DÓREA, Célia Rosângela Dantas. Anísio Teixeira e a arquitetura escolar: planejando escolas, construindo sonhos. Revista da FAEEBA. Salvador, n.13, jan./jun. 2000, p.151-160.
ANÍSIO TEIXEIRA E A ARQUITETURA ESCOLAR:
PLANEJANDO ESCOLAS, CONSTRUINDO SONHOSCélia Rosângela Dantas Dórea*
Professora da Universidade do Estado da BahiaRESUMO: Com base na análise preliminar das políticas de edificações escolares implementadas pelo educador Anísio Teixeira (1900-1971), no Rio de Janeiro - DF (1931-1935) e na Bahia (1947-1951), este artigo visa caracterizar a organização do espaço escolar nesses dois períodos, buscando identificar os aspectos pedagógicos e arquitetônicos que permitem estabelecer aproximações entre os "modelos" de escolas aí adotados.
Palavras-chave: Arquitetura escolar; espaço escolar; edificações escolares; organização do espaço físico.ABSTRACT: Taking into account first analyses of school building politics, advised by professor Anísio Teixeira (1900-1971), in Rio de Janeiro - DF (1931-1935) and Bahia (1947-1951), this article aims to describe the school physical space design at these times. It also identifies some similar features of pedagogic and architectonic different school model designs.
Key-words: School architecture; school physical space; school building; physical space designIntrodução 1
Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), educador baiano de renome internacional, assumiu os cargos de Inspetor Geral do Ensino da Bahia (1924-1928), Diretor da Instrução Pública do Distrito Federal - RJ (1931-1935) e Secretário de Educação e Saúde do Estado da Bahia (1947-1951), entre outros; e implementou uma série de reformas e medidas educacionais nesses Estados. Em suas três administrações públicas, na área educacional, deu ênfase especial ao planejamento das edificações escolares, criando até mesmo setores específicos para tratar dessas questões. Para ele, sem instalações adequadas não poderia haver trabalho educativo, e o prédio, base física e preliminar para qualquer programa educacional, tornava-se indispensável para a realização de todos os demais planos de ensino propriamente dito. (Teixeira, 1935)
Anísio entendia que a educação não era apenas um fenômeno escolar, mas um fenômeno social que se processava permanentemente em toda a sociedade. Mas ele acreditava que, enquanto as demais instituições exerciam ação educativa sem plano definido e sem controle de resultados, a escola era "a instituição conscientemente planejada para educar". (Teixeira, 1997:255)
Assim, este estudo visa apresentar os resultados até agora obtidos com base numa análise preliminar das políticas de edificações escolares implementadas por esse educador, em suas administrações à frente das Secretarias de Educação, no Rio de Janeiro - DF (1931-1935) e na Bahia (1947-1951). A pesquisa apoia-se, em primeiro lugar, nos Relatórios Administrativos e Livros de autoria do próprio educador, relativos aos períodos estudados, com o objetivo de caracterizar a organização do espaço escolar e identificar os aspectos pedagógicos e arquitetônicos que configuraram cada um dos "modelos escolares" adotados.
A Escola como Lugar da Educação
A preocupação com um lugar específico para a escola, ou seja, com o prédio escolar propriamente dito, só começa a surgir a partir da segunda metade do século XIX. Segundo Souza (1998:122):
"(...) em determinado momento, políticos e educadores passaram a considerar indispensável a existência de casas escolares para a educação de crianças, isto é, passaram a advogar a necessidade de espaços edificados expressamente para o serviço escolar. Esse momento coincide com as décadas finais do século XIX e com os projetos republicanos de difusão da educação popular."
Com a instauração da República, a escola passa a assumir um novo papel como instrumento de progresso histórico, com um caráter regenerador. Dessa forma, enquanto veículo para a tão desejada "reconstrução nacional", a escola básica incorpora uma função salvacionista, como a única capaz de transformar o homem comum.
A escola se converte em um lugar de referência para as cidades e passa a ser tomada como "modelo". Nesse contexto, vale ressaltar a importância da escola – o grupo escolar – na arquitetura das cidades. As escolas começam a ocupar lugares privilegiados, tornando-se os "novos templos" de civilização.
