TEVES, Nilda. A atualidade do pensamento de Anísio Teixeira. In: I Congresso Latino de Filosofia da Educação, Rio de Janeiro, 10-12 jul. 2000. Rio de Janeiro, ABE, 2000. p.9-24.

A atualidade do pensamento de Anísio Teixeira

Profa. Nilda Teves

Quero registrar, na abertura desta palestra, que tenho consciência plena da responsabilidade que assumo ern falar, para platéia tão seleta, sobre a atualidade do pensamento de Anísio Teixeira - sem dúvida, urn dos maiores representantes da nossa Educação.

Suas obras e seus conceitos continuarn sendo ricas fontes de conhecimento e de inspiração para os que se preocuparn corn a educação e corn o futuro, do nosso país.

Anísio deixou como herança urn acervo que tern sido objeto de pesquisas, monografias e teses. Seus textos são revisitados com freqüência como fonte primária para as investigações da história da educação brasileira, por estudiosos de variadas áreas do conhecimento.

Anísio, ao analisar a importância da educação como centro de uma política de desenvolvimento social, criticou nossos sisternas arcaicos de ensino, com seus métodos obsoletos, as falhas na organização das escolas e a formação equivocada dos professores. Enfim, tocou ern todos os pontos que se referern à educação. Nada passou incólume aos olhos daquele pensador.

Já ern 1933 ele falava das duas tendências sociais que modelavarn a vida moderna: ciência e dernocracia. Ele disse que "a civilização moderna tem uma feição singular; ela é uma civilização em permanente mudança". Ciente das rnudanças que ocorriarn no mundo e preocupado com os destinos do país e, por decorrência, com a educação do nosso povo, ele trouxe para si a árdua missão de defender a escola pública.

Ao apontar caminhos para a reconstrução educacional, em uma sociedade mais justa e mais humana, Anísio se nutriu da utopia de uma escola pública de qualidade para todos e para qualquer um. Utopia não como algo quimérico, irrealizável ou fantasioso, mas utopia como aquilo que se pode sonhar e se constituir em outro topos, em um lugar onde se pode fazer alguma coisa. Uma utopia racional como dizia ele, fundada na virtualidade e potencialidade dos conhecimentos humanos existentes aqui e agora.

Era nesse sentido que caminhava seu idealismo e sua visão profética de uma escola de qualidade, legitimada pelo postulado de que todos os homens são suficientemente educáveis para conduzir a vida em sociedade, de forma que cada um, e todos, "dela partilhas sem como iguais, a despeito das diferenças das respectivas histórias pessoais e das diferenças individuais."

Afirmamos que o Professor Anísio Teixeira, sem nenhuma dúvida, foi um dos mais importantes protagonistas da Educação Brasileira, de todos os tempos, e um defensor ímpar da educação democrática. Ele defendeu a democracia como necessidade vital da sociedade moderna. Lutou por isto, até seus últimos dias, e foi uma vítima desta luta.

Por tudo isto volto a dizer que é um desafio falar do pensamento desse homem: um intelectual cuja vida foi exemplo de coerência entre pensar e agir.

Seria veleidade minha admitir originalidade nesta fala. Sabemos todos que falar é se expor. Ao aceitar o convite da presidência desta histórica Associação Brasileira de Educação, que muito me honra, eu me exponho ao vivo e submeto ao julgamento dos senhores presentes algumas reflexões que fiz sobre um tema muito em evidência em nossa sociedade: a formação dos professores e a utilização dos meios da Educação à Distância.

Este é o, recorte que faço nas obras de Anísio Teixeira. E é a partir dele que teço considerações sobre a atualidade de seu pensamento. Procurei fazer um como-se-fosse-diálogo-imaginário com seus textos. Mas me detive, basicamente, em "Mestres de Amanhã", onde essa questão é mais evidente.

