FIALHO, Nadia. Anísio Teixeira palavra e luz. Revista da Bahia. Salvador, v.32, n.31, jul. 2000. p.38-53.
Anísio Teixeira palavra e luz
Nadia Fialho
Há luz. Quando um educador reúne, com ética e dignidade, as qualidades do conceber a educação com as da luta permanente por fazê-la alcançar, sem distinção, a todos, a sua palavra não cala nem perante a sentida ausência nem diante dos obstáculos que tanto nos desafiam. Anísio é palavra e luz. Luz que nos fala, fazendo-nos renascer, junto com as comemorações do centenário do seu nascimento. Acolhidos numa obra preservada pela dedicação de tantos, procuramos reerguer as perspectivas de um caminho que só pode ter compromisso com os mesmos princípios que nortearam as suas escolhas, num profundo reconhecimento do valor do trabalho que Anísio nos legou e que o tempo não nos faz esquecer.
Anísio Spínola Teixeira, filho de Deocleciano Pires Teixeira e Anna Spínola Teixeira, nasceu a 12 de julho de 1900, na pequena cidade de Caetité/Bahia, de onde saiu, aos 14 anos de idade, para dar continuidade a seus estudos, na capital. Desde o Instituto São Luiz Gonzaga, em Caetité, e, posteriormente, em Salvador, no Colégio Antônio Vieira, recebeu grande influência dos jesuítas, sobretudo decorrente da convivência com o Padre Luiz Gonzaga Cabral (1866-1939), figura de destaque na formação espiritual do jovem Anísio. Aos 22 anos, diploma-se pela Faculdade de Direito da Universidade do Rio de Janeiro. Conclui, em 1929, curso de pós-graduação nos EUA. Casa-se, em 1932, na cidade de Sào Paulo, com Emília Telles Ferreira, com quem teve 4 (quatro) filhos: Marta Maria, Anna Christina, Carlos Antônio e Jos6 Maurício. Brilhante, como aluno, despertava a atenção de professores, amigos e colegas. Admirados, não foram poucos os que pretenderam sugerir-lhe caminhos. As expectativas dos jesuítas, como as de seu pai, que o queria na vida política, ou mesmo a de seus professores, que nutriam esperanças de vê-lo em variados campos do conhecimento, explicam a intensa trajetória de reflexões que empreenderia no sentido das suas próprias perspectivas.
A vida de Anísio é, também, expressão de uma permanente indagação quanto a sua trajetória intelectual, acadêmica, religiosa e política. Indagação que, sem cessar e de modo exemplar, submete a familiares e amigos, através de cartas, na constante dinâmica das reflexões que realiza, em face das decisões que sente recair sobre si.
Educação não é Privilégio
É nesse caminhar que, surpreso, recebe, e inicialmente recusa, o convite do governador Góes Calmon para assumir a Diretoria da lnstrução, na capital. Considera-se despreparado para a função que Ihe estava sendo designada, num momento em que pretendia assumir, na sua região, uma vaga na Promotoria Pública. Nomeado em 1924, é convencido, finalmente, a aceitar. Num exercício ímpar de desprendimento pessoal, Anísio se coloca, a partir de então, nos mais variados momentos da sua trajetória profissional, a serviço da educação, seja para pensar o município, o estado ou o país, seja para considerar a escola ou a universidade, seja para atuar no Brasil ou no exterior. Num trecho de carta dirigida a seu pai, de 18 de novembro de 1927, revela a dimensão do compromisso que sentia assumir por toda uma vida:
A nomeação com que me surpreendeu o Dr. Calmon no princípio do seu governo, marcou a minha carreira. E hoje, por gosto e pela orientação que têm meus estudos, pretendo não me afastar mais do campo da educação onde comecei a minha vida.
Na condição de Inspetor Geral da lnstrução, Anísio viaja para a Espanha e Paris (em 1925) e, posteriormente, Estados Unidos (em 1927), ocasião em que entra em contato com os estudos de John Dewey e a vida educacional norte-americana. Como que reencontrado em suas as pirações intelectuais, filosóficas e científicas, Anísio retorna, nos anos 1928-1929, para a conquista do título Master of Arts, no Teachers College of Columbia University, dela recebendo, anos depois, a Medalha por Serviços Relevantes. O contexto social, cultural e político da sua época, longe de representar uma trajetória transitada num clima de calmaria, reserva-lhe, pelo contrário, o confronto com inusitadas suspeitas e arneaças, fruto, no mais das vezes, de idiossincrasias nascidas no rastro da ignorância e da pequenez perante projetos educacionais inovadores.
