MOTA FILHO, Cândido e outros. In memoriam de Anísio Teixeira. Rio de Janeiro: FGV/IBGE, 1971. 48p.

APRESENTAÇÃO

Ainda uma vez, e não será a última, aliam-se a Fundação Getúlio Vargas e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, na decisão de servir: acertaram uma parceria feliz, de que resultou a publicação destas páginas. De outra forma, tardaria de muito a divulgação larga e justa das palavras de louvor e de saudade, ditas comovidamente no Pen Clube do Brasil, a 19 de abril dêste ano. Foi quando de uma reunião especial convocada pela sua Diretoria, para evocar o alto exemplo de Anísio Teixeira, tão duramente arrancado à vida e ao serviço de um Brasil educado, justo e livre.

Atual Presidente da Casa que êle honrou como sócio titular e a cuja tribuna viria em maio, para tratar de "Literatura e educação", aqui deixo novamente a Benedicto Silva, Cândido Mota Filho, José Honório Rodrigues, José de Faria Góes Sobrinho e Pedro Gouvea Filho a palavra do mais cordial reconhecimento pela aplaudida contribuição que trouxeram à recordação do mestre, resumindo-lhe vida e obra, em alocuções cujo critério de síntese não impediu que redundassem em ensaios do melhor alcance conclusivo.

Sob a forma de testemunho, e cada qual a seu modo, nossos caros companheiros fixaram momentos de Anísio Teixeira, como que a surpreendê-lo em flagrante de idealismo, de talento, de coragem. Viram o pensador em pleno vôo pela filosofia e pela sociologia da educação; reviveram, então, os lances do escritor pedagógico, como do conferencista em sala de aula e nas outras... Viram o reformador, o expoente da mudança, o executor do seu próprio breviário revisionista, administrador público a completar o homem de doutrina, o ensaísta social, o cristão em profundidade e o patriota sem as formas simiescas da patriotice.

Encontrará aqui o leitor muita justiça em poucas páginas. Verá, nítido e belo, o universo mental de um mestre de quem tanto se prezou a Casa que foi também sua, por tôdas as lógicas: Centro Brasileiro da Associação Mundial de Escritores, sob os auspícios da UNESCO – o Pen Clube do Brasil.

Marcos Almir Madeira


ÍNDICE

Apresentação - Marcos Almir Madeira

Anísio Teixeira – Cândido Mota Filho

Anísio Teixeira, um pensador lúcido – José Honório Rodrigues

Missionário da Educação – Benedicto Silva

Anísio Teixeira, oração da saudade – Pedro Gouvea Filho

Anísio Teixeira e Afrânio Peixoto – Faria Góes Sobrinho

Meu primeiro encontro com Anísio Teixeira – Antônio Houaiss

Anísio Teixeira, a liberdade e o anticristo – Marcos Almir Madeira


ANÍSIO TEIXEIRA

Cândido Mota Filho

Foi em 1930 que conheci Anísio Teixeira, que me foi apresentado, em São Paulo, por Fernando de Azevedo. A revolução estava em uma de suas crises, num período de ensaio e êrro, e Anísio contornava o nosso desalento sustentando que só é válida a revolução que aprimora a consciência do homem, pela reforma educacional.

Falou-me com desembaraço de um convicto, de um destemido que morava na modéstia de um tímido. E, quando êle se foi, Fernando de Azevedo me perguntou: "0 que você achou do Anísio?"

E eu respondi: "Foi o primeiro teórico que me impressionou, porque sempre tive mêdo dos teóricos e dos dogmáticos."

Mas Anísio não era nada disso. Apresentava-se com realizações, que começaram na Bahia.

Mais tarde, em 1932, quando saiu o manifesto dos pioneiros da educação nova, vi-o repetir sua tese e sustentar que o movimento educacional, dando ao homem em formação a condição de ser homem e, portanto, a capacidade de convivência social, justificaria por si só as aspirações do movimento de 30.

Por êsse tempo, Anísio Teixeira já tinha adquirido uma autoridade incontrastável por suas realizações. Ao assumir, em 15 de outubro de 1931, nesta cidade, o cargo de diretor-geral da instrução, falou na importância de seus empenhos e na necessidade de manter-se no país uma consciência educacional dinâmica.

A política ia e vinha, os planos administrativos cresciam e definhavam. A luta pelo poder era muito maior do que a luta pela educação. Mas, Anísio estava firme, convencido como estava, e como me disse, de que desânimo não abastece a inteligência.

No Ministério da Educação, logo após minha posse, convidei-o para vir ao meu gabinete. Sabia o que tinha sido o seu esfôrço para enfrentar a perpétua transitoriedade dos planos administrativos, com suas contradições e seus fracassos. E ficou feliz quando eu lhe disse que iríamos trabalhar no plano das mesmas idéias.

Tive o cuidado de não lhe falar que o teria como meu orientador, porque tinha a certeza de que sua timidez reagiria. Mas eu o tinha como meu guia prestimoso, capaz, com grande facilidade, de substituir os meus explicáveis fracassos.

Quando inaugurei a Casa do Professor, fiz um pequeno discurso, no qual falei na concepção integral da educação e de se oferecer ao professor todos os meios para ser professor. Anísio, que me ouvia a distância, se aproximou e me disse que o grande problema era êsse: não esquecer do professor, só pensando no aluno; não esquecer do aluno só pensando no professor. Por isso daria o melhor de seu esfôrço para que a minha orientação fôsse uma verdadeira orquestração de um sistema escolar, capaz de extinguir, até na zona sertaneja, a imagem de Jeca Tatu.

Conhecia bem a nossa realidade, onde a má distribuição das verbas só servia para alargar a insuficiência da atividade educacional brasileira: escolas sem alunos e alunos sem escolas, os desertões brasileiros emudecidos pela doença e pela ignorância.

Juntos, fomos, muitas vêzes, ver de perto as escolas primárias que minguavam no interior do país, quando os alunos alcançavam os últimos anos, porque, mais do que estudar, precisavam trabalhar com os pais pobres.

E Anísio mostrava, ao vivo, como um dos problemas fundamentais era o de combater, na escola, a aparência de escola, o formalismo e o artificialismo que transfiguram o professor num cansado funcionário público e o aluno num enfastiado da disciplina e dos processos pedagógicos em uso...

Nunca nos perdemos de vista. Fora do Ministério me via como se estivéssemos no Ministério, seu companheiro de luta da redenção do Brasil pela valorização da vida pela educação.

Poucos dias antes de sua morte, estêve em nosso apartamento para uma protocolar visita acadêmica. De comêço falou de seu constrangimento de pleitear, por pleitear, por imposição de amigos, uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Mas não demorou muito no problema acadêmico e nos reencontramos como éramos, desde 1932.

Seus olhos, através dos óculos, passeavam pelos livros da minha pequena biblioteca. Recordou, ao deparar com as obras de Rui Barbosa, o plano que tínhamos de fazer uma edição especial de seus pareceres sôbre o ensino. Levantou-se, em seguida, para examinar o exemplar da antologia organizada pela UNESCO, Le droit d’être un homme. E leu, com a voz em surdina, em francês, o trecho de Dante nela inserido: "Conservai a raça de onde viestes, destinada a viver não como fera, mas para seguir o exemplo da virtude e do conhecimento."

Perguntou quem era o autor da cabeça de Dante, em bronze, que conservo entre meus livros. E antes que eu respondesse, recitou baixinho, como que pedindo escusas: "Non era lunga ancor Ia nostra via." Conteve-se, porém, para falar nas gravuras de Debret, reproduções de paisagens inéditas, editadas pela Companhia Editôra Nacional. E se despediu.

"Vamo-nos encontrar agora na Academia, não é Anísio?" disse-lhe eu, abraçando-o. E êle, com um sorriso triste: "Deus é quem sabe!"

E nunca mais o vi.

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ANÍSIO TEIXEIRA,
UM PENSADOR LÚCIDO *

José Honório Rodrigues

Estamos todos conscientes da grande perda para a cultura brasileira sofrida com a morte de Anísio Teixeira. Quem o conheceu, a êle pessoalmente e a sua obra, sabe o que representa seu desaparecimento. Era uma das maiores inteligências que conheci, lúcida, limpa, clara. Era, ao mesmo tempo, um homem independente, crítico, um liberal, no sentido clássico, anti-servil.

Sua obra, livros, artigos, ensaios, conferências revelam uma unidade lógica de pensamento filosófico, que impunha uma concepção de vida e dava as diretrizes de sua atuação pedagógica. O que importa e se deve guardar é que êle sempre acreditou na Reforma e não na Revolução. Quem acredita na Reforma, aceita a conciliação, a possibilidade do entendimento inteligente e racional. Êle nunca foi conservador, especialmente se aceitarmos a definição de Abraham Lincoln de que o conservadorismo significa a adesão ao velho e ao provado, contra o nôvo e o não provado.

O exame, ainda que rápido, de alguns de seus livros, define sua posição e esclarece sua atuação. A educação progressiva. Uma introdução à filosofia da educação (Rio de Janeiro, 1933) é um livro capital. A educação é progressiva "porque se destina a ser a escola de uma civilização em mudança permanente, e porque, ela mesma, como essa civilização, está trabalhando pelos instrumentos de uma ciência que ininterruptamente se refaz."

Tôda sua concepção filosófica e pedagógica é dominada pela idéia de progresso e de mudança, duas noções essenciais ao historiador. Gibbon, o maior dos historiadores do Iluminismo, escreveu que êle chegara "à agradável conclusão de que tôda época do mundo aumentava e continuava a aumentar a riqueza real, a felicidade, o conhecimento e talvez a virtude da raça humana."

