LIMA, Haroldo. De Caetité a Anísio. Caetité, 2000. 4p.

DE CAETITÉ A ANISIO

Haroldo Lima

"Só existirá democracia no Brasil
no dia em que se montar no país
a máquina que prepara as democracias.
Essa máquina é a da escola pública."
Anísio Teixeira

Quando o Centenário de Anísio Teixeira é comemorado por todo o Brasil, Caetité se unifica e se revigora, para também reverenciar, de maneira particularmente carinhosa, a memória de seu filho mais ilustre.

Anísio nasceu ali, na praça da catedral, no sobrado que era de seu pai, o velho chefe político Deocleciano Teixeira. No firmamento do Brasil e das Américas apareceu assim, logo no alvorecer do Século XX, uma estrela de primeira grandeza, oriunda de Caetité.

Naqueles tempos, nossa cidade padecia de grande isolamento e atraso. Mas, em 1912, dois colégios aqui se instalaram, um o "Colégio Americano", protestante, que veio para cá sob os auspicíos de José Antônio Rodrigues Lima, o Coronel Cazuzinha, e o outro, o "Colégio dos Jesuítas", católico, que se achegou com o apoio do Monsenhor Bastos e do Dr. Deocleciano. Seus professores eram ótimos, diversos estrangeiros. Na época, só em Salvador havia dois colégios de qualidade semelhante.

E foi assim que o menino Anísio, depois de fazer as primeiras letras com D. Maria Teodolina das Neves Lobão e com sua tia, a professora Priscila Spínola, matriculou-se no Instituto São Luiz Gonzaga, que era o colégio dos Jesuítas de Caetité. Quando, mais à frente, foi estudar na "Bahia", que é como chamavam Salvador, já chegou ao Colégio Antônio Vieira com fama de estudante excepcional. A fama só faria crescer. Formado em advocacia, fbi por breve período promotor interino em Guanambi.

Mas logo Anísio se projetou em importantes cargos no setor de educação, na Bahia, no Brasil e no mundo. Com 23 anos assumiu o que hoje é a Secretaria de Educação da Bahia, procedendo à primeira reforma educacional feita no Brasil de todo um estado da Federação. Com 31 anos foi o que se chama de Secretário de Educação do Rio de Janeiro, sendo também o fundador da mais avançada universidade do país até então, a antiga Universidade do Distrito Federal. E com 46 foi, em Londres, Conselheiro para o Ensino Superior da Unesco, órgão das Nações Unidas. Sua contribuição na área educacional é portentosa, enquanto pensamento, e espantosa, enquanto ação prática. Recentemente, estudiosos, como a professora Clarisse Nunes, da PUC/RJ, mostraram que "tudo que se faz hoje em educação no Brasil remete a Anísio Teixeira".

Mas essa atividade incessante tinha uma meta precisa, a luta pela escola pública, universal e gratuita. Por ela Anísio se bateu como um gigante, conseguiu proezas de realizações e sofreu perseguições absurdas. Na repressão política de 1935, foi afastado da Secretaria de Educação do Rio de Janeiro e da Universidade do Distrito Federal, que foi fechada. Veio se esconder por aqui no sertão, na fazenda Gurutuba, do Coronel Francisco Pires de Oliveira, casado com sua irmã e madrinlia Evangelina, nas proximidades de Ituaçu, onde registrou, ern páginas sentidas, o isolamento forçado em que vivia: "No fundo deste sertão - escreveu - o silêncio e o deserto nos tornam humildes e pequenos. Ainda hoje, neste domingo - estou só, absolutamente só, há quatro semanas, em uma deserta fazenda - eu andei por veredas sem firn a não ouvir outro ruído senão o de pássaros, o que não é um ruído...". Sertanejo, e com capacidade intelectual superior, Anísio conhecia o sertão e a saga do sertanejo. A pedido de Teodoro Sampaio, aos 26 anos, fez uma exposição sobre o sertão e uma interpretação própria do espírito do sertanejo. Descreveu "a estação das chuvas", onde "as águas e a vegetação se encarregavam de fazer e desfazer cenários", concluindo que tudo aquilo dava "a impressão de uma terra em festa". Mas, observando as repercussões desastrosas das torrentes sobre o camponês desprotegido concluía: "Vencido e abatido pela grandeza desabrida da terra, o homem era a nota desolada dessa paisagem magnífica." A vida do sertanejo, no drama do sertão, disse Anísio, era "a vida de um forte e de urn atormentado", que era como subsistia "essa nobre e abandonada sub-raça de caboclos que labuta nos sertões".

