VICENZI, Lectícia Josephina Braga de. A fundação da Universidade do Distrito Federal e seu significado para a educação no Brasil. Forum Educacional. Rio de Janeiro, v.10, n.3, jul./set. 1986.

A FUNDAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO DISTRITO FEDERAL
E SEU SIGNIFICADO PARA A EDUCAÇÃO NO BRASIL

Lectícia Josephina Braga de Vincenzi *

1. Introdução; 2. Contexto histórico e institucional; 3. A fundação da Universidade do Distrito Federal, em 1935; 4. Considerações finais.

1. Introdução

Este trabalho tem por objetivo estudar o surgimento da Universidade do Distrito Federal (UDF), organizada em 1935 por Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro. Busca também avaliar o significado e o impacto que teve a instituição no panorama educacional brasileiro, a partir do ponto de vista do momento atual.

Para realizar este estudo, além da bibliografia disponível sobre o assunto, pôde a autora compulsar, também, diversas fontes primárias: os documentos da UDF – que se encontram na Secretaria do Instituto de Educação – e os arquivos de Gustavo Capanema e de Anísio Teixeira, localizados no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas.

Houve, ademais, possibilidade de realizar entrevistas com ex-alunos dos cursos da UDF: os professores Eliezer Schneider e Irene Estêvão de Oliveira (matriculados no curso Menção Sociologia, da Escola de Economia e Direito, em 1937); os professores José Bonifácio Martins Rodrigues, Iva Waisberg Bonow e Maria Violeta Coutinho Villas Boas (formados em 1938, no curso Menção Sociologia, da mesma Escola de Economia e Direito); o professor Vicente Costa Santos Tapajós (formado em 1938, no curso Menção História, também da Escola de Economia e Direito); e o professor Mário Camarinha da Silva, formado em 1938 pela Escola de Filosofia e Letras. Informações muito proveitosas foram prestadas pela filha de Anísio Teixeira, Anna Christina Teixeira Monteiro de Barros. Ficam aqui registrados os agradecimentos da autora pela generosa acolhida e valiosa colaboração de todos os informantes.

A seleção dos entrevistados se deveu ao acaso, lamentando a autora não ter conseguido uma amplitude maior de representantes dos diferentes institutos e escolas da UDF. São conhecidas as inevitáveis limitações das entrevistas concedidas oralmente, que intentam reconstituir eventos talvez parcialmente esquecidos: a seletividade da memória e a interferência de sentimentos tais como, receios, preferências, timidez, orgulho, ressentimentos etc., que influenciam a versão apresentada pelas testemunhas acerca dos fatos que presenciaram ou de que foram protagonistas. Tem, pois, a autora, plena consciência de que, se diversa fosse a escolha dos depoentes, provavelmente outros aspectos seriam, no caso, considerados.

Também foram utilizadas fontes históricas secundárias – livros e artigos de autores conhecidos e aulas recebidas – procurando sempre a autora relacionar os fatores sociais, econômicos, políticos e culturais com os educacionais propriamente ditos. Mas nelas foram especialmente buscados os elementos que coincidiam com a lembrança, a percepção e a visão teórica da autora acerca dos fatos sócio-econômicos e políticos referidos.

2. Contexto histórico e institucional

Tanto a Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, como a Universidade do Distrito Federal (UDF), organizada em 1935 no Rio de Janeiro, foram, até certo ponto, esforços institucionais para atender aos anseios de modernização expressos pelos intelectuais e educadores na segunda metade da década de 20, quando houve um vigoroso debate nacional sobre a educação que nos convinha, com a destacada participação dos partidários da escola nova.

Os debates realizaram-se sob inspiração da Associação Brasileira de Educação (ABE), fundada em 1924, e grande parte das críticas se dirigiam ao "arremedo" de universidade que, afinal, aqui se estabelecera.

Anteriormente, os responsáveis pela educação no Brasil, sob a influência do positivismo comteano, tinham se pronunciado contra a idéia de universidade, por considerá-la uma instituição elitizante e promotora de um saber ornamental. Apesar disso, no entanto, a Reforma Maximiliano, de 1915, autorizou a sua criação, mas nenhuma providência foi tomada para implantá-la. Subitamente, em 1920, um decreto do governo central declarou instituída a Universidade do Rio de Janeiro, com a mera justaposição da Escola Politécnica à Faculdade de Medicina, e a incorporação concomitante das duas faculdades livres de Direito recém-fundidas, todas assim formalmente unidas sob a direção de uma reitoria. Não houve menção nem vestígio de pesquisa ou qualquer investigação científica ou filosófica. Parece ter sido apenas para agraciar academicamente o rei da Bélgica, então em visita programada ao país, concedendo-lhe o título de doutor honoris causa, que o decreto foi outorgado.

Durante as múltiplas convulsões sociais da década de 20 (crises econômicas, revoltas militares, criação do Partido Comunista Brasileiro, organização da Semana de Arte Moderna, etc.) surgiram as grandes campanhas para a reforma da educação no país.

No que tange à questão universitária, três iniciativas foram especialmente relevantes na segunda metade da década de 20: a) o inquérito promovido pelo jornal O Estado de São Paulo; b) o Congresso sobre o Ensino Superior, realizado no Rio de Janeiro, de 11 a 20 de agosto de 1927, em comemoração ao centenário dos cursos jurídicos no Brasil; c) o inquérito promovido pela ABE. Todas procuravam levantar, entre os intelectuais, opiniões que ajudassem a indicar os traços básicos da universidade desejada e adequada ao país, ao menos em tese.

Ao fim da década deu-se a chamada "Revolução de 1930", à frente da qual estavam as classes rurais dominantes de uma região cada vez menos vinculada aos interesses cafeeiros (Minas Gerais), e as de duas áreas deles inteiramente desvinculadas (Rio Grande do Sul e Paraíba), além de uma parcela ponderável do aparelho militar. Sua base de apoio foi representada por todas as forças sociais das regiões em dissidência e pelas classes médias dos grandes centros urbanos. O proletariado teve, no episódio, uma presença difusa, não intervindo como "classe", mas há indicações de que os operários simpatizavam com os revolucionários (Fausto, 1970).

A coalização que levou Vargas ao poder era precária e composta de camadas sociais com interesses muito diferentes. Não havia, pois, de início um programa político, econômico ou cultural definido. E nenhum dos grupos participantes pôde oferecer ao Estado as bases de sua legitimidade: as classes médias, porque não dispunham de autonomia frente aos interesses tradicionais em geral; os interesses do café, porque tiveram sua força, diminuída em virtude da crise econômica e, mais tarde, da derrota na luta pela constituinte, em 1932; os demais setores agrários, porque eram menos desenvolvidos e incapazes de substituir o café nas atividades de exportação, ainda básicas para a economia do país naquele momento. Instalou-se, pois, um "Estado de Compromisso" entre os vários grupos interessados, com exclusão das classes operária e dos trabalhadores rurais, que constituíam, então, a grande maioria da população brasileira.

O "Estado de Compromisso" foi garantido pelo Exército; embora Vargas tenha se apoiado nos "tenentes", a consolidação de seu governo dependia da unificação e coesão do aparelho militar (o que implicava a liqüidação do tenentismo como força autônoma), do restabelecimento da hierarquia e do fortalecimento da disciplina, o que exigia a neutralização dos grupos mais radicais da esquerda e da direita.

O aumento do controle e a centralização administrativa por parte do Governo exigiram a expansão dos órgãos burocráticos, o que facilitou a criação de novos empregos e a cooptação de amplos setores das camadas médias urbanas; procedeu-se, igualmente, à modernização das Forças Armadas.

No plano econômico, embora tomasse o Governo medidas para impedir o colapso das oligarquias exportadoras (redução de 50% dos débitos dos agricultores, compra e queima de parte dos estoques invendáveis de café, grandes incentivos à diversificação da produção, o que, além de favorecer às reivindicações das classes desvinculadas do núcleo cafeeiro, possibilitou uma saída à própria agricultura paulista), a orientação geral, tateante no início, acabou sendo no sentido de favorecer a indústria nacional.

É na década de 30 que se inicia o deslocamento da estrutura produtiva para a base urbano-industrial. A urbanização, no entanto, foi maior do que a industrialização: "As cidades não crescem, senão que incham." Pereira (1969) chama esse processo de "urbanização sócio-pática" (p. 22).

No plano educacional, o governo provisório tomou logo providências para criar o Ministério da Educação e Saúde – votado ao trato dos dois mais graves problemas do país, na opinião da intelectualidade – convidando para geri-lo Francisco Campos, então o mais renomado educador de Minas Gerais.

As reformas promovidas por esse ministério bem refletem as tentativas de conciliação dos novos anseios sociais com os velhos privilégios, como ainda o caráter autoritário e centralizador do novo regime.

As regulamentações visavam principalmente os cursos que mais interessavam às elites: o secundário e o superior.

Na questão do ensino superior, a ambigüidade foi a tônica: por um lado, parecia Francisco Campos aproximar-se dos renovadores da educação ao estabelecer que o ensino superior deveria ser ministrado "preferentemente em universidades". E, aparentemente, as recomendações do Congresso sobre o Ensino Superior, realizado no Rio de Janeiro, em agosto de 1927, sobre como essas instituições deveriam ser organizadas, foram as que mais influíram na reforma de Campos. Assim, pois, às universidades caberia "elevar o nível da cultura geral, estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de atividades que requerem preparo técnico e científico superior (... )" (Decreto nº 19.851, de 11.4.31, in Fávero, 1980).

Por outro lado, como bem observa Paim (1982), Campos não tinha realmente aderido ao ideal de universidade que mobilizara a intelectualidade no período imediatamente anterior à Revolução de 1930, de vez que a colocou a serviço do aprimoramento do ensino secundário, nível ao qual ele atribuiu maior relevância.

Segundo a reforma, era necessário inserir na universidade a Faculdade de Ciências, denominada por Campos Faculdade de Educação, Ciências e Letras.

Seria precípua incumbência da Faculdade de Educação, Ciências e Letras dar "ao conjunto de institutos reunidos em universidade, o caráter propriamente universitário" (Diário Oficial de 15.4.31, in Fávero, 1980), pela criação e divulgação da cultura desinteressada, transcendendo os limites do puro profissionalismo, e por sua função abrangente de todos os valores científicos e culturais. Mas, como receava que ela se tornasse "adorno ou decoração pretensiosa em casa pobre", instou que deveria ser, antes de tudo e eminentemente, um instituto de educação com a finalidade maior de formar professores para os ensinos normal e secundário (Paim, 1982).

Na realidade, o novo estatuto admitia as duas formas de organização do ensino superior: a universidade – que poderia ser "oficial" (mantida pelo governo federal ou estadual) ou "livre" (mantida por fundações ou associações particulares), e que o ministro considerava "a forma própria desse ensino" – e o instituto isolado (Cunha, 1980).

Quanto à estrutura da universidade, a reforma determinava a obrigatoriedade de, pelo menos, três dos seguintes cursos: direito, medicina, engenharia e educação, ciências e letras.

Ora, na medida em que permitia a formação da universidade apenas com as três faculdades clássicas (direito, medicina e engenharia), sem a presença da Faculdade de Educação, Ciências e Letras – a que iria conferir-lhe "o caráter propriamente universitário" – acabou por cair em contradição e, por fim, manteve o espírito da República Velha.

Ademais, impediu que houvesse verdadeira integração universitária, visto que as faculdades prosseguiam apenas agregadas sob a mesma reitoria. Representava, por um lado, a descentralização (e desarticulação) interna; mas por outro lado, a lei previa que competiria ao Ministério da Educação nomear praticamente todas as autoridades universitárias, até mesmo os membros dos conselhos técnico-administrativos, o que evidencia a tendência claramente centralizadora e autoritária do Governo federal em relação ao ensino.

A tão esperada Faculdade de Educação, Ciências e Letras, entretanto, não chegou a ser por ele organizada devido ao interesse, por parte do Colégio Pedro II, de que lhe fosse anexada a nova instituição. Segundo Fávero (1980), o ministro decidiu adiar a solução porque não reconhecia "competência ou capacidade", nesse estabelecimento, para assumir tão alta responsabilidade. Desse modo, a formação profissional de professores secundários continuou sem ter nenhuma instituição específica habilitada e fazê-la, bem como a função de investigação científica que teoricamente caberia à não-existente a Faculdade de Educação, Ciências e Letras.

A reforma explicitava a reorganização dos currículos dos cursos superiores da Universidade do Rio de Janeiro, a qual, segundo a lei, "constituirá o modelo para as universidades e institutos equiparados"(Diário Oficial de 15.4.31, in Fávero, 1980).

Houve alguma flexibilidade na previsão das variantes regionais, que facultou aos estabelecimentos instituírem a organização e a seriação de seus cursos. Mas, conforme demonstra Fávero (1980), o Decreto nº 20.179, baixado em 6 de julho de 1931, veio estreitar novamente a brecha, quando determinou que, para ser reconhecida, uma instituição de nível superior deveria ministrar, em cada curso, todas as disciplinas obrigatórias de curso correspondentes em instituição congênere federal. Disso resultou a uniformização nacional do ensino superior, pois o padrão federal predominou em toda parte, no Brasil, embora algumas instituições tivessem tentado propor outros diferentes modelos de organização administrativa e curricular para a universidade.

A reforma propunha, de fato, como já foi dito, uma estranha mélange de novas idéias com velhos privilégios. E acabou suscitando uma acirrada disputa entre os dois maiores grupos vinculados à educação: a igreja Católica e os defensores da Escola Nova.

