FONSECA, Maria Alice [Org.]. Anais do III Seminário Projeto Educação - Homenagem a Anísio Teixeira - Escola Pública no Brasil: uma visão política. Rio de Janeiro, Forum de Ciência e Cultura da UFRJ, 19 out. 1995. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1995.

III SEMINÁRIO PROJETO EDUCAÇÃO (Homenagem a Anísio Teixeira). Escola pública no Brasil: uma visão política. Forum de Ciência e Cultura da UFRJ. Rio de Janeiro, 19 out. 1995.

APRESENTAÇÃO

O Projeto Educação do Forum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fiel à linha que se propôs, ao iniciar-se, em novembro de 1994, de acompanhamento crítico-construtivo das políticas públicas do setor educacional brasileiro, elegeu como tema para o seu III Encontro "Escola Pública no Brasil".

Tantos e tão graves, além de interligados e persistentes, são os problemas da Educação no nosso país, que se torna difícil a escolha de um aspecto determinado para ocupar o cenário da discussão em um evento com a periodicidade de 1 semestre. No caso presente, a opção se pautou pelo reconhecimento público da necessidade urgente de se reverter a perda de substância do ensino público de 1º e 2º graus, e a correspondente perda de prestígio da função docente e da própria figura do professor, sob pena de comprometimento de uma geração de expressivo segmento da população, no esforço nacional de construção de uma economia moderna e de fortalecimento da democracia.

Não por outra razão, o Seminário homenageou Anísio Teixeira. Pela luta tenaz e lúcida que empreendeu em prol da educação pública em nosso país, pelo seu espírito livre, independente e questionador, pelo muito que ambicionou para o povo brasileiro, Anísio Teixeira se tornou símbolo da respeitabilidade e da reverência nacional à figura do educador, em particular à do professor que milita no ensino público.

Ao publicar os textos oferecidos pelos expositores, o Forum pretende levar a um público mais amplo os termos de uma apresentação caracterizada pela produção de idéias e a proposição de caminhos que pudessem subsidiar as políticas governamentais do setor educacional brasileiro, no presente.

Maria Alice Fonseca


ÍNDICE

Apresentação
Profa. Maria Alice Fonseca

Anísio, a Visão Política do Educador
Prof. Edson Machado de Souza

A Escola Pública Brasileira e a Atualidade de Anísio Teixeira
Profa. Clarice Nunes

Redistribuição da Inteligência: Um Programa para a Equidade do Ensino
Prof. Lo Presti Seminério

Ensino Público: A Questão do Magistério
Profa. Juçara Dutra Vieira

Plano de Ação da Secretaria de Estado da Educação do Paraná
Prof. Ramiro Wahrhaftig

Breve Elogio de Anísio Teixeira
Prof. Jorge Ferreira da Silva

Agradecimento
Ana Christina Teixeira Monteiro de Barros


ANÍSIO, A VISÃO POLÍTICA DO EDUCADOR

Prof. Edson Machado de Souza
Gabinete do Ministro/MEC

É uma grande satisfação e uma honra estar mais uma vez neste Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, desta vez envolvido com este tema altamente relevante: a análise da educação básica do Brasil.

O desafio que me foi colocado, confesso, não é fácil. Tentar transpor para o quadro atual da educação brasileira - e aqui eu estarei sempre me referindo à educação fundamental, à educação obrigatória - as visões ou, talvez até pudéssemos dizer, as antevisões de Anísio Teixeira, certamente não é uma tarefa fácil. Tomei a liberdade de copiar um trecho, que talvez nos coloque diante do quadro que constitui este desafio. Em 1947, dirigindo-se à Assembléia Constituinte do Estado da Bahia, que então como o próprio nome indica, elaborava a Constituição do Estado, em defesa do texto do Capítulo "da educação", da Constituição Estadual, Anísio usou as seguintes palavras:

"Confesso que não venho até aqui falar-vos sobre o problema da educação sem um certo constrangimento. Quem recorrer à legislação do país a respeito da educação, tudo aí encontrará. Sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e em nenhum outro tão pouco se realizou. Não há assim como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir. Há cem anos os educadores se repetem entre nós. Esvaem-se em palavras, esvaímo-nos em palavras, e nada fazemos. Atacou-nos, por isso mesmo, um estranho pudor pela palavra. Pouco falamos, os educadores de hoje. Estamos possuídos pelo desespero mudos pela ação ".

