ROCHA, João Augusto de Lima. Anísio Teixeira e a ciência no país. Jornal da Ciência. Rio de Janeiro, v.14, n.439, jul. 2000. p.12.

Anísio Teixeira e a Ciência no País

João Augusto de Lima Rocha

Por feliz coincidência, o momento em que se realiza, na UnB, a 52ª Reunião Anual da SBPC é o mesmo em que se comemora o centenário de nascimento de anísio Teixeira. Faz-se oportuna, por isso, a referência ao insigne educador, tanto por sua reconhecida contribuição para a renovação da educação brasileira, em todos os níveis, quanto por sua ligação com a UnB e com a SBPC.

Anísio Teixeira, que, com Darcy Ribeiro, lideraria, logo a seguir, o processo de criação da UnB, presidiu a SBPC entre 55 e 59, o que foi fundamental para que se pudesse dar ao processo de criação da Universidade o sentido de um projeto - de todos, o mais caro - da intelectualidade brasileira. A UnB, na verdade, seria a segunda tentativa de renovação universitária brasileira empreendida por Anísio, pois a primeira fora a da Universidade do Distrito Federal, em 35, no RJ, sepultada logo no nascedouro pela reação católica, que, ao conseguir afastá-lo da direção da educação carioca, se encarregou de dar outro rumo à jovem Universidade.

Anísio - que, em 51, participa do trabalho de organização da Capes, a cargo de Rômulo Almeida - torna-se, a partir de 52, o primeiro secretário-geral do órgão, cuja concepção influiu decisivamente na melhoria da qualidade das universidades brasileiras. Permanece no cargo até 64, quando o regime militar o aposenta compulsoriamente. Acumula, ainda, no mesmo período, a direção do Inep, órgão que serviu de base à generalização, por todo o país, da sua idéia de que a qualidade da educação pública teria de ter como suporte um contínuo trabalho de pesquisa, a cargo dos centros regionais do Inep, criados em vários estados brasileiros. Além dos dois cargos, acumula o de vice-reitor da primeira gestão da UnB. O golpe militar iria encontrá-lo ocupando a reitoria, em substituição a Darcy Ribeiro, que fora para o Ministério da Educação e, depois, para a chefia do Gabinete Civil do governo Goulart.

Sob a direção de anísio, a SBPC comemorou, em 58, os seus 10 primeiros anos de existência. A 10ª Reunião Anual, realizada em SP, teve como diretor, a convite de Anísio, o almirante Álvaro Alberto, fundador do CNPq, que havia side demitido do órgão em 55. Provavelmente, essa foi a promeira vez em que a comunidade científica brasileira trouxe a público o seu reconhecimento ao importante papel do almirante para o desenvolvimento da ciência no Brasil.

Segundo Ana Maria Fernandes "o papel de Anísio Teixeira talvez explique a apresentação àquela reunião de mais documentos sobre psicologia, antropologia e educação, com a participação do Inep".

E mais adiante: "Pela primeira vez os cientistas encaminharam documento ao presidente da República e a outras autoridades. Isso se tornaria prática usual nas reuniões anuais sempre que se julgasse necessário."

A compreensão de Anísio a respeito da importância da sociologia, da psicologia e da antropologia, que ele chamava de ciências auxiliares da educação, incentivou a edição de textos nessas áreas, por meio de parceria entre editoras e o Inep, que garantia a compra de metade de cada edição para distribuição às bibliotecas públicas de todo o país, colaborando, assim, para a grande difusão de autores dessas áreas. Essa foi uma iniciativa - entre outras - que contribuiu para que Antonio Houaiss o considerasse "o maior homem de cultura que o Brasil já produziu".

A Constituição de 88 inclui um dispositivo que permite às unidades da federação utilizarem um percentual de sua arrecadação tributária para o fomento à ciência e tecnologia, na forma de auxílio direto aos pesquisadores. Diz-se que esse modelo - para cuja generalização muito contribuiu o esforço da SBPC - baseia-se no que foi utilizado com sucesso pela Fapesp. Poucos sabem, no entanto, que a primeira institutição desse tipo, em nosso país, foi instalada na Bahia, em 13/12/50, doze anos antes da Fapesp: a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência na Bahia, inspirada em mais uma das tantas idéias originais de Anísio Teixeira, que então, ocupava o cargo de secretário de Educação e Saúde, na gestão Otávio Mangabeira.

Mas que contribuição teria Anísio, hoje, a inspirar o debate em prol da C&T - em que a educação está implícita -, tendo em vista a 52ª Reunião Anual da SBPC? Certamente, a autoridade intelectual de um homem que aliou, como poucos, pensamento e ação, compondo raro perfil de estadista, ao buscar elevar a educaçào à condição de principal questão nacional.

A propósito dizia: "Há educação e educação. Há educação que é treino, que é domesticação. E há educação que é formação do homem livre e sadio. Há educação para alguns, há educação para muitos e há educaçào para todos. A democracia é o regime da mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens e todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes. Nesse regime, pois, a educação faz o processo mesmo de sua realização. Nascemos desiguais e nascemos ignorantes, isto é, escravos. A educação faz-nos livres pelo conhecimento e pelo saber e iguais pela capacidade de desenvolver ao máximo os nossos poderes inatos. A justiça social, por excelência, da democracia, consiste nessa conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Democracia é, literalmente, educação. Há, entre os dois termos, uma relação de causa e efeito. Numa democracia, pois, nenhuma obra supera a de educação. Haverá, talvez, outras aparentemente mais urgentes ou imediatas, mas estas mesmas pressupõem, se estivermos numa democracia, a educação. Com efeito todas as demais funções do Estado democrático pressupõem a educação. Somente esta não é a conseqüência da democracia, mas a sua base, o seu fundamento, a condição mesma para a sua existência."

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