados expressamente para a educação de crianças economicamente privilegiadas. Fundamentavam-se na psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem humana, e eram dirigidos para todas as crianças da espécie humana, pressupondo-se a obrigatoriedade da educação primária e da ampla oferta de vagas na escola pública. Ademais, acreditava-se nos aspectos comuns e essenciais da natureza humana, independentemente de classe e raça. Na prática educativa, porém, deparava-se o educador com difíceis e complexos problemas de diferenças individuais e grupais de aptidão, inteligência, desenvolvimento e motivação. Crianças carentes, de famílias proletárias, destinavam-se assim, pelas desvantagens que as desfavoreciam, para empregos e serviços mais humildes e menos rendosos, enquanto as crianças de famílias de classes média e alta seriam mais favorecidas no processo educativo, preparando-se melhor para o 2º e 3º graus e, conseqüentemente, para o curso superior e as profissões e posições sociais de renda mais alta e maior poder social. Supomos que ocorre no caso uma falha do sistema e não propriamente uma discriminação de classe visando manter submissas e sob controle político-econômico as massas trabalhadoras. O progressismo liberal-democrático sustenta a tese de que o desenvolvimento econômico, social e cultural é condição básica e relevante para a melhoria do nível econômico e educacional da população, para a distribuição de renda mais eqüitativa, para uma justiça social efetiva, maior segurança pública e outros serviços e benefícios públicos. Ao invés da proletarização da classe média, sonha o progressismo liberal com a elevação econômico-social da classe proletária com e pelo desenvolvimento tecnológico, cultural, educacional, econômico e social. Nos países socializantes do Segundo Mundo, o desenvolvimento (progresso) também é meta prioritária e considerado decisivo para a solução dos grandes problemas sociais e humanos em geral. Os países do Primeiro Mundo esforçam-se para que se assegure cada vez mais o índice de prosperidade e desenvolvimento já alcançados; e no Terceiro Mundo fala-se não mais em países subdesenvolvidos, mas sim em países em desenvolvimento.

Aparentemente, devido a seu otimismo progressista, Anísio Teixeira considerava o pauperismo como problema em fase de solução graças ao progresso: "em outros tempos, nesses outros sempre dourados tempos do passado, o homem foi, por causa de sua maior pobreza, mais sacrificado e mais honesto. (...) Maior sinceridade, porém, um desejo mais lúcido pelo melhoramento real da vida do homem na terra, um sentido de responsabilidade mais agudo pelo que resta a fazer, um espírito maior de sacrifício e heroísmo pela conquista objetiva do progresso, ninguém os teve como os tem o homem moderno. É essa a nova atitude espiritual: a ciência tornou possível o bem do homem nesta terra e nós temos a responsabilidade de realizá-lo pela revisão completa da velha ordem tradicional do "vale de lágrimas". Esse novo homem, independente e responsável, é o que a escola progressiva deve vir preparar" (Teixeira, 1934, p. 32-3).

O otimismo liberal progressista de Anísio Teixeira justifica-se plenamente, lógica e fatualmente, porque o objetivo do progresso é humano e universal, e o progresso da ciência e da prosperidade das grandes potências era do conhecimento público, não as estatísticas sobre menores abandonados, a evasão escolar de crianças carentes, da repetência maior de crianças pobres, tudo isto nos países do Terceiro Mundo e nos slums, ainda existentes, de cidades superpovoadas dos países da categoria "pós-industrial". Hoje, diante da informação mais difusa sobre a gravidade e extensão do problema do menor abandonado, da delinqüência infanto-juvenil, do fracasso escolar de crianças carentes e das imensas dificuldades da escola (operacionais, pedagógicas, psicológicas, sociais, etc.), o progressismo liberal-democrático se torna menos otimista, mais realista, mas não foge do problema, não o subestima, nem o despreza aristocraticamente. Há uma crescente informação e conscientização públicas no Brasil, onde esses problemas são dos mais sérios e onde se esboçam tentativas também sérias de amplas soluções. Data venia, achamos, porém, que é injusta e imprópria a crítica ao "escolanovismo" e a seu progressismo ou progressivismo, de inspiração liberal e científica.