Não estamos evidentemente às portas de uma nova Constituição, mas quase isto. Estamos, como todos sabem, vivendo um momento de reformas constitucionais, entre as quais, uma proposta de emenda ao capítulo da educação da Constituição de 1988, encaminhada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional no "Dia do Professor".

Parece, portanto, que estas palavras de Anísio Teixeira colocam-nos mais ou menos na mesma situação, exceto talvez pela mudez. O próprio Anísio não poderia imaginar, em 1947, que poucos anos depois, ele mesmo, ao lado de muitos outros educadores e intelectuais deste país, estariam imersos num grande debate nacional que girou em torno da proposta primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Naquela ocasião, fins dos anos 40 e início dos anos 50, os educadores brasileiros não se calaram. Muitas vozes se levantaram. Foi necessário que até mesmo os pioneiros da "educação nova" voltassem a falar, e voltassem a se manifestar, lançando um novo manifesto, praticamente vinte anos depois do primeiro.

Mais recentemente, durante os debates da Assembléia Constituinte de 1987/88, quase todos nós, educadores, ou pessoas interessadas e empenhadas na educação nacional, voltamos a nos envolver em um grande debate nacional. E agora, seguramente, há oportunidade para que esta questão seja retomada. Não apenas em função dessa proposta de emenda constitucional agora encaminhada ao Congresso pelo Governo a qual não suscitará, talvez, tão grandes controvérsias, mas em função da retomada pelo Congresso Nacional dos debates em torno de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Talvez fosse melhor, como preferia o próprio Anísio, que fosse uma lei de bases e diretrizes e não de diretrizes e bases. Parece-me válida, portanto, a proposta do tema para esta conversa. Considero-a extremamente oportuna e relevante. Eu me proponho, não a retomar as concepções e idéias fundamentais do educador, do pedagogo, Anísio Teixeira, mas a visão do estadista, à visão política de Anísio Teixeira, porque, sem dúvida, acho que todos concordarão, as suas concepções no campo da educação eram uma consequência de sua visão política, da sua visão do Estado democrático, do Estado federativo, e do Estado responsável, cumpridor de deveres para com a sociedade.

Impressiona em Anísio, a leitura que faz da evolução do regime democrático, no mundo ocidental, mas sobretudo no nosso país: a sua visão absolutamente liberal, a interpretação do conceito de democracia, a sua visão absolutamente libertadora do homem enquanto cidadão, do homem enquanto partícipe do regime democrático. Uma visão refletida não apenas da apreciação da experiência da civilização, sobretudo da ocidental, evidentemente, mas é refletida na análise do próprio processo evolutivo da nação brasileira desde o descobrimento. Impressiona como ele vê o nascimento do processo democrático, no Brasil, os avanços e retrocessos deste processo ao longo do tempo, como ele retoma, já na década de 60, idéias dos anos 40, com a maior tranquilidade, sem que essas idéias precisassem ou necessitassem passar por qualquer reprocessamento, por qualquer atualização.

É desta visão de democracia, de como interpretar a democracia e o papel do cidadão nela, que Anísio constrói a sua percepção do papel do Governo, o que cabe ao Governo num regime democrático. E a partir desta interpretação, sobretudo da interpretação magnífica que faz do que seja "interesse público", que surgem a necessidade e a evidência do papel do Estado, da ação do Estado, em defesa deste interesse. Se bem que ampla, a interpretação fundamental parte de um raciocínio muito simples: Anísio interpretava todo ato humano como sendo uma transação, quase que uma negociação. Na medida em que o resultado desta transação entre duas partes afeta uma terceira parte, aí surge o interesse público. Ou seja, se da transação entre duas partes, uma terceira será afetada, positiva ou negativamente - qualquer que seja o efeito, neste momento surge o interesse público, e daí resulta a necessidade da ação do Estado em defesa daquele interesse.

