OLIVEIRA, Hildérico Pinheiro de. Anísio Teixeira cem anos e o direito à educação. Revista da Bahia. Salvador, v.32, n.31, jul. 2000. p.92-104.

Anísio Teixeira Cem Anos e o Direito à Educação
Hildérico Pinheiro de Oliveira

Para atender a uma melhor apresentaçãodestes comentários, foi julgado mais conveniente dividir o texto em capítulos, mantenão-os dentro de uma ordem cronológica para possibilitar o acompanhamento da evolução de um jovem iniciante na administração escolar, até chegar à figura do pensador, filósofo e doutrinador da educação, que foi Anísio Teixeira.

De início faremos um sumário dos primeiros 22 anos da vida do educador, permitinão, ainda que muito superficialmente, um conhecimento do cidadão Anísio Teixeira na sua juventude. Aos que se interessem por maiores detalhes sobre a vida do educador, sugere-se a consulta aos trabalhos de Hermes Lima, Luis Viana Filho, Hermano Gouveia Neto e da Profa. Wanda Pompeu Geribelo, além de muitos outros trabalhos esparsos, estanão a relação do que, sobre o educador, foi escrito, na Internet; visite: www.prossiga.br/Anisioteixeira.

Anísio Teixeira nasceu a 12 de julho de 1900 na cidade de Caetité, ainda à época, importante centro econômico, cultural e político do sudoeste baiano.

O Dr. Deocleciano Pires Teixeira, médico, importante figura da sociedade local, como profissional, como político e pelas suas origens, casou-se sucessivamente, com três irmãs, descendentes dos Spínolas, da Chapada Diamantina, senhoras de muitas terras havidas por heranças, principalmente de um tio latifundiário na região do São Francisco. Viúvo de Mariana, o Dr. Deocleciano casou-se com a irmã Rita que cedo veio a falecer, casanão-se então, por fim, com Ana, nascida Souza Spínola, que era, como se conclui, moça corajosa e sem superstições. Deste último casamento nasceram 11 filhos, senão Anísio o penúltimo.

Anísio Teixeira iniciou seus estudos em escolas primárias de Caetité, a primeira da professora Maria Teodolina das Neves Lobão que o achava "bonitinho e inteligente", segunão relata Hermano Gouveia Neto, a segunda, da sua tia Priscila Spínola que dele tinha lembrança de um menino "pequenino e conversador", características que o acompanharam pela vida toda, de baixa estatura, franzino, tinha como prazer especial conversar, discutir, dotitrinar, filosofar, polemizar.

O restante dos estudos básicos do educador prosseguiram no Colégio S. Luis, de Caetité e se concluíram no Colégio Antônio Vieira, em Salvador, ambos pertencentes aos jesuítas que logo se impressionaram, profundamente, com o brilho, a agudeza da sua inteligência, ao que se juntava o seu discernimento e velocidade de raciocínio, o que levou aqueles religiosos a, digamos assim, uma idéia fixa de conquistá-lo para as hostes de Santo Inácio de Loyola. Os seus estudos superiores foram iniciados em Salvador e concluídos no Rio de Janeiro, onde se graduou como Bacharel em Direito, aos 22 anos de idade.

Mantenão o vivo interesse de fazer de Anísio Teixeira um jesuíta, o padre Luiz Gonzaga Cabral, certamente o superior da ordem no Colégio Antônio Vieira, foi encontrar-se com o jovem bacharel, quanão da sua formatura, no Rio, e com ele retornou a Caetité visanão a obter do Dr. Deocleciano e da D. Ana o consentimento para o ingresso de Anísio Teixeira na Companhia de Jesus, não obteve êxito. O Dr. Deocleciano desejava ver o filho como promotor, ingressanão na política, para suceder-lhe como líder na regão; D. Ana, no que valesse o seu catolicismo, não concordava com a ortodoxia religiosa que mandava os filhos "deixarem os pais para seguirem o mestre", e durante o tempo em que uma de suas filhas fazia a sua profissão de fé num convento, seis anos, ela deixou de ir às missas.

Anísio Teixeira não ingressou na Ordem dos Jesuítas, e não se tornou promotor para seguir a carreira política. O padre Cabral e o Dr. Deocleciano foram vencidos pelo destino, no caso, representado pelo Dr. Francisco Marques de Góes Calmon então governador do estado que para sua surpresa, perplexidade e grande estranheza do mundo político e educacional, nomeou o jovem bacharel Anísio Spinola Teixeira, com a idade de 24 anos incompletos, para o alto cargo de Inspetor Geral de Ensino, do estado da Bahia, o que equivalia ao atual cargo de secretário da Educação.