Por ocasião do seu retorno Bahia, em meados de 1929, sendo já governador Vital Henrique Batista Soares, vendo-se impossibilitado de implementar as novas propostas no campo da educação, Anísio renuncia à Inspetoria de Ensino. Nomeado, então, para ministrar Filosofia e História da Educação, na Escola Normal de Salvador, passa a dedicar-se ao magistério, recusando-se, também, à carreira política, pretensão descartada de início, ainda na Bahia, e inútil aspiração dos que pretendiam levá-lo à Câmara Federal como deputado. O retorno à Diretoria de lnstrução tampouco se verificou, tendo Anísio voltado à terra natal em 1930, onde permaneceu, por um bom período, afastado dos problemas que caracterizavam o ambiente político, em muito incompatível com os princípios conviventes que nutria. Após a morte de seu pai, decide ir para o Rio de Janeiro, assumindo, em 1931, a Diretoria da Educação do Ministério da Educação (Diretoria da lnstrução Pública do Distrito Federal), a convite do prefeito Pedro Ernesto Batista.
No período de 1931 a 1935, é bastante sua atuação no Rio de Janeiro para projetá-lo nacionalmente como uma das maiores expressões da educação brasileira. Entre as suas mais famosas iniciativas, Anísio concebe e implanta uma rede municipal de ensino que vai da escola primária à universidade, desafiando todos os parâmetros tradicionais do sistema até então vigente. Transforma a antiga Escola Normal nos Institutos de Educação e redefine, ainda, a própria disposição físico-espacial das instalações educacionais, alterando a sua arquitetura; promove a ampliação do número de matrículas, gerando maiores oportunidades para o acesso à educação; concebe e implanta novas alternativas para o aperfeiçoamento de professores e outras inovações como na área das artes e da cultura; instala as chamadas Escolas Técnicas Secundárias e cria, em 1935, a Universidade do Distrito Federal-UDF, cujo primeiro Reitor foi o Prof. Afrânio Peixoto. Desejoso de firmar novos padrões universitários, estimula a contratação de professores estrangeiros, fortalecendo a vida universitária na convivência saudável das idéias e experiências, no convívio de estudantes, mestres e doutores, e, na perspectiva da sua concepção da universidade, vendo-a como uma instituição voltada para a formacão e o desenvolvimento da cultura nacional.
Integrado a um grupo de educadores e intelectuais como Afrânio Peixoto, Lourenco FiIho, Monteiro Lobato, Mário Casassanta, Almeida Júnior, Carneiro Ledo, Azevedo Amaral, Júlio de Mesquita Filho, Cecília Meirelles, entre outros, tanto Anísio como Fernando de Azevedo empreendem a luta que conduz à afirmação dos princípios expressos no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, dividindo, radicalmente, os progressistas e os conservadores, nos vários segmentos da educação brasileira. Como um programa de reconstrução educacional, a tarefa que se configurava exigia fôlego e os anos seguintes não desmentern as previsões.
No final de 1935, Anísio apresenta ao prefeito Pedro Ernesto a sua demissão e retorna, mais uma vez, à terra natal, onde permanece por cerca de 10 (dez) anos, afastado da vida pública. Na carta que dirige a Pedro Ernesto, é explícito:
Exmo. Sr Prefeito:
Pela conversa que tive, ontem, com vossa excelência, pude perceber que a minha permanêncla na Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal constituía embaraço político para o governo de Vossa Excelência. Reiterei, imediatamente, o meu pedido de demissão, que esteve sempre formulado, porque nunca ocupei incondicionalmente esse cargo, nem nenhum outro, mas o exerci, como os demais, em caráter rigorosamente técnico, subordinando a minha permanêncla neles à possibilidade de realizar programas que a minha consciência profissional houvesse traçado. (...)