A partir deste raciocínio, Anísio identifica a educação como interesse público, como necessidade social. E o raciocínio aí não é tão simples, porque qual é a transação que está ocorrendo, que gera, que faz com que surja o "interesse público" em matéria de educação? Aqui é curioso observar como ele constrói a ponte entre educação e o exercício da cidadania pelo homem enquanto consumidor e outra enquanto produtor, enquanto trabalhador, enquanto operário. E essa ponte não é uma coisa simples; já não o era nos anos 40, 30, e não será muito mais agora, quando. Hoje, quando se fala em sistema produtivo, produção, internacionalização, inserção na economia mundial, na global, isto é imensamente mais complexo do que a visão, até certo ponto simplista, que era possível ter do sistema produtivo, à época em que Anísio produziu suas idéias e seus conceitos.

Em realidade, o que Anísio tenta mostrar é a transação existente entre o domínio do conhecimento, da ciência, da tecnologia, e o domínio econômico do setor produtivo. No momento em que se estabelece entre estes dois domínios uma relação, já que o sistema produtivo necessita das idéias, necessita do conhecimento, necessita do saber produzido para se tornar mais produtivo, aí se estabelece a transação. Vejam que é uma coisa extremamente sutil, é uma transação entre o poder do conhecimento e o poder de fazer as coisas. Então esta transação é um interesse público, porque é do seu resultado que a sociedade irá ou não usufruir dos benefícios do progresso. Progresso não apenas material, mas certamente, significativamente material. Progresso decorre da produção. Progresso decorre da competência com que o sistema produtivo é capaz de desempenhar o seu papel. Neste momento surge novamente o interesse público. Ora, partindo do pressuposto de que o conhecimento interessa ao setor produtivo, e, irá resultar em benefício e progresso para uma terceira parte, pergunta-se: onde este conhecimento é produzido? No sistema educacional.

Dessas relações decorre uma interpretação anisiana de educação enquanto interesse público. Será que ele estaria forçando muito esta interpretação? Talvez sim, para época. Certamente não para hoje. Hoje, esta transação entre o setor que detém o conhecimento e o setor que detém o poder de produção é íntima, estreita, e dela depende essencialmente a capacidade de progresso das nações. Isso pode gerar a impressão de que se estaria atrelando a concepção de educação - e consequentemente toda a concepção do sistema educacional, sua administração - exclusivamente ao interesse econômico da produção. Não é verdade. Porque ao lado disso, Anísio coloca o cidadão consumidor, não apenas do produto da indústria, mas o cidadão consumidor de todos os serviços que a sociedade deve prestar. É o cidadão que consome serviços de educação, de saúde, é o cidadão que consome serviços de justiça, de segurança, de transporte. Este cidadão consumidor tem que ser capaz de fazer opções. Para isto, ele precisa deter o conhecimento afim de ser um consumidor competente. E, ao exercitar esta competência, ao exercitar a sua capacidade de opção, o cidadão está efetivamente se inserindo na cidadania, e exercitando os seus direitos democráticos. Associar estas duas idéias não é uma coisa simples; por isso a leitura de certos escritos de Anísio não é fácil. E buscar as formas como essas duas concepções - do cidadão consumidor e do cidadão produtor - se associam para gerar o direito à educação, como interesse social, como necessidade social, é uma ponte não muito fácil de ser transposta.

