MARTINS, Octavio. Anísio Teixeira: grande expoente da educação brasileira. Forum Educacional. Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, abr./jun. 1979. p.69-80.
Anísio Teixeira – grande expoente da educação brasileira
Octavio Martins
Em sessões ordinárias da Academia Brasileira de Educação, foram pronunciadas duas conferências em homenagem a grandes educadores brasileiros. Sobre Anísio Teixeira falou o Professor Hermes Lima a 23 de outubro de 1977; pronunciou-se sobre Lourenço Filho, a 16 de março de 1978, o professor Abgar Renault.
Por iniciativa do editor de FORUM EDUCACIONAL, Prof. Athos da Silveira Ramos, foi solicitada ao Prof. Renault a cópia de sua conferência sobre Lourenço, publicada com ligeiras alterações no número de outubro/dezembro de 1978 de FORUM.
Pensei então em sugerir que um pedido semelhante fosse dirigido ao Prof. Hermes Lima: ter-se-ia assim um paralelo entre dois de nossos mais ilustres educadores. Infelizmente tal pedido tornou-se impossível pelo falecimento do ilustre professor e homem público Hermes Lima e – perdoem-me a expressão – virou o feitiço contra o feiticeiro: como tinha assistido à conferência, foi-me confiada a incumbência de escrever o presente artigo, com o propósito de reproduzir, tanto quanto possível, a conferência por ele proferida.
Lembro-me bem da quase totalidade dos tópicos abordados; minha memória, entretanto, seria incapaz de reproduzir com alguma fidelidade os detalhes nela contidos, pois a conferência, não tendo sido escrita nem gravada, não me poderia servir de auxílio.
Felizmente, quase tudo que ele mencionou sobre a vida e a obra de Anísio Teixeira acha-se contido, com maior amplitude, em seu livro anteriormente publicado. 1 Outros livros poderiam ainda ser consultados: Anísio Teixeira: pensamento e ação, 2 o Manifesto dos pioneiros da educação nova, 3 bem como os livros e pronunciamentos do próprio Anísio, a maioria dos quais citados ou transcritos no primeiro destes dois últimos livros.
Assim, exceção feita da parte em que menciono meus contatos pessoais com Anísio, o artigo que se segue não é propriamente de minha autoria: representa apenas um esforço no sentido de selecionar ou condensar o que foi escrito por outros. Empreguei tanto quanto possível as próprias palavras dos respectivos autores, mas dispensando-me, salvo em casos especiais, o uso de aspas para tornar a leitura mais atraente.
Vim a conhecer pessoalmente Anísio em rápidos contatos em 1932, quando eu ocupava o cargo de assistente da Superintendência do Ensino Secundário. Posteriormente, porém, trabalhei sob sua direção no INEP e no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE) além de outros contatos em Brasília, sobretudo quando ele exerceu interinamente a reitoria da Universidade de Brasília (UnB).
Se quiséssemos estabelecer uma comparação entre Anísio e Lourenço Filho, o que caracterizava sobretudo este último (sob cuja direção também trabalhei longamente), era seu senso da medida, sua cultura geral amplamente diversificada e sua tendência a subordinar o desejável ao possível em que vivíamos então. Enquanto isto, a impressão inevitável que me causava Anísio era a agilidade de sua fulgurante inteligência, o vigor com que defendia seus planos de ação: o vulcão de idéias, como o qualificou Delgado de Carvalho. Quando trabalhei sob sua direção no INEP ou no CBPE, por vezes não conseguia chegar à solução de um problema, mesmo com auxílio de especialistas que trabalhavam comigo. Consultando então Anísio, ele freqüentemente virava o problema de cabeça para baixo, seja indicando uma solução muito simples que não nos havia ocorrido, seja modificando o ponto de vista que nos parecera adequado ou ainda mostrando que as premissas poderiam ser transformadas em conclusões e vice-versa, um pouco à guisa de certas demonstrações matemáticas que apontam que qualquer outra solução conduziria a um absurdo.
Pouco falava de sua vida pessoal, porém muito de suas idéias no campo da educação.
Como será amplamente confirmado mais adiante, Anísio foi sem dúvida o mais injustiçado de nossos grandes educadores, seja pela incompreensão de seus propósitos, seja por maliciosas acusações por parte daqueles que se sentiam prejudicados em seus interesses ou pontos de vista firmados.