Nisso Anísio acreditava com tôda a paixão, mas não sei se êle não pensaria, como Bertrand Russell, seu mestre tanto quanto John Dewey, que "no conjunto há hoje muito menos liberdade do que havia há cem anos."

Acredito que da Educação progressiva para os outros livros operou-se, como era natural, uma evolução do seu pensamento filosófico. Êle continuou crendo no progresso, na mudança, nos princípios democráticos. Êle continuou crendo que educar é crescer, e descrendo na tradição. Êle continuou crendo na escola para todos e que a Educação não é privilégio (Rio de Janeiro, 1957), mas continuou combatendo a escola "guarda e perpetuadora dos valôres sociais".

A escola precisava transformar-se num "instrumento consciente e inteligente do aperfeiçoamento social". Sua finalidade, vejam bem, era "preparar o homem para uma existência em permanente mudança".

A educação é dia a dia não sòmente o mais valioso investimento nacional, como a tarefa mais importante. Desde 31 de dezembro de 1964, os menores de vinte anos formam a metade da população mundial, e o número de estudantes cresce em índices estarrecedores, e por tôda parte é ela o maior grupo consumidor. Quem estiver com ela estará com o futuro, e isso Anísio Teixeira sabia bem, bem compreendeu e soube situar-se social e intelectualmente.

Discípulo e principal divulgador de John Dewey, leitor de William James, de Bertrand Russel, seu espírito tinha formação anglo-americana, e combatia a tradição do mêdo, o ultraconservadorismo, o conformismo, para defender sempre a independência do pensamento, os princípios democráticos, a liberdade da escola, do professor, da sociedade.

Suas idéias recentes, tão bem definidas e expostas no seu Educação no Brasil (Rio de Janeiro, 1969), mostram sua visão construtiva da formação brasileira, os benefícios do nacionalismo, os malefícios do colonialismo português e da permanência da estrutura colonial quando foi feito o govêrno nacional com a Independência.

Discípulo de Dewey, êle sabia que o homem, animal de hábitos, estava encharcado de porção do passado, que se transmitia de geração em geração.

Pessoalmente, associo-me a tôdas as homenagens que lhe prestarem, não sòmente pela admiração que lhe votava, à sua inteligência, à clareza de seu pensamento, mas também porque lhe devo muito estímulo. A segunda e a terceira edições da minha Teoria da História do Brasil, bem como a segunda edição de A pesquisa histórica no Brasil, contaram com o seu apoio para a publicação, e recentemente êle me animava, me solicitava com urgência a História do Brasil que ando a escrever. Êle discutia, propunha questões, levantava problemas, convencido da necessidade de uma nova História.

Quem tiver seus livros, quem tiver assimilado a fôrça de suas idéias, verá que era natural essa aproximação que eu buscava, como se busca beber a água pura da fonte. Sempre concordamos sôbre os males do colonialismo português, sôbre a existência de um colonialismo interno, sôbre a crença de que a ciência se elabora por saltos, tal como a história, e especialmente sôbre o papel que o passado, a visão do passado que possuímos, pode ter na resistência à mudança, ao progresso, à conquista democrática.

Pretendo desenvolver esta tese – tema de nossas conversas – de que a história não é a tradição, e que tôda Reforma e, especialmente, tôda Revolução exige a construção de um nôvo Passado. A morte do Passado e a Vida da História, eis a dialética do pensamento histórico.

A influência da tradição na educação foi formidável, não sòmente na educação dos alfabetizados, mas na educação dos analfabetos. Creio que era a busca dêste nôvo passado que êle esperava que eu lhe pudesse oferecer. É uma tristeza que o destino tenha impedido sua vinda para nossa companhia, na Academia Brasileira de Letras, e que eu não possa mais oferecer-lhe o que êle esperou de mim.

Quem acreditava na independência do pensamento humano, quem acreditava na reforma pela educação, pela mudança da consciência, podia, como pôde, apesar das resistências e obscuridades, oferecer ao Brasil uma contribuição cultural que será guardada como parte sagrada de seu patrimônio.

Na sua oração de paraninfo, em 1957, êle terminava com êstes votos, que exprimem bem seu ideal: "Professôres de civilização, temos todos de reaprender o sentido dêsse têrmo, e nos fazermos mestres de urbanidade, de candura, de independência, de tolerância e de saber, em um mundo cada vez mais sob o domínio do homem e cada vez mais digno dêste mesmo homem".

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MISSIONÁRIO DA EDUCAÇÃO *

Benedicto Silva

Havendo começado na Bahia sua carreira de educador imediatamente após concluir no Rio, aos 22 anos, o curso de direito, Anísio Teixeira ocupou numerosos cargos, todos na área da educação.

Nada mais fora de foco, entretanto, do que enfatizar que êle exerceu o cargo de diretor-geral do ensino na Bahia, de secretário de educação no Rio de Janeiro, de diretor do INEP e presidente da CAPES no Ministério da Educação, e de consultor da UNESCO em Paris. Apenas como registro biográfico pedestre se pode dizer que êsse homem foi titular de cargos na cátedra e, sobretudo, no planejamento, na coordenação e na execução de campanhas e revoluções educacionais. Considerado em sua trajetória humana e social, Anísio Teixeira não exerceu cargos: êle desempenhou uma alta e transcendental missão.

Não é como didata, ou professor, ou diretor de institutos de pesquisa, ou secretário de educação, ou criador e administrador de universidades que a imagem de Anísio Teixeira assoma nos horizontes históricos da educação brasileira. É na mais plena, na mais genuína categoria de missionário da educação – e missionário predestinado – que Anísio Teixeira inscreveu sua presença criadora na História Social do Brasil.

Dotado de uma personalidade multidimensional – professor, conferencista, escritor, assombroso administrador, macrodiagnosticador, analista de problemas complexos, pensador, filósofo – é como um missionário benfazejo, um semeador impessoal e incoercível de idéias fecundas e ações multiplicadoras, que Anísio Teixeira passou pela Bahia, pelo Rio de Janeiro, pelo Brasil, pelas organizações internacionais, enfim, pela vida. Idéias, êle as semeou com a serena temeridade de um apóstolo. Ações, êle as executou com a nítida clarividência de um superadministrador.

E as sementeiras de suas idéias, cumprindo diligentemente a palavra de ordem do Genesis, medraram e multiplicaram-se. E os efeitos de suas ações, impulsionados pelo seu dinamismo criador, vingaram em frutos. Lá está, em Salvador, na Bahia, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Aqui estão, na Guanabara, o Instituto de Educação, a Universidade do Estado da Guanabara, a CAPES e várias outras entidades. Ali está, na metrópole nova do País, a Universidade de Brasília.

Focalizemos a imaginação, por um momento, nos efeitos encadeados das entidades de ensino e pesquisa planejadas, criadas ou inspiradas por Anísio Teixeira.

Depõe Fernando de Azevedo:

"Não há setor da educação brasileira em que não se encontre obra de sua mão, inspirada por êle ou marcada de suas influências, nem problema que não tenha enfrentado para lhe dar solução mais adequada. Das questões relativas à infra-estrutura, constituída dos edifícios e instalações escolares, das bibliotecas, laboratórios e museus, passa com o mesmo zêlo às que dizem respeito à formação profissional, seleção, aperfeiçoamento e especialização do magistério de todos os graus por meio de cursos no país ou de bôlsas de estudos no estrangeiro."

Quantos milhões de destinos já foram tocados benèficamente, no Brasil, pela existência e funcionamento dessas entidades?

Sòmente no Estado da Guanabara, contando-se as jovens talentosas, que, de condições humildes, galgaram o status de professôras primárias, atingindo depois níveis mais altos na escala do magistério, e tôdas as crianças que freqüentaram as escolas públicas do Rio de Janeiro, quantos serão os sêres humanos sôbre os quais já recaíram os benefícios das criações educacionais de Anísio Teixeira? E o papel pioneiro desempenhado no ensino universitário, primeiro pela Universidade do Estado da Guanabara, que Anísio Teixeira criou em 1932 e, mais tarde, pela Universidade de Brasília, de cuja concepção foi um dos arquitetos principais?

Segundo Ernest Trattner, as pessoas que se comprazem em participar da herança do pensamento abstrato e da imaginação intensa, encontram grupo exclusivo, único, de mortais na vida dos grandes teóricos – essas criaturas solitárias, muitas vêzes taciturnas, impelidas por incrível perseverança, que são os forjadores e sacudidores do mundo moderno.

Anísio Teixeira pertence a essa estirpe rara de teóricos que abalam tradições vetustas e forjam realidades sociais, movendo-as para a modernização e para o ajustamento a novas conjunturas.

Aos horrores sem nome e às devastações sem número da II Guerra Mundial sucedeu uma fase histórica marcada pelo culto do desenvolvimento. É verdade que o mundo continua desassossegado. Temerosas umas das outras, as superpotências inventam, fabricam e acumulam montanhas de armamentos suficientes para varrer a civilização, talvez a própria vida, da face da terra. A turbulência campeia sob várias formas por tôda a parte. Há numerosas áreas de atrito, intranacionais e internacionais, em quase todos os países. Há muitos estopins acesos pelo mundo além. Não se sabe quantos paióis de pólvora existem espalhados pelos cinco continentes. É possível que um dêles, explodindo, baste para detonar a III Guerra Mundial, que, se houver, provàvelmente não terá historiadores. Tamanha é a fúria destrutiva das armas nucleares que o seu possível emprêgo fêz substituir o conceito de derrota pelo de superexterminação. No caso de haver um engajamento nuclear, e no caso de um dos beligerantes vencer, o outro não será apenas vencido, mas superexterminado. Os exércitos de Hitler praticaram na Rússia a guerra do gafanhoto: por onde passavam, na retirada, deixavam tudo rasoirado. Era a guerra da "terra queimada". Indo ao extremo em matéria de destruição, a guerra nuclear exterminará a própria vida – isto é, os reinos animal e vegetal, o animal e o gene, a planta e a semente. Ficará apenas a desolação infinita e o silêncio eterno do reino mineral.