Contudo, persiste o otimismo liberal-progressista ainda nos termos da proposição claramente expressa por Anísio Teixeira em 1934: "Ontem, cem de nós gozávamos vantagens materiais de conforto, de bem-estar, de prazer; hoje, cem mil de nós tínhamos essas vantagens." (Teixeira, 1934, p. 28). Fazemos votos para que este progresso se processe em progressão geométrica.

A. Teixeira aponta o método experimental, eminentemente científico, e o industrialismo, ou acrescentemos, a tecnologia, como duas tendências marcantes do progresso, destacando a terceira como a tendência democrática que realça, neste processamento civilizatório, o papel positivo da escola, principalmente ao comparar a escola e sociedade tradicionais com a escola e sociedade modernas, estas mais dinamizadas pelo progresso. O que têm em comum educação, história e progresso? É de se supor que nos primeiros agrupamentos do Homo Sapiens, Faber, Socius, Loquans, os pais, natural e espontaneamente, protegiam e orientavam a prole, e, na medida em que esta crescia, era submetida a instruções coercitivas, principalmente através da linguagem. Também é provável, como afirma Paul Monroe (1938), que as crianças imitavam os pais e irmãos mais velhos. Os coletores de alimentos, caçadores, pescadores, agricultores, artesãos, mineradores, guerreiros, tinham que aprender, treinar e executar eficazmente o que haviam aprendido, e também aprender a ensinar aos menores da horda, família, clã. Desde as mais remotas e primevas origens, a adaptação ao meio e do meio ao Homo exigiam múltiplas aprendizagens com valor de sobrevivência. A elevada capacidade de aprender do Homo Sapiens e de sua capacidade de falar e ensinar a falar, tornava-o um ativo instrutor. Com o que aprendia e retificava, criava e inovava (também extraordinários privilégios humanos), o Homo Sapiens, Faber, Socius, Loquans, descobria a prática do progresso muito valorizado ao se descobrir sua utilidade. Os pais e outros membros mais velhos do grupo primevo, necessariamente, ensinavam às crianças a falarem, a se locomoverem, a serem prudentes e cuidadosas e a colaborarem na busca e produção de alimentos, utensílios, instrumentos, abrigos, armas. Progressivamente, ensinavam aos jovens mais crescidos os trabalhos mais complexos da caça, pesca, agricultura, criação de animais, pastoreio, mineração, cerâmica, fiação etc., porque não se podia aprender tudo pela imitação espontânea, cópia, observação e memorização. Variada interação, pois, entre educadores e educandos, modelos e modelados, controladores e controlados, influindo-se mutuamente no sentido de repetição e continuação, mas também da mudança, correção e aprimoramento.

Corrigir os erros tem e sempre teve valor de reforço porque gratificava, servia, era útil e benéfica. Seu sentido progressista, pois, no mais amplo sentido, se impõe. A extrema e longa dependência ontogenética humana sempre exigiram e exigem cuidados especiais de amparo, instrução, iniciação, habilitação e treinamento de independência. Bebês e crianças maiores pediam e pedem colo, companhia, distração, festinhas, amor e objetos para manuseio, exploração, jogos que requerem muitas vezes a atenção e instrução dos pais ou seus substitutos eventuais ou permanentes. Muito antes, pois, da criação da escola e do conceito de educação, praticava-se natural e necessariamente o ensino e a aprendizagem na criação dos filhos e nas atividades de subsistência, segurança e produção. Monroe (1938) supunha que a educação sistemática teria sido precedida pela imitação inconsciente que a criança faria do adulto e das crianças maiores de seu convívio. O jogo (Homo Sapiens Ludens) seria uma variação agradável de exercícios de imitação. A imitação consciente, para Monroe, se processaria à medida que a criança crescida fosse mais solicitada e pressionada a participar das atividades dos adultos, sem que estes assumissem formalmente qualquer papel oficial de educadores. É evidente, contudo, que professores sempre existiram e sempre foram muito atuantes no processo de socialização das crianças e na orientação e iniciação para o trabalho. Os ritos cerimoniais e religiosos foram também, muito antes da escola, formas sociais de ensino que asseguravam a sobrevivência do grupo, sua cultura, economia e organização social. Monroe destaca sentido educativo nos duríssimos ritos de iniciação entre aborígenes da Austrália central. Símbolos e emblemas informavam sobre tradições, passado, Totem, tabus, mitos, ritos e valores do grupo, função educativa não-escolar, mas importante na vida e no grupo. A educação, inerente à sociedade humana, em todos os tempos e lugares, implica mudanças de atitudes e condutas freqüentemente de sentido progressivo. O animismo primitivo foi fonte de crenças, mitos, cultos, ritos que formaram as raízes das primeiras religiões cujos agentes e representantes pregavam, aconselhavam, reinavam, logo ensinavam e promoviam a imitação, memorização, evocação.