Assim iníciou-se a carreira daquele homem que veio a ser, até hoje, a maior figura da educação brasileira, sem qualquer restrição aos valores dos demais nomes que enriqueceram e ainda enriquecem a história educacional do país. Acontece que Anísio Teixeira, pelos cargos que ocupou, teve a oportunidade de mostrar-se não apenas um grande pensador, um filósofo da educação, mas, também, um grande executivo, um homem de ação, com a virtude maior de correlacionar as suas ações com suas idéias; além de tudo isto Anísio foi também um grande criador de fórmulas, de procedimentos para acelerarem o desenvolvimento, o aperfeiçoamento e a universalização da educação, principalmente no campo do ensino elementar.

Aquele jovem não trazia para o importante cargo que ia ocupar quaisquer estudos sobre educação, qualquer tirocínio em administração pública ou privada, por mais superficiais que fossem, possuía para desempenho dos espinhosos místeres que lhe foram confiados, a sua inigualável inteligência, o seu grande discernimento, com o qual desde adolescente impressionava seu pai; carregava consigo uma imensa capacidade de pensar, não por limitados setores mas, por amplos horizontes abraçando quase todas, senão todas as faces do fato, do fenômeno ou do problema, por mais poliédricos que fossem.

Uma ilustre professora, em artigo publicado na Revista Brasileira de Educação dá a entender que Anísio Teixeira ao assumir a Inspetoria Geral de Ensino na Bahia, já estaria, de certo modo, influenciado por John Dewey, em conseqüência dos seus estudos com os jesuítas e mesmo nas escolas de Direito, tal hipótese pode ser negada. Não seria lógico, que alguém conhecedor e adepto de John Dewey o que, naturalmente, para entendê-lo exigiria um certo conhecimento da escola americana, escrevesse como Anísio Teixeira escreveu, em 1924, um artigo intitulado "A Propósito da Escola Única" combatendo tal tipo de escola, que sempre foi a base democrática da educação americana. A outra prova é que tão logo Anísio concluiu o seu mestrado no Teacher's College da Universidade de Colúmbia, "já lapidado" como disse Monteiro Lobato, tornou-se o grande defensor da escola única.

Encerremos aqui estes registros sobre o educador e iniciemos, dentro do possível, a análise da sua posição e do seu pensamento quanto ao Direito à Educação, assunto que de modo direto ou indireto teve nele um grande defensor.

O Direito à Educação no Brasil

Nem a Constituição do período imperial de 1824 e seus atos adicionais e muito menos a republicana de 1891 e suas emendas, consagraram no Brasil a educação como um direito. Só pelo Artigo 149 da Constituição Federal de 1934 é que a educação passa a ser "um direito de todos", mas não um dever do Estado, que sobre o assunto tinha competência, o que não significa obrigação. Mesmo esta primeira abertura para o direito à educação sofre um recuo com a Constituição de 1937 imposta à Nação por Getúlio Vargas, onde pelo Art. 129 o dever da Nação era supletivo, pois atuaria, apenas, quando "a infAncia e à juventude" faltassem "os recursos necessários à educação em instituições particulares"... Por ontro lado "o ensino pré-vocacional e profissional, destinado às classes menos favorecidas" era em "matéria de educação o primeiro dever do estado". - Tal situação durou até a Constituição de 1946, quando pelo Art. 166, a educação volta a ser um "direito de todos", mas não, ainda, um dever do Estado. Mesmo a Lei Federal 4024/61 (LDB) não consagrou a educação com um dever do Estado. Só na Constituição de 1988 - Art. 205 - é que a educação passou a ser "direito de todos e dever do Estado".

O Inspetor Geral do Ensino do Estado da Bahia
Relatório 1924-1928

Não é possível dizer que Anísio Teixeira, como Inspetor Geral do Ensino do estado da Bahia, tenha abordado de modo direto, o tema "O Direito à Educação", mas no relatório que apresentou ao governador em 1928 já registra a sua preocupação com a universalização do ensino e logo de início atinge o fulcro da questão, referindo-se ao estado: "a idéia de educação universal como elemento fundamental de vida democrática, não nos havia possuído" e logo a seguir observa:

"Éramos um estado com uma larga população analfabeta de viver primitivo e primitivo estado social e uma diminuta classe de letrados, cujos índices de vida foram diretamente copiados das mais amadurecidas classes educadas da Europa.

