NUNES. Clarice. Um mestre pela escola pública. Veredas. Rio de Janeiro, v.5, n.56, ago. 2000. p.28-29.

Um mestre pela escola pública

Clarice Nunes

Se estivesse vivo, Anísio Teixeira Spínola Teixeira completaria 100 anos no dia 12 de julho. Nascido em Caetité, no ano de 1900, era filho de Anna Spínola Teixeira e Deocleciano Pires Teixeira. Durante a juventude estudou em colégios católicos jesuítas. Graduou-se na Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro em 1922. Realizou, na década de 1920, viagens à Europa e aos Estados Unidos, onde observou os sistemas escolares desses países. Obteve o título de Master of Arts, em 1929, no Teachers College da Columbia University. Manteve vasta rede de trabalho, amizade e correspondência com os mais significativos intelectuais brasileiros e estrangeiros do seu tempo. Casou-se em 1932 com Emília Telles Ferreira, com quem teve quatro filhos. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro em 1971.

Divulgou a obra do filósofo e educador John Dewey no Brasil, nela se inspirando para pensar e criar as políticas públicas de educação no país. Dos seus 50 anos de vida pública permaneceram algumas instituições que criou ou redefiniu. Além dos inúmeros artigos, conferências, relatórios, traduções e livros. Nela se iniciou em meados da década de 1920, quando ocupou o cargo de inspetor geral do Ensino da Bahia. Em 1931 assumiu a diretoria da Instrução Pública do Distrito Federal, tendo a oportunidade de conduzir importante reforma que o projetou nacionalmente. Foi signatário do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932) e teve participação ativa na Associação Brasileira de Educação. Sua reorganização do sistema escolar carioca atingiu a escola primária, a escola secundária, o curso de formação de professores e o ensino de adultos. Culminou com a criação da Universidade do Distrito Federal.

A Política: Entrave para a Educação

Demitiu-se em 1935, diante de pressões políticas que inviabilizaram sua permanência no cargo, numa conjuntura em que o pensamento autoritário ganhava força no Estado e na sociedade. Entre 1937 e 1945, permaneceu na Bahia, dedicando-se à exploração e exportação de manganês, calcário e cimento, à comercialização de automóveis e à tradução de livros para a Companhia Editora Nacional.

Em 1946 assumiu o cargo de conselheiro de ensino superior da Unesco, o qual exerceu durante um ano, recusando sua inserção definitiva no staff desse órgão, dentre vários motivos, pelo convite que recebeu para ocupar a Secretaria de Educação e Saúde da Bahia, posto no qual permaneceu até o início da década de 1950. Uma de suas mais importantes iniciativas na condução dessa pasta foi a construção do Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, popularmente denominado Escola-Parque, no bairro operário da Liberdade, que procurava fornecer à criança uma educação integral, cuidando de sua alimentação, higiene, socialização e preparação para o trabalho e a cidadania. Esta obra projetou-o internacionalmente.

No ano de 1951, Anísio assumiu, no Rio de Janeiro, a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), transformada por ele em órgão. Em 1952 assumia também o cargo de diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), no qual permaneceu até 1964. Criou o INEP o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e, nas mais importantes cidades brasileiras, os Centros Regionais de Pesquisas, com o intuito de promover estudos sociológicos, antropológicos, estatísticos e históricos sobre a realidade brasileira e a educação no país.

Participou ativamente da defesa da escola pública, sobretudo no momento da discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1961). É de 1957 um dos seus livros mais polêmicos: Educação não é privilégio. Suas posições aí expressas lhe valeram a perseguição dos bispos brasileiros que, em 1958, lançaram um memorial acusando-o de extremista e solicitando ao governo federal seu afastamento dos postos que ocupava. Este episódio gerou o protesto de inúmeros educadores, cientistas e professores de todo o país que, num abaixo-assinado, com ele se solidarizaram. Foi mantido no cargo pelo então presidente da República, Juscelino Kubitschek.

Idealizador, ao lado de Darcy Ribeiro, da Universidade de Brasília (UnB), assumiu a sua reitoria em 1962. Em 1964 Anísio Teixeira foi afastado do seu posto e aposentado compulsoriamente. Embarcou para os Estados Unidos e lecionou como visiting scholar na Columbia University, na New York University ena University of California. Nesta última recebeu uma das principais condecorações universitárias daquele país, ao ser escolhido, em 1965, conferencista do ano, honraria reservada a grandes educadores e concedida a poucos estrangeiros. Em seu período de exílio também lecionou no Chile, ocasião em que participou da reforma universitária desse país a convite do ministro da Educação, professor Gomes Millas. Ao retornar ao Brasil, Anísio Teixeira integrou o Conselho Federal de Educação até o final do seu mandato. Organizou reedições de antigos trabalhos, tornou-se consultor da Fundação Getúlio Vargas e voltou a trabalhar na Companhia Editora Nacional.

Elogiar a obra de Anísio Teixeira em prol da educação pública em nosso país é também indignar-se com o atual sucateamento dos serviços públicos prestados à população, dentre os quais a educação se inclui; com a desonestidade de interesses espúrios que desviam verbas públicas e renegam a justiça social como princípio; com a arrogância da universidade quando seus intelectuais, em nome da competência específica, desvalorizam a educação como objeto de investigação e conhecimento e abdicam do exame de suas questões no presente.

Afirmar sua comtemporaneidade é partilhar com ele a convicção de que, em nosso país, muito se falou de educação e muito pouco se realizou, o que dá a impressão penosa de que estamos sempre a nos repetir. Não se trata de incorrer numa espécie de saudosismo, mas sim de resgatar projetos e iniciativas, como as dele, que fazem parte da nossa herança social e cultural e que nos mobilizam a pensar o nosso momento histórico. A obra de Anísio Teixeira encarna o que de melhor temos na nossa tradição pedagógica, pela sua admirável persistência na defesa da democracia, motivo central de devoção da sua vida, apesar das rupturas que lhe foram impostas pelas conjunturas políticas de 1935 e 1964. A meta era, e ainda é, a maioridade do povo brasileiro, não só pela valorização da cultura popular, mas também pela sua transformação em instrumento efetivo de construção da sua autonomia. Nesse sentido, o que produziu e criou se mantém como presença viva, como mensagem inspiradora dos intelectuais e educadores brasileiros na virada do milênio.

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