VENÂNCIO FILHO, Alberto. O Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova: 1932. Rio de Janeiro: Companhia Brasileira de Artes Gráficas Ltda., 1989. 56p.

ALBERTO VENANCIO FILHO

O MANIFESTO
DOS PIONEIROS
DA ESCOLA NOVA

------ 1932 ------

Discurso de posse no Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro em 19 de julho de
1989, na cidade do Rio de Janeiro.

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saudação de
FRANCISCO DE ASSIS BARBOSA

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Senhor presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros.

Senhor representante do Real Gabinete Português da Leitura e demais membros da mesa.

Senhor presidente Lacombe:

Como disse o Padre Ávila, na missa do jubileu, acabais de completar quatro vezes vinte anos, e assim, na vossa renovada juventude, podeis presidir, tonificando e fagueiro, a sessão com que hoje celebramos o ingresso de Alberto Venancio Filho nesta casa venerável. Árvore mais do que centenária, mas sólida e pujante, o Instituto como se rejuvenesce, como o nosso Presidente, com a admissão em seu quadro social de valores autênticos, e não vagamente ornamentais, em nossa vida cultural. São ramos que vicejam e frutificam, em constantes florações, dando à casa de D. Pedro II a certeza de perenidade.

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Minhas senhoras, meus senhores,

Senhores consócios:

Estamos aqui reunidos para festejar a vinda para o nosso grêmio de um historiador que nada tem dos antigos cacoetes rotineiros, ou mesmo tradicionais, digamos assim, daqueles que se preocupam com os aspectos apenas formais do ofício, antiqualhas e episódios pitorescos, como se fossem colecionadores de quinquilharias. É um historiador novo, voltado para a história intelectual, que nos trouxe por isso mesmo uma contribuição de singular importância, como o belo livro sobre o ensino jurídico, para logo em seguida acrescentar à valiosa bibliografia os estudos sobre a formação do nosso Direito Econômico, tão reveladores e estimulantes da nossa realidade social e política.

A participação de Alberto Venancio não se encerra aí. Ela se dinamiza na advocacia militante, e na sua indormida devoção à causa pública, como o demonstrou com a brilhante atuação junto à Comissão Constitucional, que teve a presidência do ilustre orador oficial do Instituto, Afonso Arinos de Melo Franco. Os trabalhos ainda não codificados da Comissão Afonso Arinos, e entre esses se incluem os de Alberto Venancio e outros especialistas, poderão acaso motivar uma avaliação retrospectiva, mas esta é uma outra história que nada tem a ver com esta saudação.

Fiquemos na pessoa do novo companheiro. Nascido no Rio de Janeiro, filho de professores, o ambiente doméstico na infância e adolescência era todo impregnado pela atmosfera da campanha de renovação do ensino público, bandeira levantada pela Associação Brasileira de Educação, a gloriosa ABE, cujo fundador, Heitor Lyra da Silva, falecido aos 48 anos, o educador e não o homônimo historiador e diplomata.

A ABE não tinha presidente. Heitor Lyra impôs a sua liderança com o seu entusiasmo e operosidade e contou com a colaboração de um grupo aguerrido recrutado entre os principais educandários do Rio de Janeiro, o Andrews, o Jacobina, o Bennett, o Juruena, o Lafayette. Um de seus principais colaboradores chamou-se Francisco Venancio Filho, que ocupava posição de relevo no magistério e se destacara na organização do Grêmio Euclydes da Cunha, demonstrando a firmeza das suas convicções e inabalável fidelidade à mensagem do ideólogo de Os Sertões.

Na trincheira da ABE, encontrava-se, ao lado do marido, Dona Dina Venancio, professora de inglês de mais de uma geração de cariocas. Na memorável campanha, que se prolonga por toda a trepidante década de 1920, a participação feminina começa a aparecer de modo significativo. Terminara a guerra, em 1918, e a mulher aparecia emancipada, na defesa de direitos e reivindicações, não apenas a faculdade de votar, na esteira das sufragistas do começo do século. Removem-se barreiras com a introdução de ousadas inovações, simbolizadas pelo cabelo à la garçonne.

A presença maciça de professoras é uma das características mais simpáticas da Associação Brasileira de Educação, reunindo figuras do porte de Laura Jacobina Lacombe, Branca Fialho, Celina Padilha, Alice Flexa Ribeiro, Juracy Silveira e tantas outras. A campanha consolidou-se assim com os congressos de educação em vários estados. O toque de reunir ecoou rápido por toda a nação. Além de Francisco Venancio Filho, outras personalidades se juntavam aos esforços da ABE, cuja diretoria se desdobrava flexível em somar a boa vontade de quantos se dispusessem a levar avante a causa redentora. Roquette Pinto, Vicente Licínio Cardoso, Mário Paulo de Brito, Anísio Teixeira, os dois Sussekind de Mendonça, Edgard e Carlos, quantos mais.