Não se pretende afirmar que a posição da Igreja fosse apenas originada pelo intuito de defender as classes privilegiadas ou dirigida simplesmente para a manutenção desses privilégios. É de justiça reconhecer que estava a Igreja fundamentada numa doutrina religiosa que transcendia (como transcende) os aspectos puramente econômicos. A ressalva não invalida a constatação de que, na prática, sua posição beneficiava principalmente os grupos privilegiados econômica e politicamente, provocando, naturalmente, seu aplauso e adesão.

Enquanto religião oficial durante o império, a Igreja Católica tinha se acomodado a uma situação de submissão frente ao Estado. E embora continuasse a principal investidora no sistema educacional, seu culto havia se tornado mais uma convenção social do que uma força atuante na sociedade.

A intelligentsia brasileira, oriunda das camadas médias urbanas, se mostrara muito influenciada por doutrinas distantes do catolicismo; aderira ao positivismo, ao evolucionismo, ao pragmatismo etc.

Proclamada a República sob inspiração positivista, o Estado declarou-se leigo e neutro. A Igreja continuou passiva nos dois primeiros decênios, mas, durante a década de 10, foi feito um diagnóstico de situação pelo qual se constatava que, conquanto constituísse a nação, em sua maioria, um país católico, estava aquela instituição religiosa perdendo a liderança para a minoria laica e descrente, porque o clero se mostrava negligente e inoperante. Após denunciar os problemas econômicos, políticos e sociais do Brasil como resultantes de uma crise de ordem moral, concluiu a Igreja ser necessário recristianizar a sociedade e o próprio Estado, através da socialização das elites, segundo os princípios cristãos (Cury, 1978; Salem, 1982).

Para ativar o zelo religioso e reconquistar o rebanho perdido, a igreja Católica no Brasil, tradicionalmente vinculada às oligarquias rurais, buscou apoio e inspiração na doutrina da Action Française, que era fortemente conservadora: defendia a desigualdade entre os homens como um fenômeno natural, a sacralização da ordem, da herarquia e da autoridade, e cultuava o passado e a tradição, opondo-se a qualquer tipo de mudança. No Brasil, a doutrina adquiriu também um traço antiurbanista e antiindustrialista; seus adeptos faziam apologia da "vocação ruralista natural do brasileiro" (Salem, 1982).

Comenta Miceli (1979) que, com vistas a recuperar a situação de "sócio privilegiado na política", perdida após a Proclamação da República, as autoridades eclesiásticas se dispuseram a apoiar o poder oligárquico na década de 20. Depois da vitória da revolução de 30, como também após o golpe de 37 – em troca de apoio oficial para suas novas instituições educacionais e em obediência à orientação de Leão XIII, de aceitação da situação pública tal como se apresentasse, sem discutir-lhe a legitimidade – a Igreja concedeu apoio, sempre, ao grupo que estivesse, de fato, no poder.

Na década de 20 iniciou a Igreja a arregimentação de intelectuais para combater as bases agnósticas do estado, e interpretou o movimento em favor da escola nova, pública, obrigatória, gratuita e leiga – bandeiras dos educadores profissionais – como crítica à sua atuação pedagógica, afronta à sua doutrina, bem como ameaça aos seus interesses econômicos, políticos e ideológicos.

A Revolução de 1930, em busca de legitimação e apoio, procurou reaproximar a Igreja do Estado. E o fez através do Ministro Francisco Campos, que, embora ligado ao movimento educativo renovador, provinha de Minas Gerais, estado onde a Igreja possuía vigorosa influência, principalmente sobre a população rural.

Assim, evidentemente para agradar à Igreja Católica, sancionou o ensino religioso facultativo nas escolas públicas, quebrando a tradição leiga republicana. Começou, ao mesmo tempo, a conceder subvenções às escolas religiosas, além de atender a outras reivindicações do clero, tais como o reconhecimento civil do casamento religioso, a assistência religiosa católica às Forças Armadas, às prisões, aos hospitais etc., o que fazia em troca de apoio, senão explícito, ao menos tácito.

A querela da Igreja com o grupo dos defensores da escola nova eclodiu em torno de questões como a da gratuidade, a da obrigatoriedade do ensino, a da laicidade e a da co-educação na nova política educacional. Chamada a desempenhar um papel conciliatório, a Associação Brasileira de Educação tomou partido dos escolanovistas, e, sob a direção de Fernando de Azevedo, elaborou um programa de política educacional, publicada em 1932, que passou a ser conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova.

O grupo dos pioneiros da Escola Nova congregava pessoas de tendências diversas, até mesmo opostas. havia os partidários do ensino individualizado; assim, também, os defensores da homogeneização das classes, com seleção de alunos através de testes de inteligência e de aproveitamento; havia os que apoiavam o individualismo e as concepções funcionais da educação, como ainda os que tinham orientação social, partindo da comunidade para a formação do indivíduo; alguns desejavam mudar os processos de aprendizagem, concedendo maior liberdade à criança, a fim de proporcionar-lhe condições mais favoráveis ao seu desenvolvimento natural, pela atividade livre e espontânea, pondo ênfase nos aspectos da criatividade e da originalidade; outros almejavam transformar a estrutura da escola, organizando-a como uma comunidade de vida, onde a orientação geral buscaria despertar na criança os princípios da solidariedade e da cooperação, com sacrifício parcial de seu ego para o benefício coletivo; outros, ainda, eram nitidamente elitistas, dirigidos para a formação dos futuros líderes; e não rareavam os que preferiam o igualitarismo, voltados seus esforços para a educação popular (Azevedo, 1976; Cunha, 1980).

Por isso mesmo, o Manifesto dos Pioneiros não apresenta um discurso homogêneo.

Mas se a Reforma Francisco Campos procurou atender à Igreja, por outro lado também favoreceu os escolanovistas em alguns de seus anseios, tais como: intervenção estatal na educação, modernização do sistema escolar, garantia legal de escolarização primária obrigatória e gratuita e, sobretudo, ampla distribuição de cargos elevados na burocracia governamental.

A disputa pelo controle do sistema educativo entre os dois grandes grupos rivais se tornou, porém, mais ferrenha, com a superveniência das lutas políticas travadas entre os partidos nacionais de direita e de esquerda que aqui se formaram, inspirados nos modelos europeus (Azevedo, 1976).

Os lances mais dramáticos dessa luta serão descritos no tópico seguinte.

3. A Fundação da Universidade do Distrito Federal, em 1935

Embora a Reforma Francisco Campos recomendasse, desde 1931, a criação da Faculdade de Educação, Ciências e Letras, e sua inserção na Universidade do Rio de Janeiro, nenhuma medida efetiva fora tomada para isso, nos primeiros anos da década de 30.

A esse respeito, o governo de São Paulo adiantou-se : em 25 de janeiro de 1934, instituiu a Universidade de São Paulo (USP), incorporando alguams escolas superiores já existentes, bem como diversos institutos técnico-científicos mantidos pelo Estado, adicionando-lhes, outrossim, a recém-fundada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL).

Os paulistas tinham atribuído as derrotas de 1930 e 1932 à carência de quadros especializados para o trabalho político e cultural. Em razão desse diagnóstico, procuraram resolver o problema criando a Escola Livre de Sociologia e Política, em 1933, e organizando a USP no ano seguinte. Nesta, a grande novidade – a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras – deveria ser o seu órgão central.

A Escola Livre de Sociologia Política, impulsionada por grupo de empresários, professores e jornalistas, adotou um modelo de ensino e de pesquisa de inspiração norte-americana, na linha empírica. Recebeu da Fundação Rockefeller uma coleção de livros que veio, depois, a se constituir o núcleo da melhor biblioteca especializada do gênero, no país.

Já a Universidade de São Paulo, apoiada pelo grupo Mesquita, dono do prestigioso jornal O Estado de São Paulo, deu preferência ao modelo francês que, aliás, se encaixava razoavelmente bem nas normas da Reforma Francisco Campos.

Ambas as instituições contrataram professores estrangeiros e deixaram claro, nos documentos de suas respectivas fundações, que um de seus mais destacados objetivos era o de formar "personalidades capazes de colaborar eficaz e conscientemente na direção da vida social" (Estatutos da ELSP, in: Fávero, 1980, p. 175).

Desejavam os paulistas recuperar pela cultura, pela ciência e pela competência técnica de suas elites a posição de hegemonia política no âmbito nacional que haviam perdido na luta armada. Por isso colocaram a centralidade da educação superior no campo político e concederam importância primordial às ciências sociais: sociologia, economia, história, ciências políticas, etc.

Na cidade do Rio de Janeiro, em 1931, foi o médico Pedro Ernesto do Rego Batista nomeado interventor do Distrito Federal. Tinha ele participado dos levantes de 1922 e 1924 e apoiado Vargas na Revolução de 1930.

Pedro Ernesto fez uma administração dirigida principalmente para melhoria dos serviços de saúde e educação. Reequipou e ampliou as instalações hospitalares, criando, entre outras obras; os hospitais Miguel Couto, Getúlio Vargas e Carlos Chagas. E convidou o baiano Anísio Teixeira – que representava a corrente mais democrática da Escola Nova – para a Diretoria Geral da Instrução do Rio de Janeiro.

A indicação de Anísio Teixeira fora feita pelo jurista Temístocles Cavalcanti, que o conhecia como defensor da adoção de um sistema escolar público, gratuito, obrigatório e leigo. De fato, ao longo de sua gestão no Rio de Janeiro, foram construídas cerca de 30 escola, localizadas em sua maior parte nas áreas pobres da cidade.

Relata Hermes Lima (1978) que, no plano educativo, a nova administração recebera um meritório acervo de medidas tomadas anteriormente por Carneiro Leão e Fernando de Azevedo. Delas partiu Anísio Teixeira para uma campanha de expansão e modernização do sistema escolar no nível primário e também no médio, aproveitando a brecha da Reforma Francisco Campos, estabelecida no Decreto nº 21.241 de 4 de abril de 1932, que permitia a inclusão de disciplinas diferentes das previstas no currículo secundário, em termos facultativos. Desse modo, tratou ele de diminuir as distinções curriculares que separavam as escolas pós-primárias, destinadas aos futuros operários, das escolas secundárias, que encaminhavam os alunos para os cursos superiores: elevou todo o ensino técnico-profissional ao nível do secundário, passando várias cadeiras a serem conjuntamente estudadas por alunos de cursos diversificados e permitindo, assim, que todos pudessem pleitear o ingresso em graus superiores de ensino (Cunha, 1980, Hermes Lima, 1978).

Considerando a formação de professores um dos pilares da melhoria do ensino, buscou Anísio transformar a antiga Escola Normal numa escola superior para professores. Fundou, então, o Instituto de Educação como entidade modelar, onde todos os níveis de ensino – desde jardins de infância, passando pela escola primária experimental, pelo curso ginasial, o curso profissional para professor primário e os níveis superiores – ficaram reunidos para funcionar dentro dos princípios da escola progressiva, que dava grande relevo aos trabalhos de laboratório, ao canto, à recreação, aos jogos e à educação física. Tomou, igualmente, uma série de medidas que se reputavam avançadas para a época, como a instalação de bibliotecas no maior número possível de escolas, a fundação da Escola-Rádio e do Instituto de Pesquisas Educacionais, que possuía, entre outros órgãos especializados, o serviço de estatística, o de freqüência escolar, o de obrigatoriedade etc. (Hermes Lima, 1978).

Durante sua administração, Anísio Teixeira foi duramente atacado pela Igreja Católica, que o acusava de ser materialista, comunista e querer levar a mocidade à degradação espiritual. Mantê-lo na direção da instrução pública foi um verdadeiro ato de coragem de Pedro Ernesto, que, no entanto, assim o fez respaldado no entusiasmo dos professores e no expressivo apoio popular que lhe garantiu a vitória nas eleições de 1934, na Câmara Municipal, através da qual se tornou ele o primeiro prefeito eleito do Distrito Federal.

A posição da Igreja Católica em relação a Anísio Teixeira teve influência relevante no decorrer dos acontecimentos e poderá, talvez, ser melhor compreendida relembrando-se a atmosfera ideológica da época, assim como alguns traços de sua biografia.

Fizera Anísio Teixeira seus estudos primários e secundários entre os jesuítas, que colimavam para seu brilhante aluno a carreira sacerdotal. Contra esses desígnios interferiu, no entanto, seu pai – médico, senhor de terras e líder político da região de Caetité, no sertão baiano. Em vez de lhe permitir que tomasse ordens religiosas, enviou-o ao Rio de Janeiro para Padre Luiz Gonzaga Cabral, a insistir com o pai para ingressar nas hostes de Santo Inácio, mas a oposição paterna se manteve inflexível.

Quando, em 1924, em reconhecimento ao apoio político recebido no sertão pelo pai, o novo governador do estado, Góes Calmon, convidou o jovem Anísio, então com apenas 23 anos, para a Inspetoria Geral do Ensino do Estado da Bahia, os padres católicos interpretaram "aquele fato extraordinário" como indicação da vontade de Deus, segundo a qual estaria ele destinado ao apostolado leigo e seria um dos principais baluartes da Igreja entre os intelectuais e políticos que o clero, nas pegadas da Action Française, procurava arregimentar para a sua causa.

O início da carreira de Anísio está, de fato, marcado pela total influência católica. Mas as viagens e os estudos o afastaram da posição ultramontana que a Igreja Católica mantinha na década de 20.