Para justificar o que afirmo aqui, sirvo-me de apenas dois exemplos. Meus próprios contatos com ele e, mais do que isto, o testemunho de pessoas de elevado nível cultural que o conheciam de perto (entre os quais me limito a apontar os nomes de Fernando de Azevedo, Lourenço Filho, Gilberto Freyre, Hermes Lima, Afrânio Peixoto, Darcy Ribeiro, Roquette Pinto e Afrânio Coutinho) indicavam suas profundas convicções a favor da forma democrática de governar e de administrar. Em suas próprias palavras no livro Aspectos da educação: 4 "Se alguma lição tem a América a dar ao mundo, se algum ideal sustenta a sua civilização e dá sentido à sua obra, essa lição e esse ideal se consubstanciam em democracia."
Outro exemplo: muitos o consideravam um dogmático, talvez pelo vigor com que defendia suas idéias fundamentais. O que tive oportunidade de observar foi justamente o oposto. Anísio procurava constantemente rever suas idéias, mas não em face de argumentos capciosos em sentido contrário. Não tem outro sentido a criação do CBPE (uma espécie de satélite do INEP), bem como de vários centros regionais de pesquisas educacionais (que trabalhavam harmônica mas independentemente) no propósito de permitir-lhe observar as peculiaridades locais e melhor a elas adaptar processos educacionais adequados.
Feitas estas considerações preliminares, passo a relatar os principais tópicos da conferência pronunciada na Academia Brasileira de Educação a 23 de outubro de 1977, por Hermes Lima, uma das grandes figuras do cenário nacional sob os mais respeitáveis ângulos: no magistério, na política, nas letras e na magistratura, como disse há pouco Latorre Garcia.
Anísio Spínola Teixeira nasceu a 12 de julho de 1900 na cidade sertaneja de Caetité, na chapada Diamantina, a cerca de 800 quilômetros de Salvador. Era filho de Diocleciano Pires Teixeira e de Ana de Souza Spínola, ambos de família de estirpe patrícia e de influência econômica e política na região.
Caetité, alcunhada de Princesa do Sertão, possuía clima ameno e baseava sua economia na cultura de subsistência e na pecuária. Com o advento do regime republicano foram ali criadas uma escola normal e uma escola complementar, que não teriam longa duração. Em 1912, porém, o missionário Henrique Mac-Cauly fundou um colégio e no mesmo ano os jesuítas criaram o Instituto São Luiz, dentro da acepção clássica de ginásio de preparatórios.
Terminado seu curso primário, Anísio foi dos primeiros a se matricular no São Luiz, destacando-se logo pelo rigor de seus trabalhos e, campeão de prêmios no colégio, granjeou a atração admirativa dos jesuítas, o que era, aliás, reciprocado pelo aluno, seduzido pela sua tradição apostólica. Em 1915 transferiu-se para o Internato Antônio Vieira, em Salvador (também dirigido pela Companhia de Jesus), já ali entrando com a auréola de aluno excepcional. Foi também ali que veio a conhecer Hermes Lima, um de seus colegas. Além da admiração de seus companheiros, consolidou o conhecimento, a admiração e o respeito do padre Luiz Gonzaga Cabral, que o elegeu a maior recompensa da vinda dos jesuítas à Bahia.
Entre as perspectivas que se lhe abriam, a que mais o atraía era a de ingressar na vida religiosa. Entretanto, iniciou na Bahia seu curso de direito, que seguiu sem grande entusiasmo, vindo depois a se formar no Rio em 1922.
Depois de formado, ele e o padre Cabral viajaram para Caetité, onde o jesuíta se deteve um mês sem contudo conseguir demover a oposição dos pais à iniciação do filho nas hostes de Santo Inácio. O Dr. Diocleciano depositava em Anísio a esperança de um destino político, não desejando para ele a carreira sacerdotal. Passou então Anísio quase todo o ano de 1923 em Caetité, dedicando-se sobretudo à advocacia e à assistência política a seu pai, na campanha da sucessão governamental.
Eleito Goes Calmon para governador, em caráter de oposição à situação anterior, buscou logo novos talentos para compor sua administração. Por sugestão de Hermes Lima, teve um entendimento com Anísio e, com sua aguda intuição de descobridor de valores, convidou-o para o cargo de inspetor-geral de ensino, para o qual foi nomeado a 17 de abril de 1924. A nomeação causou espanto ao próprio Anísio e à sua família, pois para tais cargos eram geralmente nomeados administradores que houvessem militado no setor, enquanto que Anísio era simplesmente um advogado do interior.