Impulsionado por professores e educadores, o movimento contou com a adesão de um dos maiores médicos do Rio de Janeiro, Miguel Couto, luminar da sua classe, que proferiu a conferência que fez época: "No Brasil, só há um problema, o da educação nacional". Tudo isso dá uma medida, embora parcial, mas expressiva, do que representou a ação de Heitor Lyra, Francisco Venancio Filho e seus companheiros. Venancio colocaria a questão em termos muito claros e objetivos. "Ou nós educamos o povo para que dele surjam as elites ou formamos elites para compreenderem a necessidade de educar o povo". Era necessário aproximar a elite do povo. Mais do que isso, o povo tinha de participar do processo político.

As reformas educacionais são implantadas em vários estados da federação, num despertar para o enfrentamento dos problemas que angustiavam o nosso povo. Reformas como a de Pernambuco, talvez a primeira, com Antônio Carneiro Leão, logo a seguir a do Ceará, com Lourenço Filho, a da Bahia, com Anísio Teixeira, a do Paraná, com Lisímaco Costa, a de Minas Gerais, com Francisco Campos, aliada à Missão de Edouard Claparède e a vinda definitiva para o Brasil de Helena Antipoff.

A gestão de Sampaio Doria, 1920, à frente da Instrução Pública do maior estado da federação havia apenas aflorado o problema da reforma da educação no plano do ensino primário, normal e técnico-profissional, mas o impulso inicial se esmaecera na inércia. Não houve propriamente uma reforma. Alguns anos mais tarde, ainda na década de 1920, Fernando de Azevedo promoveu o inquérito sobre educação publicado nas colunas do jornal O Estado de São Paulo, com uma análise em profundidade da situação do sistema escolar. O grande brasileiro seria em seguida convocado para a direção geral da Instrução Pública no Rio de Janeiro, na administração do prefeito Antônio Prado Júnior.

Foi uma tarefa ingente. Bem vale a Fernando de Azevedo o título de reformador por excelência. Tudo mudou. Não só do ponto de vista da organização do trabalho, com instalações materiais adequadas, amplas e arejadas, como o conjunto do novo Instituto de Educação da rua Mariz e Barros, que passou à paisagem como um cartão de visita. O mais estimulante, porém, consistiu na confiança e na seriedade das medidas inovadoras, no clima que então se instaurou em todo o sistema educacional da capital da República, a quebra do tabu das práticas nocivas do clientelismo eleitoreiro, sob a égide da bastilha do Conselho Municipal. Fernando de Azevedo conseguiu derrubar a bastilha.

Esse clima de ar puro criou uma nova mentalidade que Fernando de Azevedo imprimira, e o tornaria certamente uma figura consular, cuja atuação há de repercutir, como um símbolo, em todo o nosso conturbado e sofrido sistema educacional, no ensino básico e mesmo no universitário. A reforma de 1927-1928 foi o ponto de partida, que levaria o educador a postos executivos em São Paulo até a direção da Faculdade de Filosofia, onde nasceu a Universidade de São Paulo.

Entre os colaboradores, é justo destacar Francisco Venancio Filho, tal com aparece no livro Novos caminhos e novos fins, em que Fernando de Azevedo o aponta como um dos alicerces da campanha, ressaltando-lhe as qualidades de honestidade e o dinamismo de sua inteligência criadora, a paixão em que serviu a causa do movimento reformista. E tudo fazendo sem alarde, antes com modéstia, como que se escondendo dos aplausos. Desse pai, que tinha em alta conta o culto da amizade, herdariam os filhos Fernando e Alberto os mesmos sentimentos. Os nomes foram escolhidos, é preciso que se note, em homenagem aos amigos Fernando de Azevedo e Alberto Rangel.

Assim é, por exemplo, Alberto Venancio Filho que possui, além do mais, agudo senso de equilíbrio, o claro espírito crítico que o situa entre os seus contemporâneos como um dos mais lúcidos representantes da vanguarda intelectual, sabendo selecionar os temas de que se ocupe o seu talento de ensaísta. O tema de hoje para a comunicação inaugural de associado do Instituto é o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova. Vamos ouvi-lo.

Alberto Venancio Filho - o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro se orgulha da vossa presença e recebe o insígne autor de Das Arcadas ao Bacharelismo - 150 anos do ensino jurídico no Brasil - e iniciador dos modernos estudos de Direito Econômico com a alegria de poder contar com a vossa colaboração e de ter-vos como companheiro.

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DISCURSO DE POSSE

Ao tomar posse como sócio efetivo desta veneranda instituição, várias reflexões me envolvem: inicialmente, a de agradecimento aos sócios que apresentaram o meu nome e dos que o aprovaram e, em particular, à figura do Presidente Américo Jacobina Lacombe que, nessa função, como em todas as que tem exercido, dá uma lição exemplar de probidade, competência e espírito público.

Perpassam logo pela minha mente as ligações que me vinculam aos trabalhos que essa instituição, há mais de 150 anos, realiza com inexcedível relevo.