O debate ideológico ainda não tinha atingido a aspereza dos anos 30, quando, na mudança do governo baiano, em 1928, Anísio se demitiu do antigo cargo e partiu para os Estados Unidos da América do Norte com o objetivo de realizar o curso de Mestrado em Educação no Teachers College da Universidade de Colúmbia. Ao fim do curso, estava ele inteiramente afastado de qualquer crença dogmática revelada e também da concepção aristocrática de educação e de vida, próprias da Igreja Católica daquela época. De volta ao Brasil, passou a ser o principal divulgador das idéias pedagógicas de John Dewey, o grande filósofo e educador norte-americano.

Aparentemente, o clero não conseguiu absorver sem mágoa a transformação espiritual de seu antigo discípulo: dali em diante seria sempre Anísio Teixeira o alvo preferido das tenazes, constantes e iterativas campanhas que a Igreja mantinha e menteria contra todos os pensadores liberais, em questões de ensino (Hermes Lima, 1978; Miceli, 1979).

Assim foi que, no ensejo da criação da Universidade do Distrito Federal, proposta por Anísio Teixeira, sofreu esta veementes ataques por parte da Igreja Católica, e também do Ministro de Educação da época, Gustavo Capanema, o qual alegava desobedecer a nova instituição aos padrões estabelecidos pela Reforma Francisco Campos.

Já naqueles tempos, vários grupos concediam grande importância política à esfera educacional porque compartilhavam da crença – hoje posta em dúvida, ou abertamente rejeitada – de ter ela poder para moldar a sociedade a partir da formação das mentes infanto-juvenis. Havia diversas correntes em conflito, mas, como bem indicam Schwartzman & Bomeny & Costa (1984). "Todos concordavam, contudo, que optar por esta ou aquela forma de organização, controle ou orientação pedagógica significaria levar a sociedade para rumos totalmente distintos, de salvação ou tragédia nacional" (p. 51).

Ademais, com a propalada abertura de novos canais de ascensão social e participação política, via-se na educação o meio privilegiado, mediante o qual se faria a alocação dos jovens na hierarquia social.

Esclarece Fávero (1980) que durante essa fase extremamente conturbada da vida política brasileira, Getúlio Vargas procurou o apoio do Prefeito Pedro Ernesto, por ocasião de sua expressiva vitória eleitoral. Por isso autorizou o "decreto de criação da Universidade do Distrito Federal, mesmo passando por cima do Ministro da Educação"(p. 70).

Assim, em 4 de abril de 1935, foi assinado pelo Prefeito Pedro Ernesto o Decreto nº 5.513, que instituiu a Universidade do Distrito Federal, cujas finalidades seriam:

"a) promover e estimular a cultura de modo a concorrer para o aperfeiçoamento da comunidade brasileira; b) encorajar a pesquisa científica, literária e artística; c) propagar as aquisições da ciência e das artes, pelo ensino regular de suas escolas e pelos cursos de extensão popular; d) formar profissionais e técnicos nos vários ramos de atividade que as suas escolas e institutos comportarem; e) prover a formação do magistério, em todos os seus graus. (Prefeitura do Distrito Federal, 4 de abril de 1935, Dr. Pedro Ernesto.)"

Nota-se na exposição de motivos e no rol de objetivos da Universidade do Distrito Federal (UDF) a ausência de menção às "elites", personalidades capazes de colaborar eficaz e conscientemente na vida social do país", ou "formação de classes dirigentes", que foram as principais referências do Estatuto da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e também do Decreto nº 6.283 de 25.1.1934, que criou a Universidade de São Paulo. Depreende-se, pois, que a UDF possuía inspiração diferente da que norteou as instituições paulistas, embora a clientela que a demandou fosse, no que tange à origem sócio-econômica e cultural, semelhante à dos vários congêneres estabelecimentos da época. Isto porque o acesso aos cursos superiores era fortemente limitado. Em todo o caso, a corrente liderada por Anísio Teixeira é chamada por Cunha (1980) de "liberal democrática", em contraposição à de Júlio de Mesquita Filho e Fernando de Azevedo (fundadores da USP), que seria "liberal elitista". Havia também as correntes não-liberais, entre as quais a católica e a do governo autoritário consolidado em 1937.

Apresentava a UDF os seguintes órgãos principais: a) Instituto de Educação; b) Escola de Ciências; c) Escola de Economia e Direito; d) Escola de Filosofia e Letras; e) Instituto de Artes; f) Instituições complementares para experimentação pedagógica, prática de ensino, pesquisa e difusão cultural (Prefeitura do Distrito Federal, 1935).

Dentre esses institutos e escolas, o único preexistente era o Instituto de Educação, em cujo prédio se situou a reitoria da UDF. Localizavam-se na Rua Mariz e Barros nº 227. Os outros institutos e escolas tiveram que ser organizados a partir daquela data e foram precariamente instalados em salas emprestadas, de instituições variadas: na Escola Superior de Agricultura, no Museu Nacional, no Departamento Nacional de Tecnologia, na Escola Politécnica do Rio e em algumas escolas municipais etc., utilizando os laboratórios da Universidade do Rio de Janeiro (depois, Universidade do Brasil).

Dois endereços ficaram particularmente marcados: a) o do Largo do Machado, onde tiveram início vários cursos da UDF, na Escola José de Alencar (e que depois foi encampada pela Faculdade Nacional de Filosofia); b) o da rua do Catete, nº 147, onde funcionava, pela manhã, a escola secundária Rodrigues Alves. As aulas da UDF começavam à tarde, a partir das 15 horas, em salas mobiliadas para crianças, e, portanto, pouco confortável para adultos; iam, às vezes, até as 20 horas. O ensino de algumas matérias, no entanto, era oferecido em outras localidades, assim, o de antropologia, por exemplo, no Museu Nacional, o de integração profissional, no Instituto de Educação etc.

Provavelmente também por esta razão – a de já estar bem estruturada, em prédio próprio e em pleno funcionamento – o Instituto de Educação tenha permanecido a viga mestra da nova universidade, não obstante ser a Escola de Ciências a mais festejada pelos historiadores da UDF, como Antônio Paim e Simon Schwartzman. É necessário, igualmente, levar em consideração a importância decisiva que Anísio Teixeira – seu mentor – concedia ao professor primário e secundário na reconstrução da sociedade. Além disso, os primeiros cursos realmente implantados na UDF visavam à formação de professores e de artistas, embora, como se vê nos seus documentos, o projeto da nova universidade fosse bem mais amplo e original.

Sobre isso transcrevem-se em seguida alguns trechos do Decreto nº 5.513/35:

"Art. 4º O Instituto de Educação, que tem por fim prover a formação do magistério e concorrer, como centro de documentação e pesquisa, para a formação de uma cultura pedagógica nacional, fica diretamente incorporado à universidade pela sua atual Escola de Professores, que passa a denominar-se Escola de Educação mantidos os objetivos estabelecidos pelo Decreto nº 3.810. de 19 de março de 1932.

Art. 5º A Escola de Ciências, que será organizada de modo a facilitar a formação de especialistas e pesquisadores nos vários ramos de estudos gerais e aplicados que comportar, tem por fim imediato habilitar profissionais e técnicos e aperfeiçoar-lhes a cultura especializada.

Art. 6º A Escola de Economia e Direito, que tem por fim desenvolver estudos sobre a organização econômica e social, constituir-se-á como centro de documentação e pesquisa dos problemas da vida nacional que interessarem à formação do estado, assim como à produção e circulação da riqueza e sua normal distribuição.

Art. 7º A Escola de Filosofia e Letras tem por fim concorrer para os estudos superiores do pensamento e sua história, nos seus aspectos filosóficos, leterário e moral.

Art. 8º O Instituto de Artes, que tem por fim concorrer para o estudo do desenvolvimento das artes em seus vários ramos, será organizado de modo a constituir-se como centro de documentação, pesquisa e irradiação das tendências de expressão artística da vida brasileira.

Art. 9º As instituições complementares da universidade serão:

a) a Biblioteca Central de Educação;

b) a Escola-Rádio;

c) a Escola Secundária do Instituto de Educação;

d) a Escola Elementar do Instituto de Educação;

e) o Jardim de Infância do Instituto de Educação;

f) uma escola secundária técnica;

g) uma escola elementar experimental;

h) uma escola maternal experimental;

i) laboratórios e clínicas dos hospitais do Distrito Federal.

Parágrafo Único. Além das instituições indicadas, poderão servir, quando necessário, como estabelecimentos complementares para execução dos cursos e estudos de investigações e pesquisa, quaisquer instituições de caráter técnico, científico ou cultural, mediante acordo com esses estabelecimentos e aquiescência do conselho universitário.

Art. 10º A universidade manterá, inicialmente, os seguintes cursos, distribuídos pelos seus diversos institutos ou escolas, isoladamente ou em cooperação:

1. cursos para habilitação ao magistério primário geral e especializado;

2. cursos para habilitação ao magistério secundário;

3. cursos para habilitação ao magistério normal;

4. cursos para administração e orientação escolar;

5. cursos de extensão e continuação para professores;

6. cursos de especialização em ciências médicas;

7. cursos de auxiliares de medicina e técnicos de laboratório;

8. cursos de enfermagem e de visitadoras;

9. cursos de ciências matemáticas, físico-químicas e biológicas;

10. cursos de ciências sociais;

11. cursos de administração e funcionalismo;

12. curso de diplomática;

13. curso de direito;

14. curso de economia;

15. curso de estatística;

16. curso de serviços sociais;

17. curso de filosofia e história do pensamento;

18. cursos de filologia, literatura e sua história;

19. cursos de jornalismo e publicidade;

20. cursos de biblioteconomia, arquivo;

21. cursos de filosofia e história da arte;

22. cursos de música, geral e aplicada;

23. cursos de desenho e pintura;

24. curso de escultura;

25. cursos de artes aplicadas;

26. cursos de artes cinematográfica, coreográfica e dramática;

27. curso de arquitetura paisagista."

(Distrito Federal, 4 de abril de 1935, assinado por Dr. Pedro Ernesto).

Mais tarde foram elaboradas cinco instruções, assinadas por Anísio Teixeira, como reitor interino da UDF, que especificavam em mais detalhes as funções dos vários institutos e escolas da nova universidade.

Das Instruções números 1, 2 e 3 foram selecionados alguns trechos que nos pareceram elucidativos dos ideais e intenções dos fundadores da UDF.

"Instruções nº 1 (...)

Art. 8º Os institutos componentes da universidade desenvolvem as suas atividades dentro de um plano comum, em estreita e real cooperação, de modo que se mantenha a unidade orgânica da instituição.

§ 1º Todos os cursos são organizados pela reitoria, compreendendo matérias de um ou mais institutos segundo as suas funções e especialidades. (...)

Art. 10º (...) Parágrafo único. Quando os cursos forem ministrados por professores de uma só escola ou do instituto, poderá o reitor confiar a função coordenadora ao respectivo diretor; em caso contrário, serão coordenadas pelo reitor. (...)

Art. 13º O programa para a formação do professor secundário compreende cursos de fundamentos, de conteúdo e de integração profissional, ministrados nas diversas escolas ou no instituto da universidade, simultâneas ou sucessivamente.

Art. 14º Os cursos de fundamentos compreendem matérias de cultura geral indispensáveis ao professor, biologia e sociologia educacionais e belas-artes.

Art. 15º Os cursos de conteúdo compreendem as matérias específicas a cujo ensino se destina o professor, ministradas do ponto de vista de cultura especializada e de seleção de material para o ensino no nível secundário.

Art. 16º Os cursos de integração profissional compreendem os estudos de educação, psicologia educacional, medidas educativas, organização e programa da escola secundária, filosofia da educação e prática do ensino secundário. (...)

Da Escola de Educação

Art. 20º O ensino na Escola de Educação fica distribuído pelas seguintes seções, mantidos os objetivos estabelecidos pelo Decreto nº 5.513 de 4 de abril de 1935 e as destas instruções:

I. Biologia educacional e higiene;

II. História e filosofia da educação, educação comparada e administração escolar;

III. Psicologia educacional e sociologia educacional;

IV. Matérias de ensino elementar (primário e intermediário);

V. Desenho, artes industriais e domésticas;

VI. Música;

VII. Educação física, recreação e jogos;

VIII. Prática de ensino elementar;

IX. Organização e prática do ensino secundário e normal.

Da Escola de Ciências

Art. 21º A Escola de Ciências compreende as seguintes seções:

I. Ciências matemáticas;

II. Ciências físicas;

III. Ciências naturais.

Art. 22º De início, haverá na Escola de Ciências as seguintes cadeiras, destinadas, principalmente, à formação do professorado secundário para o ensino das disciplinas previstas na legislação federal em vigor:

a. Matemática (geometria analítica, análise matemática, mecânica);

b. Física; química-física;

c. Química geral, inorgânica e orgânica;

d. Biologia geral e zoologia;

e. Botânica;

f. Mineralogia e geologia (...)

Art. 24º Cada cadeira é regida por um professor, auxiliado por um ou mais assistentes, todos contratados.

Art. 25º O candidato ao professorado secundário de ciências, de acordo com a especialidade escolhida, dentro das previstas na atual legislação federal, habilita-se, pela Escola de Ciências, em um dos seguintes cursos de conteúdo:

1. Curso de professor de matemática: matemática, física, química-física (predominância de matemática).

2. Curso de professor de física: matemática, física, química-física (predominância de física).

3. Curso de professor de química: matemática (programa menor que o dos candidatos ao professorado de física e matemática); física (capítulos); química geral, inorgânica e orgânica; química-física.