Dentro deste contraste, entre essa aristocracia intelectual e o hilota sertanejo, está a explicação de muitos problemas atuais do país".

Neste século XXI, setenta e dois anos já passados, a observação de Anísio Teixeira, com as alterações cabíveis, é pertinente; naqueles idos de 1928 o educador mostrando a correlação entre o desenvolvimento econômico e o educacional, afirmava que "o primeiro produto a cultivar, na terra, é o homem".

A universalização da educação não se restringe a um mero crescimento quantitativo, à simplista divisa: "toda criança na escola". Anísio Teixeira buscou assegurar um direito que só muito mais tarde iria ganhar foros de preceito constitucional, ampliando a matrícula da escola elementar na Bahia, que senão de 47.58O alunos em 1924, cresceu para 79.85O em 1928, acompanhando, porém, tal crescimento, da melhoria da qualidade de ensino, com ênfase na formação e aperfeiçoamento do Magistério para o ensino elementar.

No mesmo relatório o educador já ponderava que "como base da pirâmide do serviço de educação", era para o ensino popular, "que haviam de convergir os esforços centrais do governo".

Com muita modéstia, Anísio declara que a situação da Bahia na ação educativa era a mais grave, e mesmo duplicando, como foi duplicado, o raio de ação da rede escolar da Bahia, apenas 20% das crianças tinham oportunidades de educação. Em 1924 registrou que "a criança que deserta da escola, apenas sabe ler, escrever e contar". Tinha porém esperanças de que dentro da lei a situação fosse resolvida pela obrigatoriedade escolar.

Achava porém o educador que pela coação o aluno freqüentaria a escola por quatro anos, isto porém, entendia ele, não era suficiente, era necessário que se transformasse a escola abrindo-a "para o interesse da criança, em escola nova".

Ainda sobre o tema de que nada vale levar a criança à escola, pois o importante é ali conservá-la, aquela autoridade educacional há 72 anos passados, já aconselhava "adaptação da escola ao nosso meio" esta idéia está viva e o que é pior, ainda por ser adotada.

Ainda em 1925 o jovem administrador, já apelidado de "verdoso educador", "bebê", "irrequieto pedagogo", apontava "que o sistema escolar baiano" era de fato de apenas um ano, tempo em que não podia ser transmitido um satisfatório conhecimento.

Relatório 1931 - 1934

Como Diretor-Geral do Departamento de Educação do Distrito Federal (Rio dejaneiro) apresenton ao, prefeito em 1935 relatório da sua administração, de 1931 a 1934 onde se vê que o educador não estava ali, também, alheio a universalização do ensino, alids, naquele relatório as suas palavras sdo mais precisas quanto ao direito a educação que possui cada integrante das sociedades.

Naquele documento, propugnava por maiores recursos para a educação, que ele julgava imprescindíveis, escreveu, "nenhum sistema escolar se pode organizar se o povo não tem visão social suficientemente larga e ampla para perceber que a escola é, por excelência, o instrumento da conquista e defesa de seus direitos essenciais".

Só pela escola se pode fazer uma democracia. As ações de Anísio Teixeira dividiram-se de modo sempre intenso, entre a expansão da matrícula e o aprimoramento do ensino; atividades que não se podem divorciar pois de nada vale locupletar as pobres e, às vezes, paupérrimas salas de aula, onde em muito, muitíssimos casos, sequer existem professores habilitados, já não digo competentes.

As matriculas em 1934 no então Distrito Federal no ensino primário, diurno e noturno foram de ordem 112.60O alunos, que não em 193O foram de 84.20O alunos com aumento de 33,7%, um crescimento anual de 7,53% ao ano, muito superior ao crescimento demográfico.

Isso comprova que Anísio Teixeira fazia corresponder às suas idéias uma ação, um fato concreto realizado, e comprovadamente exeqüível.

Naquele relatório dos idos de 1934 o educador escreveu: "a escola é a casa do povo, não em sentido qualquer de simples retórica, mas no sentido realíssimo de reguladora social destinada a oferecer, a todas as crianças e a cada criança as oportunidades de conforto, de direção, de estudo, de sociabilidade e de preparo para a vida que oferecem à criança afortunada a casa e os recursos do pais".