Em 2 de dezembro de 1935, a resposta do prefeito chega-nos, preenhe de reconhecimento:
Meu prezado amigo Dr: Anísio Teixeira - Cordiais abraços.
No momento em que me vejo privado da sua colaboração em meu governo, após quatro anos de uma dedicação inexcedível, cumpre-me deixar bem claro o alto apreço em que o tenho como educador exemplar e culto, como cidadão probo e patriota, como administrador de segura visão e de rara envergadura. Dou o meu testemunho da veracidade de quanto afirma em sua carta, pois do nosso convívio pude perceber que o Secretário de Educação e Cultura do Distrito Federal foi sempre adverso aos movimentos de violências e foi sempre um apaixonado apologista da verdadeira democracia. Sou suspeio para fazer elogio da sua obra e das suas fecundas realizações. Mas o povo da Capital da República, na sua serenidade e na sua imparcialidade, já julgou a sua obra e a sua personalidade, sentindo e apreciando o seu grande esforço pelo progresso educativo do Distrito Federal. Homens de responsabilidade e de projeção no continente sul-americano, altas autoridades de governo, não puderam ocultar o entusiasmo e a admiração por tudo quanto viram e observaram no setor da administração entregue à sua incontestada competência. (...)
Em 1946, convidado pelo primeiro secretário executivo da United Nations Educational and Cultural Organization - UNESCO, Julien Huxley, para exercer o cargo de Conselheiro Superior/UNESCO, decide por acatar, por um período determinado, a proposta, recusando-se à participação em caráter permanente. Huxley, biólogo inglês, primeiro diretor da UNESCO (1946-1948), era neto de Thomas Huxley (1825-1895) e irmão de Aldous Huxley (1894-1963), autor de Admirável Mundo Novo (1932). Ao vir ao Brasil, em busca do contato com Anísio, disseram-lhe não saber de quem se tratava, e indicaram, em seu lugar, dois outros nomes para o cargo da UNESCO. Huxley decidiu, então, encaminhar, por carta, o convite diretamente à Anísio. Após um ano de dedicação à UNESCO, Anísio retorna ao Brasil para dar continuidade à sua carreira como educador, em prol das camadas populares e da democracia, duas diretrizes que jamais o abandonarão.
Com a mudança do quadro político na Bahia, o governador Otávio Mangabeira convida Anísio para secretário da Educação e Saúde do Estado. Aceito o convite, Anísio dá início a uma série de transformações no sistema educacional, atuando diretamente junto ao Poder Legislativo para assegurar as mudanças necessárias. Em 1947, lidera as sessões de debates na Assembléia Legislativa no estado, durante a Constituinte, discutindo a autonomia para a educação na Bahia. Firme, seu pronunciamento contém o vigor de uma atualidade que ainda nos desafia, como vemos nos trechos a seguir destacados do seu conjunto:
Senhor Presidente, Senhores Constituintes, Meus senhores:
Honrado pelo convite desta AssembIéia, compareço hoje a esta casa, para encarecer a aprovação do Capítulo de Educação e Cultura do Projeto de Constituição, elaborado pela sua Comissão de Constituição.
Confesso que não venho, até aqui, falar-vos sobre o problema da Educação, sem certo constrangimento: quem percorrer a legislação do país a respeito da Educação, tudo aí encontrará. Sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e, em nenhum outro tão pouco se realizou. Não há, assim, como fugir a impressão penosa de nos estarmos a repetir (...)