A concepção educacional básica de Anísio Teixeira era a de um construtor de Nação. Educação para ele era o meio privilegiado de se formar uma Nação livre e poderosa. "O grande objetivo da educação, dizia, é formar a consciência nacional."

Inumeráveis foram as obras construídas sob a direção de Anísio Teixeira pelo país afora. Salas de aula, em centros, institutos ou grupos, contam-se aos milhares. E tudo de bom nível, porque Anísio era contra essa história de se ensinar no chão ou em pardieiros. Educação, para Anísio, precisa de prédios bons, aparelhamentos escolares, verbas de custeio, salários justos do professorado e professorado preparado. Dizia: "Depois da guerra nada é mais caro que a educação". E aos que achavarn que isto era ser visionário e estapafúrdio, certa vez respondeu: "...estapafúrdios e visionários são os que julgam que se pode formar uma Nação pelo modo por que estamos destruindo a nossa."

Anísio deixou marcas indeléveis no panorama educacional brasileiro. A Universidade de Brasília, construída com Darcy Ribeiro, e a rede pública escolar de Brasília, são das maiores no cenário nacional. O Centro Educacional Carneiro Ribeiro, com suas Escola Parque e Escolas Classe, em Salvador, é obra de repercussão internacional. E em nossa Caetité fincou o Instituto de Educação, que depois passou a ter o seu nome.

O obscurantismo nunca conviveu com o choque de luz que jorrava resplandecente da inteligência de Anísio Teixeira. A "usina de pensamento", de que falava Abgar Renault, só operava em liberdade. A última grande investida retrógrada havida entre nós, a do golpe de março de 1964, voltou-se contra Anísio. Tirou-o da direção do INEP, da CAPES, da Reitoria da Universidade de Brasília. O grande brasileiro teve que exilar-se. Foi quando recebeu dois convites para ministrar cursos nas universidades americanas de Columbia e da Califórnia. Em uma delas programou uma aula sobre vida urbana em cidade do interior do Brasil. E foi assim que na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, houve uma aula, magistral, dada por Anísio Teixeira, cujo tema foi, simplesmente, a sua e a nossa cidade de Caetité.

Lamentavelmente a obra e o pensamento de Anísio Teixeira foram adulterados, deformados e até ultrajados no tempo que se seguiu do golpe de 1964 e até agora, quando ainda são grandes as ameaças à escola pública, gratuita e de boa qualidade, sonhada por Anísio. A luta expressa no título de seu livro mais famoso, "Educação não é privilégio", continua de pé.

No centenário do nascimento de Anísio Teixeira, Caetité, "pequenina e ilustre", como ele a chamou, louva o talento de seu filho mais brilhante, descrito por Delgado de Carvalho como urn "vulcão de idéias", qualificado por Darcy Ribeiro, como "aquele, entre os muito inteligentes que conheci, que é o mais inteligente e o mais cintilante de todos". Caetité sente-se engrandecida com a contribuição dada ao Brasil pelo seu filho querido mais destacado, realça e vibra com seu exemplo de trabalho fecundo e modesto, e orgulha-se de tê-lo corno caetiteense.

Haroldo Lima, filho de Caetité, sobrinho de Anísio Teixeira, é deputado federal pelo PC do B/BA e exerce seu quinto mandato na Câmara dos Deputados.

 

"... Podemos ser capitalistas por contingência da
evolução histórica, mas ninguém mais o é por
convicção"

"...É fácil organizar um hospital sem doentes, uma
escola sem estudantes. A presença da vida é que
complica"

"...A infância que freqüenta escolas de um turno,
está abandonada em metade do dia; entre nós quase
toda a infância, com exceção da de família
abastada, é infância abandonada "

"... Realmente, parece que algo incoercível compele
o país a fazer do público o privado, a dar ao privado
as regalias e privilégios do público "

"... A escola primária tem de ser a mais importante
escola do Brasil, depois a escola média, depois a
escola superior "

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