Ë conveniente repetir que nem mesmo a Constituição de 1946 e nem a Lei 4024 de 1961 propôs a educação como direito de cada criança, em tais documentos ele é direito de todos, o que para Anísio Teixeira não é como mostraremos adiante o direito de cada um, e por isso escreveu no relatório "a escola de mero aparelho aristocrático para aperfeiçoar e ilustrar os que tinham dinheiro e tempo para freqüentá-la, passou. a aparelho de nivelamento político e econômico... e agora visa a, ambiciosamente, ser o aparelho de equalização das oportunidades econômicas e sociais de cada indivíduo".

Vale acompanhar a coerência do pensamento de Anísio Teixeira que afirmou: "só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar, no Brasil, a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública".

Dizendo que tudo que a democracia (no Brasil) prometeu, falhou, ele pergunta o que deram ao indivíduo? "uma organização política que suprime o indivíduo manobrado, por intermédio do sufrágio universal por grandes forças obscuras e invisíveis. Uma organização social em que o trabalho é distribuído e valorizado por alguns que o possuem e o dão nas condições em que quiserem".

Entendendo que a reconstrução social moderna impositiva para uma sociedade justa e equilibrada, e considerando que a escola, a educação, é o grande instrumento para essa reconstrução e correção, Anísio Teixeira pontifica: "Tal obra não é, assim, nem pode ser, obra de pedagogos mais ou menos esclarecidos, mas obra eminentemente política, para qual devem contribuir todos os homens de pensamento que dirigem de fato a sociedade".

Afastado da Educação

Anísio Teixeira, por circunstâncias políticas, esteve afastado das ações educacionais do campo do serviço público ou privado desde 1935, só retomando em 1946, quando passou a exercer as funções de conselheiro da UNESCO por convite de Julian Huxley. Em 1945 o Estado Novo encerrava seu ciclo de poder e em 1947 Otávio Mangabeira ao assumir o governo da Bahia, traz Anísio Teixeira para ser, como dizia ele próprio, o governador da Educação no estado, no cargo de secretário da Educação e Saúde.

Aquele educador deixou dois relatórios onde se vê que a sua idéia de educação como direito de todos e de cada um não estava abandonada ou superada.

Relatório 1948-1949

A situação educacional do estado retratada no Relatório de 1948 apresentava grandes e graves carências alarmantes, sobretudo quanto à oferta de escola elementar ao povo. Mesmo diante da situação desoladora Anísio Teixeira fiel a idéia da universalização do ensino desde 1924, estabeleceu o programa de ampliação da matrícula, fundamentado, porém, em uma infra-estrutura de suporte para uma expansão programada. Educação se faz em escola devida e tecnicamente projetada e construída, possuidora de equipamentos e instalações adequados. E este foi o grande trabaIho de Anísio Teixeira à frente da administração da educação na Bahia, pela segunda vez, no período de 1947 a 1951. A carência de prédios escolares era flagrante.

Naquele período foi programada a construção de 872 escolas, das quais 758 destinadas à zona rural e as demais para zonas urbanas, com mais de 1.00O salas de aula, o que com base em classes de 35 alunos representavam, em dois turnos diurnos, capacidade instalada de mais de 70.00O alunos, quando a matrícula aos fins de 1946 era de 110. 000 alunos.

A ampliação de matrícula atingiu a 40% no quatriênio, pois de 110.000, em fins de 1946 passou a 154.000 no ano de 1949. Anísio Teixeira não deixou, ao que saibamos, Relatório relativo ao ano de 1950.

As construções escolares eram adequadas aos meios em que se situavam e atendiam a um princípio que Anísio Teixeira costumava expressar, "fazer escolas para ricos que, porém, sirvam aos pobres".

Educação não é Privilégio

Em 1957 Anísio Teixeira publica "Educação Não é Privilégio", e referindo-se a uma reunião de representantes dos governos integrantes da Organização dos Estados Americanos, considera que os povos das Américas, "convocavam aquele conclave para a fixação de medidas destinadas a assegurar-lhes os direitos dos direitos: uma escola primária eficiente e adequada para todos".

