OLIVEIRA E SILVA, Arlette Pinto. A presença do educador na ABE. Educação. Rio de Janeiro, v.32, n.101, abr./jul. 2000. p.12-17.
A PRESENÇA DO EDUCADOR NA ABE
Arlette Pinto de Oliveira e Silva
Consta do acervo do Arquivo da Associação Brasileira de Educação uma pequena ficha originariamente cinza, amarelecida pelo tempo, aparentemente igual a tantas outras que costurnamos ver nos fichários mais antigos. Sua importância decorre das informações que contém e que marcam um momento histórico na vida de nossa instituição: o ingresso como sócio, em 15 de junho de 1931, do grande educador Anísio Teixeira.
Durante 40 anos, Anísio Teixeira integrou o quadro social da ABE. Foi sócio honorário, sócio mantenedor, membro da Sesão de Ensino Normal, membro titular do Conselho Diretor em vários mandatos, conselheiro vitalício, presidente. Foi, sobretudo, um abeano autêntico, integrado às diretrizes básicas da instituições, com presença marcante na vida da ABE., manifestada tantas vezes mas de maneira tão sutil, tão discreta, que se torna perceptível apenas quando nos debruçamos nos livros fundamentais que documentam os quase 76 anos de vida da Associação Brasileira de Educação.
Para os estudiosos da vida de Anísio seria dispensável assinalar que ele era baiano, nascido no dia 12 de julho de 1900 na cidade de Caetité, a Princesa do Sertão, localizada na Chapada Diamantina, a cerca de 800 quilômetros de Salvador. Se o fazemos aqui é apenas para situá-lo no tempo e no espaço, tendo como pontos de referência as Conferências Nacionais de Educação, buscando traçar paralelos de vida do educador e da instituição que ora lhe presta mais uma homenagem pelo transcurso do centenário de seu nascimento.
Baiano, viveu na Bahia, aí iniciou seus estudos e seu trabalho, venceu conflitos, definiu diretrizes de vida. Em 1924, é um jovem bacharel diplomado em 1922 pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro e que dedicara o ano de 1923 à advocacia e à assistência política a seu pai. Candidata-se agora a promotor público de Caetité e, nessa condição, apresenta-se ao Gobernador da Bahia, Francisco Marques de Góes Calmon, que sempre se caracterizara como um descobridor de jovens talentos.
Caetité não contou com Anísio em seu quadro de promotor público mas a Bahia ganhou naquele instante um jovem Inspetor Geral de Instrução. Também naquele instante, inesperadamente, nasce o educador, o estadista da educação.
ABE é fundada com um programa de Ação Nacional
Nesse mesmo ano, em 1924, no Rio de Janeiro, Heitor Lyra da Silva e um grupo da elite intelectual do país fundam a Associação Brasileira de Educação, com um programa de ação nacional. Para atingir os objetivos a que se tinha proposto, a nova instituição programou cursos de alta cultura, além de congressos e conferências envolvendo educadores, profissionais do ensino e demais interessados.
Em 1927, a ABE, reúne na capital do Paraná a I Conferência Nacional de Educação. Anísio Teixeira não participa. Olhando a trajetória de sua vida nós o encontramos, em abril desse ano, a bordo de um navio americano, comissionado para estudos de organização escolar nos Estados Unidos. Em diário de bordo ele anota observações, preocupações, anseios, saudade:
"Caminho para esse mundo novo, com uma curiosidade apreensiva e febril. Deixei, para ir conhecê-lo, meus amigos, meus livros, meus deveres, minha terra. As vozes do meu sertão que, na Bahia, se faziam tanto ouvir convidando ao silêncio, ao isolamento, à intimidade sertaneja, como insistem agora dentro de mim tornando mais penoso o meu desenraizamento.
Daqui, deste isolamento de bordo, como a minha saudade se estende, não à Bahia, mas às pequeninas ruas da cidade setaneja que me viu nascer.
Como tudo revive em nós, mesmo o que julgávamos morto e inexistente. A distância e a solidão fazem florescer coisas idas e que conservam o seu formidável poder de ligação à terra e ao meio de onde somos. Uma só dessas coisas, humildes e pequenas, bastaria para nos fazer companhia e desmanchar o mal estar de saudade que nos invade e nos entorpece".