Entretanto, incentivado ainda por Hermes Lima, aceitou o cargo e a ele se dedicou com todo seu fervor de apóstolo, lançando-se imediatamente a uma atividade crítica, reformadora e criadora, que o atrelaria definitivamente à obra da educação.
Do exame das condições materiais e humanas em que se encontravam as escolas da Bahia, não seria difícil concluir que tudo necessitava de renovação. Mas como encontrar recursos para isto e como combater a burocracia que dominava os serviços e a própria mentalidade reinante na administração escolar?
Logo sentiu a necessidade de nova legislação para dar suporte a modificações necessárias. Para isto apresentou um relatório que, depois de debatido e ordenado na esfera administrativa, transformou-se em projeto de lei encaminhado à Assembléia Legislativa estadual em julho de 1924.
Entre numerosos outros pontos abordados, o projeto estabelecia ser o estado obrigado a despender anualmente com a instrução pública no mínimo a sexta parte de sua renda tributária bruta e determinava a criação de quinhentas novas escolas primárias, que o governo localizaria onde conviesse. Igual percentagem das receitas municipais deveria concorrer para o mesmo fim, sendo lícito aos municípios criar taxas ou contribuições especiais para reforço do total a ser empregado. A eles dava-se ampla liberdade para criar, manter, transformar ou suprimir escolas primárias, dentro dos limites da lei.
Era criado um Conselho Superior de Ensino, com atribuições consultivas, bem como conselhos municipais que deveriam estimular o ensino primário, fiscalizá-lo e propor as medidas convenientes à sua melhor adaptação às condições locais. Isto demonstra que desde então Anísio se mostrava partidário de uma bastante ampla autonomia local, princípio mais sistematicamente adotado nos EUA.
O ensino público seria leigo, mas Anísio propunha o ensino religioso facultativo, fora dos horários normais e não exercido pelos professores regulares. Esta tese não foi entretanto acolhida pela Assembléia Legislativa nem pelo Senado, imbuídos do espírito republicano da separação entre a Igreja e o Estado.
Na opinião de Hermes Lima, "a maior novidade intelectual e administrativa desse período na Bahia foi mesmo a posição de Anísio ao traçar para a educação as diretrizes de um pensamento que colocava o sistema de ensino a serviço da reconstrução da escola como da própria sociedade".
Condenava Anísio a escola única porque encerrava uma tirania inexplicável em países verdadeiramente democráticos e impossibilitava o ensino particular que, desligado de leis e programas oficiais, é mais maleável, satisfaz mais completamente as necessidades sociais e nos fornece uma variedade maior de ensino para a organização intelectual do Estado.
Não obstante as críticas e oposições de interesses contrariados (foi qualificado na imprensa de verdoso educador, o bebê, irrequieto pedagogo), e, limitando-nos apenas ao ensino primário, os esforços de Anísio levaram de 1923 a 1927 a um aumento de 25% da população escolar, elevando-se a freqüência em termos equivalentes. Durante o mesmo período, a proporção de gastos com o ensino em relação à receita geral apresentou uma elevação de 4,55% para 8,47%, isto é, um aumento relativo de 85%. Não poderiam ser traduzidos em números os aperfeiçoamentos ocorridos nos currículos e nos processos de ensino.
Em março de 1928, Vital Soares, sucessor de Goes Calmon no governo da Bahia, amigo e admirador de Anísio apresentou novas sugestões e críticas ao processo educativo, apontando possíveis melhoramentos, inclusive na formação do professorado. Tais sugestões, entretanto, não lograram receptividade, preferindo Anísio, em novembro de 1929, exonerar-se do cargo a ter que marcar passo. Foi então nomeado professor de filosofia da educação na Escola Normal de Salvador.
Anteriormente, em 1927, havia sido comissionado para estudos de organização escolar, tendo passado 10 meses no Teachers, College da Columbia University, onde se graduou como Master of Arts.
Chegou católico aos EUA e de lá voltou liberado de qualquer crença religiosa revelada. De certo modo tolhido anteriormente pela perspectiva muito fechada das pregações jesuíticas, debatia-se em face de uma filosofia científica da vida. Declarou então: "Senti haver superado essas mortais contradições", acrescentando que trouxera de seus cursos universitários na Europa e na América, não somente uma paz espiritual, mas um programa de luta pela educação no Brasil. Foram a filosofia educacional de John Dewey e os ensinamentos de Kilpatrick, Counts e outros que mais o influenciaram em suas idéias posteriores sobre educação.