Analisando a evolução (ou estagnação?) da educação elementar no Brasil, aponta que pouco antes e logo depois da República, as reivindicações sociais eram proclamadas de modo por demais enfático, e "a escola era considerada, na época, a maior e a mais clara conquista social", mas, conclui o educador, outras "conquistas, mais pretenciosas e atropeladas" mesmo não podendo ser realizadas "sem a escola única, tomaram a frente e subalternizaram a reinvidicação ediucativa primordial".

O direito à educação, que aquele educador defendia, como vimos, para todos e para cada um, deve ser assegurado por uma "escola pública, comum a todos", não como "instrumento de benevolência de uma classe dominante, por generosidade ou temor, mas como um direito do povo"...

Segundo aquele educador foi um "visceral sentimento de sociedade dual, de governantes e governados" que impedia a expansão da educação popular.

Abordando especificamente a "escola pública universal e gratuita", Anísio Teixeira considera a escola primária, que corresponde, hoje, às quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, como "o fundamento, a base, da educação de toda a Nação", e vai mais além ao declarar que "se de outras se pode prescindir e a algumas nem sempre se pode atingir, ninguém dela (da escola primária) deve ser excluído, sob qualquer pretexto, senão para todos imprescindível. Façamo-la já, de todos e para todos".

Tal idéia data de 1956, a evolução científica, tecnológica e cultural verificada daquela data até hoje, e as mudanças sociais ocorridas nesse espaço de tempo, estabelecem já, urgentemente, imprescindível o Ensino Básico como previsto na LDB em vigor, não para preparar para concursos vestibulares, mas para formar cidadãos.

A sua época aquele educador reconhecia que não estava, o país, em condições de oferecer, a toda a população, mais que o Ensino Primário, hoje porém, pelo menos, pode e deve ser oferecido a todos, e a cada um dos integrantes da população brasileira, o Ensino Fundamental de oito anos, não porém por aquele modo que Anísio já condenava, há mais de 4O anos, "por uma expansão do corpo de participantes, com o congestionamento da matrícula, redução de horário, a improvisação de escolas sem as mínimas condições de funcionamento".

A escola como direito de todos e de cada um, desde a sua caracterização como "escola universal" pela Revolução Francesa, era, diz Anísio Teixeira "algo de novo e, na realidade uma instituição que, a despeito da família, da classe e da religião, viria a dar a cada indivídui a oportunidade de ser na sociedade, aquilo que seus dotes inatos, devidamente desenvolvidos, determinassem".

Para o educador, a educação em tal escola não se destinava e não se destina à especialização de alguns, mas à formação comum do homem... para os diferentes quadros de ocupações, em uma sociedade moderna e democrática.

Tal escola é um direito de todos e de cada um, e não se faz por aquele modo que Anísio Teixeira criticava já no longínquo ano de 1934, logo no início do seu livro "Educação para a Democracia":

"A Educacao Nacional tem-se constituído, no Brasil, a questão por excelência para as soluções apressadas desse espírito mais patriótico do que lúcido. O primeiro erro que se origina de tal modo sentimental de encarar o problema é o de tomar as causas pelos efeitos e os efeitos pelas causas".

Se as democracias são "regimes de igualdade social e povos unificados", "com igualdades de direitos individuais", elas não podem ignorar, nem deixar de oferecer uma "sólida educação comum" que o educador à epoca entendeu que deveria ser dada na escola primária, que como já foi dito, atualmente exige pelo menos oito anos de Ensino Fundamental e, como queria Anísio Teixeira, "em dia letivo integral e currículo completo".

Não estamos inovando ao propor que a escola universal, comum para todos e para cada um seja aquela do Ensino Fundamental, o próprio Anísio, neste mesmo livro que de modo superficial analisamos, já dizia que nos países desenvolvidos, "até a educação média, posterior à primária está se fazendo, também, comum e básica", e Anísio com a sua aguçada e certeira visão do futuro ali já dizia: "e a tanto também nós tendemos e devemos mesmo aspirar".

Educação é um Direito

Em 1967 Anísio Teixeira publicou o seu último livro "Educação é um Direito" que está dividido em duas grandes partes - "Os Fundamentos Democráticos da Educação" e "Autonomia Legal dos Serviços Públicos da Educação no Estado da Bahia", nesta última ele abordou os "Fundamentos do Capítulo de Educação e Cultura na Constituição Estadual de 1947", de que ele foi autor, a "Autonomia dos Serviços de Educação e Cultura no Estado da Bahia" onde está a sua exposição de motivos que precede o Projeto de Lei da Organização dos Serviços Educacionais na Bahia", apresentado ao governador do estado e por fim a "Análise do Anteprojeto da Lei na Assembléia Legislativa do Estado da Bahia", onde ele foi defender aquela revolucionária organização da educação que pretendia para a Bahia, e que não foi aprovada.