Mestres de amanhã

A produção intelectual de Anísio Teixeira é rica, original e abrangente. Entretanto, é possível identificar um eixo em torno do qual giram suas reflexões, inquietações e idéas: a crise da educação brasileira. É, a partir da visão dessa crise, de sua evolução e nuanças que seu pensamento atravessa mais de meio século e se mantém vigoroso até hoje. Talvez, alimentado por nossa própria crise.

A idéia de crise aparece nos textos de Anísio como o rompimento entre o passado desgastado, que já não se considera influente, e um futuro que ainda não está constituído. A idéia de crise é a transição que implica em uma separação. E, como toda separação, um afastamento, um distanciamento entre o que era, o que foi e o que virá-a-ser. Mas nem sempre é fácil caracterizar o momento exato de separação, pois não existern um antes e um depois como momentos diferenciados e nitidamente definidos. O antes permanece no depois, e vice-versa, mantendo suas marcas e interação dinâmica.

Uma crise não, pode ser considerada somente como estado caótico e turbulento. De modo geral, ela é também construtiva, já que permite a criação de nossos espaços para o futuro. Ou seja, ela é sempre uma fase cheia de perigos, mas também de possibilidades. E é com esse olhar dialético que Anísio vê as crises de seu tempo. Como um homem público que passou grande parte de sua vida dentro dos Governos, vivendo sob tensão, ele denuncia: "a situação de transição em que se encontra o Brasil faz com que o seu desenvolvimento esteja sob a influência de forças que não são as mais aptas para a sua integração na civilização tecnológica e industrial de amanhã." Mas, ao mesmo tempo em que denuncia, ele rascunha soluções, apresenta caminhos de superação para os impasses em que a sociedade se encontrava.

Para o educador baiano, a crise do processo educacional desenvolve-se nesse espaço: o da inadequação entre as necessidades emergentes da época e o espírito do homem de até então. Pensar o futuro significa agir na sua direção. Para isso é fundamental romper as barreiras reais e imaginárias, incluindo-se aí a formação de professores. Ele viu, nitidamente, que o mestre da escola elementar e da escola secundária - o nosso professor do ensino básico - é que está em crise e se vê mais atingido e compelido a mudar pelas pressões do tempo presente. "E por quê", indaga ele? "Pelo fato de que estamos entrando em uma fase nova da civilização chamada industrial." Se isso foi dito há cerca de quase meio século, imaginem hoje, quando nos aproximamos da era pós-industrial.

Seus comentários reforçam nossas preocupações quando ele diz que "até então, a educação do homem tem sido na direção de uma sociedade mais simples, ou seia, escolas desambiciosas cujo propósito mais imediato era formar jovens para o convívio político, social e econômico; de uma sociedade de trabalho competitivo, mas que se acreditava relativamente singela e homogênea. Com a tecnologia e com a extrema complexidade conseqüente da sociedade moderna, mudanças radicais precisam ser feitas". Ele se reporta à aceleração do processo científico-tecnológico como algo complexo que impõe terríveis mudanças à vida humana. Reconhece que, em termos de educação, ainda pouco se fez no sentido de preparar o homem para a época a que foi arrastado pelo seu próprio poder criador. Textualmente, diz que "todo o nosso passado, os nossos mais caros preconceitos, os nossos hábitos mais queridos, a nossa agradável vida paroquial, tudo isto se levanta contra o tumulto e a confusão de uma mudança profunda de cultura, como a que estamos sofrendo.

Contudo, a mocidade está a aceitar esta mudança, é a verdade que um tanto passivamente, mas sem nada que lembre a nossa inconformidade. A mudanga, todos sabemos, é irreversível. Só conseguiremos restaurar-Ihe a harmonia se conseguirmos construir uma educação que a aceite, a ilumine e a conduza no sentido humano."

A atualidade desse pensamento é evidente quando se considera os benefícios que a engenharia genética, a informática, a utilização de rádio-isótopos trouxeram à medicina. Quando sabemos que a zootecnia permite o aperfeiçoamento de espécies animais; que a agricultura não depende somente da mãe natureza e pode produzir alimentos em escala.