Com a comemoração há algumas semanas do 95.º aniversário de nascimento de Francisco Venancio Filho, meu pensamento se volta para a figura paterna. Professor de física e educador, não foi historiador de profissão, mas a esses estudos devotou parte significativa de suas cogitações. Em 1942, no 3.º Congresso de História Nacional, promovido pelo Instituto, elaborou trabalho sobre Os Cultores da Física no Brasil que é, na verdade, uma breve história do ensino de física entre nós. Nesse mesmo ano, quando os problemas de saúde o impediram de realizar trabalhos experimentais de física - e considerava que sem trabalhos de laboratório não se poderia ensinar a matéria - fez concurso para a cadeira de História de Educação do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, lecionando essa matéria durante três anos e dando um cunho novo à disciplina, colocando toda a ênfase no estudo da história da educação no Brasil, e dando um caráter subsidiário à educação universal, e, adotando métodos novos com a leitura pelas alunas de romances, de livros de memórias e de viajantes, para que o processo de aprendizado fosse compreendido através dessas fontes autênticas.

Ainda menino, mas já interessado nas coisas de espírito, acompanhava-o à Biblioteca Nacional, onde ele participava do que foi chamada Academia Garciana, nome dado ao núcleo de pessoas que, em volta do então diretor daquela biblioteca, Rodolfo Garcia, se reuniam para discussões e trocas de idéias sobre pesquisas históricas. Entre eles, avulta na minha lembrança a figura de Afrânio Peixoto, que me dispensava excessos de gentilezas e carinho; os dois volumes das Obras Completas de Castro Alves oferecidos com generosas dedicatórias constituíram na infância os primórdios de minha biblioteca literária.

De outro vulto, conhecido quando presidente da Academia Brasileira de Letras, a imagem também ficou bastante nítida. Terno branco, tez morena, gravata borboleta, óculos grossos, marcavam bem no jovem a figura que já se ilustrara na política, na diplomacia, na história e nos negócios. O embaixador José Carlos Macedo Soares, que também dignificou essa presidência, enviava habitualmente a meu pai livros de sua autoria, e confesso que tive uma impressão surpreendente, ao ver chegar, em requintada encadernação, e com impressão de exemplar dedicado especialmente ao destinatário, o livro Santo Antônio de Lisboa Militar no Brasil. Não poderia atinar como um santo, que jamais viera às nossas terras, alcançara a patente nas milícias coloniais.

Esse interesse pelos estudos históricos levou-me certa vez orgulhoso a apontar incorreção no livro História do Brasil para as Crianças, de Viriato Corrêa. Lia aquela obra, quando deparei com a frase de que Vasco da Gama descobrira o caminho para as Índias. A verificação da falta de se tratar apenas do caminho marítimo fez-me encher de orgulho e no encontro de pai e filho com o autor, o fato foi apontado, tendo este, com bonomia e generosidade, se escusado do engano.

Uma outra referência merece ser lembrada: a de Alberto Rangel, cujo prenome trago em sua homenagem. Voltando ao Brasil por força da guerra, deixando os seus amados arquivos do castelo d'Eu e do Quai d'Orsay, impressionava-me a figura daquele homem encanecido, calvo, barba inteiramente branca e que tinha um carinho especial para conversar com os jovens. A publicação nos últimos anos de sua vida de A Educação do Príncipe, retrato cruel de como uma Nação preparava mal seu futuro dirigente para as tarefas de governo, revelava mais uma vez as qualidades de um historiador consumado, que iria terminar seus dias num torreão montaigniano, por ele especialmente construído em Nova Friburgo.

Esse interesse era tão forte e marcante que o jovem de então achava que deveria ser pedantemente um historiador. O fato é que outros caminhos se abriram e a carreira do direito foi aquela que há mais de 32 anos exerce sem abandonar os estudos de história. O livro Das Arcadas ao Bacharelismo é a tríplice reunião de três interesses intelectuais, o direito, a história e a educação.

Vejo aqui nesta casa grandes e queridos amigos que simbolizo na pessoa de Afonso Arinos de Melo Franco, cuja carreira, em todos os setores, é um dos títulos de glória de nosso país e de Francisco de Assis Barbosa, cuja saudação neste dia é motivo de orgulho e que foi o responsável pelo meu primeiro elo direto de ligação com essa instituição. Estava em 1966 inteiramente dedicado às atividades profissionais, quando fez a indicação de meu nome para conferencista do ciclo de estudos realizado no centenário de nascimento de Euclydes da Cunha. A conferência aqui proferida foi mais um preito de dedicação filial, pois se resumiu a coligir elementos da correspondência de Euclydes da Cunha, organizado por Francisco Venancio Filho. Participaram também do ciclo Olímpio de Souza Andrade, Elmano Cardim e Pedro Calmon, caros amigos a quem rendo o preito da minha saudade, estando como sobreviventes apenas Francisco de Assis Barbosa e eu.

Foi Pedro Calmon quem numa segunda oportunidade me convidou para pronunciar no CEPHAS conferência sobre Carlos Peixoto e o Jardim da Infância, divulgando pesquisas que estava realizando, e publicada na Revista do Instituto, a qual acolheu, por ocasião do sesquicentenário dos cursos jurídicos, trabalho sobre aquela efeméride, na qual mais uma vez se aliava o tríptico do direito, da história, e da educação.

Certamente foi levando em conta essas tendências que Francisco de Assis Barbosa sugeriu que escolhesse como tema desse discurso o Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, da qual foi um dos participantes Francisco Venancio Filho; seria nova oportunidade para render-lhe o preito de minha acendrada admiração.