Em meio a êsse fervilhar de paranóias coletivas, entretanto, o homem ainda alimenta o sonho generoso – o mais deleitoso dos sonhos – de transformar o mundo em um vasto seio de Abraão. E para chegar a êsse nível de desenvolvimento moral e cristão, em que o homem despirá, de uma vez por tôdas, a pele ominosa de lôbo do homem, o gládio mais influente com que conta a sociedade é a educação.

Graças à aceitação dessa verdade, que acabou sendo reconhecida universalmente, a educação se impôs como a arma principal na luta pelo desenvolvimento.

Viajando com um pé no futuro, Anísio Teixeira já havia vislumbrado, nos primórdios de sua carreira, mal saído dos bancos acadêmicos, o desafio que a educação seria chamada a enfrentar como fator de desenvolvimento econômico e social.

Gilberto Freire proclamou-o muito bem:

"Anísio Teixeira era, com efeito, um antecipado aos homens de sua geração no modo de procurar resolver os problemas brasileiros por uma renovação de métodos mais apolíticos que políticos de ação que importasse para o Brasil em verdadeira modernização social. Modernização, principalmente, da sua cultura, num sentido mais amplo e mais profundo que o entrevisto pelos modernistas do Rio e de São Paulo."

Mas é no pensamento expresso do próprio Anísio Teixeira, tornado público na Bahia, em 1928 – atentemos para a data, 1928! – que se encontra a mais clara evidência da antecipação proclamada por Gilberto Freyre. Com efeito, no documento intitulado O ensino no Estado da Bahia – 1924-1928 (relatório apresentado ao Governador do Estado da Bahia por intermédio do Secretário do Interior, Justiça e Instrução Pública, pelo Diretor-Geral de Instrução, 1928, Bahia, Imprensa Oficial do Estado) afirmava Anísio Teixeira, profèticamente:

"A educação será um fator do desenvolvimento econômico, quando fôr devidamente ministrada. Fora daí, não há nenhuma varinha mágica que multiplique o poder de produção do baiano só porque lhe foi ensinado o jôgo das 26 letras do alfabeto."

Antes da Revolução de 1930, o modêlo clássico de carreira pública geralmente adotado no Brasil era o seguinte: logo ao bacharelar-se, o filho do coronel chefe político de algum município ou zona importante do estado era nomeado oficial de gabinete do governador. Daí passava a diretor do departamento, em seguida a secretário de estado, depois a prefeito da capital – elegendo-se deputado federal antes dos 30 anos. As portas e as seduções desta carreira abriram-se de par em par a Anísio Teixeira, em 1924, quando o banqueiro e advogado Francisco Marques Góes Calmon assumiu o govêrno do estado da Bahia. Mas, o convite para exercer o cargo de diretor-geral de ensino, então equivalente ao de secretário da educação, feito a Anísio, pelo Governador Góes Calmon, não foi determinado pelo fato de ser o convidado bacharel e filho de prestigioso chefe político, o Doutor Deocleciano Teixeira, médico radicado em Caetité, na vertente da Serra do Espinhaço, território das bacias hidrográficas do Rio São Francisco e do Rio das Contas.

Em 1924, Anísio Teixeira já brilhava como estrêla de primeira grandeza no spectrum intelectual da Bahia.

Possuindo, assim, – possuindo como ninguém, – tôdas as condições para ingressar na política militante e nela angariar posições de liderança e de comando, empolgar o poder, ou simplesmente aceitá-lo, como conseqüência de sua supremacia intelectual, Anísio Teixeira se conservou irredutível em sua predestinação, jungido à missão – nem sempre compreendida, às vêzes melancólica, às vêzes até amarga – de "grande renovador da cultura brasileira."

Calderón de Ia Barca reconhecia que

"Poderoso caballero

es Don Diñero"

Mas êsse quase todo-poderoso senhor nada pôde com Anísio Teixeira. Entre o dinheiro abundante e a trabalhosa faina de educar, o pensador baiano engajava-se com armas e bagagens no serviço da última.

De fato, quando uma oportunidade de acumular fortuna ràpidamente, com base na exploração do manganês do Amapá, se lhe ofereceu numa salva de prata, Anísio Teixeira preferiu atender ao chamamento de Otávio Mangabeira e voltar à Bahia para ali exercer, pela segunda vez, o cargo de secretário da educação. Entre o brilho do ouro e as canseiras de uma Secretaria de Educação, quantos, no lugar de Anísio, teriam optado pela alternativa da pobreza?

É que êle atuava sob a contrainte de sua missão: Dizer "não" à oportunidade de educar estava acima de suas fôrças.

Péricles Madureira de Pinho, provàvelmente o mais atento e documentado dos conhecedores da biografia de Anísio Teixeira, focaliza um dos aspectos menos conhecidos e mais comoventes dessa vida inconfundível:

"Ficou-lhe da formação jesuítica, como tanto já se tem repetido e êle próprio não contesta, uma atitude de mortificação diante da vida. Só o trabalho o diverte, seus encantamentos resultam dêle. E como é difícil satisfazer-se com o que êle mesmo realiza! Vive possuído do que na sua própria definição é a divina inquietação que faz o homem permanentemente insatisfeito, e permanentemente empenhado na constante revisão de sua obra. Nenhuma dissipação o atrai. É um religioso do dever, que não perdeu o temor das tentações... De outra maneira não se explica a linha de absoluta temperança em todos os seus hábitos, de sobriedade em tôdas as suas atitudes, de simpleza no trato, compondo a figura de um místico, em contradição com a do materialista desabusado dos que não sabem vê-lo."

A beira do túmulo do autor da Comédia humana, que acabava de ser sepultado, Victor Hugo disse, condoreiramente:

"Balzac era um dos primeiros entre os maiores, um dos mais altos entre os melhores."

No cenário cultural do Brasil de hoje, a figura singular de Anísio Teixeira alteia-se, agiganta-se, assume proporções colossais – sobretudo depois que o seu fim imprevisível, trágico, tão convulsivamente cruel nos obriga a analisá-la mais de perto e mais a fundo.

Dêle também se pode, ou melhor, se deve dizer: Anísio Teixeira, como pensador e cruzado da educação, era um dos primeiros entre os maiores; como pessoa humana, era um dos melhores entre os primeiros.

Poucos saberão avaliar o vácuo descomunal que a sua morte abriu de repente no patrimônio de idéias do Brasil.

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ANÍSIO TEIXEIRA
ORAÇÃO DA SAUDADE *

Pedro Gouvea Filho

Senhor Presidente do Pen Club do Brasil

Senhor Vice-Presidente do Pen Club do Brasil

Família Anísio Teixeira

Minhas Senhoras e Meus Senhores

É para mim difícil e honroso o desempenho da missão confiada pelo Prof. Benjamin Albagli, Presidente da Associação Brasileira de Educação, para ser o seu órgão nesta hora de saudade que o Pen Club do Brasil promove para homenagear a memória de Anísio Teixeira, o educador iluminado e, dos líderes da Educação Nacional, o que mais profundamente influiu na problemática do processo educativo do Brasil contemporâneo.

Eu poderia ter começado esta oração com os versos do poeta baiano:

"Eu sou pequeno, mas só fito os Andes"

Os Andes para Castro Alves eram a libertação dos escravos, mas para Anísio Teixeira seriam a libertação do homem e do povo brasileiro pela cultura e pela educação democrática, de que foi um paladino, pela palavra doutrinadora e pela ação, no desempenho da função pública, nas cinco décadas em que viveu os seus problemas, recolhendo as alegrias de suas vitórias, as angústias de suas dúvidas e as amarguras oriundas da incompreensão humana.

Falando aos moços, os concluintes de 1967 da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal da Bahia, como seu paraninfo, punha em relêvo: "0 que nos separa não são os anos que estais vivendo, mas os que vivi antes da vossa chegada". Para depois comentar como se processou o desenvolvimento através da "longa revolução do mundo de nosso tempo", que destruiu o individualismo e a educação para o lazer, em que o pensamento social, antes apenas relativo aos aspectos religiosos e morais da vida humana, passou a ser político, econômico e pròpriamente social, tendo como objetivo a própria sociedade humana existente e concreta. E fêz-se, assim, pensamento controvertido senão contraditório. E, depois de se referir ao trabalho, que a ciência modificou os seus instrumentos de produção, tornando-o coletivo, programado por uns e executado por outros, quer no regime socialista, quer no regime capitalista, ressaltou que o desaparecimento do individualismo está a demonstrar que as organizações sociais estão ainda em transformação para um status que atenda às necessidades sociais e econômicas de um povo e que, não podendo repetir as soluções encontradas pelos países desenvolvidos, têm de apelar para a educação, afirmando: "Não preciso encarecer que nossas dificuldades são sem dúvida maiores do que as que assaltaram em seu tempo as sociedades hoje desenvolvidas. Dentre tôdas aquelas instituições criadas então, para atender à adaptação e à transformação social, nenhuma será por certo mais importante do que a educação. Ela é que poderá ter a flexibilidade e a virtuosidade necessárias para se erguer à altura de nossas dificuldades."

