Distinguiu-se Oscar Spínola Teixeira, de 1913 a 1918, na Escola Politécnica de S. Paulo, pela qual se diplomaria em engenharia mecânica e eletricista, como um aluno exemplar.
É certo que não participou, por acreditá-los inúteis, dos agitados debates do "Grêmio Politécnico", associação de estudantes de invejável conceito e apenas vinte e um dias mais novo do que o famoso "Centro Acadêmico XI de Agosto". É também exato que se não tenha inscrito no efêmero e galhardo Batalhão Acadêmico de São Paulo, por arraigada convicção antimilitarista. Colaborara, contudo, com assiduidade em sociedade de caráter beneficente.
Nas provas e nos exames destacava-se invariavelmente Oscar pela correção com que procedia e pela viva inteligência que marcou época em sua turma. Era um privilégio ouvi-lo e constituía um prazer intelectual acompanhar-lhe o raciocínio na solução das mais difíceis questões.
Das matemáticas ou das cadeiras de aplicação apenas se desprendia para apreciar, interessado, o desenrolar dos movimentos políticos que preocupavam o país, especialmente os que atingiam o seu torrão baiano. E foram muitos e importantes esses acontecimentos no conturbado período em que Oscar residiu em S. Paulo!
Caetité era-lhe uma obsessão constante, em meio aos estudos que lhe tomavam o tempo ou aos planos que lhe acalentavam as esperanças. E tanto em seu derredor, nas ruas e nas "repúblicas", expunha e discutia os problemas do sertão, que o seu nome se confundiria, entre os contemporâneos, com o da longínqua cidade natal, onde o velho Pai imperava como um chefe de projeção incontrastável. "Aí vem o Caetité!" - diziam os amigos à sua aproximação em meio a uma auréola geral de simpatia.
Ao fim de cada ano, mal terminava os exames finais - ainda não se inventara o processo de passar por média! - Oscar tomava o trem da Central do Brasil, na Estação do Norte, para Pirapora, embarcava numa "gaiola" da navegação do S. Francisco e, descendo em Carinhanha, dentro em breve descansava o espírito no aconchego da casa paterna, ou por entre correrias, a cavalo, pelas fazendas.
As férias retemperavam o seu organismo para as aulas que se iniciavam, pontualmente, a 15 de Fevereiro. Com os novos conhecimentos científicos adquiridos, revia projetos de melhoramentos para a gleba em que nascera para uma execução que acreditava possível, no seu entusiasmo comunicativo e franco: águas e esgotos, energia e estradas.
Sólidas amizades deixaria na Paulicéia, entre futuros engenheiros e bacharéis, companheiros das pensões em que residia, o estudante baiano, cuja lembrança, ainda perdura, indelével, entre aqueles que mais de perto o estimaram.
Concluído o curso, empregaria Oscar a sua atividade em Caetité, para, dois anos depois, aceitar o convite da nossa Politécnica para uma especialização nos Estados Unidos, com os recursos da lei Pereira Lima, infelizmente extinta logo após, por "economia", em face da alta do preço do dólar.
Fui encontrar o bom amigo, em fins de 1921, numa "boarding-house", em Wilkinsburgh, próximo de Pittsburgh, como praticante, há quase um ano, das oficinas da Westinghouse, das dezoito horas de um dia até as seis da manhã seguinte. Após quase um mês de agradável convívio e animadas conversas em torno dos problemas do Brasil distante, deixávamos, por fim, a grande cidade industrial, rumo a Washington, Filadélfia e Nova York. Na Capital norte-americana uma demora de quatro dias permitiu aos dois brasileiros, sofregos de novidades, percorrer a Casa Branca e o Capitólio, monumentos, museus, bibliotecas e instituições, e conhecer o Embaixador Alencar.
Regressei a seguir para o Brasil. Oscar ainda permaneceria quatro meses em Nova York, como técnico de uma empresa de eletricidade, para um estágio de aperfeiçoamento.
Antes da nossa fixação na Cidade do Salvador, em épocas diversas, o destino caprichoso reuniria os dois colegas da Politécnica de S. Paulo por duas vezes: no Rio de Janeiro e em Aracaju.