A designação de Fernando de Azevedo em 1928 para diretor de instrução no antigo Distrito Federal iniciou-se sob forma impetuosa, despertando entusiasmo e grandes iniciativas no sistema escolar carioca. Pouco depois da Revolução de 30, foi Anísio nomeado para o cargo de diretor do Departamento de Educação, pouco depois transformado em Secretaria-Geral da Educação e Cultura. Coube-lhe a árdua tarefa de concretizar a renovação iniciada por Fernando de Azevedo. Em 1932, este último, reunindo o pensamento de quantos ansiavam por uma significativa reconstrução da educação no Brasil, prefaciou e redigiu o Manifesto dos pioneiros da educação nova, subscrito por 26 expoentes do movimento renovador, entre cujas assinaturas figurava a de Anísio Teixeira. Neste mesmo ano Anísio consorciou-se em São Paulo com Emília Teles Ferreira, de família baiana, tendo nascido do casal quatro filhos, dois de cada sexo.
Segundo Anísio, o ímpeto entusiástico pela renovação deveria ser consolidado pela análise, pela disciplina e pelo controle da ação, mediante uma experiência gradual das soluções e a obediência às condições locais. Logo verificou a falta de uniformidade das escolas: enquanto algumas honrariam qualquer capital européia, outras seriam inaceitáveis para uma pequena vila do interior de nosso país. Aceitou dirigir a educação carioca desde que lhe assegurassem autonomia de ação. Chegava com o espírito já amadurecido por suas atividades na Bahia e, no recém-criado Ministério da Educação e Saúde encontrou nomes como os de Lourenço Filho, Abgar Renault, Carneiro Felipe e Rodrigo Melo Franco de Andrade.
As modificações legislativas indispensáveis vieram com os decretos de 1923 e 1933. O Instituto de Educação foi confiado a Lourenço Filho e a Mário de Brito. Foram criados diversos outros serviços especializados, cujas direções foram exercidas por especialistas, entre os quais figuravam pessoas como Delgado de Carvalho, Joaquim Faria Goes Filho, Assis Ribeiro, Villa-Lobos, Roquette Pinto e Nereu Sampaio, Juracy Silveira, diretora da Escola Experimental México e depois orientadora da educação elementar, dá testemunho do interesse que então reinava no campo da educação. O sistema educacional implantado teve como coroação a Universidade do Distrito Federal (em abril de 1935), compreendendo escolas de educação, de ciências, de filosofia e letras, economia e direito e um instituto de artes, tendo sido Afrânio Peixoto o primeiro reitor da universidade. O corpo docente compreendia figuras expressivas do magistério francês (Desfontaines, Walon, Bréhier e outros), ao lado de eminentes professores nacionais entre os quais mencionarei apenas os nomes de Gilberto Freyre, Arthur Ramos, Lélio Gama, Hermes Lima, Costa Ribeiro, José Oiticica e Cândido Portinari. Pode-se afirmar que sua administração constituiu um marco pioneiro nos anais da educação nacional.
Durante este período, foi Anísio alvo das mais caluniosas acusações, partidas de elementos católicos e de parte do clero, que julgavam ver idéias esquerdistas em alguns de seus pronunciamentos. Do golpe comunista frustrado em 1935, começavam a nascer os prenúncios do Estado Novo e, por seus inimigos, foi logo exigido o afastamento de Anísio Teixeira. Este, vendo que sua permanência dificultaria a posição do Prefeito Pedro Ernesto, que sempre o apoiara, teve com ele uma entrevista a 1º de dezembro de 1935, da qual resultou seu pedido de exoneração em carta, na qual, aliás, reafirmava suas convicções democráticas. A contragosto, o pedido de exoneração foi concedido pelo prefeito.
Ocorreu então um hiato nas atividades de Anísio como administrador educacional, durante o qual exerceu várias tarefas, inclusive no setor da mineração, e, a convite de Paulo Carneiro, colaborou por mais de um ano na organização da Unesco, exercendo ali as funções de conselheiro para o ensino superior.