Mais difícil do que interpretar e fazer esta ponte entre as idéias de Anísio, é transpor estas idéias para a prática, para o dia a dia da educação. Acho que o exemplo mais eloquente de como ele foi capaz de fazê-lo, pelo menos de como ele foi capaz de conceber esta transposição das idéias para a ação, está na sua proposta da Lei Orgânica de Educação para o Estado da Bahia, também de 1947. No momento em que se almejava a consolidação da democracia, nas palavras de Anísio, em 1947, "pela terceira vez estamos a enfrentar o problema de implantar a democracia no país"; portanto, a expectativa nacional era de se estar retomando um processo que iria em definitivo consolidar a democracia. Era importante também que se consolidasse, e a Constituição de 46 pretendeu fazê-lo, a concepção de um país federativo, de uma nação federativa. Aqui mais uma vez surge a visão política de Anísio: o que é a federação? Para que serve a federação?

Para não me estender demais, eu diria que, talvez, a interpretação mais simplista, talvez exageradamente simplista, da visão de Anísio do Estado federativo, é mais ou menos a seguinte: as coisas acontecem na comunidade, nada acontece na União, as coisas acontecem é lá onde o cidadão vive, lá onde o cidadão mora; as coisas acontecem no município, e é lá que certas coisas têm de ser resolvidas. Esta idéia de que o Estado federativo implica em criar condições para que os interesses sociais, o interesse público, comecem a ser resolvidos lá onde o cidadão vive o cidadão, caracteriza a concepção do sistema federativo que acaba por induzir a concepção de Anísio para a organização de um sistema educacional nacional. Certamente, eu não conseguirei repetir suas palavras, mas pode-se resumir o seguinte ponto de vista referente à questão educacional: a União define as bases e as diretrizes da educação nacional, o Estado organiza o aparelho de atendimento escolar, e o município administra e executa a educação. É claro que este tripé constituído por Anísio tem uma série de implicações, que ele mesmo desdobra de maneira muito clara, a mais objetiva possível, no seu projeto para Lei Orgânica de Educação da Bahia. A questão básica é como estabelecer a responsabilidade solidária entre os três níveis de governo, porque, evidentemente, não basta à União definir as bases e as diretrizes, e ficar na expectativa. Não basta o Estado construir escolas e ficar na expectativa. Porque, se for assim, o município não poderá executar a educação, fazer a educação. É preciso que haja uma responsabilidade solidária. Como sempre, o caminho para se estabelecer esta solidariedade, está na maneira como se financiam os negócios da educação. Anísio dizia isso de uma maneira mais elegante do que a minha, mas certamente dizendo a mesma coisa. É necessário encontrar uma forma de organizar o sistema de financiamento, quem paga o quê, quando e como, e ele tinha propostas muito concretas para tal , que, entretanto não, se realizaram, não se concretizaram.

Surge, então, um último elemento das idéias políticas de Anísio, que é extremamente importante, e que nunca se realizou no Brasil. Talvez se tenha realizado aqui e ali, em experiência muito localizada - quem sabe - nem mais exista. É a obsessão de Anísio por uma educação autônoma. Que é isto? Isto significa uma educação sem sofrer a intervenção dos humores do político de plantão. Uma educação autônoma significa todo um sistema educacional com autonomia, desde os responsáveis por zelar pela implementação das bases e diretrizes da educação nacional, até os responsáveis pela execução do ato educativo na sala de aula. É uma cadeia de autonomias. E Anísio viu uma forma de realizar isso: retirar a responsabilidade da autoridade governamental pela gestão. Em palavras mais cruas, retirar a responsabilidade pela assinatura do cheque, e pela prestação de contas, da autoridade governamental. Não é o ministro, não é o secretário de educação, não é o governador do estado, não é o prefeito - é a sociedade, é a comunidade a assumir essa responsabilidade. Como fazer isso? Vem daí a concepção de Anísio, e a definição de atribuições que faz para os conceitos de educação em todos os níveis. É claro que esta proposta não iria jamais se materializar, não poderia jamais se materializar, pela tradição de administração governamental brasileira, onde existe um Tribunal de Contas, da União, do estado, dos municípios, e, por isto, são cobradas as contas de quem assina o cheque.