Recordo-me que, certa vez, em 1943, numa estação de águas em São Lourenço, meu pai leu artigo de Alceu Amoroso Lima, publicado no Diário de Notícias, falando dos grandes movimentos da década de 20 e 30: no plano literário a Revolução Modernista, no plano político a Revolução de 30, e no plano espiritual o movimento de renovação católica de Jackson de Figueiredo. Mesmo em merecido repouso, Francisco Venancio Filho escreveu ao crítico carta em que lamentava a omissão do Movimento da Reforma Educacional, capitaneado por Fernando de Azevedo.

Uma análise mais imparcial revelará que o movimento da Escola Nova não teve o alcance e a extensão dos outros três movimentos, sobretudo porque os seus efeitos se diluíram no tempo, e a mensagem que apresentava foi superada por uma política de interesses, comandada pelo clientelismo e nitidamente antipopular. Por isso mesmo, à luz do tempo, talvez deva ser considerado como um fato histórico de um passado distante e menos como um movimento de atuação efetiva. O que seria mais um motivo para que nesta hora e nesse momento fosse aqui testemunhado, ainda que em traços muito gerais, como convém a cerimônias do gênero.

A educação no Brasil - o fato é notório - nunca se constituiu em preocupação efetiva das classes dirigentes e dos líderes políticos, tendo se limitado a instrumento de manutenção das barreiras sociais.

Descoberto o Brasil, a educação foi praticamente entregue aos cuidados da Companhia de Jesus, cujos esforços meritórios não podem ser desmerecidos, mas que desenvolveu um tipo de educação literária e livresca, desligada das realidades de um país novo e em crescimento. Os êxitos alcançados nos colégios da Companhia de Jesus em várias cidades do Brasil revelam ainda mais a antinomia entre esse tipo de ensino e a sociedade para o qual se destinava. Com a expulsão dos jesuítas em 1759, substituiu-se o sistema confessional por arremedo de aulas régias, que mal chegaram a funcionar e cujo quadro sombrio Vilhena descreveu nas Notícias Soteropolitanas.

A chegada ao Brasil da família real em 1808, teve efeitos importantes para a vida brasileira, mas em matéria de educação preocupou-se o Príncipe Regente basicamente com a criação de instituições de ensino superior, como a aula de economia política na Bahia, os cursos de medicina no Rio e na Bahia, a Escola Militar, e instituições culturais, como a Biblioteca Nacional e o Jardim Botânico. Acentuava-se assim uma linha que predomina até hoje, de atenção especial ao ensino superior, descurando-se do ensino primário e secundário.

A Independência não altera esse quadro e quando se iniciam as discussões na Assembléia Constituinte de 1823, os debates se firmaram sobretudo na criação de universidades e de faculdades de direito. O exame dessas discussões, resumidas no livro Das Arcadas ao Bacharelismo, revela que o cuidado especial na fixação das cidades onde esses cursos deveriam localizar-se, o nível dos professores, o tipo do ensino, tudo constituía preocupação cuidadosa que os constituintes revelavam, denotando a importância do assunto. Dissolvida a Constituinte, um decreto de 1825 cria provisoriamente um curso jurídico na Corte, que nunca chegou a funcionar, e quando se reabrem os trabalhos da Assembléia Geral de 1826 o problema novamente surge para, afinal, se fixar, considerando que seria fórmula mais realista, na criação de dois cursos jurídicos, um em Olinda e o outro em São Paulo, pela Lei de 11 de agosto de 1827, que o Ministro do Império que a referendou, Fernandes Pinheiro, mais tarde Visconde de São Leopoldo, historiador, autor da obra Anais da Província de São Pedro e um dos grandes desta Casa, considerou o ato mais importante da sua vida política.

Em trabalho de 1977 publicado na Revista do Instituto denominei a criação dos cursos jurídicos de símbolo da independência nacional, e ratifico agora esse julgamento, pois estava bem nítido no pensamento dos constituintes e legisladores a importância que teria a formação dos homens de lei no próprio país, sobretudo porque os brasileiros que permaneceram em Coimbra eram vítimas dos maiores agravos e ofensas.

De fato, os cursos jurídicos de Olinda/Recife e São Paulo desempenharam no Império um papel de extraordinária relevância, contribuindo, decisivamente, para a formação da unidade nacional, pois jovens de todo o país acorriam àqueles cursos e recebiam a mesma formação. E porque essas gerações deram ao país um sentido de respeito pela ordem jurídica, que nos afastou até recentemente das ondas do militarismo que assolaram o Continente.

Entretanto, forçoso é reconhecer que esses cursos agiram muito mais como aglutinadores de formação intelectual, oferecendo ambiente propício para o convívio e para o cultivo das letras e das ciências sociais, mas não foram, do ponto de vista puramente didático, instituições verdadeiramente eficientes. Um bacharelando em São Paulo, ao final do século, dizia que se ia à faculdade como se ia a um clube, e todas essas gerações, no fundo, foram gerações de autodidatas. O nosso presidente, em excelente estudo sobre A Crise do Ensino Superior, destacou certa vez que jamais pode encontrar a idade de ouro do nosso ensino superior, pois na verdade ela jamais existiu.