Para Souza (1998:123):
"(...) o edifício escolar torna-se portador de uma identificação arquitetônica que o diferenciava dos demais edifícios públicos e civis ao mesmo tempo em que o identificava como um espaço próprio – lugar específico para as atividades de ensino e do trabalho docente. (...) O espaço escolar passa a exercer uma ação educativa dentro e fora de seus contornos."
Por essa época, a monumentalidade das construções dos grupos escolares torna-se representativa de um ideal de modernidade ou de República. E, segundo Souza (1998:124), "a arquitetura escolar haveria, pois, de simbolizar as finalidades sociais, morais e cívicas da escola pública. O lugar de formação do cidadão republicano teria que ser percebido e compreendido como tal."
Se a República era o lugar do "homem novo", tornava-se necessário repensar esse ambiente, organizando, higienizando, ordenando o espaço físico da cidade e, por conseqüência, o espaço físico da escola. Os prédios escolares surgem, então, com uma finalidade específica, ou seja, o lugar onde se processa a formação do cidadão.
Mas, apesar dos ideais republicanos, o sonho de popularizar o ensino esbarrava-se num "antigo empecilho: o da ausência de prédios, mobília e material escolar adequados." (Costa e Silva, 1997:59). Assim, passadas as primeiras décadas, verificou-se que a escola básica foi facultada a poucos, e era acusada de ter relegado ao abandono "milhões de analfabetos de letras e ofícios" (Carvalho, 1989:7).
Dessa forma, em outubro de 1931, ao assumir a Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal, Anísio Teixeira encontra um cenário pouco favorável à educação pública na capital do país, tanto que, ao iniciar o Relatório do primeiro ano de sua administração, ele acentua:
"o aspecto mais impressionante dos problemas de educação pública, no Rio de Janeiro, D.F., (...) é o da insuficiência de escolas para atender a milhares de crianças em idade escolar, que, em plena capital do país, deveriam ter direito, pelo menos, às oportunidades elementares da educação primária..." (Teixeira, 1932:307).
Para Anísio Teixeira (1932), o mal do brasileiro era a falta de escolas, mas era também a própria escola existente. Considerava que mais grave do que a negligência em abrir escolas, era julgar que o programa escolar se limitasse à simples "alfabetização". Para ele, a escola deveria ensinar a criança a "viver melhor", proporcionando padrões mais razoáveis de vida familiar e social, promovendo o progresso individual e criando hábitos de leitura, estudo e meditação.
Segundo Anísio, outra preocupação básica do sistema escolar deveria ser a criança do povo, pois esta só tinha a escola como meio de formação. Assim, a escola deveria oferecer a essas crianças algo mais do que o simples ensino; deveria preparar-lhes, simultaneamente, o caráter, a ambição e o hábito de fazer bem tudo quanto lhes fosse necessário fazer. Essas crianças deveriam encontrar na escola,
"(...) um ambiente civilizado, sugestões de progresso e desenvolvimento, oportunidades para praticar nada menos do que uma vida melhor, com mais cooperação humana, mais eficiência individual, mais clareza de percepção e mais tenacidade de propósitos orientados" (Teixeira, 1932:310).
A escola, que antes visava apenas formar alguns indivíduos em especialidades, assumia agora a função de educar todos os indivíduos para a participação numa nova sociedade, intelectual e técnica. Dessa forma, a educação primária elementar deveria estar na base desse sistema e deveria ser ministrada, inevitavelmente, a todos os cidadãos. Tratava-se, portanto, de uma educação para todos e não de uma educação para alguns bem dotados. Tratava-se de uma "educação em massa".
Mas, para que a escola pudesse cumprir a sua dupla função – a de formar a inteligência e formar o caráter – ela deveria ter seu ambiente preparado. Para tanto, Anísio considerava essencial,
"... que o prédio escolar e as suas instalações atendam, pelo menos, aos padrões médios da vida civilizada e que o magistério tenha a educação, a visão e o preparo necessários a quem não vai apenas ser a máquina de ensinar intensivamente a ler, a escrever e a contar, mas vai ser o mestre da arte difícil de bem viver". (Teixeira, 1935:39)
Assim, além da preocupação com a formação do professor, as edificações escolares – as instalações físicas da escola – vão se constituir, nas reformas educacionais implementadas por Anísio Teixeira, no marco fundamental de todas as suas gestões administrativas.