Também na II Conferência Nacional de Educação, realizada em 1928, em Belo Horizonte, Anísio Teixeira não está presente. É o ano em que ele publica "Aspectos Americanos de Educação", relatório sobre suas observações na América do Norte, e que retorna aos Estados Unidos para um curso de dez meses no Teacher's College, da Universidade de Colúmbia.
Primeiro registro da preseça de Anísio em atividades da ABE
O primeiro registro que temos da presença de Anísio Teixeira na vida abeana é na III Conferência Nacional de Educação, promovida pela ABE, sob o patrocínio do Governo do Estado de São Paulo, ai realizada em 1929, com ele integrando a delegação da Bahia.
No dia 19 de outubro de 1931, em Assembléia Geral convocada pelo Departamento do Rio de Janeiro da ABE., é eleito, com Antonio Carneiro Leão, Presidente da Associação Brasileira de Educação.
Ainda em 1931, e a convite do prefeito Pedro Ernesto Batista, Anísio Teixeira assume a Diretoria de Instrução Pública do Distrito Federal e é designado oficialmente para presidir a delegação que representa o Distrito Federal na IV Conferência Nacional de Educação. O documento oficial ainda o autoriza a assinar o Convênio sobre a padronização das estatísticas escolares, conhecido como o Convênio Estatístico de 1931, que viria a transformar-se em traço de união da ABE. com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Em outros documentos, vemos Anísio Teixeira ser convidado para integrar a Comissão Executiva, sendo relator do tema geral "As grandes diretrizes da educação popular", além de ser incumbido de proferir conferência sobre assuntos de grande interesse para a atualidade educacional, em série da qual participaram também os professores Miguel Couto, Jonathas Ser rano, Lourenço Filho, Bello Lisboa, Leon Renault e Gustavo Lessa.
Do programa da V Conferência Nacional de Educação, realizada em Niterói, em 1932/1933, fez parte a seguinte tese: "Quais as atribuições respectivas dos governos federal, estaduais e municipais, relativamente à educação?" Coube o seu estudo a uma comissão especial composta de dez educadores indicados pela ABE (Comissão dos Dez) e dos representantes oficiais de todos os Estados do Brasil, do Distrito Federal e do Território do Acre (Comissão dos Trinta e Dois). Essa Comissão elaborou um anteprojeto para a Constituição Brasileira de 1934, na parte referente à Educação. Pela Comissão dos Dez, e na qualidade de Presidente, Anísio Teixeira assinou a Justificação do Anteprojeto. Na publicação intitulada "O Problema Educacional e a nova Constituição", organizada pela ABE. e publicada em 1934, estão reunidos preciosos documentos visando a facilitar aos estudiosos de educação a verdadeira interpretação dos textos que dizem respeito ao assunto.
Temas discutidos durante a V Conferência
Conforme consta da programação da V Conferência, o então Diretor Geral do Departamento de Educação do Distrito Federal, denominação que substituiu a de Diretor Geral de Instrução Pública, Anísio Teixeira é um dos relatores do tema "Quais devem ser os requisitos da admissão às Escolas Normais" incumbindo-se também da conferência versando o tema "Educação e Sociedade". O final dessa conferência soa até como um apelo:
"A escola de hoje viu, de repente, as suas classes invadidas por todas as crianças, ao invés do pequeno punhado de favorecidos ou escolhidos que outrora a freqüentava. Mais. Não se Ihe pedem somente as técnicas e os conhecimentos atrasados ou simplistas. Pede-se-lhe também a transmissão das últimas conquistas da ciência e da cultura, em cujo alheiamento é impossível viver. E mais ainda. Não somente Ihe exigem conhecimentos adquiridos, até os últimos. Exigem-se, outrossim, informação de tendências indefinidas e problemas controvertidos, ainda sem solução".
Adiante, antevendo afirmações discordantes, continua:
"É muito, dirão todos. Isso não será possível nem realizável. Em vez de bacharéis, queremos pedir à escola a formação, em série, de pequeninos Sócrates.
É verdade. Nada menos do que isso. E só assim a escola cumprirá as suas funções. E só assim a escola poderá fazer, ela, a Revolução, antes que a façam na rua e sem saber como... E para que isso se realize, trabalham exércitos de paz maiores que os exércitos de guerra: os exércitos de professores e de educadores de todo o mundo. Dêem-lhe os elementos de cultura, de estudo e de recursos e esses exércitos irão tentar a renovação da humanidade, a grande aventura da Democracia, que ainda não foi tentada".