O exame da obra educacional do Império comprova que os resultados foram escassos: em 1828 é promulgada pela Assembléia Geral uma lei sobre o ensino primário, mas que não trouxe resultados efetivos, e em 1837 é criado o Imperial Colégio Pedro II, cuja importância foi significativa na nossa vida cultural, e no Gabinete Rio Branco (1871-1875); transforma-se a Escola Central em Escola Politécnica e se funda a Escola de Minas de Ouro Preto, com a contratação do geólogo francês Henri Gorceix, de efeitos tão importantes nos estudos geológicos e mineralógicos. Afinal, uma referência aos Pareceres de Rui Barbosa, apresentados à Câmara dos Deputados em 1882, análise exaustiva e percuciente dos nossos problemas de educação, mas que não tiveram maior repercussão.

Com a proclamação da República pode-se dizer que novos caminhos se abrem à educação nacional. A Reforma Benjamim Constant, de cunho positivista, estabelece normas mais amplas para o ensino superior e é seu autor o titular efêmero do Ministério da Instrução Pública, prontamente extinto. As reformas de ensino são basicamente reformas do ensino superior, uma vez que no plano federal existia apenas em nível secundário o Colégio Pedro II, e se aceitava o princípio de que a educação primária cabia aos estados.

E foi no plano estadual que se inicia o processo de renovação. A atribuição aos Estados da responsabilidade pelo ensino primário levou os seus dirigentes a uma preocupação maior com esse nível de ensino, o que se refletiu de certa maneira sobre os problemas da educação em geral.

Em São Paulo nascem, já na primeira década do século, movimentos renovadores, e a idéia de tornar a educação primária pública, gratuita e obrigatória. Na década de 20, esses movimentos se expandem. No Ceará, o governo Justiniano de Serpa contrata um jovem professor da Escola Normal de São Paulo, Lourenço Filho, para a reforma dos serviços da educação, e que teria uma notável atuação nesse campo. É chamado na Bahia por Góis Calmon para dirigir os serviços de instrução pública do Estado Anísio Teixeira que realiza em seguida estudos especializados na Universidade de Colúmbia, com os grandes mestres da pedagogia norte-americana, como Dewey, Kilpatrick e Thorndike. Em Minas Gerais, Francisco Campos, que já se destacara no Parlamento e no magistério jurídico, é convocado pelo Presidente Antônio Carlos e empreendendo também importante reforma do ensino público, criando uma Escola de Aperfeiçoamento de Professores, convidando para professores educadores suíços.

Mas é inegável que a grande obra do período foi a reforma do ensino público no Distrito Federal realizada de 1926 a 1930, no governo do Presidente Washington Luiz e, sendo prefeito Antônio Prado Júnior, ambos paulistas, por Fernando de Azevedo, professor da Escola Normal de São Paulo.

A reforma de Fernando de Azevedo se destaca, em primeiro lugar, pela sua amplitude e, em segundo lugar, pela sua globalidade. Era um plano completo de reestruturação de um sistema público de ensino, dentro de uma concepção filosófica global e unitária, que se refletia até na arquitetura dos prédios escolares construídos na época, em estilo colonial, como por exemplo o do Instituto de Educação, na Rua Mariz e Barros. É preciso acentuar que esta reforma não se realizou sem percalços; críticas surgiram de vários lados, dos conservadores e reacionários, que lutavam contra qualquer reforma e encontravam no apodo fácil de "comunização" o alvo certeiro de suas acusações; e dos interesses políticos contrariados que faziam dos serviços públicos meios de criação de empregos. Fernando de Azevedo travou uma batalha difícil na Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 1926, onde encontrou adversários aguerridos, mas também apoios inestimáveis, como o de Maurício Lacerda, sendo, afinal, o projeto aprovado na sua inteireza. E até a vitória da Revolução de 30, consolidou-se a reforma, que teve a maior repercussão, tanto no Brasil como no estrangeiro.

Concomitantemente, a influência das idéias renovadoras se exerceria no Rio de Janeiro, sendo criada, em 1924 a Associação Brasileira de Educação, (ABE) iniciativa de professores do então Distrito Federal, entre os quais se sobressaía Heitor Lira da Silva, mas que cedo se vincularia a esses movimentos estaduais e promoveria, em 1927, a 1.ª Conferência Nacional de Educação.

A vitória da Revolução de 30, também fórmula renovadora, despertou em todos os meios um interesse pelas questões sociais. Trazendo como lema a idéia de justiça e representação, a Revolução de 30 se centrava, sobretudo, no processo de reforma dos costumes políticos, combatendo os vícios que assolaram a República Velha e, em especial, o condenável sistema eleitoral das atas falsas. A preocupação social ainda não estava bem presente no espírito dos líderes do movimento da Aliança Liberal, e pode-se dizer que foi graças aos esforços de Lindolfo Collor que o Chefe do Governo Provisório absorveu a idéia da legislação trabalhista.