Em recente artigo de O Jornal, Austregésilo de Athayde, seu companheiro nos bancos acadêmicos, afirmava que Anísio era sobretudo um místico que tinha substituído a fé religiosa pela fé na educação. Mas quem acompanha a evolução de sua vida, desde a adolescência, assiste que foi a educação que lançou o conflito em seu espírito religioso e o libertou dos processos do pensamento metafísico, para encarar objetivamente os problemas do homem na vida terrena.

Devido à oposição de seu pai – Dr. Deocleciano Teixeira – médico conceituado e político de grande influência na região em que se encontra a cidade de Caetité, acrescido ainda do estado de dúvida em que se encontrava, deixa Anísio Teixeira de entrar para a Ordem dos Jesuítas, de que o Padre Cabral – seu preceptor – quebrara lanças para o fazer participar. Formado em direito, no ano de 1922, pela antiga Escola de Ciências Jurídicas e Sociais, a chamada Escola do Catete, hoje integrante da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dedicara o ano de 1923 à advocacia e à assistência política a seu pai na campanha governamental. Em 1924, conta-nos Jayme de Abreu, procura o governador Góes Calmon, como candidato à promotoria de Caetité e é surpreendido com o convite para assumir a direção da instrução pública do Estado. Anísio confessa-se despreparado para tamanha responsabilidade e Góes Calmon aconselha-o a procurar Afrânio Peixoto e Carneiro Leão, e a fazer a tradução da obra de Omer Buyse – Método americano de ensino – confiando o resto à sua inteligência e cultura.

Em setembro de 1925, faz sua primeira viagem de observação educacional, comissionado pelo govêrno da Bahia, na companhia do seu Arcebispo D. Augusto Álvaro da Silva, com quem se hospedou num convento em Paris, para freqüentar aulas e conferências na Sorbonne que o lançaram em estado de angústia, porque deixavam em aberto, sem o desfecho dogmático, as certezas que o embalavam, obrigando-o, assim, a sofrer a agoniante tortura da "necessidade metafísica do absoluto."

Sua formação humanística e clássica resultante da cultura geral que lhe deram os jesuítas e o curso de direito, ir-se-ia ampliar com a vivência dos problemas da educação que o levaram aos Estados Unidos para fazer estudos sôbre a organização e administração escolares. Depois de consagrado grande educador, deixa a função pública com o govêrno Góes Calmon, para aceitar uma bôlsa de estudos para a Escola de Filosofia do Teachers College, da Universidade de Columbia. Aí são seus mestres John Dewey, o maior filósofo da educação do nosso século, Kilpatrick, Cubberley, Monroe, Kendal, os grandes líderes da educação americana. E assim, dominando as ciências básicas da educação, familiariza-se com o pensamento científico e com as técnicas e os métodos da pesquisa científica, que colocaria, mais tarde, à disposição dos sistemas educacionais que iria dirigir.

Incorporado à filosofia de Dewey, que tem as suas origens no pragmatismo de William James, de que Dewey fôra, também, um dos construtores, passa a encarar com objetividade os problemas de fins da educação democrática, para erigir a escola primária como sua "pedra fundamental", completando os seus pontos de vista com estas conclusões:

"1.º – A Escola deve ter como centro a criança e não os interêsses dos adultos;

2.º – O programa escolar deve ser organizado em atividades (...) e não em matérias escolares;

3.º – O ensino deve ser feito em tôrno da intenção de aprender da criança e não a intenção de ensinar do professor;

4.º – A criança na escola é um ser que age (...) e não uma inteligência pura interessada em estudos de gramática ou matemática;

5.º – Seus interêsses e propósitos governam a escolha das atividades em função de seu desenvolvimento futuro;

6.º – E essas atividades devem ser reais."

No desempenho das funções de secretário do govêrno Pedro Ernesto, no Distrito Federal, hoje Estado da Guanabara, em quatro anos, de 1931 a 1935, fêz profunda reforma de ensino, aparelhando o sistema de órgãos complementares que deveriam dar assistência ao sistema escolar, à escola e ao professor.

A linha mestra da sua política foi a formação do professor de qualidade, e para êsse fim amplia o curso de formação de professôres, transformando a Escola Normal em Instituto de Educação e confere, ainda, à Escola de Professôres, integrante dêste Instituto, além da preparação em nível superior do professor para o ensino primário comum e especializado, a dos técnicos de educação e o aperfeiçoamento do corpo docente em exercício.

Mas, a escola, para êle, não é sòmente professor e aluno. Cria departamentos complementares como a Divisão de Prédios e Aparelhamentos Escolares, Instituto de Pesquisas Educacionais, Divisão de Bibliotecas, Rádio e Cinema Educativos, Educação Física e Recreação, Canto Orfeônico e por fim a Universidade do Distrito Federal, destinada à formação de professôres para o ensino secundário, com as Escolas de Filosofia, Ciências e Artes e onde foi incluído o Instituto de Educação, dando assim ao Distrito Federal o sistema de educação mais complexo do país.

Para caracterizar a personalidade dêste educador, penso não ser mais preciso comentar a sua volta, em 1947, à Secretaria de Educação e Saúde da Bahia, que êle estruturou no govêrno Mangabeira, e que só aceitou por considerar que o Brasil estava voltando ao regime democrático e à normalidade jurídica de suas instituições; e nem mesmo o desempenho de outras funções como diretor do INEP e Reitor da Universidade de Brasília, projetada por êle em moldes diferentes das outras universidades brasileiras.

Mas é preciso ainda que se diga que, aceitando o encargo de Conselheiro da Educação Superior na UNESCO, com sede em Paris, deixa a função no fim de dois anos por não poder mais suportar as saudades do Brasil, conforme dissera em carta à Professôra Juracy Silveira, o que recentemente se repetiu no Chile, quando, a convite do Presidente Frey para conselheiro da reforma de educação, não aceitou nenhum outro contrato, para não prolongar sua permanência fora do nosso país.

Não sei se atingi o clímax de deixar nestas palavras alguns aspectos essenciais da vida, da ação e do pensamento dêsse educador admirável que foi mestre de todos nós e que ad imortalitatem será das gerações futuras de educadores, que na rica bagagem literária que deixou, encontrarão as grandes lições sôbre o homem e os problemas sociais do mundo moderno que o consagraram filósofo brasileiro da educação.

Êle foi um homem de sensibilidade. Quando, na ABE fiz a conferência, na homenagem a Roquette Pinto, Anísio Teixeira, sentado a meu lado, na mesa diretora, me disse: "Eu gostaria que alguém falasse de mim com êsse carinho que você falou de Roquette". Se não o consegui creio que a Associação Brasileira de Educação realizou o seu desejo, quando seu Presidente, Prof. Benjamin Albagli, envolveu a urna mortuária com a bandeira da ABE e falando no túmulo, em nome dos educadores, deixou que essa bandeira gloriosa o acompanhasse, como símbolo da bandeira que êle empunhou durante tôda a sua vida pública – a Bandeira da Educação Nacional.

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ANÍSIO TEIXEIRA E
AFRÂNIO PEIXOTO

Faria Góes Sobrinho

Tinha eu 13 anos de idade, quando, no Colégio Antônio Vieira, o colégio dos jesuítas na Bahia, travei relações com Anísio Teixeira, aluno ambos do 4.º ano ginasial. Anísio procedia do colégio de Caetité, no mais longínquo interior baiano, onde, em casa doada por seu pai, venerando médico e chefe político sertanejo de grande autoridade moral, os jesuítas haviam instalado pequeno colégio, prolongamento do educandário de Salvador. Eram êles os padres da Companhia que, suspeitados de operosa filiação monárquica, a República proclamada havia pouco em Portugal expulsara do País. O Arcebispo D. Thomé da Bahia, Primaz do Brasil, acolhera-os e os apoiara moral e materialmente, canalizando assim para meu estado natal a hoste numerosa e prestante: algumas dezenas de padres e de irmãos leigos, entre êles nomes ilustres, que representavam, como educadores de adolescência, o que, em têrmos de humanismo português, a Companhia de Jesus, que nos dera nas origens um Nóbrega, um Anchieta e um Antônio Vieira, poderia produzir em quatrocentos anos de experiência perseverante e esclarecida e de esfôrço sem quartel. Era o que significava em Lisboa o afamado Colégio de Campolide, fechado pela República: era o que se transferia, em 1911, a Salvador, por fôrça daqueles acontecimentos, e se constituía num providencial impulso revigorador, verdadeira transfusão de métodos e intenções, no ensino das humanidades. Reunia o Colégio Antônio Vieira expressões de efetivo valor na Filosofia, nas Ciências e nas Belas Letras. Lá foram ter, além do pugilo de mestres portugueses, o Padre Meyer, suíço de nascimento, consumado químico que professara a sua especialidade na Universidade de Beirute; o Padre Zimmermam, proficiente matemático, alemão de nascimento e formação; o Padre Camilo Torrend, naturalista francês, reputado especialista em protozoários e em fitopatologia, pesquisador laborioso cuja larga produção original derramava-se nas páginas da revista Broteria, modêlo de publicação científica. Outros teria a citar nesta evocação, ensombrada pela melancolia da hora dolorosa; o irlandês Padre Dignam, que nos iniciava no vocabulário e na gramática da língua inglêsa; o suíço Padre Cheseaux, disciplinador que se exauria na baldada insistência posta em domar, dimencionando-a à européia, a nossa desenganada incontinência juvenil; o admirado Padre Antônio Ferreira, brasileiro de São Paulo, orador sacro elegante e aplaudido vivamente pela cidade. E a todos superando em influência aliciadora, em singular poder de comunicação, o Padre Luiz Gonzaga Cabral – o extraordinário Padre Cabral. A seu propósito, caberia um registro destacado e todo especial, nesta evocação de saudade – tão decisiva foi a marca de sua influência avassaladora na personalidade e no destino do grande Anísio Teixeira.