Ali, na pensão Schray, ao Catete, desde o começo do século, o tio Rogaciano era uma espécie de "cônsul" dos baianos, acolhedor e afável. Oscar, egresso de Baurú, onde exercera as funções de engenheiro da Noroeste do Brasil, para onde o mandara o Ministro Pires do Rio, e, em plena lua de mel, preparava-se, para subir para o querido rincão, após uma visita comovedora ao prestigioso padrinho.
Para Aracaju levara-o uma procuração dos co-estaduanos para um acerto de contas com o Serviço de Intendência do general Mariante, que orientava o combate à coluna Prestes e que, no desempenho dessa tarefa, requisitaria víveres e animais por onde quer que passasse em perseguição aos rebeldes. Fôra sem dúvida uma espinhosa missão na qual Oscar revelaria toda a sua inquebrantável integridade.
Deposto em 1930 pelo advento das fôrças políticas adversas, não abandonaria os correligionários à própria sorte. Pelo contrário. Em cartas que conservo, pedia ao então Diretor Geral da Instrução o amparo para as professoras do seu Distrito e proteção para a Escola Normal de Caetité, ameaçada, em momento difícil, de uma extinção, que, afinal os bons fados não permitiram se efetivasse.
Em dias mais recentes, no governo Octavio Mangabeira, a insistência com que o deputado visitava as Secretarias da Agricultura e da Fazenda, para os recursos que o desenvolvimento do amado sertão estava a exigir, tornara-se proverbial. Tinha no mais alto sentido a vocação do espírito público, conforme, aliás, já o acentuara, no justo panegirico, o deputado Jorge Calmon, em nome da corrente política a que Oscar se filiara com intrepidez.
Nesta triste data, que recorda o primeiro aniversário do trágico passamento desse prestimoso colega, de raros predicados morais, de convicções políticas tão firmes, deponho no túmulo de Oscar Spínola Teixeira, com estas reminiscências, uma braçada de saudades. (x)
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Era-lhe uma constante a devoção sertaneja. Acima de tudo. Onde quer que as contingências da vida o atraíssem. Em São Paulo. Nos Estados Unidos. Na sua
amada Bahia.
Vivamos a inquieta e arrebatada adoração de Oscar Spínola Teixeira nestas cartas de um homem livre, cedo e tragicamente levado do nosso convívio.
Engenheiro mecânico-eletricista pela Escola Politécnica de São Paulo, na Noroeste do Brasil iria encarregar-se dos serviços das linhas telegráficas e telefônicas.
De Bauru, a 27 de outubro de 1923, escrevia-me: "Meu caro Archimedes... A Bahia entrou em um acordo que lhe evitará grandes lutas, mas cuja solução não é imediata. O futuro Governador vai ter interessantes casos políticos a resolver, a começar pelas duas câmaras estaduais. No sertão, o Seabra estava armando os seus correligionários... contra a minha família. O acordo derrubará estes planos maquiavélicos, conquanto acredite eu que os seabristas não levassem o melhor partido na luta do sertão"
Licenciando-se da Noroeste, voltou-se para a sedução da gleba natal, para, pelo menos, "gozar das delícias de um clima admirável". De Guanambi, a 2 de julho de 1924, informava-me: "... Aqui chegando, encontrei à minha disposição a gerência da Empresa Industrial Sertaneja. Eu, que sempre detestei emprego público, não recusei e me vejo assim transformado em negociante de algodão, sabão, óleo e gado. Politicamente, vamos melhor. A queda do Seabra foi um grande bem. O novo governo não nos satisfaz em tudo. É novato na política e caminha com medo. Em todo o caso está tudo bem melhor. O meu irmão Anísio, hoje Inspetor do Ensino, goza de toda a confiança do Governador e representa hoje a política deste sertão, em substituição a meu Pai que, desgostoso com a solução de certos casos aqui, se afastou da atividade política".