Nos manifestos da Aliança Liberal, a idéia de educação aparece de forma bastante tênue, mas um dos primeiros atos do Governo Provisório é a criação do Ministério da Educação e Saúde, entregue à direção do jovem político mineiro que se destacara nas reformas educacionais da Presidência Antônio Carlos - Francisco Campos. Todas essas manifestações iriam se refletir nos círculos educacionais, sobretudo naqueles que se vinculavam às reformas estaduais implantadas na década anterior. Sobretudo a reforma do Rio, que foi a que maior alcance obteve, projetara o nome de Fernando de Azevedo, que retornara a São Paulo para reassumir as funções de professor na Escola Normal.

Daí surgiu a idéia de um documento que representasse o ideário desse novo sistema, e que permitisse realmente ao país encontrar novos caminhos no campo educacional. Foi inegavelmente Fernando de Azevedo o líder desse movimento, ao qual se aglutinaram entre outros educadores renovadores, como Anísio Teixeira e Lourenço Filho, figuras de destaque do meio intelectual de uma outra geração, mas que se irmanaram ao movimento, como Afrânio Peixoto, Roquette Pinto e Sampaio Dória, que exerceu as funções de diretor-geral do ensino no Estado de São Paulo, e onde realizou obra de alcance. Assinaram, também, o manifesto, figuras destacadas dos Estados, como Júlio de Mesquita Filho, Raul Briquet, Roldão Lopes de Barros, em São Paulo; Mário Casassanta, em Belo Horizonte e Raul Gomes, no Paraná. Dentre os professores do Distrito Federal, destacavam-se, ainda, Carlos Delgado de Carvalho, J.P. Fontenelle, Francisco Venancio Filho e Edgard Sussekind de Mendonça, jornalista como Frota Pessoa e Nóbre da Cunha. O manifesto contava com uma ponderável presença feminina, como Noemy Silveira - professora de Psicologia na Escola Normal de São Paulo; Cecília Meireles professora e grande poetisa, e Armanda Álvaro Alberto pioneira do ensino comunitário na Escola Regional de Meriti.

Paschoal Lemme, o único sobrevivente dos signatários do Manifesto, acaba de nos dar em suas Memórias o depoimento valioso de toda a evolução do movimento que desembocaria no Manifesto.

A Associação Brasileira de Educação prosseguia no trabalho de divulgação das novas idéias e de realização das conferências nacionais e, nesse clima vibrante, realizou em 1931 a 4.ª Conferência Nacional de Educação. O chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, abriu a Conferência e fez um apelo aos convencionais para que preparassem para o governo um programa de trabalho. Consolidou-se a idéia de preparação de um manifesto que representasse uma expressão do movimento e, ao mesmo tempo, um atendimento ao pedido do chefe do Governo Provisório.

Se se examinar o Manifesto em toda a sua profundidade, verificar-se-á que nem antes nem depois os problemas da educação brasileira tiveram análise maisprofunda e mais extensa, todas elas centrando-se numa idéia filosófica básica, que a inspirava e alimentava.

Cabe acentuar que esta unidade doutrinária foi decorrência em grande parte da cisão ocorrida na 5.ª Conferência Nacional de Educação em Niterói, em que se dividiram os grupos dos que vieram a constituir os signatários do Manifesto, e um grupo de elementos ligados ao pensamento católico, que divergiram da idéia apresentada pela maioria.

É inegável que o manifesto é de autoria de Fernando de Azevedo, certamente com sugestões e comentários de outras pessoas. Alceu Amoroso Lima, algumas vezes, procurou defender a idéia de que ele fora escrito por Almeida Júnior, mas a comparação que se faça do estilo do Manifesto com as obras de Fernando de Azevedo, a consulta à sua correspondência, onde se revela a elaboração do Manifesto e os pedidos para que ele fosse encaminhado a outras pessoas, são confirmações inequívocas da verdadeira autoria.

Fernando de Azevedo, forrado de cultura clássica, já se voltara para os estudos de sociologia, nos quais seria mestre consumado, e dos quais impregnou o Manifesto mas trazia também uma sólida cultura filosófica, analisada com maestria no livro de Maria Luisa Pena, Fernando de Azevedo - Educação e Transformação.

Já no seu título, o Manifesto revela a sua intenção profunda, pois é denominado A Reconstrução Educacional no Brasil, isto é, uma idéia de uma profunda reformulação do programa educacional e não apenas mais uma pequena reforma. Por outro lado, é dirigido Ao Povo e Ao Governo, dando assim destaque que, em primeiro lugar, é ao povo que deveria ser dirigido e, no segundo plano, às autoridades governamentais.

Divide-se em duas partes, uma introdução assinada só por Fernando de Azevedo, em que são colocados os problemas filosóficos e doutrinários que deveriam orientar essa reconstrução educacional do país e, em seguida, o próprio Manifesto com as assinaturas de vinte e seis pessoas, em que se explicitam os objetivos a que se tem em mira.

Não cabe neste momento uma análise em profundidade do Manifesto, rico de idéias e de considerações, mas é preciso destacar que ele transcende a simples idéia de um programa educacional, para se constituir, na verdade, em uma análise da cultura brasileira.