Lembro-me bem de uma certa passagem, de crítica ao excesso de normas e regulamentos, que tolhiam a capacidade de gestão dos sistemas educacionais. Anísio, naquele tempo, nos áureos tempos do DASP, Departamento de Administração do Serviço Público, dava um exemplo curiosíssimo, a propósito dos cartórios. Ele diz: "Imagine se o DASP resolvesse regulamentar o funcionamento dos cartórios do país". E conclui: "Nós íamos levar quinze dias para conseguir o reconhecimento da firma, três meses para registrar uma procuração...", coisas desse tipo. Havia, assim, a visão política, a concepção política de Anísio, do sistema federativo, a democracia, a necessidade de autonomia dos sistemas educacionais, etc. A implementação dessas idéias acabava por esbarrar no estado burocrático.

Assistimos, recentemente - os senhores devem ter visto na televisão, lido nos jornais - ao Ministro da Educação lançando uma idéia que se consubstanciou nesse projeto de emenda constitucional, enviado ao Congresso no último dia 15, uma idéia, uma proposta de redefinição do sistema de financiamento da educação fundamental do país. Uma proposta criativa, inovadora, extremamente relevante, que não difere muito da de Anísio Teixeira, apresentada em 1947. Pequenas diferenças, aqui e ali: ele preferia atrelar o padrão de financiamento e o padrão salarial dos professores ao salário mínimo regional. Tínhamos, àquela época, diferentes salários mínimos para diferentes regiões do país. Hoje já não se adota mais o salário mínimo como padrão referencial. Mas Anísio já estava preocupado com o custo/aluno por ano, uma idéia que o Ministro Paulo Renato está explorando agora como sendo o pilar de toda essa estrutura por ele esta proposta. Como hoje, já se tinha, então, a vinculação constitucional de recursos fiscais da União, dos Estados e Municípios para aplicação em educação. A idéia de Anísio também utilizar esta vinculação de recursos exigida pela Constituição, para, a partir dos recursos vinculados, reconstruir ou reformular o sistema de financiamento da educação básica, da educação primária, no país.

Gostaria de ressaltar, ainda, mais uma questão. É um assunto que está na ordem do dia, como mostra o artigo que acabo de ler, o de Dom Lourenço de Almeida Prado, no "Jornal do Brasil" de hoje. Estamos vendo renascer, outra vez, o debate sobre o papel da escola pública e, da escola privada. Evidentemente, Anísio sempre se bateu pela escola pública, junto com seus companheiros, os pioneiros da educação nova, sempre defendeu acirradamente o papel da escola pública na democracia brasileira. Tenho a impressão de que este debate vai ressurgir, portanto o tema deste nosso encontro de hoje é mais do que atual.

Estamos num momento em que quase todas as concepções de Anísio são praticamente atuais. Talvez precisássemos repensar alguns conceitos em função de um quadro, de uma realidade que não apenas na sua essência, mas em sua conformação geral é completamente distinta daquela que Anísio analisou e tentou transformar. Vou procurar, sem cansá-los, fazer um rápido bosquejo de como vejo essa realidade. Em primeiro lugar, aponto a dimensão do problema, a dimensão da escola fundamental no Brasil: Anísio expressava-se, quando este país tinha mais de 50% da sua população analfabeta, e muito menos do que 50% da sua população analfabeta e muito menos do que 50% da população infantil matriculada nas escolas de ensino fundamental. Hoje nós temos um país que está, em termos de população geral, com uma taxa de analfabetismo da ordem de 12%; a população acima de 15 anos com uma taxa de analfabetismo ainda alta, mas que se situa em torno de 20% e não mais de 50%. A escola fundamental, com todas as suas deficiências, já abriga hoje próximo de 90% da população escolarizável, na faixa etária correspondente dos 7 aos 14 anos. A população não escolarizada, não matriculada, situa-se essencialmente em regiões de difícil acesso, nos grotões da Amazônia, nos sertões do Nordeste - ou na periferia das grandes cidades. Um problema social completamente distinto. Uma escola fundamental que continua, com algumas características que já então estavam presentes; uma escola que cultiva a repetência como indicador de qualidade; uma escola que, pela via da repetência, expulsa os alunos; uma escola que não consegue fazer com que pelo menos a metade dos alunos que ingressam consigam concluir a escola nos oito anos estabelecidos. Continuamos como nos tempos de Anísio, em que uma criança precisava da ordem de 7 anos de escolaridade para perfazer as quatro séries obrigatórias da escola primária. Hoje, esse número caiu um pouco, para 6,2 anos. Em compensação, para concluir as oito séries do ensino obrigatório fundamental, a criança brasileira ainda se utiliza de 12 anos de escolaridade. Continuamos tendo, portanto, como já tínhamos então, uma escola do desperdício. Mas há uma diferença: o desperdício dos anos 40, na escola primária de quatro séries, ocorria com um magistério composto de 70% de professores leigos, ou seja, professores que, na melhor das hipóteses, tinham concluído eles mesmos o curso primário. Esse percentual hoje é da ordem de 3%, e só se localiza, seguramente, - as estatísticas estão aí pra mostrar -, só se localiza nas pequenas escolas municipais rurais. Com raríssimas exceções, encontraremos esse tipo de professor leigo em escolas urbanas. Portanto, mais uma vez, um quadro totalmente distinto. Em segundo lugar, a realidade social e econômica do país: nos anos 40, e início da década de 50, o Brasil vivia os primeiros anos do seu processo de industrialização. O país era essencialmente agrário. Nos anos 40, mais de 70% da nossa população vivia na zona rural . Hoje a situação se inverteu. Temos 70% da população na zona urbana.