A 18 de abril de 1925, da Cidade do Salvador -- eu encontrava-me, temporariamente, em Aracaju - agradecia-me os parabéns pela sua investidura na Câmara Estadual. "Realmente, a Bahia entrou numa fase de aproveitamento de capacidades, salvo algumas exceções, como, por exemplo, o meu caso. Saí da Noroeste quando o lsidoro ainda não era conhecido e, se lá estivesse ficado, teria permanecido, sem dúvida com a legalidade".
De Guanambi novamente, em data de 10 de junho de 1926, relatava-me o susto que causara a passagem da coluna Prestes: "Meu caro Archimedes. ...Os rebeldes visitaram, em correrias, cometendo toda a sorte de banditismo, a Bahia. Ainda estão na margem do São Francisco, que vai se tornando uma barreira intransponível para eles. Caetité salvou-se, devido a termos organizado uma pequena resistência, porém, eficiente. Como eles fogem a todo combate, a nossa pequena resistência foi bastante para salvar a cidade de saque. A população viu-se, porém, obrigada a fugir, pois não era possível predizer o resultado do combate, caso viesse mesmo a se dar. O pânico causado pelos rebeldes foi simplesmente espantoso em todo este sertão. Pegados de surpresa (Caetité desconfiou de sua aproximação, quando ainda eles estavam a 20 léguas de distância) os sertanejos fugiram na maior parte. Houve algumas lutas isoladas com prejuízo para os rebeldes. Da Bahia pode-se dizer que eles levaram apenas maldições; nenhum apoio moral ou material encontraram de seus habitantes, hoje mais do que nunca desejosos de vê-los derrotados. Vai tomando grande incremento qualquer idéia contrária à anistia".
A coluna Prestes procedera a toda a espécie de "requisições", nas fazendas e nas localidades que atravessara. Com a procuração dos prejudicados, Oscar Spínola Teixeira estivera em Aracaju, onde o General Mariante, chefe das forças do governo, instalara o comando das forças legalistas e o serviço de Intendência do Exército. Daí sairia, depois de alguns dias de entendimentos, com mais de cento e dez contos de réis para distribuir pelo sertão que condignamente representava. Uma pequena parte - pouco mais de cinco contos ser-me-ia paga, posteriormente, para remeter para Oscar.
Após a vitória da política da Aliança Liberal, a 30 de dezembro de 1930, de Guanambi, escrevia o saudoso colega para o então Diretor Geral da Instrução Interino: "... O atual Governador da Bahia mostra-se cheio de rancor contra nós da família Deocleciano Teixeira, chegando o ódio gratuito até os nossos amigos. A política nestes municípios vizinhos de Caetité e no próprio Caetité está sendo feita exclusivamente na base do ódio pessoal. Para chefe local é necessário apenas ser inimigo da família Teixeira, ou de um de seus membros. Para cá têm vindo funcionários que, abusando dos seus poderes, se ligam estreitamente aos nossos inimigos e procuram tão somente humilhar amigos nossos. Não sei a que fim pretendem chegar com tal programa, que estou certo não é o da Revolução"... "O tal desarmamento está sendo fonte de injustiças, arbitrariedades e roubos"... "O sertanejo, excessivamente pacífico, levado ao pânico pelos acontecimentos, está suportando os maiores vexames. Temos esperança que o general Távora, que todos dizem um idealista das melhores intenções, resolva, afinal, olhar para a Bahia e dar-lhe melhores dias".
Um novo governo instala-se na Bahia e Oscar, de Guanambi, a 21 de março de 1931, desabafava-se comigo: "...Continuamos, não obstante, a sofrer as conseqüências dos aventureiros que tomaram conta desta zona. Temos confiança que com o tempo, o dr. Arthur Neiva modifique este estado de cousas. Tenho denunciado ao dr. Bernardino de Souza alguma cousa. Não sei, porém, que consideração ele tem dado aos meus telegramas".