Aparentemente, conseguimos realizar o sonho cartesiano, de sermos donos e senhores da natureza. Contudo, o que pode proporcionar melhorias nas condições de vida para o homem, como por exemplo a longevidade, o conforto, a comunicação, o aprimoramento em espécies animais, enfim, a produção do paraíso na Terra, dialeticamente traz consigo o seu contrário, o purgatório. Ou talvez, pior ainda, o inferno.

Anísio já sentia a turbulência desses novos tempos. Sua fala é uma advertência ao que hoje presenciamos: "os meios modernos de comunicação fizeram do nosso planeta um pequenino planeta e dos seus habitantes, vizinhos uns dos outros. Por outro lado, as forças do desenvolvimento também nos aproximaram e criaram problemas comuns para o homem contenporâneo. Tudo está a indicar que não estamos longe de formas internacionais de governo". De certa forma, o presságio de ontem já se efetiva hoje, com um mundo de conquistas e ansiedades, de conforto e de insegurança, mas longe ainda da harmonia desejada.

É bem verdade que diminuimos os riscos da guerra atômica. Mas uma revolução silenciosa se estende nos quatro pontos do planeta: o desemprego estrutural, como reflexo das conquistas científicas e tecnológicas. Sabe-se também que, mesmo no capitalismo, a tecnologla por si só não gera desemprego; ela exige, sim, condições mais favoráveis à produção. As condições que as organizações transnacionais exigem para investir na produção são muitas, mas uma é fundamental: o elemento humano - trabalhadores com maiores conhecimentos científicos e competências tecnológicas. Onde este fator é escasso, assiste-se à transferência de empregos de um lugar para outro, de um pais menos favorável para outro mais favorável. Acentua-se assim o círculo vicioso da miséria, como diria o saudoso professor Josué de Castro. Uma das condições básicas para que haja investimento de capital não é a exlstência de mão-de-obra mais barata, mas a mais qualificada. Ou seja, a revolução do conhecimento se instala, dividindo o mundo entre os que sabem (e com isso se habilitam aos postos de trabalho) e os que não sabem (e ficam marginalizados em seus proprios países).

Vê-se assim que, se antes o problema do desemprego podia ser resolvido, fundamentalmente, pelo crescimento da economia, agora as mudanças na estrutura produtiva e na organização da produção alteram essa relação. A transferência ou o firn do emprego, nos obriga a atentar para o fato de que o emprego, tal como o entendemos hoje, é um artefato social que resulta do processo histórico ocidental: uma forma de se colocar fronteiras ao redor de áreas significativas da vida humana e de se definir como é preciso agir para se ter sucesso dentro dessas fronteiras. Enfocar esta questão de frente significa reconhecer que o conhecimento científico-tecnológico produz mudanças profundas na cultura do trabalho e, conseqüentemente, na educação.

O trabalhador hoje lida corn dados, ou seja, o operário de uma fábrica não trabalha mais necessariamente com as mãos nos produtos, ele se transformou nurn trabalhador da informação. No computador, com o auxílio de programas próprios, ele insere os dados da peça ou da engrenagern de que necessita. O resto a máquina faz. O trabalho que fol informatizado não é mais físico, ao contrário, é uma seqüência de padrões de informação que pode ser manuseada quase como se fosse tangível. O antigo torneiro mecânico hoje não se suja de graxa. No mundo do comércio, as relações virtuais se acentuarn corn possibilidades inimagináveis. Mesmo nas vendas presenciais, o vendedor hoje não segue a rotina de seus antecessores. No próprio escritório do cliente ele introduz em urn computador o pedido, que a partir daquele momento torna-se urn dado que passa a circular imediatamente em toda a cadeia produtiva, com um mínimo de intervenção humana adicional. Isso se reflete no departamento de compras, para os pedidos dos componentes necessários; nos fornecedores, que recebern novos pedidos, até chegar ao embarque daquilo que foi encomendado. Na fábrica onde as especificações dos produtos são codificadas, o sistema de fabricação é auxiliado por computadores e o produto é transformado por meio de maquinária amplamente automatizada. Enfim, em cada passo do caminho, pessoas que costumavam preencher e arquivar papéis tornaram-se desnecessárias e, com isso, perderam seus postos de trabalho e enfrentarn suas dificuldades. Vulgarmente são chamadas de analfabetas tecnológicas, na medida em que não estão capacitadas a ocupar outros postos de trabalho naquela empresa, e em muitos casos, fora dela.