Era o Padre Cabral aristocrática figura, de conspícua linhagem – a nobre estirpe dos Gonzaga Cabral da cidade do Pôrto –, êle próprio primo quarto do descendente direto do Padre Álvares Cabral. Agudo ensaísta, autor de livro que muito se comentara, o Vieira Pregador – um tratado de oratória – êle mesmo pregador empolgante, tido em sua época como o maior da Península Ibérica. Confessor do rei, diziam-nos; com intensa e relevante atuação no cenário cultural de sua pátria, o velho Portugal, monárquico e beato, da primeira década dêste século. Fôra Cabral o provincial dos jesuítas portugueses ao tempo da revolução republicana, alvo por isso da perseguição tenaz dos carbonários e dos maçons portuguêses. Deixara Portugal através de múltiplos disfarces e, após demorar-se por alguns países da Europa a advogar soluções para seus irmãos de província religiosa, expulsos como êle do regaço da mãe pátria, aportara em 1916 a Salvador, para aí exercer e confirmar o lustre e o fascínio de sua personalidade magnética. A classe intelectual e a burguesia mercantil, as chamadas classes produtoras de Salvador, rendidas a êsse magnetismo, enlevavam-se ante a eloqüência do jesuíta eminente, fartamente exercitada no púlpito e na tribuna de conferências. Festejavam as virtudes polimórficas do humanista, do crítico e do exegeta – doublé do homem de ação pública, vigilante e ativista, e do batalhador social. A vivacidade dialética de suas intervenções, de forma literária castiça, seduziram a inteligência baiana e levaram a que acorressem ao colégio, para mais estreita e diuturna convivência, as personagens de mais evidência e expressão nos altos círculos da vida intelectual e acadêmica da cidade: um Theodoro Sampaio, um Pethion de Villar, um Pirajá da Silva, um Madureira de Pinho, um Felinto Bastos, um Homero Pires e tantos outros, mestres da medicina e do direito, de par com as figuras mais prestigiosas da vida econômica do estado, à frente delas os grandes vultos de sua influente e próspera colônia portuguêsa. Claro está que essa energia açambarcadora do jesuíta recém-chegado não se fêz sentir sem reação. Mobilizaram-se, em campo adverso, os valôres da Bahia agnóstica, encabeçando-os o filósofo Virgílio de Lemos, que reunia em tôrno de si plêiade não menos brilhante de confrades e discípulos, jovens estudantes entre os quais Virgílio de Lemos pontificava em preleções famosas sôbre filosofia e ciência do direito. Emergia o Brasil, a êsse tempo, da campanha civilista, cujos ecos poderosos ressoavam ainda por todo o país, e Rui Barbosa intensificava a sua pregação liberal que entusiasmava a moços e velhos.

Feria-se, enquanto isso, na Europa a primeira hecatombe, a guerra de 1914-16, já então a vitória dos ideais democráticos esboçando-se alviçareira. O Brasil alistara-se na contenda, e o clima era de exaltação cívica, de vibrações e esperanças.

Atmosfera de controvérsia, espiritual e de tumulto fecundo foi, assim, aquela em que alvorecia a admirável inteligência do menino sertanejo. Inteligência universal e polifacetada na qual cada um dos mestres que citei apontava uma inclinação decidida e rara para sua área específica de estudos. O Pe. Meyer avistava em Anísio a vocação definida do químico. O Pe. Zimmerman o queria matemático e físico. Torrend lobrigava nêle o observador sagaz da natureza vegetal e animal, que muito importaria levar a ocupar-se em estudos especializados nesse campo. Pe. Ferreira o preferia voltado para a criação literária, que foi sempre em Anísio Teixeira um dote inquestionável e flagrante. O Pe. Cabral quis mais, quis Anísio jesuíta.

Com o fervor de sempre, a pureza de intenções e a firmeza em positivá-las, que foram traço personalógico de sua vida moral, Anísio Teixeira obstinou-se na idéia. Partiu ardorosamente para a decisão, que teria mais tarde de reformar: entraria para o noviciado da Companhia. Obstou-o o veto do pai, ainda vivo e venerado como um patriarca bíblico. Firme Anísio, durante anos, em seu propósito de abraçar a vida religiosa, partiu a conhecer lugares santos; visitou Roma e o Papa, que pessoalmente o abençoou; abrigou-se a meditar à sombra do castelo de lnácio de Loyola na Espanha. Firme, de sua parte, o pai ancião em contestá-lo, em contrariar-lhe, definitivamente, o voto de fidelidade à sua empenhada vocação para o sacerdócio.

Anísio, com efeito, nada tentaria e nada faria sem luta. Alistado na Companhia aguerrida, fá-lo-ia para empenhar-se em acesos combates, que travou sempre em campo aberto e de peito descoberto, proclamando em voz clara, alto e bom som, as suas convicções. Foi assim ao longo da vida. Afirmado e combatido, exaltado e exprobado, amado e perseguido, Anísio Teixeira não conheceu meios têrmos. Nem para morrer. Como reformador da educação, o maior que tivemos, do porte de um Sarmiento se o destino lhe fôsse menos adverso e a pátria mais reconhecida – combateu, combateu sempre. Teve adversários ostensivos e os teve na sombra – que, todavia, não o contraditavam. Taxavam-no, sem maiores análises, com as classificações ideológicas que mais comprometessem no ânimo dos mandantes. Em 30 o apontaram como "reacionário"; em 35 como "extremista de esquerda". O fato é que Anísio, homem feito nas lições de Rui, foi fiel tôda vida a seu catecismo democrático e a seu preceito básico: "Com a lei, pela lei, dentro na lei, porque fora da lei não há salvação". Jamais conspirou nem transgrediu nunca. Transgressão foi palavra que não existiu para êle, nem "em estado de dicionário". Reformador, isto o foi, e obstinadamente. Mas reforma pela educação foi o que sempre pregou. O progresso com ordem. A justiça social como produto do desenvolvimento, e com alicerces no Direito e na Liberdade. Precursor, por fôrça de seu gênio, as idéias que Anísio Teixeira converteu em ação na escola e na vida antecipavam-se, por vêzes de algumas décadas, à receptividade geral. Idéias e métodos avançados para o seu tempo chocavam-se com a mediocridade e a inércia do meio – por isso mesmo, de comum, adverso. Nunca teriam aceitação fácil. A regra foi sempre uma resistência multifária – ostentada ou passiva – a que Anísio oporia a sua tenacidade indomável, de pregador convicto, seguro do vigor do seu evangelho. A preamar chegava, em todo caso – quanta vez, para que a idéia e os planos que originàriamente foram seus, remontassem, quando vitoriosos, travestidos com outros nomes. Agora mesmo, a maré alta da reforma universitária é, trinta anos depois, o ressurgir da universidade de Anísio Teixeira: sua Universidade do Distrito Federal, extinta em 1939, depois reconstituída e ampliada com a Universidade de Brasília que ajudou também a fundar, e de que foi, como na outra, Reitor Magnífico. A mesma aversão ao privilégio e à inércia da cátedra; o sistema, já, de crédito e de períodos semestrais; de opções e flexibilidade de currículos, de provas objetivas, de inauguração larga e propícia da pesquisa. E a mesma brasileiríssima brasilidade.

A história do ingresso de Anísio nos arraiais da educação, de que se tornaria primus inter pares, merece ser recontada. Ocorreu ao tempo de Góes Calmon, eleito em 1923 para o govêrno da Bahia. À sua posse comparecia Anísio Teixeira a representar o velho pai, que ao mesmo tempo o fazia portador de carta com singelo pedido ao nôvo governador: a nomeação de Anísio, recente bacharel em direito, para a promotoria da comarca de Caetité, sua cidade natal.

Góes Calmon era um faiscador de vocações e talentos para a vida pública. Governaria com os moços que aliciava, inclusive, entre os estudantes das faculdades. No meio dêsses descobriria a Hermes Lima, que convidou para seu gabinete civil. Hermes, íntimo de Anísio, seu colega de internato no Antônio Vieira, depois no Rio contemporâneo seu na Faculdade de Direito, logo levou Góes Calmon a conhecer o texto de dois dos artigos do amigo, aparecidos no apagado jornalzinho da distante Caetité. O impacto daquele fluxo de idéias, denunciador de uma poderosa usina de pensamento, sôbre o governador recém-eleito foi decisivo e profético. Na primeira visita, que o candidato a promotor imaginou fôsse cerimoniosa e protocolar, Góes Calmon, paternalmente, reteve-o para o almôço em família. E quanto à pretendida promotoria, de pronto lhe declara: "Voltaremos a conversar amanhã, tenho cá outra idéia que não é a de deixar você retornar à sua cidade". No nôvo encontro, Calmon foi categórico: "Decidi, quero-o para meu Diretor de Instrução Pública". Anísio recebe de Góes Calmon, nos dias que se seguiram, a confirmação do convite que era, nas circunstâncias, uma ordem e o enquadrava num bêco sem saída. E diante de sua alarmada declaração de inteiro desconhecimento do tema em que o governador queria ocupá-lo, tem êste dois primeiro gestos: puxa da estante de sua biblioteca e recomenda a Anísio, para leitura imediata, o livro de Omer Buyse, que meses antes Antônio Carneiro Leão lhe ofertara, obra então recentíssima, avançada e reformadora para seu tempo; de par com isso, confia ao môço ainda semi-aturdido o texto de duas cartas que logo escrevera: uma para Afrânio Peixoto, outra ao mesmo Carneiro Leão, então Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal, a quem Góes Calmon conhecera pessoalmente, em recente passagem do saudoso administrador e professor de Educação por Salvador, em trânsito para a sua Recife. As duas cartas seriam entregues, no Rio, aos ilustres mestres por Miguel Calmon, amigo de ambos. Eram as tomadas de contato de que Anísio iria precisar para armar-se dos primeiros esclarecimentos e elementos de ação.