A Política de Edificações Escolares no Rio de Janeiro - DF (1931-1935)
Em suas administrações públicas, na área educacional, Anísio Teixeira se vê diante do mesmo dilema: resolver o problema da escassez da educação pública oferecida à população. Essa escassez se dava tanto em quantidade como em qualidade mas, para o administrador escolar, era preciso resolver primeiro o problema da quantidade, ou seja, era preciso oferecer mais educação sem que houvesse prejuízo substancial da qualidade. Talvez por isso, Anísio tenha privilegiado, em todas as suas administrações, o planejamento e a organização das edificações escolares.
Segundo dados do Relatório de 1932, ao assumir a Diretoria Geral de Instrução Pública do Distrito Federal, Anísio Teixeira observa que, para uma população escolar mínima – crianças de 6 a 12 anos – de 196.000 indivíduos, só existiam escolas para cerca de 45% das crianças.
No Rio de Janeiro, como em todo o Brasil, o problema de edificações escolares não havia sido antes objeto de soluções previamente planejadas e sistematicamente seguidas. Segundo o arquiteto Nereu de Sampaio, chefe do Serviço de Prédios e Aparelhamentos Escolares, a administração anterior, do diretor Fernando de Azevedo, chegou a esboçar um plano geral proibindo em lei a compra de propriedades particulares e fixando as dimensões mínimas dos terrenos a serem adquiridos e conseguiu deixar construídas quatro grandes escolas: a Escola Normal (naquela época, Instituto de Educação), a "Uruguai", a "Estados Unidos" e a "Argentina". De resto, grande parte dos prédios escolares, existentes no Distrito Federal até o ano de 1932, não passava de escolas-pardieiros, como as denominou o próprio Nereu de Sampaio, escolas estas que repeliam alunos e professores.
O Serviço de Prédios e Aparelhamentos Escolares do Departamento de Educação realizou inquéritos e levantamentos dos prédios existentes, tanto os públicos como os alugados, e identificou que a maioria deles se constituía de residências particulares adquiridas pela Prefeitura, impróprios ou inadequados ao funcionamento escolar. Até as salas de aula, unidades primordiais do edifício escolar, em sua grande maioria, não tinha a área mínima de 40m2. A essa deficiência de área, se acrescentavam ainda o problema de sua localização no prédio, o da forma, da iluminação, da aeração, e dos equipamentos. Além disso, existiam também as deficiências do próprio prédio escolar, como a localização, a vizinhança, as condições de construção e de instalação.
Com base nesses levantamentos, os prédios escolares foram classificados de acordo com suas condições de uso. Dos 79 prédios municipais existentes em 1932, apenas 12 deveriam ser conservados; 32 adaptados, reformados, ampliados ou totalmente reconstruídos, e 35 condenados, podendo ser utilizados para qualquer outra coisa, menos para escolas (Teixeira, 1935:196).
Diante dessa situação, o Departamento de Educação avaliou a necessidade de construção de 74 prédios novos, para abrigar uma população escolar de 156.480 alunos, ainda assim, inferior à população atual. Considerando-se um plano de atuação a ser desenvolvido no período de 10 anos, projetou-se uma população escolar de 320.000 alunos para o ano de 1942, o que exigiria a construção de mais 82 novos prédios. Dada a extensão do problema e a impossibilidade de resolvê-lo em um só período administrativo, adotou-se uma solução progressiva e gradual: a construção de um plano geral diretor das edificações escolares e um programa anual de construções.
O plano geral, regulador das edificações escolares, foi elaborado com base na distribuição e nas tendências de crescimento da população, e deveria servir de parâmetro para a localização de qualquer edifício escolar da cidade e orientar o desenvolvimento do parque escolar do Rio de Janeiro.
O programa anual de construções foi dividido em dois períodos de 5 anos. O primeiro, o plano mínimo de construção(Teixeira, 1935:198), a ser realizado até o ano de 1938, visava atender, tão somente, à população escolar atual e compreendia as seguintes etapas:
- 16 ampliações de prédios municipais existentes, que ficariam com 306 salas de aula;
- 74 edificações novas, com o tipo médio de 25 classes, que ficariam com 1.431 salas de aula;
- 25 prédios que poderiam ser aproveitados, com 219 salas de aula.