Somente uma ocasião como esta me obrigaria a vir repetir idéias que todos sabem e conhecem. (...). Esta hora, que é da maior gravidade para o mundo e para o Brasil. Para o mundo, porque chegamos àquele ponto em que a própria divisão do planeta em nações se tornou incompatível com a Paz, e isto nos compele à necessidade inelutável de sua organização política em termos globais. E, para o Brasil, porque pela terceira vez, estamos a enfrentar o problema de implantar a democracia no país. Pela terceira vez, estamos tentando fundar a República. É natural que não queiramos falhar, é natural que, desta vez, fundemos realmente a democracia. (...). A democracia é assim, o regime em que a Educaçãdo é o supremo dever, a suprema função.(...). Há 4 tipos de Governo, dizia-nos o professor Russel, da Universidade de Colúmbia: há o Governo dos ignorantes pelos ignorantes, que é tirania; há o Governo dos que sabem pelos ignorantes, que significa revolução práxima; há o Governo dos ignorantes pelos que sabem, que é despotismo benevolente; e há o Governo dos que sabem pelos que sabem que é Democracia. Que tivemos até hoje? Quando muito, despotismo benevolente, o Governo dos ignorantes pelos que sabem ou pretendem saber. E isto por que? Porque não fizemos da educação o serviço fundamental e básico do Estado. (...). Naquela época aqui na Bahia, já tínhamos até a nossa Escola Normal, isto é, a formação profissional de mestres primários, que a América só iria conhecer anos depois. Na Bahia, começamos pois tão cedo, ou mais cedo do que eles; mas enquanto na América a solidez de seus movimentos retirava sua força da seriedade puritana e cívica de suas origens, nós, aqui, plantávamos na areia móvel de nossas tradições de aventura e de incerteza. A escola sempre foi um dos deveres mais relegados e menos sérios do Poder Público; a polícia, a cadeia foram sempre mais importantes do que a escola pública.
Mesmo hoje, no Estado da Bahia, gasta-se mais com as suas forças de terra do que com todo o professorado primário, secundário e normal! (...).
Falamos uma língua em voz alta e outra em voz baixa. Temos uma língua para as festas e outra para a intimidade. Uma para o povo, outra para o estrangeiro e outra para os nossos "iguais".
No referido texto constitucional, Anísio faz incluir, também, a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia. Instância de tão larga importância para qualquer perspectiva que se dê à questão do desenvolvimento da competência científica e intelectual do estado, abriga, além disso, o mais substantivo da trajetéria de Anísio: tal como dizia - só educa quem é educado - também entendia que só o profundo conhecimento da realidade social é capaz de alicerçar ações de caráter pertinente e duradouro. Aqui residiam as aspirações de um intercâmbio científico inédito no estado da Bahia junto, inclusive, a diversas instituições universitárias e de pesquisa internacionais, imprescindível para instalação de competências como as que estão sendo exigidas pela atual legislação, a exemplo das normas destinadas à pós-graduação, emitidas pela CAPES, órgão criado, também, por Anísio.
É a história, marcando, em seus déficits, a forma cruel com que as instituições baianas e nordestinas tiveram subtraídos, até hoje, os níveis de titulação e de oferta da pós-graduação stricto sensu que as universidades do sul e do sudeste do país puderam. construir ao longo de suas trajetórias, com o apoio de medidas idealizadas pelo educador baiano.
Criada, a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia o teve como seu secretário-geral, até ser, mais uma vez, chamado a atuar no Distrito Federal. Sessão do Conselho Diretor, a 9 de maio de 1951, aprova os Estatutos da Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, expressando, no capítulo dedicado aos fins e objetivos:
Art. 1º- A Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, criada pela Lei nº 347 de 13 de dezembro de 1950, do estado da Bahia, com autonomia administrativa e financeira, destina-se a coordenar, estimular e assistir a pesquisa e o trabalho clentífico, em todos os seus ramos, concorrendo para o desenvolvimento da ciência por todos os meios a seu alcance.
Art. 2º- Para realizar os objetivos constantes do artigo anterior a fundação, com sede e foro na cidade do Salvador, manterá as seguintes atividades:
a) um centro de informações científicas tão completo quanto possível, especialmente do estado e do país;
b) o patrocínio, promoção e custeio de estudos e pesquisas, isoladamente ou por meio de ajustes e contratos com entidades oficiais on particulares, nos diversos campos da ciência;
c) um serviço de bolsas de estudos e de pesquisas, dentro e fora do país, bem como de cursos especializados e conferências culturais, isoladamente ou mediante ajustes e contratos, com entidades oficiais ou particulares;
d) um serviço de intercâmbio cultural e outras formas de cooperação científica.