4. Curso de professor de história natural: para todos os candidatos: matemática (programa igual ao dos candidatos ao professorado de química); cursos gerais de mineralogia e geologia, biologia geral e zoologia, botânica. Em seguimento: para o candidato com preferência para o estudo de mineralogia e geologia, e física (capítulos); para o candidato com preferência para o estudo de zoologia ou botânica, curso especial de zoologia ou botânica, e química (capítulos).

Parágrafo único. Além desses cursos, o candidato ao magistério de ciências fará, nas demais escolas ou institutos, os cursos de fundamentos e integração profissional, necessários à sua formação, nos termos do art. 13. (...)

Da Escola de Economia e Direito

Art. 30º A Escola de Economia e Direito compreende as seguintes seções:

I. Ciências econômicas;

II. Ciências sociais;

III. Ciências geográficas e históricas;

IV. Ciências jurídicas;

V. Ciência política e da administração. (...)

Art. 33º O candidato ao magistério secundário, dentro das especialidades previstas pela legislação federal, habilita-se, pela Escola de Economia e Direito, em um dos seguintes cursos de conteúdo:

1. Curso de professor de geografia;

2. Curso de professor de história;

3. Curso de professor de sociologia e ciências sociais.

Art. 34º Além dos cursos para a formação de professores secundários nas disciplinas acima enumeradas, a Escola de Economia e Direito providenciará para a realização oportuna de cursos:

a. de formação de bacharéis em ciências sociais e jurídicas;

b. de administração e funcionalismo;

c. de diplomática (carreira diplomática e consular);

d. de economia e finanças, atividades bancárias e comerciais;

e. de estatística;

f. de continuação e de extensão universitária, visando o aperfeiçoamento técnico e cultural de profissionais a professores de qualquer grau;

g. livros sobre assuntos relacionados com as matérias da escola para elevação no nível cultural. (...)

Da Escola de Filosofia e Letras

Art. 39º A Escola de Filosofia e Letras compreende as seguintes seções:

I. Filosofia;

II. Filologia;

III. Grego e latim;

IV. Filologia e literatura luso-brasileira;

V. Línguas estrangeiras. (...)

Art. 44º O candidato ao magistério secundário, dentro das especialidades previstas pela legislação federal, habilita-se, pela Escola de Filosofia e Letras, em um dos seguintes cursos de conteúdo:

1. Curso de professor de língua latina;

2. Curso de professor de línguas estrangeiras;

3. Curso de professor de português e literatura. (...)

Do Instituto de Artes (...)

Art. 49º O Instituto de Artes, estendendo progressivamente sua atuação sobre todas as artes puras e aplicadas, promove os estudos tendentes ao aperfeiçoamento das técnicas e à formação dos profissionais reclamados pelas necessidades sociais e econômicas, cabendo-lhe, pois:

a. estudar e classificar as manifestações nacionais de arte, investigando as preferências do espírito brasileiro;

b. promover pesquisas de ordem técnica e em função das necessidades econômicas, no sentido de promover, intensificar e aperfeiçoar os processos e meios de aplicação dos conhecimentos científicos e artísticos;

c. promover a formação de técnicos de indústria; de professores de arte das escolas secundárias; de instrutores técnicos de escolas secundárias técnicas e de artistas em geral;

d. oferecer oportunidades de aperfeiçoamento aos nossos artistas e técnicos;

e. promover, estimular e auxiliar iniciativas que visem ao beneficiamento das artes, o aperfeiçoamento técnico e a integração do sentimento brasileiro nas criações nacionais.

§ 1º As pesquisas, quer no domínio das obras de arte, quer nas produções industriais, visam apontar aos interessados as preferências de cada grupo e de cada época, as causas determinantes e as influências decorrentes dessas produções, e os demais estudos de ordem estética e social que a natureza das obras permitir.

§ 2º A formação e o aperfeiçoamento de profissionais em geral visa oferecer melhores oportunidades ao desenvolvimento das indústrias, com a aplicação das artes e das ciências às atividades essenciais à economia brasileira.

§ 3º A formação e aperfeiçoamento de artistas, desinteressados ou aplicados a fins profissionais, compreende cursos de oficina e trabalho, sob regime de completa liberdade de iniciativa, cursos de cultura geral, estudo individual e seminário.

§ 4º O auxílio e o estímulo à iniciativa privada se promove por todos os meios ao seu alcance e em conformidade com os recursos de que dispuser, com a realização de concursos, premiações, exposições, concertos, espetáculos, subvenções, assistência a sociedades técnicas e artísticas e outros empreendimentos complementares.

§ 5º A obra da difusão de cultura se completará ainda com a organização de cursos de extensão, de publicações e iniciativas complementares, em escolas, fábricas, associações profissionais e logradouros públicos adequados, servindo-se das artes, sempre que possível, para facultar oportunidades de recreio sadio, educativo e construtor.

Art. 50º O Instituto de Artes compreende as seguintes seções em funções de pesquisa e ensino:

I. Arquitetura e artes decorativas;

II. Artes industriais;

III. Música e dança;

IV. Drama e cinema. (...) (Distrito Federal, 12 de junho de 1935. Anísio Spínola Teixeira, Reitor Interino)

Instruções nº 2 (...)

Dos cursos

Art. 10º Além dos cursos já referidos nas instruções de 12 de junho de 1935, haverá, ainda este ano, os seguintes cursos:

a. Cursos de preparação de magistério:

I. Cursos para formação do professor de artes do desenho (desenho, modelagem e artes industriais) das escolas secundárias comuns e secundárias técnicas;

II. Curso para formação do professor de música e canto orfeônico das escolas secundárias e secundárias técnicas;

III. Curso para formação do professor de educação física e recreação (esportes, jogos, danças e representações) das escolas secundárias e secundárias técnicas;

IV. Curso para formação dos instrutores técnicos das escolas secundárias técnicas (seções de indumentária, marcenaria e artes de desenho aplicadas à impressão).

B. Cursos superiores de arte:

I. Curso de urbanismo;

II. Curso de aperfeiçoamento em arquitetura;

III. Curso de arquitetura paisagista;

IV. Curso de pintura mural e de cavalete;

V. Curso de escultura monumental e de salão.

c. Cursos de teatro:

I. Curso de drama;

II. Curso de arquitetura cenográfica;

III. Curso de bailados.

d. Cursos em artes industriais;

I. Artes do desenho aplicadas à impressão;

II. Artes de indumentária;

III. Artes de mobiliário (...) (Distrito Federal, 22 de junho de 1935 – Anísio Spínola Teixeira – Reitor Interino).

Instruções nº 3

Regulam os cursos de formação do professorado secundário nas Escolas de Ciências, Economia e Direito e Filosofia e Letras.

O reitor da Universidade do Distrito Federal, tendo em vista as Instruções nº 1, de 12 de junho de 1935,

Resolve:

Artigo único. Os cursos de formação do professor secundário, compreendendo:

1. Curso para professor de matemática;

2. Curso para professor de física;

3. Curso para professor de química;

4. Curso para professor de história natural;

5. Curso para professor de geografia;

6. Curso para professor de história;

7. Curso para professor de sociologia e ciências sociais;

8. Curso para professor de língua latina;

9. Curso para professor de línguas estrangeiras;

10. Curso para professor de português e literatura; (...) (Distrito Federal, 22 de junho de 1935 – Anísio Spínola Teixeira – Reitor Interino).

Pelo exame desses documentos – o Decreto nº 5.513 e as instruções da UDF – observa-se que, considerando-se o contexto brasileiro, tratava-se de uma universidade bastante original, tanto na nomenclatura atribuída às escolas, quanto na divisão interna, como, ainda, nos cursos e serviços oferecidos, tais como a Escola-Rádio, os cursos de diplomática, de artes cinematográfica e coreográfica, etc. Nota-se a forte influência norte-americana na importância conferida às artes industriais e aplicadas.

Mas há, também, uma grande preocupação com a cultura geral, especialmente a clássica, influxo, talvez, dos jesuítas na formação acadêmica de Anísio Teixeira.

Em todo caso, o compromisso principal é com o presente e o porvir; deseja-se promover o desenvolvimento da comunidade brasileira através da educação.

A documentação parece ter sido elaborada às pressas, pois alguns itens se mostram fora de lugar e há, também, algumas repetições, provavelmente para esclarecer ou tornar assimiláveis as novidades apresentadas.

O projeto era ambicioso na intenção. Depreende-se que tanto Pedro Ernesto quanto Anísio Teixeira esperavam que a UDF crescesse e se expandisse em muitas direções (na pesquisa pura, desinteressada, e também na pesquisa técnica e aplicada, assim como nos cursos de extensão, universitária etc.) de forma gradual, integrada e orgânica. Entretanto, de início fixaram-se nos cursos de preparação do professor primário e, principalmente, secundário. Verifica-se, contudo, que este profissional merecia um cuidado especialíssimo: almejavam formá-lo com sólida cultura geral, firmeza e profundidade na disciplina de conteúdo específico e, sobretudo, concedendo grande destaque à formação pedagógica. Além disso, aulas de línguas estrangeiras vivas – inglês e francês – eram obrigatórias a todo universitário que tivesse apresentado, no vestibular, insuficiência em seu domínio, qualquer que fosse o curso seguido na UDF.

Atribuía-se, por conseguinte, ao professor primário e secundário um papel muito superior ao que normalmente lhe era conferido, pois pretendia-se reformar a sociedade elevando significativamente a educação de todos. O professor precisava, portanto, ser polimorfo e abrangente, com farto conhecimento e prática de pesquisa científica. Na medida do possível e com o máximo de extensão, as novas gerações por ele despertadas e orientadas deveriam alçar-se à condição de elites.

Para o ano de 1935, foram adiados na UDF os cursos especialmente projetados visando à formação do profissional inteiramente dedicado à pesquisa, no sentido de desbravamento de novos horizontes numa área de conhecimento específico. Julgava-se que a instituição necessitava de amadurecimento e fermentação para o pleno florescimento da ciência. Todavia, tratava-se de garantir as condições iniciais propícias a esse florescimento. Para tanto, cuidou Anísio Teixeira de reunir no corpo docente da UDF o que havia de melhor em cada especialidade, chamando autênticas notoriedades de todo o Brasil, e a todos arrebatando com seu ardente entusiasmo.

Eis aqui a lista dos primeiros convidados: Júlio Afrânio Peixoto, reitor; Manoel Bergstrom Lourenço Filho, diretor da Escola de Educação; Roberto Marinho de Azevedo, diretor da Escola de Ciências; Hermes Lima, diretor da Escola de Economia e Direito; Edgardo Castro Rebello, diretor da Escola de Filosofia e Letras; Celso Octávio do Prado Kelly, diretor do Instituto de Artes.

Professores da Escola de Educação: José Paranhos Fontenelle, José Faria Góes Sobrinho, Carlos Accioly de Sá e Alair Accioly Antunes, de biologia educacional e higiene; Anísio Teixeira, de filosofia da educação; Lourenço Filho e Heloysa Marinho, de psicologia educacional; Celso Kelly e Delgado Carvalho, de sociologia educacional; Gustavo de Sá Lessa, de educação comparada; Afrânio Peixoto, de história da educação; Carneiro Leão, de administração escolar; Maria dos Reis Campos e Elvira Nyzinska da Silva, para a seção de materiais de ensino; Fernando Nerêo de Sampaio, Leonilda d’Anniballe, Stella Muniz Aboim e Maria Izabel Lacombe, para a seção de desenho, artes industriais e domésticas; Ceição de Barros Barreto, para a seção de música, Lois Marietta Williams, Ruth Couvêa, Diva de Moura Diniz, para a seção de educação física, recreação e jogos; Alfredina Paiva de Souza, Mathilde Cirne Bruno, Orminda Izabel Marques, Ondina Marques para a seção de prática de ensino elementar; Henrique Rodrigues Fabregar, para o ensino de cultura Ibero-americana.

Professores da Escola de Ciências: Lélio Gama e Francisco M. de Oliveira Castro, de matemática; Alfredo Schaeffer e Durval Potyguara E. Curty, de química; Bernhard Gross e Plínio Sussekind da Rocha, de física; Djalma Guimarães e Victor Leinz, de mineralogia e geologia; Alberto José de Sampaio e Carlos Vianna Freyre, de botânica; Lauro Travassos e Herman Lent, de zoologia.

Professores da Escola de Economia e Direito: Gilberto Freyre, de sociologia e antropologia; Hermes Lima, de economia social; Delgado de Carvalho, de geografia humana; Jayme Coelho, de história da antigüidade; Isnard Dantas Barreto, de história da idade média e moderna; Fernando Antônio Raja Gabaglia, de fisiografia.

Professores da Escola de Filosofia e Letras: Castro Rebello, de história geral da civilização; José Leite e Oiticica, de lingüística; J. A. Padberg Drenkpol, de língua e literatura grega; Antonio Jacintho Guedes, de língua e literatura latinas; Álvaro Ferdinando Souza Silveira, de filologia portuguesa; Madeleine Manuel, de língua e literatura francesas; Melissa Stodart Hull, de língua e literatura inglesas.