Assim, dentro de cinco anos, seriam 1.956 salas de aula que, funcionando em dois turnos, comportariam 156.480 alunos, isto é, aproximadamente 80% das crianças que, no ano de 1932, estavam em idade escolar.
No segundo período de cinco anos, até 1942, deveria ser continuado o programa de construção dentro das previsões do plano regulador.
Mas Anísio tinha clareza de que era necessário prover um orçamento específico para o financiamento da educação pública; era necessário constituir fundos, independentemente das oscilações de critério político de nossos administradores. Ele entendia que as instituições educativas, por sua própria natureza, eram instituições materiais que envolviam despesas de construção e instalação, que não podiam ser esquecidas nas verbas regulares de sua manutenção.
Para resolver o problema da escassez de prédios escolares, era necessário, também, levar em consideração as dificuldades encontradas em relação ao terreno, a localização, as condições do prédio, a economia ou ao programa educacional, principalmente quanto às grandes concentrações escolares. Era preciso encontrar soluções em que se contrabalançassem as deficiências de cada um desses elementos sem diminuir, entretanto, as condições recomendáveis para a escola.
Dessa forma, em sua administração no Rio de Janeiro (1931-1935), Anísio concebe uma proposta inovadora para as edificações escolares, um "sistema" escolar que conciliava essas dificuldades e previa edificações de duas naturezas: as escolas nucleares, ou escolas-classe, e os parques escolares, devendo as crianças freqüentarem regularmente as duas instalações. Para isso, o sistema escolar deveria funcionar em dois turnos, para cada criança. No primeiro turno, a criança receberia, em prédio adequado e econômico (escola-classe), o ensino propriamente dito; no segundo turno, receberia, em um parque escolar aparelhado e desenvolvido, a sua educação propriamente social, a educação física, a educação musical, a educação sanitária, a assistência alimentar e o uso da leitura.
Com esse plano, esperava-se resolver os seguintes problemas (Teixeira, 1935:200):
- o dos terrenos: seriam necessários somente 25% de terrenos de grande área (10.000m2 em média), uma vez que cada parque escolar serviria a quatro escolas-classe; e os demais terrenos poderiam ter uma área equivalente a um lote de casa particular (13 m x 40 m);
- o da economia: cada escola possuiria somente o que fosse estritamente indispensável para o ensino em classe, reduzindo os custos de construção;
- o do programa: nenhum dos objetivos da escola deixaria de ser atendido; a escola seria educativa, sem a diminuição das suas funções instrutivas;
- o da localização: as crianças teriam escolas mais próximas de casa, e os terrenos menores seriam mais fáceis de ser encontrados nos locais necessários;
- o do prédio: divididas as funções da escola entre o parque escolar e a escola-classe, tornava-se mais fácil atender às condições adequadas de instalação.
Dessa maneira, no Rio de Janeiro, atendendo às recomendações do plano diretor, os prédios foram construídos obedecendo a cinco tipos, projetados pelo arquiteto-chefe Enéas Silva, da Divisão de Prédios e Aparelhamentos Escolares:
- a "Escola Tipo Mínimo", com 2 salas de aula e uma sala de oficinas, destinava-se a regiões de reduzida população escolar;
- a "Escola Tipo Nuclear" ou escola-classe: era constituída de 12 salas de aula, além de locais apropriados para administração, secretaria e biblioteca de professores, e deveria ser complementada com o parque escolar;
- a Escola Platoon 12 classes (6 salas comuns e 6 salas especiais);
- a Escola Platoon 16 classes (12 salas comuns e 4 salas especiais);
- o Escola Platoon 25 classes (12 salas comuns, 12 salas especiais e o ginásio).
Os últimos três tipos obedeciam, organizacionalmente, ao sistema administrativo "Platoon". Esse sistema era constituído de salas de aula comuns e salas especiais para auditório, música, recreação e jogos, leitura e literatura, ciências, desenho e artes industriais. O seu funcionamento dava-se pelo deslocamento dos alunos, através de "pelotões", pelas diversas salas, conforme horários pré-estabelecidos.