A Afrânio Peixoto quisera Góes Calmon para o pôsto em que agora investia o jovem bacharel. Dispunha-se o governador a renovar com altos valôres baianos a bancada do estado na Câmara Federal e visava, entre outros, a Afrânio para essa recomposição. Entendia o governador que, para acertar e justificar sua futura eleição, o aplaudido homem de letras deveria retornar por uns tempos à Bahia, e lá encarregar-se de uma tarefa de prol – êle que deixara a sua província logo a seguir à formatura de médico e viera diretamente para a fulminante consagração da metrópole. Afrânio Peixoto não achou meios de conciliar as próprias intenções com os planos do governador. O retôrno à Bahia para o compromisso de uma permanência longa à frente de seus serviços de educação contrariava o curso de um programa já assentado e triunfante, que lhe não aprazia interromper. Isso não obstou, diga-se, a deputação federal que Góes Calmon insistiu, ainda assim, em destinar-lhe, para honra e gáudio da terra mater.

A aproximação entre Anísio Teixeira e Afrânio Peixoto, iniciada daquele modo distante e epistolar, estreitou-se ao longo do tempo e cimentou-se em forte amizade, que a profunda admiração mútua fazia inestimável. Com a vinda de Anísio para o Rio em caráter definitivo, em 1931, a fraternidade de alma e pensamento que os dois mestres baianos cultivaram em todos os anos que se seguiram, de assiduidade lado a lado, religou-se de forma extrema. Anísio não dispensava Afrânio em nenhum passo que tivesse a cumprir na sua faina de remodelador da educação. Conduzido por êle, acedeu Afrânio Peixoto em integrar, em 1931, o elenco de mestres do novel Instituto de Educação, em que Anísio Teixeira e Lourenço Filho, também êste a chamado seu, transformaram a tradicional Escola Normal de Benjamim Constant. Grande transformação, que ajustava ao estabelecimento o modêlo do Teachers College da Universidade de Columbia, e que fazia preceder de inteiro ciclo ginasial e de intensivo curso básico, complementar do primeiro, a formação do professor primário da Capital da República. Assim se inaugurava auspiciosa etapa na formação de educador brasileiro, dignificado e alçado, pela formação recebida, à categoria de profissional de nível superior. Tal formação passava a incluir, em um ciclo pedagógico de dois anos, matérias – algumas ensinadas pela primeira vez no Brasil – como biologia educacional, sociologia educacional, psicologia educacional, história da educação (a disciplina confiada a Afrânio Peixoto), filosofia da educação, estatística educacional, higiene escolar, administração escolar, educação comparada e metodologia e prática de ensino. Anos depois, em 1935, era ainda Afrânio Peixoto quem Anísio Teixeira indicava ao Prefeito Pedro Ernesto para Reitor de sua recém-fundada Universidade do Distrito Federal, instituição que coroava a obra alentada do extraordinário educador na capital do país e imprimia rumos novos ao ensino superior brasileiro. Em verdade, foi o próprio Anísio Teixeira, também, êsse primeiro Reitor da Universidade do Distrito Federal, porquanto logo destinaria à Afrânio a missão de excursionar pelas universidades da França, a selecionar na metrópole do pensamento latino as grandes figuras do magistério superior com que se constituiu a notável missão universitária que enobreceu, com seu trabalho profundamente renovador, a corajosa criação de Anísio Teixeira.

Sobrevinha, entretanto, calamitoso episódio: a intentona comunista de novembro de 1935. Entre os muitos danos e perdas lamentáveis que o malfadado episódio acarretou, suscitaria mais êste: levava no roldão da onda da reação saneadora, que teria de provocar, a universidade nascente. Campo fértil da controvérsia e do debate, teria de ser alcançada pela avalanche das providências repressoras, radicais e prontas, que a intentona rechaçada teria de desencadear. Apontavam a Universidade do Distrito Federal como encerrando focos de perigosa doutrinação, extremista, que Anísio Teixeira, como seu criador e grande mentor, não soubera ou não buscara contrariar; responsabilizavam-no pela presença, na Universidade, de vozes representativas de um pensamento marxista militante e ativista. Além de que, chegavam a dizê-lo o mais influente assessor e conselheiro, a essa altura, de Pedro Ernesto, o então Prefeito que, antigo revolucionário de 30, esta mesma revolução agora repudiava, e sôbre quem tripudiava. Vê-se Anísio alcançado pelas medidas do primeiro instante, com sumário afastamento da cátedra e da direção da Secretaria de Educação, de que fôra igualmente o primeiro titular.

Aturdido e inconformado com o afastamento de Anísio Teixeira, Afrânio Peixoto, que o sabia inocente e defeso a qualquer extremismo, exonera-se do cargo de Reitor e toma a decisão que seria definitiva e inapelável. Seu protesto e seu desgôsto ante a injustiça, a incompreensão, ou desconhecimento que feriam o amigo, êle os quis traduzir num gesto radical e enfático: a recusa definitiva à participação, desde aí, na administração de seu país. A nenhum pretexto voltaria a exercer cargo público. Para resposta incisiva e rápida a qualquer nova consulta que recebesse de convocação a tais serviços, redigiu o cartão que conservava na carteira de bôlso, com êstes dizeres terminantes, que oferecia à leitura dos recalcitrantes:

"A experiência da vida, e da vida no Brasil, ensinou-me que não devo mais sujeitar-me, haja o que houver, à aventura do serviço público. Isto é escrito para recordar um "não" decisivo a qualquer tentação de amizade. Rio, 1 de dez. de 1935. Afrânio."

Do singular documento Afrânio Peixoto lançava mão quando lhe acenavam com qualquer forma de convite vinculado, direta ou indiretamente, ao estado. Aloísio Novis, nosso colega de universidade, tem hoje a posse do original dêsse extravasamento, que a nobre senhora, viúva do inesquecível scholar lhe confiou como peça preciosa.

A estima altíssima do grande Afrânio Peixoto a Anísio Teixeira jamais arrefeceu. Afrânio a sublinhava com um gesto de carinho reverente: saudava-o, a cada encontro, com um ósculo na face – maneira que lhe pareceu suprema de expressar o seu aprêço inexcedível. Duas dezenas de anos marcavam a diferença de idade entre êles, mas era nenhuma a distância em têrmos de grandeza espiritual. Nenhuma desproporção existia na medida dos dois talentos exponenciais. O fulgor da idéia; a inspiração, a agilidade daquela inteligência môça – no entanto sábia; a riqueza e a propriedade das suas análises; a originalidade da criação que aquêle cérebro privilegiado esmerilhava; a fôrça do pensamento que comunicava; a finura e fluência do estilo ágil e plástico; a extensão surpreendente do seu valor científico, da vocação humanista e evangelizadora – tudo irmanava, e mùtuamente encantava, ao polígrafo eminente que o Brasil inteiro consagrava, e ao extraordinário pensador de educação, que as vozes mais autorizadas não hesitam em alistar entre os grandes filósofos de educação dos tempos contemporâneos. A isto juntava-se, para a admiração enternecida do consagrado Afrânio, a invulgar capacidade de ação pessoal – e de acionar a outros – que fazia de Anísio Teixeira um líder e um reformador. Afrânio Peixoto contava-nos certa vez, em improviso com que o saudou a pedido de amigos, em comemoração ao aniversário de sua administração à frente da Secretaria de Educação, o espanto exclamativo de Medeiros de Albuquerque que, referindo-se a Anísio, miúdo de físico e tão gigantesco realizador, lhe dissera: "Seu Afrânio, como pode, num espaço tão pequeno, caber um dínamo tão grande".

Era assim o fascínio de Anísio Teixeira – que maior se fazia em proporção direta com a grandeza da inteligência e da cultura do interlocutor ou comparsa. Exercia-se sôbre homens do porte de Afrânio Peixoto e de Medeiros de Albuquerque. Ao medíocre era menos fácil deslumbrar-se com êle. Avantajava-se nos grandes o aprêço reverente, que nos espíritos mais à míngua desfazia-se em confusão, não raro em desestima e condenação primária e simplista. Para os grandes de espírito – um eleito. Para os medíocres – um visionário ou um desajustado, ou mesmo um subversivo.