Um mês depois, impaciente, de Guanambi mandava-me o seu azedo comentário sobre a situação... "Não podia supor que um governo cujas principais figuras são Bernardino de Sousa, Tosta Filho e V., nos fizesse oposição. Francamente, o homem deve estar preparado para as surpresas e é difícil saber onde está o amigo. Imagine que ao nome de meu Pai substituíram, como chefe político de toda a zona de Caetité, um aventureiro de péssimos procedentes... Dizem que o governo de São Paulo é comunista. O da Bahia parece querer fazer experiência de anarquia, isto é, de ausência de governo. Há municípios, como o de Riacho de Santana, inteiramente acéfalo; outros, como o de Monte Alto, com autoridades que carecem de prestígio moral e, por isto, caminham, também, anarquisados... Parece-me que o Anísio, na Diretoria da Instrução, só criou inimigos, muitos dos quais só esperavam o alcance de melhores posições para mostrar seus sentimentos".
Muito extensa a carta de 2 de junho desse milésimo, cheia de queixumes. Pedia-me para não falar ao governo "de nós, os Teixeiras"... Eu acredito que, mesmo no longo período de ostracismo político de meu Pai, ele nunca encontrou, como agora, tantos atos de franca atitude pessoal contra nós". Acompanhava Oscar, de perto, os acontecimentos de São Paulo. "Ontem, li que criaram uma associação com intuitos separatistas. Se este colosso se transformasse em dois ou três, teríamos a vantagem de uma emigração com mais segurança que hoje. Seriam países da mesma língua e costumes semelhantes".
A 21 de abril de 1932, de Guanambi, preocupado com a seca e com a política, mas, confiante em que "de São Paulo para baixo alguma coisa de sensato e honesto irá aparecer... Estou ansioso pela realidade, que virá demonstrar que a tal coesão do Norte é um mito. O Norte, escravizado, na hora decisiva, não poderá atender o chamado do Sul e então veremos os vice-reis saírem, tão ligeiros quanto os mandatários de Washington. Tenho muita fé no Sul. Só de lá poderá sair qualquer coisa boa. Assim era, aliás, na República defunta".
Durante uma viagem ao São Francisco, confessar-me-ia, em carta de 12 de outubro de 1933, datada em Guanambi, "pensava constantemente no descaso do governo pelo sertão, cuja população pobre vive miseravelmente, em choças sórdidas, cheio de moléstias, adotando o amor livre, sem de nada servir-lhe a estrada de ferro ou o vapor, que lhe passa muitas vezes à porta de casa. Plantam e cultivam o que mal lhes dá para a subsistência de eterno faminto. Evidentemente alguma coisa está errada. Parece que o primeiro passo de conforto para o sertão seriam hospitais. Caetité, Conquista, Lapa e Juazeiro seriam pontos a neles instalar-se hospitais públicos. Os sertanejos são de todo inacessíveis a um movimento de união, não têm confiança, são egoístas, e precisam de muito preparo para se tornarem conscientes de sua força quando unidos e se imporem aos dirigentes da Capital. Até lá é preciso que os melhores intencionados de cá e daí façam alguma coisa para melhorar a mentalidade sertaneja". Alguns antigos estariam insistindo com ele para "uma concentração sertaneja política, com o fim de unidos mais valermos perante o Partido Social Democrático". Ainda não encontrara suficiente apoio para tal movimento.
Onde, todavia, mais de admira a coragem de Oscar Spínola Teixeira de defender, intransigentemente, "o sertão de Caetité, isto é, mais de vinte municípios que têm essa cidade como sua Capital", é na carta que ao "Diário Carioca", por essa época, endereçou, comentando uma entrevista do coronel Franklin de Albuquerque. Relembrando o progresso que introduziram na região os governos Luís Viana e Góis Calmon, abre um crédito de confiança para a lnterventoria que se inaugurava de capitão Juraci Magalhães.
Incentivando os maus elementos, ou apontando soluções para os problemas mais urgentes de saúde, educação, transporte, Oscar Spínola Teixeira era sempre o paladino das causas mais nobres do berço em que nascera. "Voz pequena, isolada e sem valor", apelava para que "algumas migalhas de melhoramentos públicos", telégrafo, barragens, trilhos, estradas carroçáveis, se derramassem pelos ínvios rincões da sua Bahia. (x )
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