Professores do Instituto de Artes: Lúcio Costa e Carlos de Azevedo Leão, de arquitetura; Nestor de Figueiredo, de urbanismo; Cândido Portinari, de pintura mural e cavalete; Celso Antonio de Menezes, de escultura monumental e de salão; Georgina de Albuquerque, de artes decorativas; F. Valentim do Nascimento, Gilberto Trompowsky e Sylvia Meyer, de artes plásticas e industriais; Heitor Villa-Lobos e Lorenzo Fernandes, de música e canto orfeônico; J. C. Andrade Muricy, Arnaldo Estrella e Albuquerque Costa, de história e música, harmonia prática instrumental, teoria musical e prática orfeônica.

Mais tarde vieram também, entre outros, Edmundo da Luz Pinto, Prudente de Morais neto, Cornélio Penna, Josué de Castro, Heloísa Alberto Torres, Afonso Pena Jr. Roberto Accioly, Tavares Barros, José Maria Bello, Arthur Ramos, Nelson Romero, João Capistrano Raja Gabaglia, João Baptista Mello e Souza, Sérgio Buarque de Holanda, Cecília Meirelles, Luís de Barros Freire, Mario Casassanta, Mário de Andrade, Joaquim Costa Ribeiro e Othon Leonardos.

Cumpre lembrar que vários dos professores contratados para a Escola de Ciências da UDF eram alemães que se encontravam no Brasil trabalhando em outras instituições. Por exemplo, Bernhard Gross, formado pela Universidade de Sttutgart, trabalhava no Instituto Nacional de Tecnologia; Alfredo Schaeffer, formado pela Universidade de Munique, ensinava na Escola Técnica do Exército; e Victor Leinz, doutor em ciências pela Universidade de Heidelberg, também trabalhava no Instituto Nacional de Tecnologia, juntamente com Otto Rothe, doutor em química. Por sua vez, as professoras Madeleine Manuel e Melissa Hull, da Escola de Filosofia e Letras, eram, respectivamente, de origem francesa e inglesa.

Assim como ocorrera, em 1934, na FFCL da USP, a UDF também encontrou, no início, grandes dificuldades em conseguir alunos para suas novas escolas. Mas, no antigo Distrito Federal, os problemas eram ainda maiores em razão da hostilidade do Ministro Capanema. Para evitar seus temidos efeitos, Anísio Teixeira teve pressa em colocar os cursos em pleno funcionamento, sem, contudo, fazer muito alarde. a solução, como na USP, foi saírem os professores da UDF à cata de alunos matriculados em outras instituições superiores, onde tivessem facilidades de acesso. Faziam propaganda dos novos cursos programados e acenavam com algumas vantagens tangíveis. Desse modo, foi prometido aos diplomados pela UDF que, uma vez formados, ingressariam diretamente como professores nas escolas municipais, sem necessidade de prestar concurso público. A perspectiva apresentava-se bastante razoável, em se considerando que o cargo era estável e permitia a acumulação com outras atividades. Além disso, conquanto não gozassem eles da mesma importância social e salarial dos advogados, médicos e engenheiros, a situação econômica e social dos professores secundários era, na década de 30, bem superior à atual.

Eis porque os discentes da primeira turma da UDF, em sua grande maioria, partilhavam de uma característica importante: já possuíam ou estavam em via de granjear diploma de curso superior, conferido por outra instituição. Os homens, em sua maior parte, provinham das faculdades de direito, e as mulheres, da Escola de Educação, que desde 1932 oferecia formação profissional em nível semelhante à do vestibular. Mas apareceram também candidatos oriundos das escolas de medicina, farmácia, engenharia e odontologia.

As inscrições para os exames vestibulares ficaram abertas até 22 de junho de 1935. Segundo depoimentos de ex-alunos da UDF, o vestibular foi extremamente difícil e longo. Para ser aprovado, o candidato deveria obter nota cinco em cada disciplina e média geral cima de seis. As provas de francês e inglês – ambas obrigatórias – não reprovavam, mas apenas classificavam. Os alunos que demonstrassem domínio dessas línguas ficavam dispensados de cursá-las na universidade. Mas constituíam disciplinas obrigatórias para os estudantes que apresentassem alguma dificuldade na tradução ou na compreensão geral desses idiomas.

Por uma série de fatores, apenas lograram ingressar na UDF os jovens originários das faixas mais elevadas dos setores urbanos. Um ex-aluno da UDF, ao conceder entrevista, observou: "muitos alunos e alunas iam para as aulas de carro com chofer; as moças usavam chapéus e luvas e todos eram muito elegantes".

Aliás, é Cunha (1980 e 1983) quem mais salienta o aspecto de ser pago o ensino superior oficial daquele tempo: em 1931, as taxas para os cursos de direito, medicina, engenharia, odontologia e farmácia, na Universidade do Rio de Janeiro, eram de 100 mil réis para a matrícula anual e 120 mil réis em pagamento por matéria e por período escolar. Havia ainda outras pequenas taxas, como as de exame final, de certificados diversos etc.

Na UDF cobrava-se uma taxa de inscrição de 20 mil réis, e uma anuidade, recebida antecipadamente, de 200 mil réis, além de outras contribuições menores. Esses valores mantiveram-se os mesmos nos anos de 1935 e 1938. A pesquisa documental revelou que alguns alunos – conquanto poucos – solicitaram o parcelamento dessa anuidade. Entre os ex-alunos da UDF que concederam entrevista, apenas um reconheceu que o preço da anuidade era caro, embora não fosse exorbitante. Os outros não se lembravam desse detalhe.

Para fazer-se uma idéia do que representava esse valor naquela época, é interessante recordar que, quando a Faculdade Nacional de Filosofia começou a funcionar, em 1939, sua anuidade era de 120 mil réis – preço que permaneceu inalterado por muitos anos, apesar da inflação. Outra referência significativa é a do salário mínimo que, em julho de 1940, foi fixado em 240 mil réis.

Os cursos começaram a funcionar em 31.7.35 e prosseguiram sem interrupção até fevereiro de 1936 para compensar parcialmente a falta de aulas no primeiro semestre. Informa Hermes Lima (1978) que, nesse ano de 1935, o total de alunos matriculados chegou a 727. Ele deve ter considerado nesse número os alunos "ouvintes", isto é, aqueles que freqüentaram algumas aulas sem ter obtido aprovação nos exames vestibulares, ou que não puderam ser admitidos regularmente por falta de algum documento. Os alunos ouvintes representaram um número apreciável nos primeiros meses de funcionamento da UDF. Segundo a relação oficial do arquivo da UDF, foram aprovados 531 alunos para a admissão nas diversas instituições, assim distribuídos: 149 para a Escola de Educação; 175 para a Escola de Ciências; 72 para a Escola de Economia e Direito; 34 para a Escola de Filosofia e Letras; e 101 para o Instituto de Artes. Entretanto, apenas 480 aprovados chegaram, realmente, a se matricular nos vários cursos (relação também encontrada no arquivo Anísio Teixeira, no CPDOC, da FGV).

Alguns alunos excepcionalmente brilhantes, pelo fato de já possuírem diploma superior, foram logo admitidos como professores assistentes de seus mestre, na UDF, onde passaram a lecionar no ano seguinte.

Durante o ano de1935, Afrânio Peixoto viajou para a Europa com a incumbência de contratar professores estrangeiros dispostos a lecionar na UDF, seguindo os exemplos da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e da Faculdade de Filosofia da USP, que tinham feito o mesmo. Da França enviou ele carta a Anísio Teixeira, explicando as condições de contratação dos professores franceses: ficariam no Brasil de março a novembro e passariam dezembro, janeiro e fevereiro em seu país natal. Receberiam um ordenado relativamente elevado, em termos brasileiro, "por causa da desvalorização de nossa moeda" (Peixoto, 1935). As passagens seriam pagas de forma seguinte: um terço do preço total caberia à UDF; outro terço seria oferecido pelo Governo francês; e o terço restantes seria coberto pelo próprio professor interessado em lecionar no Brasil.

Assim vieram para a UDF muitos professores franceses, tais como:

Henri Hauser (História moderna e econômica); Gaston Leduc (Economia política); Etienne Souriau (Psicologia do trabalho e da arte); René Poirier (Filosofia); Henri Tronchon (História); Émile Brehier (Filosofia); Eugene Albertini (História); Pierre Deffontaines (Geografia, que também lecionara na USP); Rober Garric (Literatura francesa, igualmente da USP).

E mais: Henri Frenchou, da Universidade de Letras de Strasbourg, Jacques Peret, da Universidade de Letras de Montepellier, e Jean Boucier, todos mencionados por Cunha (1980, p. 247), sem especificações da disciplina lecionada.

A UDF contratou, igualmente, alguns professores da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, como Donald Pierson (Sociologia) e Robert Park (Sociologia urbana), ambos norte-americanos, oriundos da Escola de Chicago.

Outro professor estrangeiro, esse de origem alemã, que lecionou na UDF, e que também pertencera ao corpo docente da USP, foi Karl Arens, de botânica.

Mas na UDF, ao contrário da FFCL da USP, os mestres estrangeiros jamais foram majoritários, e os docentes nacionais gozavam de prestígio equivalente ao de seus colegas forâneos.

Durante ao ano e 1935, no entanto, a situação política do país se deteriorara rapidamente. Para prevenir agitações de massas, o Governo sancionou uma rigorosíssima Lei de Segurança Nacional. Em afirmação de seus princípios, a Aliança Nacional Libertadora procurou reagir e Luís Carlos Prestes discursou provocativamente em sua defesa. Como resposta, o Governo decretou seu fechamento por seis meses. Argumenta Hermes Lima (1978) que, desse modo, o Governo "trancara a via legal do movimento que respondia a anseios, mesmo vagos, mas poderosos, na revisão da ordem econômica e social" (p. 135).

Começou, então, um obscuro período de conspiração cujo desfecho foi a chamada Intentona Comunista, de novembro de 1935. Após isso prepararam-se os caminhos para o golpe do Estado Novo: levantou-se o avantesma do comunismo para justificar duras medidas autoritárias, exigiu-se atestado de ideologia, decretou-se, em suma, o estado de sítio.

Porque o clero insistisse na caracterização de Anísio Teixeira como comunista, teve ele que abandonar a vida pública e refugiar-se no sertão baiano. Com ele saíram da UDF, entre outros, Afrânio Peixoto, Hermes Lima e Venâncio Filho.

Antigos alunos da UDF informam que, naquele período, viveram todos em estado de verdadeira perplexidade: havia censura aos meios de comunicação e muitos professores sumiram, inclusive Arthur Ramos, sem que ninguém lhes soubesse os motivos. Corriam boatos de que muitos intelectuais e professores tinham sidos presos, outros fugido, e outros ainda, descrentes do futuro da universidade, simplesmente teriam abandonado seus cargos naquela instituição.

No dizer de Paim (1982, p.55), a UDF "sobreviveria a essa refrega graças à ascensão à reitoria de Afonso Pena Júnior, intelectual de renome, que soube assumir-lhe o espírito e reunir em seu derredor o que havia de mais expressivo da intelectualidade brasileira".

Em 1936 não houve vestibular para a UDF, mas os cursos prosseguiram com algumas modificações curriculares.

Em 1937 houve novo vestibular para o qual concorreram muitos candidatos; entretanto, poucos lograram aprovação, e alguns cursos receberam um número de alunos muito reduzido. A difícil situação era contornada, quando possível, com a reunião, na mesma turma, de estudantes oriundos de cursos diferentes.

Com referência às aulas, informaram alguns ex-alunos entrevistados que os professores estrangeiros ministravam-nas em suas respectivas línguas originárias: os discentes recebiam uma lauda com o roteiro da matéria a ser tratada e indicações bibliográficas sobre o assunto. Todos eram incentivados a ler muito e a UDF possuía excelente biblioteca para quem soubesse vários idiomas.

Como condição de entrar em provas parciais, deviam os estudantes apresentar, antes, um trabalho monográfico (denominado "estágio") para cada disciplina, e era por esse trabalho que cada um mostrava a amplitude das leituras realizadas. Afirmaram todos que o nível de exigência dos professores era muito alto.

Pelas entrevistas realizadas com ex-alunos, verifica-se que nem sempre coincidiram as atribuições de disciplinas constantes no programa impresso da UDF com a realidade diária da vida estudantil. Por exemplo, na Escola de Economia e Direito, vários informes assinalaram que as aulas de sociologia não foram ministradas somente por Gilberto Freyre, pois que Carneiro Leão (que constava, no programa, como regente da disciplina administração escolar) também as forneceu. Da mesma forma como Padberg Drenkpol foi lembrado nas aulas de antropologia, juntamente com Heloísa Alberto Torres e Roquete Pinto. Arthur Ramos lecionava psicologia social, Josué de Castro ministrava lições de sociologia criminal e Sergio Buarque de Holanda era assistente de Henri Hauser.

Para o curso de Menção Sociologia, da Escola de Economia e Direito, foram oferecidas muitas cadeiras avulsas, entre elas a de paleogeografia, filosofia, introdução à ciência do direito, mas nenhuma específica sobre ciência política.

A intenção proclamada dos cursos da Escola de Economia e Direito era a de formar professores, e não havia nenhum Instituto de Pesquisa. Alguns trabalhos de estágio, no entanto, levaram os alunos do curso Menção Sociologia a elaborar pequenas enquètes, como uma realizada no morro da Mangueira, e outra levada a cabo entre os sírios-libaneses da rua da Constituição, ambas a pedido do professor Carneiro Leão. Fizeram, também, algumas excursões, numa das quais visitaram uma colônia de plantadores de café.