O que Monroe chama de segundo estágio no desenvolvimento educacional, nos primórdios da civilização oriental chinesa, a imitação e memorização sistemáticas foram recursos universais que se impunham porque eram eficazes para os fins colimados. Na China como na Índia, Grécia e Roma, estudavam-se e memorizavam-se os clássicos, mas não por uma lei de regressão ou continuação conservadora, mas sim porque os grandes clássicos eram modelos de talento e criatividade que dignificavam a etnia, incentivando assim uma continuidade criativa e inovadora. Todos os povos que se glorificavam com seus grandes clássicos foram profusamente produtivos intelectual e artisticamente. A valorização do passado não tem, certamente, um sentido antiprogressista. Contudo, várias civilizações e as civilizações ocidentais em diversos momentos históricos resistiram ao progresso, apegaram-se ao passado empedernido para que, nada mudando, não se alterasse o regime vigente de classes ou castas favorecidas e privilegiadas, interessadas em manter as relações de poder que garantiam suas vantagens. Neste contexto, a escola era um eficiente meio para se favorecer os futuros senhores e se submeter os futuros servidores, nobres e plebeus, senhores e escravos, capitalistas e proletários. Não vemos, porém, como classificar o liberalismo progressista como ideologia a serviço dos interesses da burguesia e seus prepostos, delegados e guardiães. Cabe reconhecer-se também a figura autêntica da burguesia progressista, liberal, sempre em choque e oposição à burguesia conservadora, retrógrada ou fascista. A história das idéias e dos movimentos políticos ilustra, exaustivamente, o profundo antagonismo entre progressistas e conservadores. K. Marx analisou com precisão as diferenças de interesses e opiniões entre a burguesia rural e a urbana em 18 de Brumário e Luiz Bonaparte. E a escola progressiva concebe a educação em mudanças guiada pelo método experimental, ou melhor, a pesquisa em geral, também não-experimental, para uma civilização em mudança que tem como uma de suas metas o fim do pauperismo. No país mais poderoso e capitalista do mundo, os Estados Unidos, esboçou-se uma tentativa de se reduzir o contraste econômico-social entre ricos e pobres com a política do New Deal, do Welfare State e da Great Society. Os interesses egoístas e gananciosos resistem e se opõem a qualquer orientação igualitarista ou distributiva, mas não os progressistas-liberais. A luta de classe é algo muito complexo e variável para poder suportar qualquer simplificação sumária.

A discriminação de classe apontada por Gramsci entre ensino manual e intelectual chegou a ser ostensiva no antigo sistema educacional chinês, acentuadamente coercitivo. Limitava às classes populares o mínimo de conteúdo e duração em sua rede escolar, e muito exigia das crianças de famílias ricas, nobres e de classe média, orientando-as para as altas funções públicas, administrativas, e também para o sacerdócio nas antigas civilizações afro-asiáticas como a egípcia, babilônica, persa e hebraica. A obra de Confúcio e seus seguidores era composta por vários volumes que eram estudados e memorizados obrigatoriamente na China clássica. Clara, pois, a orientação e formação ideológica e o controle social a serviço das classes dominantes que as monarquias chinesas imprimiam, reservando-se, ainda, o Estado, a função de proceder a exames de seleção altamente competitivos para a colocação hierárquica nos serviços públicos dos mais bem-sucedidos nas provas de conhecimento e assimilação do patrimônio ético, histórico e literário do passado. Como lembra Monroe em citações que faz de um especialista da história da educação chinesa, o método de ensino era disciplinador, de sistemático treinamento de memorização, cabendo ao professor compelir seus alunos primeiro a lembrar, em seguida a lembrar e em terceiro lugar, ainda mais, também a lembrar. Visava-se, assim, a submissão total e plena das novas elites, pilares da estrutura do poder das classes dominantes. A fidelidade às tradições levava o educador chinês a suprimir as tendências criativas, inovadoras e originais do educando. Esta modalidade de controle social é característica, aliás, de todas as sociedades fechadas e autoritárias de todos os tempos e lugares.