Mas o objetivo destes comentários nos limitará àquela primeira parte do livro que nas, suas 79 páginas, é um pequeno, mas profundo estudo da democracia e do direito à educação, que nos conduz à idéia de que tais termos são comutativamente ora causa, ora efeito, e o próprio Anísio logo na primeira página nos ensina isto, pois o título do capítulo é: A Forma Democrática de Vida e sua Dependência da Educação". E nas primeiras linhas o educador ilustra a diferença entre democracia e aristocracia usando conceitos educacionais ao escrever: "a forma democrática funda-se no pressuposto de que ninguém é tão desprovido de inteligência que não tenha contribuição a fazer às instituições e à sociedade a que pertence; e a forma aristocrática, no pressuposto inverso de que a inteligência está limitada a alguns que, devidamente cultivados, poderão suportar o ônus e o privilégio da responsabilidade social, subordinados os demais aos seus propósitos e interesses".

Logo em seguida Anísio Teixeira com aquela lucidez que marcou sua vida conclui: "a desigualdade dos indivíduos é fato incontestável, em face dele, tanto se pode construir uma teoria de desigualdade social quanto de igualdade". O corolário de tal afirmação é que a teoria da igualdade surgirá da democracia e aquela da desigualdade, logicamente, da aristocracia.

O grande educador abrindo caminho para o direito à educação retrocede no tempo, e volta à teoria do liberalismo econômico de Adam Smith e à teoria da soberania do indivíduo. Anísio não analisa o laissez-faire do ponto, de vista ético e sim de suas conseqüências, atuais, registrando que ele conduziu "à civilização material dos dias presentes" onde em outra escala dizemos nós, está implantada uma profunda desigualdade entre as nações, que se reflete na ainda existente, injusta e quase criminosa, desigualdade entre grupos sociais, mas o educador foi mais fundo no estudo do "indivíduo soberano" que, nas teorias políticas sociais e econômicas dos séculos XVIII e XIX era, na realidade, "um pequeno grupo de donos de terras e da indústria nascente. A massa trabalhadora não se compunha de indivíduos, mas de simples massa de manobra, mercadoria sujeita às leis naturais de oferta e de procura".

Para o educador as grandes liberdades da época (século XVIII e XIX) estenderam-se, apenas, aos que formavarn a classe dominante ou em ascensão. Na realidade, continua aquele filósofo da educação brasileira, "todas essas liberdades estavam com efeito subordinados a uma condição fundamental: a de educação". Para muitos, à época, a educação deveria ser conseguida" à custa do próprio indivíduo". Filósofos eram contrários a que o estado promovesse educação que, como a religião, era assunto particular.

Somente no século XX surge o conceito da educação como um direito do indivíduo, mas devemos observar que a nossa primeira Constituição Republicana sequer aflorou, mesmo de leve, tal fato. Admiramos, hoje, que os Estados Unidos da América, com sua independência consolidada em 1878, já mostrasse ao mundo a sua tecnologia com o exemplo de Robert Fulton inventando o navio a vapor, em 1803, que, porém, nos fins do século XVIII já havia construído o primeiro submarino, desconsiderado pela Marinha Americana, porque sem serventia, à época, para a guerra.

Tais fatos podem ter origem na "Lei do Velho Enganador Satanás", citado e transcrito em parte por Anísio Teixeira no livro que aqui analisamos de modo rápido. Tal lei porém, que obrigava a cada vila com 5O ou mais casas manter às suas expensas, uma escola para ensinar, "todas as crianças que a procurassem, a ler, escrever e contar", visava a bem preparar os pastores para transmitirem a palavra de Deus. Isto se deu no século XVII, mas no século XVIII Benjamim Franklin já opinava por instituições que poderiam ajudar a construir a nação nascente, dentro dos novos progressos da ciência, da tecnologia. Já no Brasil, nos princípios do século XIX, o ouro que ainda restava das minas já quase exauridas pela metrópole, era retirado com estacas de madeiras apontadas, não se usava alavancas de aço.