Segundo os relatos dos ex-alunos entrevistados, as matérias mais temidas eram sociologia (com Gilberto Freyre, devido ao nível de exigência do professor) e antropologia física.

Sobre as aulas de Gilberto Freyre, informaram os entrevistados que todos esperavam dele uma grande atuação, por causa do enorme sucesso do seu livro Casa grande & senzala. O professor era, porém, ainda muito jovem, mostrava-se excessivamente tímido, não encarava os alunos, e "proferia suas lições com voz extremamente pausada e monótona, que levava ao estado de sonolência". Uma estenógrafa ficava sempre a seu lado, e na semana seguinte os alunos recebiam um folheto com a aula do mestre datilografada. Mas ninguém teve, de início, curiosidade bastante para lê-las. No fim do primeiro semestre exigiu Gilberto Freyre, como trabalho de estágio, que os alunos classificassem como quisessem as matérias publicadas nos jornais do Rio de Janeiro, medissem-nas com régua e apresentassem suas conclusões sobre o que viessem a achar. Apesar de "indignados", resolveram cumprir a tarefa, em grupo. Ao fazê-lo, porém, descobriram um mundo de excelentes novidades e, tomados de entusiasmo, decidiram ler as apostilas guardadas: verificaram, então, que elas constituíam verdadeiras obras literárias, com profundas observações do mestre sobre aspectos sociológicos da vida cotidiana. Foram essas aulas mais tarde compendiadas em livro.

Gilberto Freyre acabou sendo bem apreciado pela turma, embora alguns ainda lhe censurem o não ter sido muito sistemático em seu programa. As aulas fluíam poéticas, mais ou menos ao sabor da inspiração do momento, feitas preferentemente para serem lidas e não ouvidas. Um outro trabalho, este individual, que fizeram para ele, teve por título "Caracterize sociologicamente a rua em que você mora".

Sobre o professor Carneiro Leão, os entrevistados disseram que, embora possuísse ele extraordinária cultura, era, igualmente, pouco sistemático como professor de sociologia.

Os alunos levavam de três a cinco horas para fazer cada prova parcial e, de regra, podiam consultar todos os livros e anotações que desejassem, pois as questões exigiam mais discernimento, reflexão e leitura sedimentada, do que memória.

Em meados de 1937 houve planos para criar a Revista da UDF, feita pelos alunos de seus vários órgãos. Seria uma publicação mensal, em 1000 exemplares, e teria cerca de 100 páginas, mas não se conseguiu financiamento para a iniciativa.

Um entrevistado mencionou que havia grande competição entre os estudantes, todo se esforçando para sobressair e tirar boas notas, não apenas por uma questão de afirmação pessoal, mas também porque se havia prometido ao primeiro colocado de cada curso o prêmio de realizar estudos de pós-graduação na Europa.

Esse prêmio foi concedido a uma aluna da turma de ciências sociais, que viajou para a França, onde ficou retida por motivo da guerra. Quando, afinal, regressou ao Brasil, foi convidada para ser professora de geografia humana e, mais tarde, de sociologia, na Faculdade Nacional de Filosofia.

Em fins de 1937 ocorreu o golpe do Estado Novo, e uma nova Constituição, de inspiração tipicamente fascista, foi imposta ao país.

Na UDF, vários professores desistiram de dar aula ante a cerrada campanha que contra ela fazia o então Ministro da Educação, Gustavo Capanema. Gilberto Freyre foi um dos que saíram da UDF quando Alceu Amoroso Lima – o principal líder católico (secular) da época – foi chamado a substituir Baeta Viana, sucessor de Afonso Pena na reitoria. Nenhuma reação se articulou entre os alunos, ainda que muitos se mostrassem revoltados com esses acontecimentos.

Nas suas Memórias improvisadas (1973), Amoroso Lima revela que, ao aceitar a reitoria da UDF, assumiu também a cadeira de sociologia. Como professor dessa matéria, diz ele, seu catolicismo seria "uma pedra no caminho" (p. 224), pois os alunos o interpelavam com a intenção de desconcertá-lo, por não admitirem que um católico ensinasse sociologia.

Na relação de professores da UDF, de 1938, aparece o nome de Alceu Amoroso Lima como catedrático de sociologia, tendo Hildebrando Leal como adjunto, e Romeu Rodrigues da Silva como assistente. Mas nenhum dos cinco ex-alunos entrevistados, conquanto diretamente questionados sobre isso, se recordou de ter recebido aulas de sociologia de mestre Alceu. Lembraram sim, de haver ele dado lições de literatura brasileira; aliás magníficas, para outros cursos da universidade.

Nesta mesma época foi assinada a Lei de Desacumulação de Cargos, que na opinião de Schwartzman (1979) teve efeitos desastrosos na universidade, pois "a maioria dos professores optou por seus cargos nos institutos de pesquisa, onde trabalhavam" (p. 179). Castro Faria (s.d.) põe em dúvida essa integração e sugere, in verbis:

"É fato notório que alguns grandes nomes do magistério superior e de instituições de pesquisa foram atingidos porque não dedicavam muito tempo ao ensino (o que era mais comum), nem à pesquisa, pois ocupavam formalmente vários lugares. A desacumulação promoveu, sem dúvida, abertura de espaço para os mais jovens, que antes só encontravam lugares ocupados."

Acrescenta, ainda o autor:

"Entre o Museu Nacional, que exigia oito horas diárias de trabalho, e uma Faculdade, que para o catedrático podia até não exigir nenhuma, e muito menos exigia produção científica, a opção foi sempre pela Faculdade" (p.4).

Não tem a autora deste trabalho condições pessoais para opinar sobre a controvérsia, mas é possível que ambas as posições estejam corretas, e que os autores tenham focalizado órgãos e aspectos, ou, talvez, momentos diferentes na universidade. Schwartzman parece expressar a opinião dos professores da Escola de Ciências da UDF. Castro Faria se refere, provavelmente, à situação de trabalho no Museu Nacional e às regalias de que disporiam os catedráticos da Faculdade Nacional de Filosofia, criada, no papel, em 5.7.37, quando a antiga Universidade do Rio de Janeiro recebeu o imponente nome de Universidade do Brasil. A Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras, no entanto, só viria a entrar em efetivo funcionamento cerca de dois anos mais tarde, em 1939.

Uma interessante referência de Castro Faria diz respeito a Padberg Drenkpol, que nessa ocasião deixou o lugar na seção de antropologia do Museu Nacional, optando pelo cargo de professor de grego a Faculdade Nacional de Filosofia. Na publicação da UDF, de 1935, J. A. Drenkpol estava lotado na Escola de Filosofia e Letras, como professor de língua e literatura grega. Mas os ex-alunos do curso Menção Sociologia se lembraram de suas aulas de antropologia ministradas no Museu Nacional. Já no ano de 1938, Jorge Augusto Padberg Drenkpol consta da relação de professores da UDF, mas como catedrático da cadeira de pré-história e etnologia. Ser versado em assuntos tão variados era, como se vê, uma das características marcantes dos professores daquela época.

De qualquer forma, a desacumulação de cargos não foi acompanhada de qualquer vantagem salarial, nem de melhores condições de ensino e pesquisa para os professores e pesquisadores das várias instituições.

No início de 1938, os cursos da UDF tiveram seus currículos reformulados para incluir mais cadeiras de cunho filosófico: introdução à filosofia, história da filosofia e ética, etc. Comentou um entrevistado que "isso foi mais uma concessão à igreja Católica", já que, nesse campo, possuíam os padres e professores de formação católica, estudos mais aprofundados e, por essa razão, levavam, de regra, vantagem sobre os não católicos no Brasil. No ano de 1938 figuram como catedráticos de filosofia da UDF os seguintes professores: Padre Maurilo T. Leite Penido, José Barreto Filho e Reinholdt J. A. Berge. O adjunto contratado foi Álvaro B. Vieira Pinto (que, segundo as referidas informações, era, na época, simpatizante do movimento integralista e amigo de San Tiago Dantas e Alceu Amoroso Lima).

Fávero (1980) comenta as alterações impostas pela burocracia pedagógica do país à Escola de Economia e Direito da UDF: em julho de 1938, foi ela transformada em Faculdade de Economia e Política, e deveria oferecer cursos de ciências sociais, jornalismo, administração superior e técnicas, economia e finanças. Esse plano não chegou a ser concretizado porque a UDF foi extinta em 20.1.1939.

Os ex-alunos entrevistados descreveram com tintas dramáticas o clima de insegurança reinante entre professores e estudantes desde 1936, sobretudo porque o novo interventor no Distrito Federal, Padre Olímpio de Mello (Pedro Ernesto fora preso em 3.4.1936), não tinha a UDF em boa conta e parecia querer livrar-se dela. O golpe final se deu, no entanto, durante a gestão de Henrique de Toledo Dodsworth. O Decreto-lei nº 1.063, de 20 de janeiro de 1939, transferiu para a Universidade do Brasil todos os estabelecimentos de ensino que compunham a UDF, excluídos o Instituto de Educação, o Departamento de Artes do Desenho e o Departamento de Música, bem como os cursos de formação de professores primários, de orientadores de ensino primário, de administradores e de aperfeiçoamento da Faculdade de Educação. Em outras palavras, a Faculdade de Filosofia e Letras, a Faculdade de Ciências, a Faculdade de Economia e Política (ex-Escola de Economia e Direito) e alguns cursos da Faculdade de Educação – todos da UDF – foram absorvidos pela Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade do Brasil, que se organizaria, finalmente, pelo Decreto-lei nº 1.190, de 4 de abril de 1939, ou seja, quase três meses depois da extinção da UDF.

Em palestra proferida em 14.7.83, no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Prof. Camarinha da Silva salientou que a coincidência de datas – início da UDF em 4.4.35, e início da Faculdade Nacional de Filosofia em 4.4.39 – não pode deixar de ter sido intencional. Segundo ele, o governo federal quis, com isso, dar uma demonstração de força contra os pensadores que ousassem inovar em matéria de ensino, fora das estreitas e pesadas normas elaboradas pelo Ministério da Educação. Naquele momento predominavam, na política do país, as correntes antiliberais e autoritárias que pretendiam acabar com qualquer laivo de democracia e representação popular – e a UDF simbolizava o populismo de Pedro Ernesto e o liberalismo democrático de Anísio Teixeira. Para os defensores da ditadura, tudo aquilo foi encarado como um erro a ser eliminado. A nova Faculdade Nacional de Filosofia seria, dali em diante, o único padrão consentido. Todas as outras instituições similares tiveram que adaptar-se e copiar servilmente o modelo oficial.

Antes de ser extinta, a UDF diplomou, em dezembro de 1938, várias turmas de seus diversos cursos. A tabela 1 oferece um panorama geral dos diplomados daquele ano.

A formatura realizou-se em cerimônia solene no Teatro Municipal, com um coro regido por Villa-Lobos. O discurso da oradora da turma Menção Sociologia, da ex-Escola de Economia e Direito, teve que ser entregue ao reitor, para leitura e aprovação, com quatro dias de antecedência. Devolvido sem nenhuma recomendação de mudança causou, no entanto, ao ser proferido, constrangimento às autoridades presentes, porque continha elogios à figura de Anísio Teixeira.

O Ministério da Educação, para reconhecer a validade dos diplomas outorgados pela UDF, impôs várias condições a seus ex-alunos, a saber: a) todos os admitidos com dispensa de alguma disciplina no vestibular teriam que submeter-se a provas de habilitação nas referidas matérias (a UDF tinha considerado lídimas as aprovações obtidas em vestibulares prestados em instituições superiores devidamente reconhecidas, desde que com nota cinco ou acima disso; entretanto, como o número de disciplinas exigidas para ingresso nos seus cursos era superior ao dos outros estabelecimentos de ensino, os alunos regulares que lá entraram haviam sido submetidos a outras provas, não obstante as dispensas concedidas); b) todos os diplomados pela UDF teriam que complementar seus currículos seguindo algumas cadeiras na nova Faculdade Nacional de Filosofia.

Ao que consta, poucos concordaram com essas exigências, alguns por já possuírem outro título superior reconhecido; outros, por julgarem o ensino da Nacional inferior ao ministrado na UDF. Mas os que estavam no meio do curso prosseguiram seus estudos na Nacional, por falta de opção.

Tabela 1

Número de alunos diplomados como professores
de ensino secundário, segundo sexo, cursos e
unidades da UDF
(1938)

Unidade

Cursos

Número de diplomados

Masc. Fem. Total

Faculdade de Economia

Sociologia e Ciências sociais

7 5 12

e Política

História

8 6 14

 

Geografia

8 1 9

Faculdade de Ciências

Matemática

11 0 11

 

Física

11 0 11

 

Química

12 4 16

 

Ciências Naturais

17 0 17

 

História Natural

1 0 1

Faculdade de Filosofia

Inglês

5 5 10

e Letras

Português

4 1 5

 

Latim

2 2 4

Instituto de

Artes do desenho

6 5 11

Artes

Música e canto orfeônico

0 6 6

Total

 

92 35 127

Fonte: extraído de documento passado por Jacy de Macedo Mattos, datilógrafo contratado da extinta UDF, conferido pela escriturária Ilda Aguiar da Silva e pelo secretário Pedro Avelino, arquivado no Instituto de Educação.

Com as reformas de Gustavo Capanema, processaram-se outras mudanças na política educacional. Uma resolução teve especial relevância para os ex-alunos da UDF: não foi considerada válida a promessa de seu aproveitamento como professores nas escolas do Distrito Federal. Assim, os que vieram a dedicar-se ao ensino o fizeram mediante concurso.