Esta fundação, que funcionou até meados da década de setenta, acabou por ser transformada no Centro de Planejamento e Estudos - CPE, do governo estadual. Posteriores reformas administrativas na estrutura do estado, dela lhes retiraram função substantiva, on seja, trabalhar com o incentivo à pesquisa. Na Constituição Estadual de 1989, a idéia é revivida no dispositivo que prevê a criação da Fundação de Amparo à Pesquisa - FAP, época em que, tanto os setores oficiais da educação nacional e como as representações dos fóruns setoriais das universidades, convergiam para o reconhecimento das FAP's como órgao de intermediação junto às agências CAPES e CNPq. Sem nunca ter sido instalada, é retirada, dez (10) anos depois, do texto constitucional, em 1999. Pronunciamento do Prof. Milton Santos na Assembléia Legislativa da Bahia, em 1999, sustenta o apelo da comunidade universitária e científica em defesa da implantação da fundação. Durante todo esse período, o CADCT, sem se constituir como órgao de representação das universidades e demais segmentos educacionais, ocupou o espaço destinado à FAP/BA, representando, perante as agências federais, a rede de entidades do circuito da ciência e da tecnologia no estado.
Outra grande iniciativa do educador baiano, de reconhecimento internacional, foi a idealização e a implantação, em 1950, do Centro Popular de Educação Carneiro Ribeiro, a chamada Escola Parque, na cidade de Salvador, no bairro da Liberdade. Voltada para a educação integral da criança, integrava socialização e cidadania, condição alimentar das crianças, atividades artísticas e esportivas e a preparação para o trabalho. No ato da inauguração, seu pronunciamento reveste-se de pura coragem cívica para enfrentar o desamparo social e psicológico a que se viam submetidas as crianças pobres da Bahia:
Senhor Governador:
Este é o começo de um esforço pela recuperação, entre nós, da escola pública primária.
Três pavilhões, três grupos escolares, vão ser hoje inaugurados por V Exa., partes integrantes de um Centro Popular de Educação, a que houve por bem V Exa. de designar Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em homenagem ao grande educador baiano.
A construção desses grupos obedece a um plano de educação para a cidade da Bahia, em que se visa restaurar a escola primária, cuja estrutura e cujos objetivos se perderam nas idas e vindas de nossa evolução nacional. (...).
Os brasileiros, depois de trinta, são todos filhos da improvisação educacional, que não só liquidou a escola primária, como invadiu os arraiais do ensino secundário e superior e estendeu pelo país uma rede de ginásios e universidades cuja falta de padrões e de seriedade atingiria as raias do ridículo, se não vivêssemos em época tão crítica e tão trágica, que os nossos olhos, cheios de apreensão e de susto, já não têm vigor para o riso ou a sátira.
É contra essa tendêncla à simplificacão destrutiva que se levanta este Centro Popular de Educação. Desejamos dar, de novo, à escola primária, o seu dia letivo completo. Desejamos dar-lhe os seus cinco anos de curso. E desejamos dar-lhe seu programa completo de leitura, aritmética e escrita, e mais ciências físicas e sociais, e mais artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Além disso, desejamos que a escola eduque, forme hábitos, forme atitudes, cultive aspirações, prepare, realmente, a criança para a sua civilização - esta civilização tão difícil por ser uma civilização técnica e industrial e ainda mais difícil e complexa por estar em mutaçãdo permanente. E, além disso, desejamos que a escola dê saúde e alimento à criança, visto não ser possível educação no grau de desnutrição e abandono em que vive.
Em 1951, Anísio deixa a Bahia para, a convite do ministro Ernesto Simões da Silva Freitas Filho, assumir a Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, como seu secretário-geral. É Anísio quem transforma a campanha na atual Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, órgão do Ministério da Educação e é ele ainda que, no ano seguinte, assume também o então Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP, criado pela Lei 378, de 13 de janeiro de 1937, ali permanecendo de 1952 a 1964.