O mais grave é que ainda vivemos numa sociedade dual, onde existem de um lado muitos, muitíssimos, pobres e miseráveis, e do outro poucos, pouquíssimos dominadores poderosos, pela política ou pela riqueza, que possuem a quase totalidade dos bens da nação, ainda que temerosos, temerosos ao extremo de que o Brasil institua democraticamente a exigida, satisfatória e bem qualificada educação, que é o direito de todos e de cada um dos brasileiros e dever do Estado, de modo a apagar da nossa sociedade esta ainda atual mancha de injustiça e iniquidade, como o nosso poeta maior pediu ao mar que apagasse do seu manto o borrão da escravatura. Esta era a Idéia de Anísio Teixeira, longe, porém, ainda, de ser alcançada.

Considerava a liberdade do homem soberano como "algo negativo como simples ausência de restrições", pois tal conceito fundamentava-se no princípio de que deixando o homem livre, ele atingiria "a felicidade, o poder, o saber e a riqueza". Esta era a enganosa pregação dos filósofos dos séculos XVIII e XIX, e como já dissemos quanto ao laissez-faire, Anísio considerou que o falso individualismo provocou uma das épocas de maior iniquidade social da história.

Segundo ele, a psicologia e a antropologia do século XX, desfizeram o "mito" da soberania do indivíduo, e disto a educação surge como "algo de muito importante. Somente pela educação poderíamos produzir o homem racional, o homem independente, o homem democrático". É por isso mesmo que a educação, segundo o educador, "se constitui um problema público, de interesse público, um direito de cada indivíduo e um dever da sociedade".

Mas o tipo de educação escolar preconizada por Anísio Teixeira teria de "incluir o espírito da objetividade, o espírito da tolerância, o espírito da investigação, o espírito da ciência, o espírito da confiança e de amor ao homem e o da aceitação e da utilização do novo - que a ciência a cada momento lhe traz com um largo e generoso sentido humano".

É válido observar que ao propor uma educação para criar um espírito de tolerância, em 1967, não imaginaria que esta sua idéia virasse texto de Lei - Artigo 3º - Inciso IV - Lei 9394/96 (LDB). Ainda em 1967 Anísio já pregava dentro do contexto do processo educativo que o homem em sociedade "aprende a controlar o seu comportamento no interesse da convivência humana, da feliz e justa convivência humana". Assim tolerância e convivência eram dois objetivos a perseguir na educação segundo Anísio em 1967 e são sugeridos na Lei 9394/96 (LDB) (a tolerância) e ambas no relatório da UNESCO sobre educação para o século XXI. Isto mostra o pioneirismo de Anísio Teixeira.

Além de criar tais condicionamentos para o processo educativo Anísio Teixeira justifica o direito à educação, pois só por ele e "pela continuidade do sistema de educação, organizado de forma a que todos em igualdades de condições, possam dele participar e nele confinuar até os níveis mais altos". E é por esta organização educativa que nas democracias se assegura a igualdade de oportunidades.

O conceito de Anísio Teixeira sobre o direito de educação amplia-se ao considerá-lo "um reconhecimento formal expresso de que a educação é um interesse público a ser promovido por lei".

Ainda que já estejamos no século XXI não deixa de prevalecer no Brasil aquilo que Anísio chama o velho dualismo, para os poucos privilegiados a educação necessária, quanto tempo ou dinheiro custe, para as altas funções; para os muitos sem "tempo e dinheiro" - para longos estudos, o treino para o trabalho subalterno - para ser artesão no conceito de Aristóteles - aos quais, como já foi dito aqui, repetindo aquele educador, o emprego tem donos, que o dão pelo modo que querem.

Tal situação existe, e de longa data no Brasil. A República não extfinguiu a aristocracia, simplesmente a incorporou a outros grupos dominantes emergentes, do que resultou a curiosa situação de um país com todos os penduricalhos que caracterizem uma democracia, mas conduzindo por uma insensível e já duradoura oligarquia.

O mestre Pedro Calmon, já passado mais de um quartel de século, dizia que Nação se constituía de território, povo e costumes, que ele julgava já existir época da nossa Independência.

Com a devida vênia daquela luminar figura da cultura brasileira, que merece eternas referências, atrevo-me a dizer que nesta nação brasileira falta o povo. Assim não fora e no Brasil educação seria direito de todos e de cada um, como queria Anísio Teixeira e não aquilo que é ainda hoje e foi tão combatido pelo grande educador, "um privilégio de poucos".

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