Apesar de todos os problemas, a UDF descobriu vocações e produziu alguns cientistas de grande valor, como Plínio Sussekind (físico), Francisco Mendes de Oliveira Castro (matemático), Hugo Souza Lopes, Gustavo de Oliveira Castro e Joaquim Costa ribeiro (entomologistas). Em seus bancos estudaram, também, Oswaldo Frota Pessoa, Alcides Lourenço Gomes, Domingos Artur Machado Filho, José Antunes, José Lacerda de Araújo Feio, Luiz Emídio Melo Filho, Newton Dias dos Santos, Emanuel de Azevedo Martins, Welmar Penna (d. Ireneu, do Mosteiro São Bento) – todos da Escola de Ciências. E, ainda, como ouvintes os alunos regulares das outras escolas, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, Antonio Houaiss, Vicente Tapajós, Olavo Bilac Pinto, Iva Waisberg Bonow, Irene Mello Carvalho (depois Irene Estêvão de Oliveira), José Bonifácio Martins Rodrigues, Maria Violeta Coutinho Villas Boas, para citar apenas alguns.

Outra conseqüência importante das reformas Capanema foi a volta do Instituto de Educação à condição de estabelecimento de ensino de segundo grau. Além disso, a nova legislação dificultava o acesso aos cursos superiores. Aos egressos dos cursos profissionais, considerados conclusivos como os cursos agrícolas, industrial comercial, militar e normal, barravam-se as chances de entrada na universidade. A única via a levar ao ensino superior era o curso secundário, indicado para "individualidades condutoras". Este fora dividido em dois ciclos: um, de quatro anos, denominado ginasial; outro, posterior, subdividido em clássico e científico, com duração de três anos.

Os cursos de nível médio tornaram-se, pois, paralelos e estanques; à exceção do "secundário" foram todos desvalorizados.

O dirigente encarregado pelo Governo de administrar a UDF no período em que se processou a transferência do estabelecimento para Universidade do Brasil foi o reitor Luiz Camillo de Oliveira Netto. Este enviou ao Dr. Luiz Vergara, na época chefe da Casa Civil da Presidência da República, uma carta cujo teor é digno de transcrição:

"Os técnicos do Ministério da Educação, os responsáveis pela elaboração dos decretos citados (Decretos-leis números 1.063 e 1.190), cheios da melhor boa vontade, desconheciam, entretanto, as necessidades da cultura nacional, não tomaram conhecimento da situação real do nosso ensino secundário, não se informaram do que se vem praticando em todos os países cultos e preferiram ignorar, intencionalmente, a única experiência ponderável que a respeito existia entre nós e deram, assim, à Faculdade Nacional de Filosofia uma organização deficiente e imperfeita e que não poderá atender aos fins que tem em vista.

Como resultado, e único resultado prático, será extinta a Universidade do Distrito Federal, ou seja, destruída, definitivamente, a instituição de ensino de maior importância cultural do Rio de Janeiro e possivelmente de todo o país (...) "(Oliveira Netto, 1939).

O Ministro Capanema declarou, contudo, que a UDF era inconstitucional por ter sido organizada (na realidade reformulada, após a segunda intervenção na reitoria) pelo Decreto municipal nº 6.215, de 21 de maio de 1938. Assim, pela nova constituição em vigor naquela época, o prefeito não tinha competência para isso.

Argumentou ainda que a UDF não possuía edifícios e laboratórios, a seu ver, essenciais para configurar o bom funcionamento de uma universidade. Argüiu que o Estado Novo devia assentar-se num princípio fundamental: a disciplina. A existência da Universidade do Distrito Federal constituía uma situação de indisciplina e desordem no seio da administração pública do país, e colocava o ministério em uma posição moralmente diminuída.

O ministério pretendia criar todos os cursos da UDF na Universidade do Brasil, que, aliás, já mantinha, há longos anos, cursos de pintura, escultura, urbanismo e música, na Escola Nacional de Belas Artes e na Escola Nacional de Música. Desse modo, a permanência deles na UDF apenas representaria uma duplicação inútil e um desperdício de dinheiro. Em sua opinião, para bem da ordem, da disciplina, da economia e da eficiência, deveria haver apenas um único aparelho universitário na capital da República. Por todos esses motivos, a UDF tinha que desaparecer.

Vivia-se um período político autoritário, em que as reformas educativas eram impostas sem consulta, debate, ou outro qualquer processo de avaliação coletiva. É preciso lembrar, ainda, que naquela época, o famigerado Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), exercendo severa censura, impedia a publicação de notícias desagradáveis ao Governo e proibia a entrada no país de livros que tivessem "um leve e fugidio tom de democracia, sob o pretexto de evitar a penetração de doutrinas exóticas (Cunha, a980, p. 284, grifo do autor).

O Decreto-lei nº 1.063, que extinguiu a UDF, determinava que seus catedráticos efetivos, bem assim os professores estrangeiros contratados, seriam aproveitados em cargos da mesma natureza na Universidade do Brasil. Convém lembrar que, em princípios de 1939, apenas alguns componentes brasileiros do grupo inicial da UDF haviam conseguido ultrapassar indenes as intervenções que a instituição sofrera, em 1936 e 1938. Ainda assim, essa cláusula provocou a renúncia de Alceu Amoroso Lima ao convite de Capanema para dirigir a Faculdade Nacional de Filosofia. Para aceitá-lo, tinha Alceu feito ao ministro duas solicitações: a primeira, se referia ao adiamento do início das aulas da Nacional para 1940; a segunda, dizia respeito à não-incorporação dos quase 100 professores e 500 alunos e funcionários da UDF na nova faculdade, os quais, a seu ver, "criariam o confusionismo filosófico e ideológico"(Carta de Alceu Amoroso Lima e Capanema, 3.2.1941, in Schwartzman & Bomeny & Costa, 1984, p, 218 e 342). Mas o ministro, muito delicadamente, não o atendeu.

Anos mais tarde, ao tornar-se amigo de Anísio Teixeira, mestre Alceu mostrou-se arrependido de muitas de suas atitudes tomadas naquela época conforme depoimento pessoal de Anna Christina Teixeira Monteiro de Barros, filha do fundador da UDF.

Segundo Leitão da Cunha (1939), foram examinados os documentos de 85 professores, catedráticos, adjuntos e assistentes, que constituíram o corpo docente dos cursos da UDF transferidos para a Universidade do Brasil. Desses, 81 eram professores comissionados ou contratados interinamente e portanto, deveriam submeter-se aos trâmites legais para o exercício da cátedra. Apenas os professores Lourenço Filho (Psicologia educacional), Carneiro Leão (Administração escolar), Celso Prado Kelly (Sociologia educacional) e José de Faria Góes Sobrinho (Biologia educacional) eram efetivos da UDF, e Leitão da Cunha os recomendava para preenchimento das respectivas cadeiras na Faculdade Nacional de Filosofia. Oliveira Netto (1939), no entanto, consultou o Conselho Nacional de Educação para saber se esses "senhores" poderiam ser considerados catedráticos efetivos da UDF, já que haviam sido efetivados em seus cargos por atos emanados do gabinete do prefeito do Distrito Federal (Pedro Ernesto, em 2 de junho de 1934), sem que houvesse a menor referência a qualquer processo de habilitação.

O grupo remanescente dos professores estrangeiros foi todo aproveitado pela nova Faculdade Nacional de Filosofia. A ele vieram juntar-se os novos mestres contratados no exterior – a maior parte oriunda da França e da Itália – que, naquele momento, passaram pelo estrito controle doutrinário do governo federal e da Igreja Católica.

Informa Fávero (1980) que o Ministro Capanema pretendia formar com a Faculdade Nacional de Filosofia uma instituição "perfeita" (p. 96); por isso a propôs como padrão a ser seguido por todas as entidades congêneres, fossem elas de iniciativa privada ou pública.

A intervenção governamental não se limitou à proposta, pois as outras faculdades só eram "autorizadas" após dois anos de funcionamento, e se copiassem o modelo da Nacional. Quatro anos após o início dos cursos, sempre sob severa vigilância, poderiam, afinal, ser "reconhecidas". O Governo passou, também, a determinar as matérias, e seus respectivos programas que deveriam constar dos exames vestibulares, o que, até então, competia ao arbítrio da diretoria de cada instituição superior. A única flexibilidade possível limitou-se às cadeiras adicionais, cujo número estava, entretanto, estipulado por lei.

Comenta Fávero (1980) que, da imposição do novo "modelo", notadamente arcaico, advieram más conseqüências para as novas faculdades de filosofia (que começaram a proliferar a partir dessa época) e, ainda, fez "recuar a de São Paulo"(p. 106). Com a mencionada autora concordam, entre outros, Cunha (1980), Oliveira Lima (s/d), Castro Faria (s/d) e Schawartzman (1979).

A extinção da UDF representou a derrota momentânea de um dos grupos que disputavam o controle do sistema escolar. Na opinião de Cury (1978), ambos os grupos, tanto o católico quanto o dos "pioneiros", visavam a manutenção da ordem capitalista no Brasil. Os católicos expressavam a política educacional mais adequada ao modelo oligárquico, enquanto os "pioneiros" buscavam "uma adaptação da política educacional ao processo econômico gerado pelas novas forças produtivas" (p. 25). De todo modo, o citado autor reconhece que a posição dos "pioneiros" era mais progressista e abria às camadas médias e às classes populares maiores oportunidades de acesso à escola. Era, justamente, o que tentava fazer a política educacional de Anísio Teixeira.

4. Considerações Finais

Tanto a USP como a UDF foram expressões das tentativas realizadas pelas correntes liberais de fundar, no Brasil, uma universidade com características modernas a exemplo das que, durante o século XIX, haviam se estruturado nos países industrialmente mais avançados.

Em São Paulo, a instituição foi especialmente planejada para a formação de suas classes dirigentes, na esperança de que, através do conhecimento científico e da alta cultura, pudessem as elites paulistas recuperar o domínio político nacional perdido com a Revolução de 30. Nesse objetivo particular, a USP falhou redondamente. Isto porque, a meu ver, foi errôneo o diagnóstico realizado por seus idealizadores, naquele aspecto.

Não foi por deficiência científica ou cultural que os paulistas perderam a liderança política nacional em 30 e 32. A chamada Revolução de 30 já se anunciava nos movimentos de rebeldia ensaiados no decurso da década de 20, decorrentes das contradições da política e da economia do café, comandadas pelas oligarquias paulistas. À medida que crescia a maré da revolta, a derrota dos barões do café era uma questão de tempo e de oportunidade. Esta oportunidade chegou com um conjunto de circunstâncias internamente favoráveis às forças rebeldes, convergindo, no plano internacional, com a momentânea desvalorização do preço do café no mercado externo. Tudo concorreu para expor com mais clareza os problemas crescentes da política econômica nacional até então adotada.

Quanto à Revolução Constitucionalista de 1932, a derrota foi, no meu entender, predominantemente militar. Lutaram, de um lado, os jovens oriundos das classes oligárquicas e das classes médias de São Paulo, com pouca ou quase nenhuma sustentação dos operários e camponeses locais; de outro lado, o grosso das forças armadas, com o apoio de cariocas e mineiros, ficando as lideranças políticas e econômicas dos outros estados, em sua grande maioria, como meras espectadoras. Como acreditar na sinceridade de adesão dos paulistas à causa constitucional, se tinham sido eles os principais mentores e beneficiários do execrado regime anterior?

Em tal situação, o grupo que tivesse melhor condição militar empolgaria a vitória. Este foi o caso de Getúlio, que dispôs, entre outras vantagens, de força aérea, causadora de grandes estragos nas tropas paulistas.

Em todo caso, a atitude dos vencidos, devotando-se penhoradamente à causa da elevação cultural de seus correligionários, constitui um esforço de sublimação do malogro, em todos os sentidos apreciável. O paralelo com a Prússia, após a derrota de Iena frente aos exércitos napoleônicos, que provocou a reforma universitária de Wilhelm von Humboldt, é imediato. Essa comparação foi feita, aliás, pelo próprio Julio de Mesquita Filho, conforme Schwartzman (1979, p. 193).

Entretanto, a Alemanha, com as suas (na época) excelentes universidades, não conquistou a ansiada hegemonia no continente europeu, a não ser após a unificação política, realizada por Birmark, em 1870. Aí, sim, a ciência germânica agiu como fermento, impulsionando e acelerando o desenvolvimento econômico e militar do país.

De modo análogo, não logrou a USP devolver às elites paulistas a liderança política nacional. Em compensação, embora enfrentando momentos de incompreensões e dificuldades, foi bem sucedida em estabelecer um núcleo incipiente, mas sistemático de pesquisas universitárias, e tornou-se a instituição de nível superior que durante mais de 20 anos esteve à frente do mais significativo trabalho acadêmico realizado no país.

Todavia, os resultados foram de certo modo modestos, se confrontados com os ideais e as expectativas de seus fundadores e com o panorama científico mundial, na mesma época.

É preciso levar-se em conta o contexto político e econômico de São Paulo e do Brasil, naquele tempo.