A educação hindu também recorria a técnicas de imitação e memorização no estudo de seus clássicos. Mas, enquanto a filosofia e literatura chinesas eram mais éticas e práticas, a filosofia indiana era predominantemente metafísica, e sua literatura e sabedoria institucional muito voltadas para problemas psíquicos e de autocontrole individualista, valorizando-se o indivíduo, a meditação e sua autoconsciência. Maior independência pessoal, pois, na cultura indiana, e maior integração social e disciplina autoritária nos períodos imperiais da história da monarquia chinesa. Não se deve pois, pôr em dúvida a realidade do controle ideológico tão nitidamente ilustrada na história da educação oriental e ocidental. Mas não se deve ignorar também quem do seio das classes dominantes, sempre emergiram vozes discordantes e rebeldes propondo reformas e revisões profundas. Classe e comportamento e atitudes em função dos interesses materiais de classe não constituem uma relação irresistível e inevitável. Contudo, mesmo sem ter sofrido as penas de um governo central, autoritário e poderoso, era clara e ostensiva a discriminação de classes no sistema de castas hindu, reservando à casta dos brâmanes as funções de sacerdócio, magistério e controle de toda a legislação, limitando aos sudras e párias apenas a preparação para os trabalhos mais pesados e depreciados, sem qualquer instrução formal. Ao que parece, idéias e ideais liberais e democrático-sociais nasceram, cresceram e expandiram-se inicialmente no mundo ocidental, tornando-se porém altamente valorizados e mobilizadores em todos os países, talvez em boa parte por influência original de certos valores judaico-cristãos.

Segundo Monroe, a educação hebraica antiga distinguia-se dos sistemas orientais ao revelar o desenvolvimento da personalidade e responsabilidade individuais no quadro ético-religioso de sua cultura, mas empregando os mesmos métodos disciplinares de imitação e memorização. Não chegaram a criar a instituição escolar como os chineses criaram, pois vincularam a ação educativa à prática religiosa, mormente depois da criação de sinagogas (assembléias religiosas e sociais) em seguida ao retorno do Primeiro Exílio (485 a.C.). Como os chineses, também selecionavam alunos mais capazes para a formação das elites do poder, mesmo quando de origem humilde, integrando-os, porém, ideológica e institucionalmente, no sistema vigente. A civilização egípcia, uma das mais antigas, sobreviveu e desenvolveu-se durante milênios sob o domínio dos faraós e da classe sacerdotal politeísta, que impunha uma só religião. Contudo, o Faraó Amenhotep IV (Aton ou lknaton) foi voz discordante com seu monoteísmo, avançado para seu tempo. O sistema educacional egípcio era também socialmente discriminante, embora vocacional, preparando profissionais para os templos, as cortes e os departamentos governamentais. Escravos e trabalhadores braçais ficavam à margem do sistema.

Apesar das diferenças acentuadas, prevalecia em todos os sistemas orientais de ensino a "autoridade externa" (Monroe, 1938, p. 23-4).

Monroe atribuía ao autoritarismo institucional a estabilidade estacionária, não-progressiva, do antigo Oriente, lembrando que o recente progressismo do Japão deve-se à sua ocidentalização e modernização aceleradas e profundas, passando rapidamente do regime feudal para o capitalismo moderno. Perceberam seus governantes que o desenvolvimento técnico-científico e econômico (progresso) era uma necessidade urgente e premente, a única efetivamente capaz de evitar a estagnação e a sujeição e dependência econômica e política das grandes potências ocidentais.