A VI Conferência Nacional de Educação reuniu-se em 1934, em Fortaleza, Ceará, e não conta com a presença de Anísio Teixeira. Para a realização da VII Conferência o então presidente em exercício da ABE., Afrânio Peixoto, solicita que, por intermédio de Anísio Teixeira, seja feita consulta ao Prefeito do Distrito Federal, Pedro Ernesto, sobre a possibilidade de patrocínio e de outras providências necessárias à realização de uma Conferência a nível estadual. A resposta é a mais cordial aceitação do convite, seguida de imediatas providências governamentais para que as demonstrações do congresso tenham o maior brilho. Anísio Teixeira integra a Comissão Executiva e a VII Conferência Nacional de Educação realiza-se em 1935, com sessão inaugural no Teatro Municipal, sob a presidência do Dr. Getúlio Vargas, Presidente da República, que passa a palavra ao Ministro da Educação, Gustavo Capanema.
Ao começar sua oração saudando a ABE., Sua Excelência diz nela reconhecer "uma das forças construtivas do país". Com a palavra, o prefeito Pedro Ernesto apresenta as boas vindas da cidade do Rio de Janeiro aos ilustres congressistas e educadores e destaca o papel da educação em seu governo. Textualmente afirma: "Tão profundo, meus senhores, foi esse sentimento de dever para com a educação, durante o meu governo, que encerrei, intencionalmente, os poderes discricionários que me foram confiados pela Revolução e pelo Chefe do Governo Provisório, assinando o decreto que instituiu a Universidade do Distrito Federal. Esta Universidade é o fecho de toda a obra contínua e sistemática que procurou realizar o governo revolucionário do Distrito Federal".
Estudos dedicados aos Conselhos Estaduais de Educação
A ação de Anísio Teixeira não se limita à intercessão para o patrocínio do Estado. Durante o congresso, e sob a presidência do Ministro de Educação, vários dias são dedicados ao estudo do problema da organização dos Departamentos e Conselhos Estaduais de Educação, analisando Pareceres provindos de uma comissão preliminar integrada por Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Celso Kelly, nomeados pelo presidente da Associação Brasileira de Educação.
Em sessão da Assembléia Geral das sociedades filiadas, realizada no dia 7 de julho, entre outras decisões fica deliberado que seja nomeada uma comissão composta de Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo para estudar a proposta apresentada pelo então Presidente da ABE., Mário Augusto Teixeira de Freitas, a fim de ser criada uma Liga Interestadual de Educação, com o fim de instituir e manter a permanente troca de vistas, a harmonização de propósitos, a mútua assistência e o estudo em comum dos assuntos da administração educacional. No encerramento desse Congresso, o presidente Teixeira de Freitas, em nome da ABE, agradece a todos os que colaboraram nas esplêndidas demonstrações que o congresso ofereceu ao educadores brasileiros. Nessa ocasião, faz um agradecimento especial ao Departamento de Educação do Distrito Federal, "organismo admirável, que se está expandindo e aperfeiçoando maravilhosamente sob a ação dinâmica de Anísio Teixeira, de quem se pode dissentir mas a quem não se pode negar em boa justiça o apreço e o respeito devidos ás inteligências corajosas dos renovadores e ao idealismo apostolar dos grandes pioneiros".
O Estado Novo, as conturbações políticas que o cercaram, a deflagração da 2ª Guerra Mundial, entre outros, tornaram impossível à ABE dar continuidade a seu programa de trabalho, no que dizia respeito sobretudo às conferências nacionais. Somente em 1942, e depois de alguns adiamentos, realizou-se a VIII, em Goiânia, integrando a programação do chamado "Batismo Cultural" da cidade. Anísio não está presente. Afastado das atividades de educador e de administrador, recolhe-se ao interior da Bahia de 1937 até 1945, dedicando-se inclusive à mineração. Convidado para participar dessa Conferência, escreve a Mário de Brito:
O afastamento da vida pública brasileira
... "Diante disto, percebi que meu silêncio poderia levá-lo a crer na possibilidade de minha participação no Congresso. Apresso-me, assim, em vir agradecer-Ihe a delicadeza da lembrança comunicando-Ihe, meu caro Mário de Brito, ser-me de todo impossível atender o seu convite. Não o faço, porém, sem confessar-Ihe que desejaria dirigir essa recusa forçada a todo o mundo, menos a você, cuja objetiva serenidade e intransigente tenacidade em servir ao Brasil poderão levá-lo a não aceitar, ou melhor, a não compreender os motivos e razões do meu afastamento da vida pública brasileira. Se, por um lado, essa recusa se torna assim mais penosa por ter de apresentá-la a você, por outro lado é na continuação de sua presença e dos poucos, como você, no terrível mundo público brasileiro, que encontro o meu conforto e a minha certeza de que, a despeito de tudo, continuaremos a nos valer das oportunidades e a achar recursos para encaminhar os nossos problemas, aproximando-nos das suas soluções".