Excepcional como foi Anísio Teixeira, seu julgamento teria de reclamar um fôro privilegiado. A êsse pretório qualificado pertenceram um Monteiro Lobato, um Medeiros de Albuquerque, um Vicente Licínio Cardoso, um Fernando de Azevedo, um Gilberto Freire, um Santiago Dantas. Que esplêndido serviço prestado à cultura e à educação será recolher e publicar a farta correspondência trocada entre Anísio Teixeira e alguns dêsses notáveis brasileiros! A correspondência havida, por exemplo, entre Anísio Teixeira e Monteiro Lobato daria um inteiro volume. E espetacular. Outro tanto poder-se-á dizer da correspondência com Fernando de Azevedo e o próprio Afrânio. Várias coleções de cartas haverá, trocadas entre Anísio Teixeira e outros homens eminentes da vida brasileira. As cartas, de Anísio Teixeira eram sempre peças lapidares, ricas no conteúdo, escorreitas e elegantes na forma. Cada um dos seus numerosos amigos guardará exemplares dessa farta e primorosa literatura epistolar, cuja divulgação seria obra meritória para uma instituição de cultura que se dispusesse ao empreendimento.

Anísio Teixeira, grandiosa figura humana, tinha, Magnífico Reitor, Senhores Conselheiros, a estatura dos grandes gênios tutelares da gente brasileira. Como foram Oswaldo Cruz e Carlos Chagas para a Saúde Pública, Anísio foi, nos quarenta últimos anos, o grande polarizador do interêsse nacional pela educação. Carneiro Leão, Fernando de Azevedo e Lourenço Filho precederam-no na ação messiânica. Mas Anísio Teixeira, sôbre aquêles vultos ilustres da nova educação, todos três seus amigos leais e companheiros na ação (com Fernando de Azevedo, felizmente, ainda contamos, vivo e atuante), teve a categórica ascendência que os próprios lhe abonavam, e decorria da verberação do seu talento, que a todos iluminava e inspirava. E um magnético poder de comunicação. De atrair valôres humanos. Atrair para conduzir. Agremiava e dinamizava. E a tudo ainda somou inaudita capacidade de ação. As leis da inércia excetuaram-se nêle. Frágil de físico – tamanhinho diamantino de gente – era, socialmente, poderosa alavanca que derruiu muralhas e soergueu cidadelas. Querido dos sábios – para os quais era um dêles, estimado dos puros e dos santos, teve, por exemplo, em Dom Augusto, venerado cardeal da Bahia, o amigo extremoso e o defensor zeloso nas horas (foram tantas) de incompreensão e injustiça que se abateram sôbre o inquebrantável batalhador pela causa da educação brasileira. Os homens de escol, aquêles verdadeiramente grandes, o exaltavam e comungavam com êle.

Registro um episódio dos últimos tempos, que lhe foi particularmente grato e devo especialmente relembrar: o do encontro de Anísio Teixeira como o Presidente Castelo Branco, em casa de Carlos Chagas, em recepção pelos esponsais da filha dêste eminente mestre universitário. O ínclito Marechal, que dia a dia mais assoma no reconhecimento e na admiração da nação brasileira, ao ser-lhe trazido Anísio Teixeira para uma apresentação protocolar, logo o toma pelo braço e se arreda com êle, risonho e esfuziante, para um canto de janela, lá ficando os dois, esquecidos do tempo, em animada conserva, viva e cordial. A Anísio o que mais o impressionara e não cansava de acentuar, ao contar-nos encantado o episódio, fôra o transbordamento afetuoso do Presidente – o tom de amizade pôsto na voz, denotado na brandura do olhar, na minuciosa atenção com que se demorou Castelo Branco a escutá-lo, a considerar as próprias posições tão análogas, sôbre a educação brasileira; os interêsses comuns, os pontos de vista maravilhosamente afins que revelava com os do insigne educador. Longa conversa de fiéis amigos, que jamais se haviam antes encontrado. Identificavam-se em têrmos de grandeza.

Era Anísio Teixeira, de fato, êste eleito dos grandes espíritos. Como os jesuítas que o quiseram em suas hostes, os militares – com êsses tão aparentados – haveriam também de querê-lo. Era Anísio Teixeira, em 1954, o Diretor do INEP, confirmado no pôsto pelo seu conterrâneo Antônio Balbino, então Ministro da Educação. Outro ilustre brasileiro, o Marechal Juarez Távora, comandava, a êsse tempo, a Escola Superior de Guerra e, no exercício dêsse comando, punha seu maior empenho em agregar ao corpo de estagiários da Escola figuras de comprovadas virtudes cívicas e atuação destacada no cenário brasileiro. Insistiu por ter Anísio Teixeira como integrante da turma de estagiários de 1954, como fizera a Carlos Lacerda, que chegou a figurar nessa turma. Entendeu Antônio Balbino de resistir à insistência de Juarez. Explicou-lhe a impossibilidade de declinar da colaboração inapreciável do co-estaduano à sua gestão no ministério. Era voz de que não queria prescindir na gênese de tôdas as suas decisões frente à pasta. Foi a relutância do Ministro que me levou a usufruir a oportunidade imerecida, vindo eu a substituir Anísio Teixeira no frutuoso estágio. Ocorreu a Antônio Balbino, companheiro de antigos tempos de vida estudantil na terra natal comum, a lembrança generosa de meu nome para cumprir a missão. Mas os mentores da Escola Superior de Guerra não abririam mão da cooperação ambicionada: tiveram Anísio a participar, como conferencista e debatedor, do denodado esfôrço de definição e equacionamento da problemática brasileira ali desenvolvido. Anísio foi mais de uma vez conferencista da Escola, como o foram, naqueles tempos, Temístocles Cavalcanti, Santiago Dantas e Hermes Lima para citar sòmente professôres de nossa Universidade. Diziam-me, na ocasião, Mamede e Muricy, destacados coronéis da enaltecida "Sorbonne" militar:

"Pode-se divergir de Anísio Teixeira no plano das idéias e discordar de suas linhas de ação; o que não se pode é deixar de ouvi-lo e considerar seus alvitres, porque procedem de uma excepcional inteligência e de um alto e nobre pensador."

Isto foi Anísio Teixeira. Um pensador iluminado, um patriota sincero, um autêntico homem de bem. Não haveria nêle o escritor "ferozmente brasileiro" da designação modernista de 1922; nunca também um Anísio desenraizado e cosmopolita. Não jungiu seu pensamento a convencionalismos nacionalistas; mas ninguém o superou em amor à terra do seu berço e à alma de seu povo, de que foi infatigável tecelão. Isto foi Anísio Teixeira: um tecelão da alma humana, da alma de sua gente. Um Anísio brasileiro e universal. Curvemo-nos ante sua memória augusta.

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MEU PRIMEIRO ENCONTRO COM
ANÍSlO TEIXEIRA *

Antônio Houaiss

Minhas senhoras e meus senhores,

Perdoai-me se vos roubar uns poucos minutos de vossa atenção. A natureza humana dêsse cuja memória nos reúne aqui é tão rica, que não nutro a ilusão de poder dar-vos sôbre êle aqui e agora mais do que um depoimento de caráter pessoal. É que muitos de nós poderíamos abundar em remembranças, revelações e avaliações, e ainda assim ficaríamos todos aquém da ação, da obra, da importância, da projeção, da influência, do sacerdócio educacional de Anísio Teixeira. Alguém aqui já o disse e disse bem: a história da educação no Brasil está por várias décadas indissolùvelmente vinculada à ação e pensação dêsse que, de modo tão cruel, nos foi tirado ao convívio, quando sua capacidade e vocação de servir e lutar a boa luta se revelavam ainda intactas, apesar de tantas incompreensões e infamações de que foi vítima e de tantos reveses que teve de curtir. Isso não lhe abalou, porém, nunca suas convicções democráticas mais fundas, nem sua certeza de que, pela ação educadora, o que é perfectível no homem – em particular no homem de suas cogitações e desvelos, o brasileiro – algum dia florescerá e frutificará. Educador acima de tudo, sôbre o educador e administrador é que se cifrará meu depoimento, válido, creio eu, em concretude, porque se limitará a um incidente, que para êle terá, porque intrínseco ao seu sentimento de dever e de justiça, sido esquecido em seguida – inscrito que estava dentre os atos normais de sua existência, incidente, porém, que marcou em definitivo a sensibilidade, a admiração e a gratidão de um menino – o velho que vos fala neste instante.

Rogo-vos assim que recueis em imaginação quarenta anos. E que tenhais em vista que Anísio Teixeira, apesar de então ser apenas um jovem homem, dirigia tôda a rêde do ensino público do então Distrito Federal, num dos momentos apicais de suas transformações. Peço-vos ainda que vivais pela mente um ambiente escolar – o da fazia pouco criada Escola de Comércio Amaro Cavalcanti, cujos alunos, filtrados em exame de admissão, eram crianças e jovens de famílias de poucas ou limitadas posses, num feixe etário algo singular, pois variavam, nos mesmos níveis de ensino e estudo, entre os treze até alguns que já haviam superado os vinte anos. A escola, graças a um número de excelentes professôres animados pela devoção de Anísio Teixeira, passava em breve a ser um centro de belíssima experiência educacional numa tentativa de autonomia escolar: grande parte de sua gestão era cometida aos próprios alunos, organizados em conselhos, desde os gerais, de que todos participavam, até os eletivos, em que, sem cassações, todos eram eleitores e elegíveis, conselhos que decidiam sôbre normas e medidas e sanções disciplinares, sôbre estímulos aos retardatários e atrasados, sôbre programas de estudos supletivos, sôbre atividades curriculares e extracurriculares, sôbre apoio aos menos ajustados, enfim, um mundo de vivências inesquecíveis que transformavam os alunos em elementos atuantes, entusiastas e felizes no convívio estudantil. O menino que, ora velho embora, vos fala fôra, por vontade quase unânime de seus colegas, alçado à condição do que era então chamado monitor-chefe, numa coletividade de mais de oitocentos alunos. Presidindo aos conselhos menores e maiores, imbuíra-se em pouco de todo um conjunto de problemas que a sua juvenilidade nem pudera sonhar existissem.