O desemprego estrutural é, pois, um fenômeno que resulta basicamente do fim de postos de trabalho convencionais. No nosso caso, e talvez nos outros países latino-americanos, a situação do desemprego estrutural se agrava ainda mais pelo fato de grande parte de sua população possuir baixa escolaridade, o que dificulta a sua absorção no mercado de trabalho. Essas pessoas são aquilo que Anísio Teixeira chamou de ineducados: um grupo que não sonha com a sua própria emancipação e, dialeticamente, ajuda a manter o sistema de privilégios que favorece a exclusão de contingentes de pessoas tanto da produção como do consumo.

Este fenômeno, no entanto, tem um limite a partir do qual ele passa a ameaçar as condições de governabilidade de qualquer país. É tentando manter sob controle esse limite que as economias nacionais estão buscando estabelecer estrategias para a reorganização dos setores produtivos, de maneira a atender às demandas do mercado, cada vez mais competitivo e volátil, ao mesmo tempo que procurarn criar novos postos de trabalho. Nas estratégias políticas a educação aparece no primeiro plano. Este é urn quadro que não se reporta apenas aos países altamente desenvolvidos, mas também aos países periféricos.

Na América Latina como um todo, as dificuldades assumern características ainda piores das encontradas nos países do chamado primeiro mundo. O processo atual de globalização das relações de troca impõe, como regra geral, uma logística para o mundo do trabalho favorecendo empregos de base tecnológica, de forma a responder aos desafios de novos mercados. Os países que dispõem de grandes quantias para investimentos de capital, aí incluindo-se ciência e tecnologia, saem na frente, e com isso delimitam seus próprios espaços de concorrência, lançando seus produtos com alto padrão de qualidade. Enquanto isso, os países que não dispõern do mesmo volume de recursos financeiros, humanos e tecnológicos, corrern o risco de submeterem-se ao processo de defasagem tecnológica, com sérias conseqüências para o seu desenvolvimento.

Reconhecendo a importância da ciência e da tecnologia nas sociedades modernas e a sua íntima relação com a soberania nacional, Anísio afirma taxativamente que "o nosso século se acha num páreo entre educação e catástrofe." Não chega a dizer entre o socialismo ou a barbárie, pois não, era um marxista, mas é evidente sua perplexidade e seu anseio para encontrar soluções para problemas da nossa sociedade que não estavam e não estão resolvidos.

Nosso autor tinha consciência das implicações do avanço científico e tecnológico que se processava de forma desigual, mundialmente. Uma dessas implicações é a ameaça de uma espécie de neocolonialismo, como diria o filósofo Jean-Paul Sartre: uma forma própria de dominação que prescinde da presena física do colonizador. Seus interesses, suas determinações, suas vontades são atendidos teleologicamente: não é necessária a imposição da força física, a energia informacional é soft e muito mais eficaz para isso.