No final de 1945, por ocasião do IX Congresso - conhecido como o Congresso da Educação Democrática - que tinha como objetivo principal fixar normas e diretrizes à ação democrática, em face da situação do mundo de após guerra, Anísio Teixeira também não está presente mas envia telegrama e tem seu nome ovacionado de maneira singular.
Também não participa da X Conferência Nacional de Educação, em 1950, mas em 1954 a ABE proporciona a Curitiba a oportunidade de assistir à atuação brilhante do educador baiano, numa troca de experiências, num confronto de idéias, num duelo de opiniões, de sugestões versando um tema palpitante: "Sobre o problema de como financiar a educação do povo brasileiro. Bases para a discussão dos sistemas públicos de educação". Na programação distribuída consta que Anísio Teixeira foi membro da Comissão Organizadora, incumbindo-se de fazer conferência sobre o tema: "A crise brasileira da educação".
Em 1956, o grande educador participa da XII Conferência Nacional de Educação, realizada em Salvador, sob os auspícios da Universidade da Bahia, ao comemorar o 1º decenário de sua instalação. Relata o tema: Os processos da educação democrática nos diversos graus de ensino e na vida extra-escolar.
É a última participação de Anísio Teixeira nas Conferências Nacionais de Educação. Independente disso, no entanto, continua presente na vida da ABE, patrocinando cursos destinados a professores dos estados, criando missões culturais, promovendo conferências a cargo de professores estrangeiros etc.
Momento histórico da Associação
Até aqui, nossa objetiva esteve voltada sobretudo para a participação de Anísio Teixeira nas Conferências Nacionais de Educação. Voltemos no tempo ao dia 4 de janeiro de 1933 e encontraremos o mesmo educador, como presidente da ABE, recepcionando os delegados dos Estados à V Conferência, Intencionalmente, deixamos para o final a fala de Anisio Teixeira nesse momento histórico da instituição:
"A Associação Brasileira de Educação, de muito habituada ao convívio das figuras mais representativas da educação nacional, tem, nas Conferências Nacionais, o momento mais vibrante dos seus longos esforços pela causa a que se dedica.
Com ser uma agremiação cuja vitalidade paira acima das contingências pessoais dos seus próprios sócios, ela se compraz, no balancear os êxitos de cada etapa vencida, na verificação de que a sua obra caminha já por si independente dos homens, redimida dos preconceitos, e atuando, autônoma, como uma corrente poderosa de idéias e de ações.
O fundador da ABE possuía uma visão singularmente sensível às probabilidades do futuro. Viu, desde o início, que a obra que se projetava não se poderia prender a nenhum apriorismo de organização, porque Ihe era destinada a missão de crescer indefinidamente para a sua inevitável mas imprevisível projeção nacional.
Na extensão territorial, na complexidade dos aparelhos educativos do país, no desnivelamento do progresso de idéas e planos conforme a região, na torturante e bendita incerteza das experiências tentadas fragmentariamente e isoladamente, a ABE sonhou ser um ponto de reunião, de comparação, de debate e aproximação para os educadores brasileiros. Aqui se faria, na liberdade dos ambientes extra-oficiais, o esforço necessário e imenso de mútua compreensão por que ansiavam praticamente todos os educadores do Brasil.
Comunicar idéias - isto é, formar um centro onde as idéias se tornassem "comuns", ganhando força para a sua expansão vitoriosa, foi em verdade o que sonhou Heitor Lyra da Silva, o fundador honesto e grande da Associação Brasileira de Educação.
Mais do que nunca, a ABE é a casa comum dos educadores brasileiros que desejarem mais fortemente a vitória da causa da educação do que a vitória da sua própria causa".
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