Imaginai, agora, o quanto de preconceitos e interêsses criados era solapado por tão temerária experiência. Imaginai, mais, que em breve o diretor da escola, identificado com o que nela se fecundava, era transferido de suas funções – saber-se-á por que? – e que outro, revestido de aura de ancianidade e de passado político, era investido naquela função. Imaginai, vos rogo, que não lhe foi possível compreender aquêle ambiente, tão destoante dos seus valôres e conceitos de estudo, disciplina, respeito, hierarquia. O entrechoque foi inevitável: retrocessos se fizeram sucessivamente sentir, até que a colisão se tornou ostensiva. Porta-voz do pensamento colegiado, o menino não se amoldava, transmitindo aos escalões administrativos, em representações várias, os protestos irresignados da coletividade estudante. Em pouco, o que fôra mera expressão de relações mùtuamente benéficas, passava à condição de indisciplina e rebeldia. E, elo individual, o menino é admoestado; é suspenso; é expulso. Na manhã seguinte, a totalidade dos alunos recusa-se a entrar na escola, postulando a revogação da medida disciplinar. O ambiente azeda-se, com repercussões na imprensa. Um, dois, três dias perdura a situação. Logo o menino é convocado para uma audiência da autoridade máxima do ensino carioca: Anísio Teixeira recebe-o sereno, sério, severo. Ouve-lhe as razões e as de que era intérprete. Emocionam-se ambos, o menino até as lágrimas. O educador despede-o, com conselhos e com um trato que os nivelava, iguais, na sua sofrida condição humana. Era aquilo, para Anísio Teixeira, uma gotícula do muito fel que a coragem de sua gestão lhe iria obrigar a tragar, na esperança sempre de poder oferecer ao meio educacional um pouco do seu sonho. À tarde, sabe-se que o diretor era transferido da escola; mas a êste preço: abandonava-se o experimento de autonomia escolar, que tão belas perspectivas poderia, de outro modo, ter aberto ao ensino carioca naqueles idos.

Em tudo, eu o vi bem no instante mesmo, o que prevalecera no espírito de Anísio Teixeira fôra a convicção de que não lhe era possível cortar a vontade de estudar que vira no menino, no longo diálogo que com êle entretivera. A seu ver, a necessidade de revogação de pena disciplinar era, no caso, o que importava acima de tudo. Pois ela iria permitir – como permitiu – que o menino prosseguisse nos estudos, com o que, se pagos, sua família, em conjuntura econômica difícil, não poderia arcar.

Nuga, rotina, incidente, o que quiserdes chamar, êsse é um momento que marcou para sempre uma vida infantil e que vive indelével no adulto; e êsse é um momento que, ainda que comum e precisamente por isso, define o homem Anísio Teixeira.

Podeis compreender a emoção com que o rememoro e a valia moral que sempre, em conseqüência, aprendi dar a Anísio Teixeira?

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ANÍSIO TEIXEIRA, A
LIBERDADE E O ANTICRISTO *

Marcos Almir Madeira

Anísio Teixeira foi um sócio em profundidade. Pelas inclinações do seu espírito, o sentido da obra e a atitude diante da vida, todo êle estava em nós, em nossos ideais, em nosso estilo, em nossos estatutos.

Somos, a partir do dia da fundação, uma casa para tôdas as inteligências. Em nossa bandeira juntam-se tôdas as côres do pensamento descontraído, todos os matizes da arte de pensar e de exprimir. E foi êle, como pensador, como escritor, um encantado pelo eterno plural que define a condição humana. Mais do que ninguém, terá compreendido que o senso de universalidade, a visão supranacional da política de trocas espirituais são os têrmos da nossa equação como grêmio. O modo de hoje – uma mesa-redonda que não acaba – é o sonho vivo da Confederação dos Pen Clubes; somos um compromisso de convivência intelectual extensiva. E quando, há três anos, falei ao próprio mestre nesse tom, êle expendeu aquêle sorriso miúdo, mas conceituoso (conceituoso era tudo nêle) e disse a bom dizer: "Êsse sentido de largueza na convivência é que é o meu sentido de política cultural."

Era bem assim. Entre a associação fluía uma afinidade: a filosofia globalista da promoção cultural, como expediente de congraçamento e, portanto, de paz. Paz não apenas engenhada pelos tratados, mas deduzida da cultura, como a quer a UNESCO, que êle também dignificou; paz em que "os povos falem aos povos", dando-se a ver, uns aos outros, em sua arte, em sua escola, em sua literatura; em sua ciência, em seu teatro e sua cozinha; em sua música e sua flora, em sua indústria e sua igreja. Dessa paz – em que a vida cordial entre as nações resulte da assimilação dos seus valôres – dessa paz durável, alvo de todos os Centros Nacionais do Pen Internacional, não duvidou nunca o filósofo da Educação progressiva.

Mas uma paz assim substanciosa – fundada no conhecimento e na difusão de modelos culturais – pressupõe o desembaraçado exercício do direito à informação, sem cuja garantia não terão sentido os projetos de permuta, de intercâmbio, de convivência intelectual.

Nos esquemas de política cultural globalista, a busca da fraternidade é de algum modo a busca da informação. Da conjugação dêsses valôres fêz o Pen Clube um dos seus fundamentos, vivo no desdobramento da sua produção e claro nos próprios estatutos, notadamente naquele art. 1.º, que incorpora a Declaração de Princípios de Copenhague, lançada em 1956.

Nesta altura, falando-vos do acesso à informação, penso na conquista vital que êsse direito envolve: a liberdade de ver sem susto, de confrontar sem mêdo, de pesquisar em segurança. Nenhuma liberdade se faz mais essencial à obra dessa concórdia que se busque nas matrizes da cultura; e Anísio Teixeira foi uma vida para a liberdade, desde logo porque lutou, falando, escrevendo, gerindo, pela libertação da própria escola, que jamais aceitou como privilégio. O espírito desta Casa é o espírito da sua obra. Os pilares da nossa motivação são as vigas da sua doutrina: o respeito e o estímulo à pluralidade das idéias, à paz entre as criaturas e os povos, à liberdade como fôrça imanente e imperativo da dignidade de ser, de pensar, de crer, de fazer, de dizer, de encontrar-se. Nada mais cristão. E cristã é tôda a sua obra, já sem falar da sua vivência, invejável nas manifestações do homem público, como exemplar do portão para dentro, na comunidade doméstica cheia de graça, de espiritualidade, de poesia intrínseca, de cristianismo sem rito nem forma, mas palpitante naquele permanente seminário das gerações, constelação de almas abertas entre si; almas de que era êle o pastor leigo, fiel ao seu culto da pessoa e de todos os sêres, devoto de uma santidade sem altar, claro no segrêdo da sua inteligência de conviver e de compreender a todos em tudo, esplêndido na sua religião sem mistério: a religião do homem livre, querendo para tôdas as criaturas a flor e o fruto de tôdas as liberdades cardiais a começar pela de responder ao anticristo – o estado totalitário ou estado-fôrça – com o argumento cristão do estado pelo indivíduo. Tal foi, no livro e na vida, a sua filosofia democrática da educação e do sentido do homem.

Já a tinha na sensibilidade de baiano jovem, impregnado das mensagens condoreiras de Rui Barbosa e Castro Alves, quando foi respirar, ainda como estudante, no clima de liberdade dos Estados Unidos da América.

Rodou a roda do tempo e um belo dia, como que para ampliar a consagração já internacional do pensador, do mestre, do escritor, eis a Universidade de Columbia a honrá-lo, e ao Brasil, com o alto prêmio de uma condecoração bem rara. Uma declaração a acompanha. É a eloqüência na concisão e muita justiça em poucas palavras. A esta Casa, núcleo brasileiro da Associação Mundial de Escritores, sob os auspícios da UNESCO, conforta agora recordar, em louvor do consócio inesquecível, essas outras vozes do Nôvo Mundo. Eis a verdade das palavras no ato certo de uma Escola livre:

"Mestre para seus alunos, seus colegas e seu paíscuja erudição ilumina a Educação em tôdas as Américas; líder, nas escolas e universidades do Brasil, cujo exemplo inspira os educadores pelo mundo inteiro; homem que ama tanto o saber, que devota a vida ao progresso do ensino e à melhoria das escolas:

Para honrar seus notáveis serviços à causa da educação internacional, para assinalar quanto nos orgulhamos do antigo aluno que se distinguiu, e para expressar a elevada estima que lhe dedicamos, o Teachers College lhe confere a Medalha por Serviços Relevantes".

Excelências, minhas senhoras, senhores.

Se é exato que a ignorância e a malícia atingiram Anísio Teixeira; se é verdade que as maquinações de anticristo o injustiçaram por vêzes, também é certo que o louvor da obra e do homem, tecido, no Brasil, pelas maiorias pensantes, afinal transpôs a barra e brilhou na proclamação justiceira dos continentes, para compensadora certeza de que também a gratidão dos homens, neste mundo cada dia mais comunicativo, acabou por expandir-se numa radiosa projeção transatlântica.

Somos hoje, nesta sala de todos, entre o luto e a saudade, o consôlo que fica.

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