A civilização helênica apresentou curiosas diversidades em matéria educacional. Em Esparta, a família e os adultos que atuavam como agentes das autoridades públicas civis e militares no exercício do controle da cidade-estado preparavam a infância para a habilitação e coragem marciais, virtudes estóicas e ênfase na obediência e educação física. Havia um superintendente oficial, o paedonomous, e seus assistentes. O Estado oferecia campos e barracas em que eram distribuídos grupos etários devidamente classificados, modelo sem dúvida paramilitar, com a exclusão dos filhos de escravos. Não se concebia, em Esparta, a escola como instituição educacional especializada, organizando-se a educação para a defesa e a força militar de uma sociedade em competição com outras cidades-estados, e sob a ameaça das invasões persas. A educação em Esparta é outro claro dado histórico da atribuição pelo Estado de um papel especial discriminante à educação. Já em Atenas, onde arte, filosofia e drama floresceram, em parte, graças a um clima social mais prolongado de maior segurança e paz, o destaque à educação física e atlética nos magníficos ginásios (que constituíam instituição esportiva, recreativa, atlética, pré-militar) não excluía a educação intelectual, artística, moral e religiosa, nem excluía o ensino em escolas, liceus e academias que se seguiam aos dois anos iniciais no gymnasium. Na escola priorizava-se o ensino de música, isto é, das nove musas: música propriamente dita e poesia, drama, história, oratória, ciências, etc., e, no séc. VI a.C., o ensino da leitura e escrita. Currículo este muito rico e diversificado, acessível para as elites, não para as massas populares. As técnicas universais de memorização e imitação também eram empregadas pelos educadores gregos, mas valorizando-se, e muito, o desenvolvimento da personalidade e a criatividade. Posteriormente, acrescentou-se no currículo aritmética, geometria e desenho, aumentando ainda mais as exigências de aplicação e aproveitamento do alunado e o elitismo escolar. Na Grécia e em Roma, que adotou os modelos da primeira, a educação oferecida aos homens livres não podia alcançar os plebeus cujos filhos cedo aprendiam os ofícios dos pais, perseverando na condição profissional de artífices e artesãos, pouco se distinguindo dos escravos. Mas, apesar da versatilidade e certa liberalidade que já se ensaiava na educação ateniense - como, esporadicamente, também no seu sistema político - modelavam-se as novas gerações de modo a se manter a continuidade cultural e a preservação dos valores, interesses e relações de poder das classes dominantes. Estas, porém, e seus servidores mais qualificados, jamais atuaram e pensaram de modo compacto, homogêneo e unificado no campo ideológico e político. Assim sendo, só num clima social pluralista e filosoficamente tolerante, já esboçando o pensamento democrático-liberal, é que as divergências se multiplicaram em torno das posições progressistas, conservadoras ou reacionárias. A mudança social e cultural não seria uma característica própria e exclusiva da civilização ocidental, nem a estabilidade estacionária e autoritária uma característica das civilizações orientais. No seio das classes economicamente dominantes, uma orientação política diferenciada poderia partir da divergência para a busca do poder estatal imprimindo-lhe orientação especial, ou mais progressiva do que a vigente, ou mais conservadora, ou mais reacionária. Dissidências profundas e intensas tanto ocorreram na Grécia e Roma antigas quanto nas sociedades européias, afro-asiáticas e ameríndias de data mais recente. Contradições e conflitos entre grupos divergentes das próprias classes dominantes têm alterado radicalmente sistemas sócio-político-econômicos sem se chegar, inexoravelmente, à tomada do poder da classe dominada e explorada. Cabe, pois a suposição de que o progresso das idéias, atitudes, técnicas e ciências tendem a minar o poder das forças autoritárias, rígidas e retrógradas, quando não ocorre exatamente o oposto, como teriam sido os surtos nazi-fascistas, autoritário-populistas e ditatoriais oligárquicos em reação ao progresso das idéias e dos ideais liberalizantes e democratizantes.

O pensamento pré-socrático naturalista e racionalista foi um avanço progressista no que concerne à superestrutura tradicional pagã e mitológica anterior. Ramificou-se em divergências num pluralismo autenticamente heurístico. Os sofistas constituíram inicialmente, um movimento progressista na crítica e formulação de dúvidas com que argumentavam contra as verdades dos grandes filósofos e suas cosmogonias, como nas conhecidas sentenças de Protágoras ainda hoje freqüentemente citadas: o homem é a medida de todas as coisas e cada cabeça uma sentença. Realçando a importância da linguagem e, conseqüentemente, da argumentação e persuasão, demonstravam que as escolas filosóficas divergentes não podiam ser expressões de verdades infalíveis, mas sim de argumentos persuasivos. Os sábios faziam escola com seus ensinamentos, mas não descobriam as leis da natureza. A contestação sofística foi um progresso do pensamento filosófico. Mas, de crítica em crítica e descrença em descrença, os sofistas acabaram constituindo um movimento pragmático sem maiores perspectivas filosóficas. Sócrates, Platão e Aristóteles burilaram finas críticas a esses críticos, criando novas correntes de pensamento que, em termos dialéticos, superaram a crise criada pelos sofistas, céticos e cínicos. Teses, antíteses e novas teses, processo histórico dialético, isto é, progressista.