Todos os tipos de prédios escolares tinham ambientes projetados para abrigar as atividades administrativas, o gabinete médico-dentário e as instalações sanitárias para ambos os sexos, além das salas de aula. O que os diferenciava era a existência ou não de salas especiais, bibliotecas e auditório.
Ao final de 1935, época da demissão de Anísio Teixeira da então Secretaria de Educação, o Rio de Janeiro contava com 25 novos prédios escolares construídos em conformidade com o plano diretor. Esses prédios estavam assim distribuídos, de acordo com o tipo arquitetônico adotado: 02 Escolas Tipo Mínimo de 3 classes, 11 Escolas Tipo Nuclear de 12 classes, 05 Escolas Platoon de 12 classes, 02 Escolas Platoon de 16 classes, 03 Escolas Platoon de 25 classes, 01 Escola Tipo Especial de 6 classes e 01 Acréscimo de 12 classes.
Assim, segundo Oliveira (1991:167)):
"embora esse número estivesse ainda distante daquele calculado para cumprir a primeira etapa de edificações (74 prédios para atender 156.480 alunos), a realização podia ser considerada excepcional dado o período de sua execução que compreendeu os anos de 1934 e 1935, logo após a definição da política e dos programas em educação."
É importante ressaltar que, embora o Relatório Administrativo de 1935, do próprio Departamento de Educação, faça referência ao "parque escolar" ou escola-parque, como complemento aos demais tipos de escola, não encontramos registro de planta baixa, nem indicação de que tenha sido construído. De fato, as onze escolas nucleares ou escolas-classe, construídas dentro dessa nova proposta, funcionavam nos antigos moldes impossibilitando, dessa maneira, a permanência da criança na escola durante os dois turnos, como havia sido previsto inicialmente. Como se pode observar, a proposta de educação integral idealizada por Anísio Teixeira para o Rio de Janeiro, na prática, não se efetivou.
A Política de Edificações Escolares na Bahia (1947-1951)
Após a demissão do Rio de Janeiro, Anísio Teixeira afasta-se da vida pública por um período de 12 anos. Acusado e perseguido politicamente refugia-se no sertão da Bahia, região de Caetité onde, no período de 1935 a 1945, dedica-se à exploração de manganês, à comercialização de automóveis, à tradução de livros para a Companhia Editora Nacional, e à correspondência com os amigos.
Em 1946, é convidado a participar como Secretário Executivo da UNESCO, em Londres e, em 1947, a convite do governador Otávio Mangabeira assume a Secretaria de Educação e Saúde do Estado da Bahia (1947-1951), retomando a luta pela causa da educação pública em sua terra natal.
Em seu Relatório datado de 1949, Anísio apresenta ao governador da Bahia um balanço da situação em que se encontravam os serviços educacionais e elabora um plano de atuação específico para o interior e para a capital.
Para o interior do Estado, além do sistema de educação elementar, prevendo atendimento também para a zona rural, foi planejado um sistema de ensino médio ou secundário, com a previsão de construção de Centros Regionais de Educação, a serem localizados em 10 regiões administrativas, e que deveriam compreender: jardim de infância, escola elementar modelo, escola normal, escola secundária, parque escolar, centro social e de cultura e internatos.
Na capital, o plano escolar compreendia um sistema de escolas elementares, seguido de um conjunto de escolas secundárias de cultura geral e técnica e da escola de formação de professores em nível de ensino superior. Mas, segundo Anísio, as escolas elementares teriam uma organização especial, constituindo os Centros de Educação Popular que, localizados na periferia da cidade, funcionariam como um núcleo de articulação do bairro, e onde as funções tradicionais da escola seriam preenchidas em determinados prédios, e as de educação física, social, artística e industrial, em outros. O conjunto compreenderia, assim, escolas-classe e escolas-parque.
Dos dez Centros Populares planejados inicialmente, só foi possível a construção de um deles: o Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Localizado no bairro da Liberdade, em Salvador, esse Centro ficou conhecido como "Escola Parque" e se transformou em obra máxima de seu idealizador. Uma escola que é marcadamente caracterizada por sua organização espacial e que se notabilizou pela adoção de uma proposta pedagógica inovadora, uma experiência pioneira de escola pública de educação integral em meados deste século.