Com a redemocratização política do Brasil, Octavio Mangabeira foi empossado em janeiro de 1947 no governo da Bahia e logo convida Anísio para seu secretário da Educação. Este encontrou o ensino em situação deplorável, com a média de 33 alunos por mil habitantes, superior apenas à do Maranhão. A deficiência qualitativa acompanhava essa deficiência quantitativa. Cabe aqui, como em outras passagens do presente ensaio, repetir as palavras escritas pelo ex-ministro da Educação, Abgar Renault, no último FORUM de 1978: "Triste Brasil, que nada sabe conservar e entende que reformar é destruir e esquecer, sem dar ouças a estas sábias palavras de Anísio Teixeira: '. O educador é um servidor do passado e da sobrevivência desse passado no amanhecer do dia seguinte.'" (p. 11)
Como sempre, Anísio lançou-se com todo seu vigor à obra de reconstrução. Os resultados que conseguiu obter, não obstante dificuldades de toda sorte, estão relatados no capítulo 9 do livro de Hermes Lima e, por Jayme Abreu, no primeiro ensaio do livro Anísio Teixeira: pensamento e ação.
Limito-me aqui a assinalar que, segundo este último, neste segundo período de sua atuação na Bahia, seus esforços, sempre metódicos, foram caracterizados pelos seguintes passos:
- diagnóstico e equacionamento das debilidades estruturais;
- formulação de diretrizes;
- elaboração de instrumentos para converter diretrizes em ação;
- fixação e articulação de prioridades, realçando aspectos fundamentais em relação a situações acessórias, fugindo a pseudo-soluções parciais, conjugando para tal, nesse campo, as contribuições de vários especialistas em ciências sociais.
Dentre numerosas outras iniciativas, cabe citar a opinião de Hermes Lima de que sua obra neste período, definidora por excelência de um dos postulados de sua política educacional, foi o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, construído em três amplas áreas arborizadas no bairro da Liberdade. Foi parcialmente construído em outubro de 1950, com três escolas em pavilhões distintos. Posteriormente, em 1961, estava quase acabado, com as três escolas e a escola-parque, pavilhões de trabalho, setor socializante, pavilhão de educação física e jogos, biblioteca, setor artístico etc. Sua missão era a de reintegrar a escola primária em seu sentido amplo, aliando os estudos tradicionais à formação de hábitos, atitudes aspirações que dessem à criança o preparo para a civilização técnica e industrial de nosso tempo. Dava-lhe alimentação, visto não ser possível educá-la no grau de desnutrição e abandono em que se encontrava.
Em 1951, Ernesto Simões Filho assumiu a pasta da Educação e Saúde. Convidado para dirigir o DNE, Anísio recusou, por considerá-lo esvaziado de suas funções normais, voltado apenas para atividades burocráticas. Entretanto, criada a Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior em julho de 1951, aceitou Anísio sua direção (sob o título de secretário-geral), apesar de numerosos grupos de pressão contrários a esta designação. O órgão concentrou suas atividades no aperfeiçoamento do pessoal docente universitário pela concessão de bolsas de estudos no país e no estrangeiro e pelo treinamento em centros de pós-graduação em projetos de natureza diversa.
Com a vaga ocorrida no INEP pelo trágico falecimento de seu diretor em 1952, foi Anísio designado para substituí-lo e seu discurso de posse foi considerado por Hermes Lima como um dos mais altos pronunciamentos de sua carreira.
Durante 12 anos como diretor do INEP e secretário da CAPES, obteve Anísio que a estes órgãos se agregassem o CBPE e vários outros centros regionais de pesquisas, no propósito de diversificar a obra que se processava. Entre seus dirigentes havia homens do mais alto valor, como Gilberto Freyre (em Pernambuco), Fernando de Azevedo (em São Paulo), Mário Casasanta e depois Abgar Renault (em Minas Gerais). Anísio sempre soube cercar-se de colaboradores do mais alto nível, tendo com ele trabalhado no CBPE, entre outros, Bertram Hutchison, Andrew Pierce e Charles Wagley.
Repentinamente, em 1958, desabou sobre este quadro de trabalho sério e produtivo a denúncia de bispos do Rio grande do Sul que, mal interpretando certos pronunciamentos de Anísio, apresentaram memorial ao presidente da República acusando-o de "preparar o povo para reivindicações sociais". O Brasil, bradava a representação, "não quer que se transforme por uma revolução social, a começar das escolas, a República brasileira em uma República socialista".
Diante do fato, iniciou-se então, de um extremo a outro do país, um dos mais belos e eloqüentes movimentos de solidariedade a Anísio, pela manifestação de centenas de professores e cientistas de nomeada, dezenas de instituições prestigiosas voltadas para a educação, conselhos e congregações de universidades, câmaras de vereadores e assembléias legislativas. Afrânio Coutinho assim resumiu o caso: "Um intelectual, representante do que de mais puro e nobre o espírito brasileiro ainda produziu, vê-se taxado de pernicioso e subversivo, graças à deformação intencional ou à incompreensão de suas palavras, através de um estranho documento de autoridades eclesiásticas."