Todas essas correntes filosóficas repercutiam na educação ideologicamente, expressando divergências de opinião conservadoras ou progressistas. Os sofistas solaparam o naturalismo dos pensadores pré-socráticos extremando-se, porém, num negativismo radical eminentemente antiprogressista, considerando-se o progresso representado pelas perspectivas filosóficas oferecidas por Sócrates, Platão, Aristóteles, Epicuro, Zenon etc., que acreditavam no acesso à verdade, apesar da enganosidade das palavras. Assim, Sócrates concordava com Protágoras quanto à tese de que o homem era a medida de todas as coisas. Mas para não errar e confundir, ou confundir-se, devia previamente se conhecer, conforme a mensagem do oráculo de Delfos: Nosce te ipsum. Criava, assim, a psicologia educativa, ampliando a ciência do campo físico para o psíquico. O ser humano, conhecedor e subjetivo, também teria que ser estudado para que o conhecimento objetivo das coisas, fosse menos incerto e precário. Progresso indubitável, apesar de distante dos problemas humanos sociais e políticos que Platão e Aristóteles procuraram estudar. Enriquecia-se o currículo das escolas atenienses e os aristocratas, como os demais homens livres, proprietários, não tinham que se preocupar com a ignorância conveniente das massas de trabalhadores livres ou escravos, geralmente dóceis, submissos e temerosos. Mas, mudanças houve, e talvez, em muitas ocasiões movidas mais por lutas intraclasses do que por luta de classes; mais por antagonismos e conflitos ideológicos entre as elites dominantes do que entre estas e as classes dominadas. A história demonstra, apesar de muitos percalços e retrocessos, que de progresso em progresso aboliu-se a escravidão e a servidão, desenvolveu-se uma humanizada legislação social do trabalho e da previdência social, bem como leis de defesa dos direitos individuais, da criança, da mulher, do idoso, do prisioneiro. Trata-se de um progresso claudicante e de influência limitada na instituição escolar, prevalecendo, porém, no decorrer do tempo.

Pode-se inferir, pois, que a "educação progressiva" (J. Dewey, A. Teixeira, W. Kilpatrick e outros) e a "escola nova", embora servindo ao sistema e omissa diante das desvantagens educacionais das crianças carentes, abriam espaços, caminhos e perspectivas que possibilitaram os novos enfoques. A crença no diálogo (Sócrates, Platão) e na democracia como forma de governo (Aristóteles: Política) abriam novas perspectivas na educação, ultrapassando o progresso relativo promovido pela descrença dos sofistas e céticos e o apego a um progresso anacrônico defendido por conservadores e reacionários. Fatores de mudança são numerosos, e o progresso, no seu mais abrangente sentido, não é sempre linear, gradual e saltatório, ou revolucionário. Não vemos como simplificar eventos históricos tão complexos e variáveis com a polarização dos entrechoques de interesses econômicos e políticos de classes, para se concluir que os filhos de trabalhadores são discriminados de fato no sentido do trabalho manual socialmente inferior e favorecidas as crianças de classe média. O fato ocorre, mas como um problema que o desenvolvimento econômico e tecnológico da sociedade moderna pode resolver. Também não achamos coerente fixarmos no liberalismo progressivo ou progressista de J. Dewey e Anísio Teixeira, envolvendo-nos num progresso do passado, posição que implicaria em conservadorismo no presente. O liberalismo progressista moderno é democrático-social quer no plano estatal, quer no das instituições. Educação, nutrição e saúde são prioridades para governos dos mais diversos matizes políticos, progredindo-se até mesmo na redução das desigualdades e suas conseqüências, a longo prazo, mas efetivamente, conforme registra a história da humanidade. A pesquisa, a discussão, a crítica, a divulgação de informações e conhecimentos, a integração da pluralidade de disciplinas dos cursos de educação e a atitude ou o espírito científico, muito contribuirão para a solução dos problemas humanos, sociais e educacionais, isto é, para o progresso. Relendo a História da educação, de Paul Monroe, escolhemos passagens que pudessem ilustrar a tese de que discrepâncias e divergências de pensamento adquirem poder motivacional determinante de opções e mudanças de atitudes e condutas, já que a inteligência humana é psicológica, isto é, pede e demanda coerência, congruência, consistência cognitivas. Independentemente dos interesses materiais, variáveis, freqüentemente relevantes, crenças e atitudes em dissonância e conflito podem levar indivíduos, grupos e povos a novas soluções e perspectivas. A psicologia social experimental realizou demonstrações cabais do fenômeno. Acreditamos, pois, que além das ideologias, também as idéias em discussão influem no comportamento e pensamento de indivíduos, grupos e povos. Assim, a Educação Progressiva, de Anísio Teixeira, exerceu influência renovadora na filosofia e política educacional brasileira e não se tornou obsoleta por ser incompleta como proposta progressista.