Para uma rápida ilustração de como Anísio Teixeira concebia os Centros de Educação Popular, apresentamos parte de seu discurso proferido em 1950, por ocasião da inauguração de três escolas-classe que integrariam o conjunto do Centro Educacional Carneiro Ribeiro:
"(...) A escola primária seria dividida em dois setores, o da instrução, propriamente dita, ou seja, o da antiga escola de letras, e o da educação, propriamente dita, ou seja, o da escola ativa. No setor instrução, manter-se-ia o trabalho convencional da classe, o ensino de leitura, escrita e aritmética e mais ciências físicas e sociais, e no setor educação as atividades socializantes, a educação artística, o trabalho manual e as artes industriais e a educação física A escola seria construída em pavilhões, num conjunto de edifícios que melhor se ajustassem às suas diversas funções.(...) Fixada, assim, a população escolar a ser atendida em cada centro, localizamos quatro pavilhões, como este, para as escolas que chamamos de escolas-classe, isto é, escolas de ensino de letras e ciências, e um conjunto de edifícios centrais que designamos de escola-parque, onde se distribuiriam as outras funções do centro, isto é, as atividades sociais e artísticas, as atividades de trabalho e as atividades de educação física..." (Teixeira, 1977:145).
Esse sistema, cujo projeto arquitetônico ficou a cargo dos arquitetos Diógenes Rebouças (da Bahia) e Hélio Duarte (de São Paulo), foi planejado para atender a um grupo de 4.000 alunos, em sua capacidade máxima. O conjunto foi constituído de quatro "escolas-classe", compostas tão somente de salas de aula e dependências para o professor, para atender a 1.000 alunos, cada uma, em dois turnos; e uma "escola-parque" para 2.000 alunos em cada turno, compreendendo salas de música, dança, teatro, educação artística e social, salas de desenho e artes industriais, ginásio de educação física, biblioteca, restaurante, serviços gerais e residência ou internato para as chamadas crianças abandonadas.
A conclusão desse Centro só foi possível graças ao empenho do próprio Anísio Teixeira. Em 1952, ao ser nomeado diretor do INEP (Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos), viabilizou um convênio de colaboração e assistência técnica com a Secretaria de Educação da Bahia, possibilitando o prosseguimento e a conclusão da obra da Escola Parque. Em 1964, com o término da construção da Escola-classe nº 4, o Centro foi dado por concluído mas, ainda assim, sem a construção do orfanato.
Quando acusado de que o "Centro de Educação Popular" se tratava de uma obra cara, Anísio argumentava:
"É custoso e caro porque são custosos e caros os objetivos a que visa. Não se pode fazer educação barata – como não se pode fazer guerra barata. Se é a nossa defesa que estamos construindo, o seu preço nunca será demasiado caro, pois não há preço para a sobrevivência." (Teixeira, 1994:175).
Segundo análise de Jayme Abreu (1960), na segunda administração de Anísio Teixeira na Bahia, a questão de prédios escolares foi daquelas que ganhou os mais seguros critérios planejados de expansão e de eficácia. Para o autor, o êxito na execução dos planos deu-se pelo fato de que todo o empreendimento foi acompanhado e desenvolvido dentro da Secretaria de Educação, sob a coordenação direta do próprio Anísio:
"O serviço respectivo, dentro da Secretaria de Educação e Saúde, beneficiou-se seja de uma harmoniosa e constante fertilização de ponto de vista do educador para com os engenheiros construtores, seja pelo fato de, da planta à execução final da obra, ser um empreendimento inteiramente dentro da Secretaria de Educação, ao invés de ser confiada a sua execução a uma outra Secretaria, distante do educador, no caso a de Viação e Obras Públicas. Esta foi uma reivindicação firme de Anísio, não fácil de obter, mas que se realizou com os melhores resultados." (Jayme Abreu. In: ANÍSIO TEIXEIRA: pensamento e ação, 1960:56)
O empreendimento e a garra com que Anísio defendia o planejamento e a execução das edificações escolares pode ser traduzido com uma de suas falas, quando ainda era Secretário de Educação no Rio de Janeiro, e que continuaria valendo para justificar a sua grande obra educacional concretizada na Bahia:
"(...) só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar, no Brasil, a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública. Mas, não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem mestres devidamente preparados e, por conseguinte, sem eficiência e sem resultados." (Teixeira, 1935:181).