Tais manifestações ecoaram na sensibilidade do presidente Juscelino Kubitschek, que ouviu Anísio, consultou assessores de sua confiança (inclusive uma alta autoridade eclesiástica) e, pouco depois, o ministro da Educação declarava que Anísio não seria demitido.
As atividades de Anísio como administrador da educação encerraram-se em Brasília para onde foi convocado com o fim de planejar seu sistema escolar. A cada quadra que constituía a estrutura urbana da capital, oferecia-se um jardim de infância e a cada grupo de quatro quadras uma escola-parque para tender a 2.000 alunos. Os centros de educação média tiveram um planejamento adequado às suas finalidades e, para atender ao ensino superior, criou-se em setembro de 1961 a Universidade de Brasília (UnB), instituída como fundação.
Sobre esta me é possível apresentar um testemunho pessoal, pois durante os cinco primeiros anos de seu funcionamento fui o principal responsável pelos respectivos exames de admissão e acompanhei sua evolução, desde os projetos de sua organização, sob a égide de Anísio Teixeira no CBPE, mas coordenados por Darcy Ribeiro que, para isto, ouviu numerosos especialistas que melhor poderiam opinar sobre o assunto.
Contrariamente às demais universidades então existentes no Brasil, quase sempre meros agregados de faculdades ligadas administrativamente por um reitor, a UnB constituía um todo orgânico, onde uma plêiade de excelentes professores se dedicavam em tempo integral ao magistério e à pesquisa, bem como ao atendimento dos alunos que os procuravam para discutir trabalhos ou resolver problemas específicos. Em minha opinião, foi a única universidade digna deste nome que existiu no Brasil.
Mas esta organização ímpar não deveria durar muito nas condições em que foi planejada. Com a Revolução de 1964, foi encarada como um centro de propaganda subversiva. Já sob a reitoria de Zeferino Vaz, de São Paulo, este teve que ceder a certas imposições que lhe foram feitas, demitindo uma quinzena de professores dos mais visados pela situação dominante. Disse haver lançado carga ao mar para que a nau permanecesse em condições de navegabilidade. Entretanto, pouco depois, tais entraves lhe foram impostos que, em 1965 cerca de 200 professores e cientistas do mais alto nível foram forçados a pedir sua exoneração e a UnB perdeu o que de melhor possuía em sua organização e funcionamento.
Venho aqui, a propósito, repetir as palavras anteriormente citadas de Abgar Renault: "Triste Brasil, que nada sabe conservar e entende que reformar é destruir e esquecer..."
Já anteriormente, em 1963, Anísio viajara para os EUA onde dois contratos de trabalho o aguardavam na Columbia University e na University of California. Teve então a grata surpresa de receber no Teachers’College uma medalha de honra, acompanhada dos seguintes dizeres: "Mestre de seus alunos, seus colegas e seu país – cujo saber ilumina a educação em todas as Américas –, líder nas escolas e universidades do Brasil, seu exemplo inspira os educadores do mundo inteiro, homem de tanto saber que devota a vida ao progresso do ensino e à melhoria das escolas. Para honrar seus notáveis serviços à causa da educação internacional, para assinalar quanto nos orgulhamos do antigo aluno que se distinguiu e para expressar a alta estima que lhe dedicamos, o Teachers’College lhe confere a medalha por serviços relevantes."
No Brasil, já deposto de suas funções de administrador educacional, entrou em contato com a Fundação Getulio Vargas, onde Simões Lopes e sua equipe muito se orgulhavam de sua colaboração.
A 19 de março de 1970, depois de dois dias e meio de desaparecido, foi Anísio encontrado sem vida no poço do elevador de um edifício da Avenida Rui Barbosa, onde fora fazer uma visita protocolar como candidato à Academia Brasileira de Letras. Findou-se assim um dos mais singulares pensadores brasileiros e dos maiores expoentes da educação em nossa terra.
Em julho de 1973, o Ministério da Educação e Cultura, então dirigido por Jarbas Passarinho, confere-lhe post-mortem a comenda da Ordem Nacional do Mérito Educativo no grau de grande oficial.
O pensamento educacional de Anísio está consubstanciado em sua obra.
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