O que fazer então para diminuir esse risco? Como eliminar a lacuna que a sociedade do conhecimento nos impõe? Como favorecer o nosso desenvolvimento para que se possa levar a esperança ao nosso povo? Em que espaços podemos atuar para diminuir a voracidade do mercado globalizado, da lógica perversa de acumulação do capital? Diria Anísio Teixeira, como se buscasse uma racionalidade para a irracionalidade vigente, que mais do que nunca são necessários investimentos na Educação. Como um bom representante do pensamento liberal, ele admite que "somente educação e cultura poderia salvar o homem moderno, e a batalha educacional será a grande batalha do dia de amanha." Uma educação adequada aos novos tempos, pois só ela irá "concretizar a revolução, que não é o resultado de revoltas populares, mas conseqüência do progresso do conhecimento humano e do despertar das aspirações que a difusão, pelos novos meios de comunicação, gera inevitavelmente. Nesta situação é que já se encontra o Brasil, cuja necessidade maior é a da preparação do homem para os novos deveres de produção da sua conjuntura atual e os direitos que decorrem daqueles deveres. "É um libelo em favor da educação; uma crença radical em seu poder. Se ele estava equivocado ou não, ainda não temos condições concretas para avaliar. Mas somos obrigados a reconhecer que Anísio Teixeira, como um democrata por excelência, fiel aos ideais do Iluminismo, filiado ao pragmatismo de Dewey, manteve viva a idéia do poder da Educação e viveu toda a sua vida admitindo que ela era a mola mestra do desenvolvimento social. Desnecessário dizer que o mesmo discurso se mantém presente no mundo atual, não só aqui mas em vários países. Uma revolução na educação que pode começar com as leis, mas não, se esgota nelas. Para Anísio, uma verdadeira revolução na educação começa, principalmente, no que hoje denominamos de ensino básico e na correta formação dos professores. "Não será espontaneamente que haveremos de sair da estrada do medo e da catástrofe para a da segurança e do razoável", diz ele. "Os professores e a escola - cada vez mais importantes na civilização voluntária e inteligente que estamos criando, hão de ser os pioneiros nessa fronteira de progresso moral, que se terá de abrir de agora em diante, na conquista do verdadeiro poder não só material mas humano sobre a vida neste planeta."

Assim, fica lançado o grande desafio de se ampliarem os recursos educacionais em quantidade e qualidade, e de se chegar à universalização da escola necessária na preparação de uma geração para o futuro.

Defendendo fundos para a educação, apontando para a necessidade de mudanças curriculares com características de transversalidade, para a importância do ensino das ciências nas escolas, para o emprego de metodologias da Educação à Distância nas escolas e na formação dos professores, para a eliminação da escola dual, para a importância da pesquisa nas universidades, Anísio Teixeira aborda, à sua maneira, os pontos nevrágicos da nossa educação e que a nova Lei de Diretrizes e Bases (Lei 9.394/96) vem enfrentando.

Vou tentar agora mostrar como é possível identificar no pensamento de Anísio os traços da atualidade no que se refere à formação de professores. Coloco como pano de fundo de minhas observações as advertências feitas por Merleau-Ponty no que se refere a este tipo de trabalho. Segundo o filósofo francês, encontramos no texto o que queremos. Imbuída dessa preocupação, tive o maior cuidado em selecionar as transcrições que seriam feitas, procurando não forçar os encaixes dos textos em outros contextos.

Por que digo isto neste momento? Porque, ao revisitar as obras do professor Anísio Teixeira, tive a grata surpresa de identificar aspectos que, pela intencionalidade da minha consciência ou por vícios de leitura, não chamararn a minha atenção anos atrás. O fato é que reconheço que o professor Anísio fala como se tivesse comentando acontecimento de hoje. Poder-se-ia dizer que isto se deve ao fato da sociedade não ter mudado. Entretanto, vale lembrar que as críticas que ele faz à sociedade de consurno de sua época têm muito a ver com as críticas que são feitas hoje, mesmo decorridos vários anos e sabendo-se que a velocidade das mudanças nesse campo fão intensa. Como exemplo, pode-se citar os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, cuja influência sobre o mercado vem se acentuando cada vez mais.

A produção televisiva não dispunha da força que detêm hoje, contudo seu poder já é denunciado por Anísio com muita argúcia. Diz ele: "entramos na fase do desenvolvimento clentífico até certo ponto inesperado, levando na indústria à automação, na vida econômica a um grau espantoso de opulência e na vida política e social a um desenvolvimento dos meios de comunicação de tal extensão e vigor que os órgãos de informação e de recreação viram-se subitamente com o poder de condicionar mentalmente o indivíduo, transformando-o ern um joguete das forças de propaganda e a algo de passivo no campo da recreação e do prazer. O desenvolvimento contemporâneo no campo dos processos de comunicação pode ser comparado à descoberta da imprensa." Vale aqui destacar que este texto é da década de 1960, portanto, cerca de 40 anos se passaram, e naquela época a mídia, principalmente a televisiva, não dispunha dos recursos que tem hoje. Mesmo assim, nosso mestre pode ver que "somos pela propaganda condicionados para desejar o supérfluo, para atender necessidades inventadas, antes de haver atendido as nossas reais necessidades materiais." E mais: "Uma sociedade cujo objetivo é consumir cada vez maiores quantidade de bens materiais, inventando necessidades, lança o homem num delírio de busca ilimitada de excitação e falsos bens."