Em 1972, o INEP passa a denominar-se Instituto Nacional de Estudos e lnformações, dando início ao Programa Anísio Teixeira, com a realização de um levantamento da situação educacional do país. No ano passado (1999), o INEP divulgou resultados de pesquisa realizada, confirmando a gravidade de um quadro há muito objeto das preocupações do educador e administraclor público Anísio:
as principais características das desigualdades regionais do sistema educaclonal brasileiro enfatizam as diferenças sociais e econômicas entre as regiões mais desenvolvidas (Sul e Sudeste) e as mais atrasadas do país (Norte e Nordeste); a evolução posItIva dos principais indicadores educacionais não se deu de forma homogenea nem seguiu o mesmo ritmo em todas as regiões, ampliando a distância entre os estados mais desenvolvidos do Sul e Sudeste e os estados mais pobres do Norte e, sobretudo, do Nordeste; aprofunda-se o grau de desigualdade regional e interestadual, especialmente em relação aos indicadores de analfabetismo, atendimento escolar, transisãdo (promoção, repetência e abandono), gasto por aluno, perfil do magistério público e desempenho dos sistemas de ensino no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB); a melhoria global dos indicadores educacionais verificada em todo o País na última década não se refletiu na redução dos desníveis regionais e interestaduais, ao contrário, o grau de desigualdade regional vem se aprofundando.
É a palavra de Anísio que não recua e chega, aos nossos dias, através, até, da confirmação das tendências que, desde sua época, já antevia com responsável exatidão. É o rigor, o cuidado inabalável pela educação verdadeiramente democrática, uma luta que vai se expressar, também, na LDB, pela análise, artigo a artigo, da proposta do texto legal. Ele deixará, como testemunho, inúmeros registros, como o que recortamos, a seguir, expressos, em 21 de julho de 1959, na correspondência dirigida a San Tiago Dantas:
Embora cumpra reconhecer que o consagrado pela subcomissão é melhor que o chamado substitutivo Lacerda, devo-lthe dizer que, a meu ver, parcela substancial de obscuridade intencional está sendo mantida no projeto, para que se possa conseguir, na interpretação ou na regulamentação da lei, aquilo que não se consegue aprovar a plena luz do debate legislativo.
Sendo veja:
"Art. 1º- A educaçãao nacional... tem por fins a compreensão dos direitos e deveres da criatura humana, da família, do cidadão e dos grupos sociais que integram a sociedade;"
Que quererá dizer isto? que é ter por fim a compreensão dos direitos e deveres? Que será em lei esta expressão: criatura humana? Que serão esses "grupos sociais"? E seus direitos e deveres?
Nào lhe parece clara a intenção de levar para a lei uma terminologia imprópria e obscura?
Luta de um Anísio que não hesita, também, diante do confronto com os segmentos religiosos representados no Manifesto dos Bispos (1958). Em resposta, ele próprio havia distribuído um documento, sem reticências, à imprensa, reafirmando sua postura como educador e como administrador público. E um expressivo contingente de mais de 500 educadores, cientistas, artistas e intelectuais subscrevem um manifesto em sua defesa.
No Rio de Janeiro, ainda, cria o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais - CBPE, órgdo responsável pela realização de estudos históricos, antropológicos, estatísticos, sociológicos e educacionais sobre a realidade brasileira, além de diversos centros de pesquisa, distribuídos pelas cidades de Belo Horizonte, Recife, Salvador, São Paulo e Porto Alegre os quais, à exceção do de Salvador, articularam-se diretamente às universidades de seus estados.
A universidade que chega, então, a nova capital do país foi, também, uma realização de Anísio, junto com Darcy Ribeiro e com o apoio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC, a qual fará realizar, em julho próximo, em Brasília, a sua 52ª Reunião Anual, tendo como tema "O Brasil na sociedade do conhecimento: desafio para o século XXI". Um tema que só nos recordará Anísio: Seria mais fácil se houvéssemos começado mais cedo, conforme nos disse, em 1963.
A Universidade de Brasília, criada em 1961, pelo presidente João Goulart, conheceu inúmeras resistências, oriundas tanto dos receios quanto à atuação estudantil (posição encabeçada por Israel Pinheiro) como dos interesses da implantação simultânea de um outro projeto, o da universidade católica, sob condução dos Jesuítas (posição defendida por Dom Helder Câmara). Foi seu primeiro Reitor o Prof. Darcy Ribeiro e Anísio, como seu vice-reitor, sucedeu-o na Reitoria quando do desligamento do então Reitor para a Chefia de Gabinete Civil da Presidência da República.