Para o desenvolvimento das ciências puras e aplicadas, são necessários recursos financeiros cada vez maiores, os quais, de regra, dependem de magnas decisões políticas. Estas são tomadas quase sempre com base nos modelos de desenvolvimento adotados no país, bem como em razão do nível, vigor, abrangência e autonomia do processo de industrialização em curso. Ora, no Brasil, o modelo de substituição de importações forneceu fraco incentivo e recursos muito limitados ao desenvolvimento das ciências em geral. E o seu sucessor – o modelo "associado" ou "internacional", que se faz sob a égide do capital transnacional, de feição oligopolista – prefere, na maior parte das vezes, importar tecnologia pronta, desenvolvida nos países "cêntricos", em lugar de sustentar a pesquisa científica e tecnológica nos países "periféricos".

Para o desenvolvimento das ciências sociais, faz-se necessário – além da absorção crítica dos principais paradigmas teóricos e das explicações já razoavelmente formuladas, bem como do completo e hábil manuseio dos métodos de investigação disponíveis, com pleno conhecimento de suas indicações, vantagens, limitações e problemas – a efetiva montagem de uma equipe de pesquisadores, permanentes, onde, continuamente, as informações interdisciplinares possam ser atualizadas, confrontadas, dissecadas, analisadas, refeitas e sistematicamente criticadas. Seu enriquecimento, desdobramento e efeitos ampliadores dependem, até certo ponto, da livre concorrência de diferentes definições da realidade social, e da permanente participação de cientistas sociais e outros peritos, oriundos de correntes diversas, capazes de defender interesses, regiões e estratos sociais variados e divergentes. São estas algumas condições que só vigoram numa autêntica democracia política, onde possam ser travadas discussões públicas de idéias conflitantes e existam variadas possibilidades de ação social coletiva autônoma.

Tais condições jamais existiram plenamente no Brasil; quando pareciam aproximar-se, não tiveram a duração necessária para permitir o florescimento das ciências sociais, em nível institucional.

Contudo, se forem comparadas as diversas regiões do país, verifica-se que, em São Paulo, o ambiente sócio-econômico-político e cultural mostrou-se mais favorável ao desenvolvimento das ciências: a) foi o estado onde a industrialização se processou com mais vigor; b) estava mais distante do controle direto do poder central (predominantemente autoritário), e os acadêmicos puderam, portanto, agir com maior independência e liberdade; c) no que diz respeito às ciências sociais, a mesma cidade, capital do estado, pôde contar, desde o início, com duas instituições de orientações diferentes, a FFCL da USP, na vertente francesa, e a Escola Livre de Sociologia e Política, na linha empírica norte-americana, o que proporcionou aos acadêmicos certo grau de intercâmbio e complementação (Fernandes, 1977).

Já a UDF contou com uma plêiade de intelectuais brasileiros, recrutados nos mais variados estados do país. Os mestres estrangeiros eram minoria, e, como na USP, ao menos no que tange às ciências sociais, foram todos de origem francesa, exceto pelos dois norte-americanos, da Escola de Chicago, que lá ministraram dois breves cursos, em disciplinas eletivas. Mas a escassez de recursos financeiros e de apoio político asfixiou as suas pressentidas virtualidades.

Não foram suficientes o romântico entusiasmo dos mestres nem a excepcional qualidade e devotamento do corpo discente. A UDF foi extinta por perseguição política, em razão de pequenas questões provenientes da querela com os católicos – que se sentiram ameaçadas na sua então quase absoluta dominância na direção dos estabelecimentos escolares de elite – e da ascensão de políticos defensores do projeto educacional autoritário no governo federal.

Entretanto, apesar da brevidade de sua existência, a UDF tem sido citada por vários autores (Paim, Fávero, Schwartzman, Oliveira Lima, entre outros) como exemplo de instituição favorecedora da formação científica, muito embora constasse nos regimentos que os cursos ali montados se destinavam apenas à formação de professores para o nível médio, e que só mais tarde cuidaria aquele estabelecimento de ensino da formação dos vários tipos de técnicos e cientistas.

Cabe assinalar que, por mais eficientes que fossem as instituições fomentadoras da pesquisa científica no âmbito acadêmico (a exemplo da USP e da UDF), como inexistia no país uma política universitária governamental de apoio ao desenvolvimento da ciência nacional, aqueles indivíduos que realmente sobressaíram nas suas especialidades "emigravam para o estrangeiro ( evasão de cérebros)" (Oliveira Lima, s/d, p. 130).

Alguns autores (especialmente os que relatam a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras na Universidade do Brasil, logo denominada simplesmente Faculdade Nacional de Filosofia) sugeriram que a Nacional teria dado prosseguimento à obra iniciada pela UDF, como se uma instituição fosse "prolongamento" da outra.

Não é esta a opinião da autora deste trabalho. É bem verdade que a Nacional aproveitou inúmeros mestres da UDF e recebeu muitos de seus alunos sobretudo os que estavam no meio dos cursos, apesar de fazer-lhes uma série de exigências.

Vistas as coisas simplesmente por esse ângulo, e também admitindo-se que a instituição cronologicamente sucessora sempre aproveita a experiência de sua predecessora, não há como discordar dessa asserção, nem daquelas outras que atribuem à UDF o mérito de ter apressado o governo federal a finalmente organizar a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, prevista desde 1931 pela Reforma Francisco Campos.

Nada disso, porém justifica a idéia de que tenha havido um "prolongamento" ou de que a UDF tenha sido "integrada" na Nacional.

Tiveram as duas instituições estruturas diferentes, bem como diferentes critérios de recrutamento de pessoal docente. Mas, sobretudo, foram diversos os ideais e o "espírito" que as animavam.

Com a UDF, pretendia Anísio Teixeira melhorar organicamente todo o sistema educacional do Distrito Federal, dando prioridade ao ensino elementar e secundário. Para expandi-lo, tanto em quantidade como em qualidade, entendeu ser indispensável organizar uma instituição superior onde a cultura, as ciências e as artes pudessem florescer, reunidas, vivas e integradas, a fim de promover o desenvolvimento dos professores e dos pesquisadores necessários ao seu projeto educativo. O contínuo contato entre docentes, pesquisadores, artistas e futuros mestres deveria colocá-los a todos em permanente processo de atualização. Tudo isso foi concebido com os objetivos de ajustar a sociedade às novas demandas da industrialização, elevar as condições econômicas e culturais das camadas desfavorecidas e assegurar a continuidade do processo democrático.

Já a Nacional foi organizada como instituição que pudesse exaltar as grandes realizações do novo regime, servir de padrão para uniformizar o ensino superior no país, e formar os "quadros técnicos" necessários à modernização da burocracia estatal. Houve maior preocupação com prédios do que com a qualidade do ensino; foi imposto um projeto universitário sem consulta à comunidade acadêmica ou seu efetivo envolvimento nele; na seleção dos docentes, utilizou-se, de preferência, o critério político, com terrível patrulhamento ideológico, ainda que amainado no decorrer do tempo. E, apesar de constar em seus regimentos que a instituição tinha por objetivo formar cientistas e pesquisadores de alto nível, não se cuidou de fornecer os necessários recursos para a concreção desses alvos, ao menos nos primeiros 15 anos de sua existência.

A UDF foi, pois, "sustada" pelo governo federal, e não "prolongada" na Nacional. Deve-se admitir, no entanto, que se porventura tivesse continuado a existir, o resultado de sua atuação na sociedade talvez não seria muito diferente daquele obtido pela Nacional, não obstante a possibilidade de que viesse a alcançar níveis mais elevados de desempenho acadêmico. Isto em razão das restritivas estruturas econômicas e sociais do Brasil naquela época. Ainda assim, a luta por melhores níveis acadêmicos me parece bastante meritória, no âmbito educativo.

Outra corrente de autores faz ligação entre a UDF e Anísio Teixeira e a segunda UDF, organizada em 1950, a partir da união de algumas faculdades isoladas, e que foi mudando de nome, por motivo da transferência da capital federal para Brasília e da fusão do antigo estado da Guanabara com o estado do Rio de Janeiro, chamando-se sucessivamente, UEG e, atualmente, Uerj.

Por exemplo, Hermes Lima (1978), após relatar o triste fim da primeira UDF, remata o pertinente capítulo do livro com a seguinte frase: "A memória dela guardou-se na universidade do antigo estado da Guanabara, hoje Universidade do Rio de Janeiro" (p. 185).

Infelizmente esta afirmação expressa mais um desiderato pessoal do autor, do que a realidade mesma dos fatos. As entrevistas levadas a cabo pessoalmente pela autora deste trabalho indicaram que, à exceção de alguns poucos professores e funcionários, que naquela época presenciaram o drama do fechamento da UDF, e dos especialistas em história da educação brasileira, ninguém, na atual Uerj, se lembra da primeira frustrada tentativa de Anísio Teixeira no âmbito universitário, nem do espírito inovador e integrador que a animava. Além disso, os padrões seguidos primeiramente pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, do Instituto La-Fayette, e, posteriormente, pela nova UDF, depois UEG, embora com ambições mais modestas, foram os da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, os quais não correspondiam exatamente aos ideais do grande educador. Somente agora parecem surgir, com vigor, em alguns núcleos da Uerj, louváveis esforços para a busca de um caminho próprio, no plano universitário, que não se restrinja à simples cópia, mais ou menos mecânica, do modelo oficial.

Há ainda um outro grupo de autores que, ao analisar as reformas de Anísio Teixeira no ensino do Distrito Federal (e a criação da UDF constituiu apenas parte de um projeto mais abrangente de reformas educacionais e sociais), atribui o seu insucesso às limitações da ideologia liberal de que ele era porta-voz e defensor.

Nunes (1980), por exemplo, declara que a reforma do Distrito Federal, na sua prática, não deixou de se apresentar como "solução discriminatória" e representou apenas um "avanço formal", embora não se possa negar o caráter "revolucionário" de que se revestiu numa sociedade arraigada a valores tradicionais. Referindo-se à obra de Anísio Teixeira, Nunes aduz que ela já nasceu "limitada pela própria ideologia liberal que ocultava os mecanismos da ordem econômica e do sistema escolar".

Não deixa de ser irônico o fato de que os perseguidores de Anísio Teixeira naquela época o acusassem de adesão às idéias "comunistas", e a censura moderna criticá-lo exatamente pelo motivo contrário.

As propostas pedagógicas de Dewey, defendidas por Anísio Teixeira, foram idealizadas para o aperfeiçoamento da sociedade capitalista, ainda que, na Rússia, no alvorecer do sistema soviético, Nadezhda Konstantinovna Krupskaya, mulher de Lênin e então ministra da cultura, nelas se baseasse para projetar a construção do novo sistema educacional do país.

Mas isto não tornou Dewey comunista, e muito menos Anísio Teixeira. Aliás, Hermes Lima (1978), seu amigo pessoal e mais ardoroso biógrafo, menciona que o pouco conhecimento da obra de Marx e dos marxistas era justamente um dos raros pontos fracos na grande cultura geral de Anísio Teixeira.

Portanto, seu projeto educacional não tinha nenhuma intenção revolucionária, no sentido de abalar as então vigentes estruturas econômicas e sociais do Brasil. Desejava tão-somente acelerar o desenvolvimento científico, tecnológico e artístico, promover a melhor distribuição da riqueza e, assim, propiciar e manter o processo democrático.

As reformas por ele propostas e iniciadas eram coerentes com esse projeto. O que me soa incoerente é a alegação de que elas representavam "apenas um avanço formal" e, ao mesmo tempo, possuírem "caráter revolucionário" (ainda que restrito à sociedade da época). Por outro lado, a assertiva de que elas estavam limitadas pela "ideologia liberal" parece ignorar ou menosprezar os fatores físicos, políticos e econômicos, que foram muito mais limitadores da obra de Anísio Teixeira do que a sua ideologia. Fosse esta ideologia, de fato, comunista ou socialista, pontilhada de expressões colhidas de autores marxistas, suas escolas não estariam na prática menos limitadas, ou melhor, teriam sido, fisicamente, ainda mais limitadas do que o foram, levando-se em conta o espírito da época.

O que se pode dizer de Anísio Teixeira é que ele superestimou o poder da educação para promover reformas econômicas, políticas e sociais, como, aliás, quase todos o fizeram naquela ocasião, fossem eles escolanovistas, constitucionalistas, católicos ou estadonovistas, uns propondo educação para as elites, outros desejando estendê-la a todos, através de ações restritas a reformas e ampliação do sistema escolar.

Hoje sabemos: educação só não basta.

Esta também a opinião de Paschoal Lemme, considerado o mais radical dos Pioneiros da Escola Nova, como se vê no trecho a seguir:

"Esta tem sido minha luta de muitos anos para convencer meus colegas educadores (inclusive os mais notáveis, tais como os meus amigos Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho, com os quais tive a feliz oportunidade de colaborar) que educação, especialmente educação escolar não é uma panacéia ou um fermento que, espalhados sobre uma determinada população, produza as transformações econômico-sociais que se desejam." (Lemme, 1984, grifo do autor.)

Como já expressei em outros trabalhos (De Vincenzi, 1983 e 1985), não creio ser possível "melhorar a sociedade" apenas "educando bem" os indivíduos que a compõem, através de boas universidades, boas escolas, boas aulas, bons exemplos e bons livros. Há, sim, necessidade do engajamento do educador, através de associações de classes ou similares, na luta política pela democratização da economia e do processo decisório no que tange aos aspectos da vida coletiva: dentro e fora da escola. Mas, em contrapartida, não se pode "melhorar a sociedade" sem "educar bem" todos os indivíduos que a compõem.

Só que vamos ter que fazer isso juntos, professores e alunos, na própria vida, aprendendo com os erros e educando-nos mutuamente.

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