Inicia por destacar a importância que na civilização contemporânea se deveria dar à ciência e ao espírito científico, e assinala que esse progresso não resolveria os problemas da inquietação do homem interior, apontando o nosso país como o resultado de uma falta de "lastro de tradições e de cultura e constituído de grupos sociais, móveis e dispersos, sem coesão e sem vida coletiva." Aponta as alternativas presentes em nossa cultura, do romantismo político e do pessimismo, para afirmar: "Toda cultura superior, no Brasil, nunca ultrapassou os limites das ambições profissionais. Mas, organizada exclusivamente para a formação profissional, sem qualquer aparelhamento de cultura livre e desinteressada, ela constituiu, no Império e na República, o único sistema de instrução superior, cujas deficiências em vão se procurava suprir com os esforços raramente compensadores da autodidaxia e de viagens de estudo. Tudo, na cultura nacional sob esse regime tinha que ser precário, incoerente, frágil e desconexo".

A falta de uma cultura universitária também era apontada como uma influência relevante. Todos esses fatores, segundo a Introdução, conduziam para a existência de uma alma antiga para um mundo novo mas destacava o despertar de uma consciência nacional e uma mentalidade de que estava amadurecendo. Declarava, afinal, que a discussão dos últimos tempos "transportou entre nós o problema de uma vez da atmosfera confinada do empirismo didático para o ar livre do pensamento moderno, da rotina burocrática para as idéias político-sociais e dos planos do imediatismo utilitário para os domínios das cogitações científicas e filosóficas de que dependem o sistema de organização escolar, no seu sentido e na sua duração".

E já rebatendo as críticas que a divulgação do manifesto deveria provocar, afirma: "Todos os que, estando a par dos problemas de educação, no seu estado atual, tiverem lido o Manifesto sem prevenções e sem preconceitos, hão de render justiça aos pioneiros da nova educação que nele deixaram a síntese mais coerente como afirmação mais alta dos seus princípios fundamentais".

No manifesto propriamente dito se declara que "na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva, em importância e gravidade, ao da educação". E refere-se que a causa principal da desorganização do aparelho escolar é na falta, em quase todos os planos e iniciativas, da determinação dos fins de educação (aspecto filosófico e social) e da aplicação (aspecto técnico) dos métodos científicos aos problemas de educação. "0 empirismo grosseiro que tem presidido ao estudo dos problemas pedagógicos para serem discutidos numa atmosfera de horizontes estreitos, tem as suas origens na ausência total de uma cultura universitária e na formação meramente literária de nossa cultura".

Examina, após, o problema das finalidades da educação, mostrando a existência de fatores mutáveis e fatores permanentes e expõe, após, os problemas técnicos da educação, do Estado em face da educação, e a educação como uma função eminentemente pública, a questão da escola única, a laicidade, gratuidade, obrigatoriedade de educação. Quanto à função educacional, analisa a sua unidade e a autonomia, a descentralização, tratando, no processo educativo, do conceito e dos fundamentos da Escola Nova.

Discute-se afinal, as linhas gerais do plano e o ponto nevrálgico da questão de "uma reforma integral da organização dos métodos, de toda a educação nacional, dentro do mesmo espírito que substitui o conceito estático do ensino por um conceito dinâmico, fazendo um apelo do jardim da infância à universidade, não à receptividade, mas à atividade criadora do aluno".

O papel da universidade é apreciado em toda a extensão, mostrando o seu conceito moderno e o problema universitário do Brasil. Trata da democracia como um problema de longos deveres e conclui afirmando que "o dever mais alto, mais penoso e mais grave é, de certo, o da educação que, dando ao povo a consciência de si mesmo e de seus destinos e a força para afirmar-se e realizá-los, entretém, cultiva e perpetua a entidade da consciência nacional, na sua comunhão íntima com a consciência humana."

A repercussão do Manifesto foi grande, causando impacto na opinião pública e nos meios intelectuais e passou a ser uma espécie de bíblia para o movimento renovador, que ganhou alento em várias iniciativas, das quais a mais importante foi a gestão de Anísio Teixeira como Diretor de Instrução pública e mais tarde Secretário de Educação do Distrito Federal, criando a Universidade do Distrito Federal e em São Paulo a fundação da Universidade de São Paulo em bases novas com a contratação de professores estrangeiros e a instituição da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e na qual teve participação destacada Fernando de Azevedo.

O movimento obteve, graças à atuação dos deputados Prado Kelly, Odilon Braga e Medeiros Neto, a inclusão de um capítulo sobre Educação e Cultura na Constituição de 1934 em bases renovadoras e descentralizadas, e prevendo a organização de um Plano Nacional de Educação.

A divisão ideológica que se processou no país a partir daquela época pôs em risco o movimento, acusado de tendências esquerdistas, e provocando a demissão de Anísio Teixeira da função de Secretário de Educação do Distrito Federal que em bela página de civismo e bravura, reafirmou suas posições em documento que é transcrito parcialmente:

"Sou, por convicção, contrário a essa trágica confiança na violência que se vem espalhando no mundo, em virtude de um conflito de interesses que só pode ser resolvido, a meu ver, pela educação, no sentido largo do termo. Por isso mesmo, constrange-me, nesta hora, ver suspeitada a minha ação de educador e toda a obra de esforço e sacrifício realizada no Distrito Federal, obra que possuía a intenção profunda e permanente de indicar o rumo a seguir para se resolverem as tremendas perplexidades do momento histórico que vivemos.