Afastado, pelo Governo Militar de 1964, do cargo de Reitor, Anísio embarca para os Estados Unidos onde assume, na condição de professor visitante, a docência na Columbia University (1964), na New York University (1965) e na University of California (1966). Anísio retorna ao Brasil, re-integrando-se ao Conselho Federal de Educação, até a conclusão do seu mandato, além de tornar-se consultor da Fundação Getúlio Vargas - FGV e de retomar seus trabalhos de editoração junto à Companhia Editora Nacional.
Para Educadores, Anísio é Palavra e Luz
Entre os desafios para superar a burocracia que estagna a esperança, o Programa Nordeste de Pesquisa e Pós-Graduação, através do Projeto Meméria da Educação na Bahia, objeto de convênio entre a UNEB e o CNPq, e sob coordenação das Profas. Maria José Marita Palmeira e Jaci Maria de Menezes, traz a perspectiva da implantação de um Banco de Dados Hipermídia, apresentado, em 1999, ao CADCT, para fins de financiamento.
Centro de referência das obras de três grandes expressões na Bahia (Anísio Teixeira, Navarro de Britto e Isaías Alves), o Banco de Dados disponibilizará as obras desses educadores, através da Internet. Será possível ampliar, inclusive, o acervo da Biblioteca Virtual Anísio Teixeira, organizada pelo CNPq, reunir e disponibilizar o acervo de Navarro de Britto e o de Isaías Alves, o qual encontra-se ern situaçãpo mais grave, em face das precárias condições de guarda e preservação. A história articula a trajetéria desses três educadores: em 1967, Anísio participou, na UFBA, da Conferência Nacional de Educação, quando, então, era secretário da Educação o Prof. Luiz Navarro de Britto. Por sua vez, em entrevistas realizadas para o Projeto Memória da Educação na Bahia, [desenvolvidas]... pela... CPE durante o ano de 1982, figuras eminentes colocaram: - "Anisto pensou, mas quem, realizou foi Isaías Alves"...
O Projeto, que já viabilizou a identificação e a classificação de mais de 6.000 (seis mil) títulos sobre educação na Bahia, concluiu a digitação da obra já esgotada - fontes para o estudo da educação na Bahia, do Prof. Luis Henrique Dias Tavares, com referências desde a época do Descobrimento até a década de 50 (com mais de 800 páginas, contém referências bibfiográficas e ementários) e está finalizando a digitação da legislação da Bahia, no âmbito da educação, relativa ao período de 1920 a 1980.
Para conhecer as experiências que a Bahia realizou, para analisar seus êxitos e seus desacertos, para aprender com eles, é preciso ter acesso a base de dados. A riqueza das informações ainda existentes corre o risco de tornar-se irremediavelmente perdida ou dispersamente armazenada, em locais de difícil acesso. Perderam-se, por exemplo, os dados por municípios oriundos das Campanhas Estatísticas das décadas de 60, 70 e 80, realizadas pela SEC/BA, em articulação com o MEC e o IBGE que não foram publicados no Anuário Estatístico editado pela SEPLANTEC; os estudiosos da educação desconhecem a existência de dados resultantes de diversas pesquisas bianuais, realizadas desde 1990, através do Sistema de Avaliação do Ensino Público - SAEP, atual SAEB, que cobriu o estado e que fornece informações sobre o desempenho dos alunos no ensino fundamental, nas diversas áreas do currículo; não estão, também, registradas, de modo a dar visibilidade para um público interessado e para apoiar o planejamento de ações de intervenção, as diversas experiências e inovações de iniciativa dos municípios e do estado na área da educação, como é o caso da reorganização do ciclo de estudos do ensino fundamental, em Salvador e Itabuna; da democratização da gestão em Salvador; das experiências de avaliação do rendimento escolar, desenvolvidas, por Salvador, independentemente, e em articulação com a UNDIME - Nordeste, realizada em 1993, 1995 e 1997; das experiências de parceria com governos municipais e ONG's, desenvolvidas na área da educação pela Fundação Clemente Mariani, pela Fundação Odebrecht e por outros órgãos e instituições.