Ele defende-se de possiveis críticas às suas observações no que diz respeito à defasagem da escola em relação ao meios de comunicação, quando ressalta: "Não se diga que estou a apresentar observações que somente se aplicam as socledade afluentes. O caso dos países subdesenvolvidos não é diverso, porque os recursos tecnológicos da propaganda e do anúncio também já lhe chegaram e não Ihe será possível repetir a história dos sistemas escolares, mas adaptar-se as formas mais recentes da escola de hoje." Ou seia, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa lançou aara a escola o grande desafio de ter de mudar para poder continuar existindo, não só pelo poder de sedução que a mídia exerce, mas também pelos perigos que traz consigo. O caminho da comunicação oral pessoa a pessoa, passando pelo telefone, pelo cinema, pelo, rádio e chegando à televisão, fez do homem comum um habitante do mundo. Ele não vê somente sua rua, seu bairro, sua cidade, seu estado, mas, literalmente tornou-se participante de uma rede planetária de informações a que ninguém consegue escapar. "Os anúncios só conseguiram isso, ou seja, êxito porque os meios de influir e condicionar o homem se fizerarn extremamente eficazes."

Mas, ao invés de se colocar ern oposição aos meios de comunicação, atribuindo à televisão a culpa de todos os males, Anísio Teixeira, como um pensador moderno, vê as possibilidades que esses meios trazern para a educação. Não se trata, pois, de uma batalha vencida pela comunicação sobre a educação, mas urn alerta de que a escola precisa mudar, inclusive mudando a mentalidade de seus professores, fazendo-os entender a importância da utilização dos meios; da Educação à Distância. Assumindo a humildade dos sábios, porém falando enquanto educador. Ele reconhece que "a educação para este período de nossa civilização ainda está para ser concebida e planejada e, depois disto, para executá-la, será preciso verdadeiramente urn novo mestre, dotado de grau de cultura e de treino que apenas começamos a imaginar." A formação desse mestre precisa ser ern nível superior. Embora convivesse com um grande número de professores leigos, Anísio mostra a necessidade de se mudar este estado de coisas. Infelizmente, somente agora, com a nova Lei de Diretrizes e Bases, é que isto deve mudar. Não é de estranhar que idéias como essas tenharn vingado numa lei cujo relator foi seu. grande amigo Darcy Ribeiro.

Em conferência proferida no Colégio Pedro II, o professor Newton Sucupira, referindo-se ao texto "Mestres do Amanhã", diz que "Anísio teve o mérito de bosquejar, em traços vigorosos e sugestivos, a imagem do mestre que teri a seu cargo a concretiza~do dos objetiVos culturais da escola de amanhã."

Seria contraditório admitir o avanço do conhecimento em nível planetário mantendo-se os professores com o mesmo nível de formação. Ao contrário, essa formação precisa ser muito consistente. Os mestres de amanhã precisam ter uma formação intelectual muito mais ampla e aprofundada do que vem sendo realizado até agora ern nosso processo de formação de professores. Uma formação que contemple os problemas e a complexidades dos dias presentes - e é possível se pensar nisso quando se conta com os recursos tecnológicos que temos hoje. A televisão, o cinema, o disco são instrumentos de trabalho do futuro professor, que pode utilizá-los de forma inteligente, apresentando a seus alunos grandes mestres, especialistas nas artes ou nas clências. A partir deles o professor pode desdobrar as idéias apresentadas com suas próprias observações, e assim discutir e completar as lições que foram vistas ou ouvidas.