E acrescenta:
"Não desejamos palácios luxuosos, mas construções econômicas e nítidas que apoiem, como uma simples e forte base física, a obra educacional entrevista pelos que acalentam os ideais de uma reconstrução da própria vida, pela escola." (Teixeira, 1935:204).
Considerações Finais
A escolha desse tema como objeto de estudo deu-se em função da representatividade adquirida pela obra do educador Anísio Teixeira e pela importância com que ficou caracterizada sua concepção de uma proposta arquitetônica específica para a escola, no caso do Rio de Janeiro, nos anos 30, assim como, pela proposta pedagógica e arquitetônica do modelo de Escola Parque, construída na Bahia, e exemplo de uma experiência inovadora de escola pública de educação integral, em meados de nosso século.
Assim, com base numa rápida incursão pelas políticas de edificações escolares implementadas por Anísio Teixeira, em suas administrações no Rio de Janeiro-DF (1931-1935) e na Bahia (1947-1951), cabe-nos indagar sobre as relações entre as concepções pedagógicas desse educador e a organização do espaço escolar nesses dois momentos. De início, é possível identificar alguns aspectos, pedagógicos e arquitetônicos, que caracterizaram essas políticas e que nos permitem estabelecer aproximações entre os "modelos" de escolas aí adotados:
- Proposta de uma educação integral para a escola pública. Esta proposta é anunciada por Anísio, já no Rio de Janeiro. No Relatório de 1935, ele descreve o "modelo" de escola que comportaria esse sistema: escolas nucleares e parques escolares, tendo a criança que freqüentar regularmente as duas instalações, em dois turnos diários. Essa proposta concretizou-se na Bahia, com a construção do Centro Educacional Carneiro Ribeiro (Escola Parque) onde, apesar de todas as dificuldades, a escola pública pôde oferecer à "criança do povo" uma educação integral e de qualidade.
- Opção por uma arquitetura moderna para as edificações escolares. Nesse sentido, Anísio Teixeira pode ser considerado como "o arquiteto da educação brasileira" tal era o seu empenho em prover a escola de um espaço especificamente planejado para educar. Em suas administrações, as escolas foram projetadas por arquitetos com base nos princípios da racionalidade e da funcionalidade, próprios da arquitetura moderna, que determinaram a concepção de programas arquitetônicos distintos (Tipo Mínimo, Nuclear, Platoon de 12, 16 e 25 classes e Escola Parque), de acordo com a localização e as necessidades de cada escola. Esses programas buscavam dar conta de uma melhor organização do espaço para atender às exigências das modernas conquistas pedagógicas e dos novos hábitos de higiene, tudo isso aliado à economia das construções escolares.
- A escola desempenhando um papel social no ambiente da cidade. Com essas conquistas pedagógicas e arquitetônicas, a escola passa a incorporar novos ambientes em seus programas, como os anfiteatros, a biblioteca, o refeitório, os jardins e as "áreas livres" e, no caso do Rio de Janeiro, isso promoveu uma "reapropriação de espaços de sociabilidade crescentemente sonegados às classes trabalhadoras pelas reformas urbanas que lhes empurravam para os morros ou a periferia da cidade" (Nunes, 1993:120). Em Salvador, a Escola Parque também possibilitou essa inter-relação com a cidade, uma vez que a sua construção em uma região pobre da periferia da cidade, permitia que ela funcionasse como um núcleo de articulação do bairro, ao mesmo tempo em que possibilitava à criança praticar situações que iria vivenciar na sociedade.
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Notas:
* AUTORA: Célia Rosângela Dantas Dórea é professora da Universidade do Estado da Bahia - UNEB, Doutoranda em Educação: História, Política, Sociedade - PUC/SP, Graduada em Arquitetura pela Universidade Federal da Bahia - UFBA. E-mail: vcdorea@ig.com.br
1Este artigo foi elaborado com base em nosso projeto de tese intitulado "Arquitetura e Educação: Anísio Teixeira e a organização do espaço escolar", apresentado à PUC/SP, sob a orientação da Profª Dra. Marta Maria Chagas de Carvalho.
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