Um educador sabe da importância da informação, núcleo de todo o seu trabalho e atividade profissional. As questões colocadas pela contemporaneidade, numa sociedade do conhecimento, não podem cogitar atitudes de negligência ou justificativas de falta de recursos em áreas que precisam adquirir, com rapidez, competência intelectual para fazer frente aos desafios da exclusão social que se estrutura, fortemente alimentada pelo processo de internacionalização da economia. Palavra e luz, Anísio é um olhar de referência que retorna para iluminar caminhos. É o exemplo maior para a tomada de decisões que se encaminhem como apoio à tais iniciativas.
Caminhos do Conhecimento, Caminhos da Ação
Expressdo maior da educação na Bahia e um dos mais brilhantes expoentes da educacão brasileira, Anísio Teixeira continua exemplo de um caminhar que se constrói nutrindo-se de conhecimento e de ação, desde 1971, quando sofre um trágico acidente. Com uma extraordinária carreira profissional, em menos de quarenta e sete (47) anos - e com os afastamentos decorrentes das pressões políticas -, deixou-nos uma obra extensa, cultivada pela impressionante lucidez das reflexões.
A produção intelectual, além da técnica e administrativa, de Anísio, acompanha, sem cessar, o exercício dos cargos públicos que assumiu. Alguns exemplos: o programa de reforma do ensino baiano que, em 1925, transforma-se na Lei 1846; o Relatório Anual, também entregue, em 1925, ao governador Góes Calmon; em 1929, o balanço da reforma institucional da Bahia; em 1930, publica Vida e educação e mais um artigo, Por que a escola Nova?; quando Diretor da Instrução Pública do DF, escreve Educação Progressiva - uma introdução à filosofia da Educação (1932) e Em marcha para a democracia (1934); afastado da vida pública, edita Educação para a democracia: introdução à administração escolar (1936); ao deixar a UnB (1964), apresenta, perante o CFE, tese sobre a formação do educador, inúmeras foram as conferências proferidas, inclusive durante a sua gestão no peróodo CAPES/INEP, tal a repercussão do seu livro Educação não é Privilégio.
Analisando os processos históricos, sociais e econômicos que influenciaram a criação - tardia - da universidade brasileira, Anísio falará, por exemplo, de uma tradição antiuniversitária alimentada pelo retardamento ou pobreza intelectual vigente no país. Sensível à percepção de múltiplos fenômenos, à Anísio não faltaram, entretanto, precisão conceitual nem acuidade para detectar mudanças de cenário, tal como hoje as reconhecemos, rumo a uma cultura planetária. Há trinta anos, por exemplo, dizia-nos Anísio: "...está a se esboçar... uma cultura planetária global. A sua incorporação em cada cultura nacional será um novo problema". Há luz, portanto, entre as palavras guardadas que podem nos fazer renascer, rompendo rumos.
Bibliografia Consultada
- AZEVEDO, Thales de. A ciência na trajetória espiritual de Anísio. Cadernos IAT. Salvador: Instituto Anísio Teixeira - IAT, n.2, p.41-44, 1989. [Série: Memória da Educação].
- CNPq. Biblioteca Virtual Anísio Teixeira (on-line). 2000. Disponível: http://www.bvanisioteixeira.ufba.br/ (capturado em 14/04/2000).
- FIALHO, Nadia. Missão da Universidade. Revista da FAEEBA. Salvador: v.1,n.1, p.25-41, jan/jun., 1992.
- FILHO, Luiz Vianna. Introdução. In: TEIXEIRA, Anísio. Ensino Superior no Brasil. Análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.
- INEP/CASTRO, M. H. G de. As desigualdades regionais no sistema educacional brasileiro. Brasilia: INEP, 1999.
- MENEZES, Jaci Maria de. Anísio Teixeira, Secretário da Educação ou: porque não se democratiza a Educação na Bahia? Cadernos IAT. Salvador: Instituto Anísio Teixeira - IAT, n.2, p.9-29, 1989. [Série: Memória da Educação].
- ROCHA, João Augusto de Lima. Igreja versus Anísio Teixeira. Cadernos IAT. Salvador: Instituto Anísio Teixeira - IAT, n.2, p.45-53, 1989. [Série: Memória da Educação].
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