A escola, na sociedade burguesa, é uma instituição social integrada num sistema que privilegia o poder econômico de classe, um "aparelho ideológico do estado", segundo L. Althusser (1980). Mas, gera também entrechoque de idéias e diferenças de opinião e atitudes que vão pedir revisões e novas soluções, mudanças, pois, muitas vezes progressistas. O problema da educação de crianças carentes e menores abandonados passou a ser assunto prioritário no campo da educação e altamente politizado na medida em que os poderes legislativo e executivo reconhecem sua importância e a importância de uma política econômica e orçamentária de longo e largo alcance social. A famosa pesquisa de Theodore Newcomb (1943, 1950) no Benington CoIlege (educandário feminino particular, universitário) demonstrou que alunas de famílias ricas e da alta classe média ultraconservadora e esteio do Partido Republicano, num estado norte-americano de grande maioria republicana, jovens que acompanhavam o pensamento político dos pais quando na primeira série do College, passavam a mudar politicamente nas séries seguintes, dando preferência nas 3ª e 4ª séries ao candidato do Partido Democrático, Franklin D. Roosevelt, cujo new deal era estigmatizado como um programa sócio-político-econômico avançadíssimo. Roosevelt, contudo, com seu progressismo reformista, muito contribuiu para salvar e reviver a pujança do sistema capitalista norte-americano. Foi avançado na ótica republicana conservadora. Mas, não chegou ao socialismo. Manteve-se fiel ao sistema capitalista. Vinte e cinco anos após sua pesquisa - de 1934 a 1939 - Newcomb procurou as jovens estudantes que se bacharelaram em 1939 e verificou que, em grande maioria, continuavam liberais e casadas com homens também liberais (Jones & Gerard, 1967).

Numa atmosfera social, cultural e política liberal-progressista, a ideologia da classe dominante deixa de ser a ideologia de todas as elites componentes da classe dominante. Escola, educadores e pesquisadores e políticos podem, assim, constituir forças inovadoras capazes de promoverem mudanças profundas numa conjuntura de desenvolvimento econômico e social progressista. Portanto, a escola pode superar suas limitações de aparelho ideológico do estado até mesmo aplicando a política econômica que possa beneficiar as classes mais desfavoráveis.

Bibliografia

Allport, Gordon. Historical backgrounds of modern social psychology. ln: Lindzey & Aronson. Handbook of social psychology. Reading, Mass., Addison-Wesley, 1968.

Althusser, Louis. Da ideologia. Rio de Janeiro, Zahar, 1980.

Gramsci, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. São Paulo, Civilização Brasileira, s.d.

Jones, Edward E. & Gerard, Harold B. Foundations of social psychology. New York, John Wiiey, 1967.

Monroe, Paul. A brief course in the history of education. New York, MacMillan, 1938.

Newcomb, Theodore M. Personality and social change. New York; Dryden, 1943.

Newcomb, Theodore M. Social psychology. London, Tavistock Publications, 1952.

Teixeira, Anísio. Educação progressiva. São Paulo, Ed. Nacional, 1934.

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