Lavro contra tal suspeição o meu protesto mais veemente, parecendo-me que tem ela mais largo alcance que a minha pessoa, porque importaria em não se reconhecer que progredir por educação é exatamente o modo adequado de se evitarem as revoluções. Se, porém, os educadores, os que descrêem da violência e acreditam que só as idéias e o seu livre cultivo e debate, é que operam, pacificamente, as transformações necessárias, se até esses são suspeitados e feridos e malsinados nos seus esforços - que outra alternativa se abre para a pacificação e conciliação dos espíritos?"

Logo em seguida, a Constituição de 37 fortalece a centralização, com capítulo da educação, com um caráter antidemocrático, declarando, inclusive, que a educação profissional era destinada às classes menos favorecidas.

A educação no Estado Novo foi assim um capítulo extremamente reduzido, somente merecendo realce a atuação do Instituto Nacional e Estudos Pedagógicos (INEP) cujo fundador Lourenço Filho, vinculado ao Manifesto dos Pioneiros, realizou obra de inegável valor, com a criação inclusive do Fundo Nacional do Ensino Primário.

Com a redemocratização, abrem-se novas perspectivas para a renovação educacional e o capítulo da Educação e Cultura da Constituição de 1946 retoma as idéias renovadoras de 34, prevendo-se a edição pela União de uma lei de diretrizes e bases da Educação Nacional. Logo em seguida, o Ministro da Educação Clemente Mariani nomeia uma Comissão presidida por Almeida Jr., signatário do Manifesto, para elaborar o Anteprojeto dessa lei que obedeceria aos mesmos propósitos renovadores e democráticos.

Enviada a lei ao Congresso Nacional, sofreu ela demorada tramitação com a atuação de dois fatores:

a) a posição da escola privada, desejando recursos públicos para o seu funcionamento;

b) a acentuada expansão do ensino superior, preponderantemente privado, reivindicando recursos em detrimento do ensino médio e primário.

A luta pela escola pública foi assim movimento importante que empolgou a opinião pública e os meios educacionais, fazendo reviver as velhas batalhas dos tempos dos Pioneiros. Em 1959, Fernando de Azevedo voltou novamente à luta em defesa da escola pública, divulgando manifesto Mais uma vez Convocados, declarando:

"Não renegamos nenhum dos princípios por que nos batemos em 1932, e cuja atualidade é ainda tão viva, e mais do que viva, tão palpitante que esse documento, já velho de mais de 25 anos, se diria pensado e escrito nestes dias."

Afinal a lei, promulgada em 1961, foi uma obra de transação, levando Anísio Teixeira a declarar que houve meia vitória, mas vitória.

Essa rápida análise, que não precisa chegar aos dias atuais, revela assim a importância do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova e o papel importante desempenhado numa fase extremamente fecunda da vida brasileira, e que pode ainda servir de orientação para os dias atuais.

Roquette Pinto, meu mestre e mestre de todos nós, disse certa vez que o "Brasil atingiu o máximo de progresso compatível com a educação de seu povo." A frase de algumas décadas atrás, continua atual. É portanto necessário que algum dia, o mais cedo possível a educação passe a ter a primazia das considerações dos dirigentes de nosso país, e então a palavra do Manifesto será um norte seguro para essa tarefa de reconstrução nacional.

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ANEXO

Prezado Dr. Alceu

Longe do Rio, acabo de ler o belo artigo de O Jornal, sobre a nossa geração (creio que somos ambos de 1894) e de reencontrar o meu querido Tristão de Athayde dos Estudos. Perdôe-me que saia da minha sincera humildade para reclamar uma injustiça, que me parece mais grave do que a apontada pelo Sr., com Jackson de Figueiredo - a omissão do nome de Fernando de Azevedo nesta geração. Levo à sua consciência o caso. Não me parece que nenhuma das revoluções que o Sr. apontou fosse maior que a educacional, de que foi ele líder. Quer em doutrina, quer em ação a obra de Fernando de Azevedo não encontra, parece-me, outra superior na nossa geração. Agora mesmo acaba de publicar uma obra monumental, que teve parecer insuspeito, para nós ambos, do Padre Franca. Creia que nem por um instante atribuo a motivos religiosos a omissão. Nem tampouco é a minha amizade que me leva a este gesto ousado. Mas o respeito que o Sr. sempre me mereceu é que determina a ousadia deste bilhete, que talvez não escrevesse, se estivesse no Rio tumultuário. Releve-me de novo e creia na sincera admiração.

do Francisco Venancio Filho

São Lourenço, 25.2.1945

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Esta publicação foi impressa na Companhia Brasileira de Artes Gráficas Ltda., capa em serigrafia na Arte Manual Ltda., com o projeto gráfico da DEMIBOLD Edição e Projetos Gráficos Ltda. e revisão de Rosalina Maria F. Gouveia na cidade do Rio de Janeiro no mês de outubro de 1989 - 15.º aniversário da Fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e 57.º aniversário de publicação do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova.

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