Significa dizer que "será imensa a tarefa do professores e grande deve ser o preparo, para que possa conduzir o jovem nessa tentativa de dar a sua cultura básica a largueza, a segurança e a perspectiva de uma visão global do esforço do homem sobre a Terra." Uma das implicações que a explosão do conhecimento e as modificações tecnológicas que eles acarretam permite à que se imagine a instituição de uma nova cultura, onde a força dos costumes, dos hábitos e das velhas crenças e preconceitos vai ser destruída. Daí em diante o homem vai depender de sua cultura formal e consciente, de seu conhecimento intelectual, simbólico e indireto, para se conduzir dentro da nova e desmesurada amplitude de sua vida pessoal. São, portanto, de assustar as responsabilidades que aguardam o mestre de amanhã.

Passa pela nova formação do professor uma mudança de foco da prática pedagógica. Não tem sentido alimentar a idéia de que ele será um transmissor da cultura e do conhecimento acumulado socialmente. Seu fazer é muito importante para se reduzir a isso. Já a biblioteca servirá para mudar essa idéia, levando o professor à condição de condutor de estudos. Imagine-se então numa era, onde os novos meios de comunicação chegaram onde se chegou? É o momento em o professor dá outro salto em suas funções. De condutor de estudos ele passa a ser um estimulador e assessor do estudante. Ora guiando sua atividade de estudo, ora orientando-o face às dificuldades de aquisição das estruturas e modos de pensar fundamentais da cultura contemporânea, de base científica e tecnológica. Procurando um exemplo que se aproximasse dessa nova imagern de professor, Anísio diz que ele parecerá uma mistura de certos jornalistas de revistas e páginas científicas, urn pouco dos autores de enciclopédias e livros de referência, e, ao mesmo tempo, mais do que tudo isso. Sua atuação ficará muito próxlma dos operadores dos recursos tecnológicos modernos para apresentação e o estudo da cultura moderna. Tornando-se íntimo dos equipamentos e da tecriologia produzida pela ciência, não lhe seria difícil ensinar os métodos e a disciplina intelectual do saber que tudo isso produziu e continua a produzir.

Mais do que transmissão de conteúdos de conhecimento em permanente expansão, diz Anísio, cabe ao professor ensinar aos jovens como se processarn os métodos de pensar das ciências naturais e sociais. "A escola de amanhã," diz enfaticamente nosso mestre, "lembrará muito mais urn laboratório, uma oficina, uma estação de televisão, do que a escola de ontern e ainda de hoje." São idéias cujos pressupostos estão em Dewey, em Claparède, mas são também suas, na medida em que ele as admite a partir de seu projeto de sociedade. Os mestres de amanhã que conseguirem ajustar seu fazer a essa proposta terão ajudado seus alunos a desenvolver capacidades que jamais se perderão, capacidades estas que venham urn dia a tornar toda a sua vida em uma vida de instrução e de estudos. Por tudo isso, para a formação do cidadão de nosso tempo, a Weltanscbung da cultura contemporânea precisa ser acompanhada do firme propósito de desenvolver nos jovens um interesse permanente e vivo de aprender sempre e mais.

Convencido de tudo isso, Anísio é categórico: "teremos que ter novas escolas e novos mestres, embora venham a ser eles aqui muito mais os iniciadores do método científico nas escolas do que os simples adaptadores; das escolas das sociedades afluentes já em pelo dominio da produção e do progresso científico. Cumpre-nos esforçarnos para queimar etapas e construir a sociedade moderna com uma escola ajustada ao tipo de cultura que ela representa."

Como se pode ver, é evidente a presença de suas idéias no ideário da nova LDB. Mais ainda, elas refletem o espírito de uma época em que tanto o aluno como o professor precisam adquirir autonomia de vôo em sua busca de conhecimento. Isso é possível contando com os meios de comunicação, com a internet, com a televisão...

Este é um dos desafios para os professores de amanhã; desafios que emergem nesses novos tempos. Essa educação, sob muitos aspectos, será uma educação que nos habilite a tomar sobre os ombros a tarefa dos novos métodos e processos da produção material. Mas cabe lembrar, também, que esse desenvolvimento traz consigo a necessidade de uma nova disciplina e um novo interesse para o homem. Trabalhar com esses interesses, orientar o jovern em suas escolhas possíveis é de fundamental importância para se fugir de uma educação, tecnicista, que em geral reduz a educação à aquisição de metodologias do conhecimento. Por isso mesmo é dever da escola mostrar a seu aluno que ele, em si e por si, é um ser de carências e necessidades; que sua exlstência depende dos outros e por causa dos outros; que a sua ação é sempre trans-ação com as coisas e pessoas; e que o conhecimento nada mais é do que um conjunto de conceitos e operações destinados a atender àquelas carências, àquelas necessidades, pela utilização adequada das coisas e pela cooperação com os outros no trabalho que, hoje, é sempre de grupo, cada um dependendo de todos e todos dependendo de cada um.

Passar isso para o aluno é contribuir para uma sociedade mais humana. Significa dizer que o professor não precisa ter receio, de ser substituído pelos meios de comunicação, pois, ao contrário de muitas profissões em extinção, ele tem a missão não só de transmitir a cultura dominantemente complexa e mutável, como também de desenvolver em seus alunos o gosto e o hábito de estudar sempre. É um grande desafio, sim. Mas, lembrando que o homem só se coloca problemas quando já é capaz de resolvê-los, resta dizer que os instrumentos de que a escola dispõe hoje permitern esse novo fazer do professor. Os recursos com que ele conta vão além do rádio, do cinema, da televisão. Seja na escola ou fora dela, existem os computadores, a multimídia, oferecendo muitas vantagens a seus usuários.

Mas a utilização desses recursos não será suficiente para o salto qualitativo da escola se, junto a isso tudo, não houver uma mudança nos hábitos de pensar do professor, se ele não aprender a conviver com novas idéias, a entender que junto com a física newtoniana há o vigor de conceitos da física quântica; que a idéia da ordem geométrica se conjuga com a concepção de caos, não como desordem, mas como uma nova modalidade de relação tempo/espaço; que existe a complementaridade entre o simultâneo e o sucessivo; que ele pode mostrar aos seus alunos que é possível manter um sistema em funcionamento tendo como energia apenas informações. Circulando em redes planárias, as lnformações proporcionam uma verdadeira revolução, que sem dúvida passa também pela escola. Trabalhar com a realidade virtual, interagir em processos de simulação não só permite a fixação da aprendizagem, mas, sem dúvida nenhuma, incita a inteligência humana a perseguir outros jogos, novas descobertas, enfim, a arriscar-se em grandes "viagens" reais e imaginárias, e com isso, poder criar novas soluções para antigos problemas.

Pode-se ver assim que a produção de conhecimento assume uma nova dimensão nesses novos tempos, e que o professor tem muito a fazer. Infelizmente, as condições objetivas para que se efetivern essas idéias de procedimentos pedagógicos ainda estão muito distantes das nossas escolas. No que se refere então à rede pública de ensino, com honrosas exceções, a situação é multo precária.

Isso sem falar que nosso professorado ainda vive em condições de vida muito desfavoráveis. Mesmo com os recursos do FUNDEF, ainda não se verificam melhoras significativas nesse quadro.

Isso para dizer que, sem sombra de dúvida, se o Professor Anísio Teixeira estivesse vivo, estaria ainda lutando pela escola públlca de qualidade, a escola do seu, dos nossos sonhos, onde o professor de amanhã estivesse em plena atividade.

Finalizo minha fala com uma mensagern do querido Professor Anísio Teixeira, quando ele diz que o mestre do amanhã "reunirá as funções de preceptor e sacerdote, ele será o sal da terra, capaz de ensinar-nos, a despeito da complexidade e confusão modernas, a arte de vida pessoal em uma sociedade extremamente impessoal."

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