O processo de industrialização ocorrido ao longo dos últimos 40 anos, no país, foi um processo voltado pra dentro. Tivemos um país essencialmente autárquico, voltado para dentro, olhando para seu próprio umbigo. Não construímos durante este período uma economia inserida no contexto internacional (é uma questão polêmica, podemos aprofundá-la mais tarde, se for o caso). Talvez simplificando e exagerando, a realidade é o seguinte: até há pouco mais de dez anos, o Brasil não importava e não exportava, em termos significativos. O que é termos significativos? Vou lhes dar um exemplo. Falamos tanto nos "tigres asiáticos". Bem, há quinze anos atrás, em 1980, a Coréia exportava 9% de seu Produto Interno Bruto. Hoje a Coréia exporta 37% de seu PIB. O Brasil de 1980 exportava 8% de seu PIB, e hoje o Brasil exporta 8% de seu PIB.

Que tem isso a ver com a nossa conversa de hoje? É que este modelo não exigia o cidadão produtor, dele não precisava. Ou seja, não precisava do cidadão produtor, que trouxesse consigo o domínio do conhecimento, o domínio do saber. Como o país também não importava, só consumíamos aquilo que nós mesmos produzíamos. O cidadão consumidor de Anísio não precisava existir, não se fazia necessário, porque não havia opções. Não havendo opções, não seria preciso deter o conhecimento para fazer a opção.

O processo de internacionalização da economia, que só agora este país começa a viver, quando os "tigres asiáticos" começaram a vivê-lo há vinte anos atrás, gera para a sociedade a necessidade do cidadão tanto produtor quanto consumidor. Essa imersão no processo brasileiro, passa a ter agora muito mais necessidade de deter o conhecimento do que quando Anísio já pregava essas idéias. E o que é pior: agora o tempo pra fazer isso é muito curto. Se fizermos pequenas comparações com os países asiáticos, é fácil verificar que a velocidade com que países como Taiwan, Coréia, (para não falar do Japão, pois estou falando dos "pequenos tigres"), Tailândia... a velocidade com que esses países avançaram em termos educacionais, significa que eles faziam em um ano - em termos quantitativos, não estou entrando no conteúdo da educação - cada um desses países fez, nos últimos vinte anos, o que o Brasil leva dez para fazer. Ou seja, levamos 30 anos para avançar em nossa prática da escolaridade, no ensino fundamental. Levamos 30 anos para elevar nossa taxa de escolaridade de 60% pra 90%. A Coréia do Sul o fez em doze anos. Só que ela atingiu os 90% há dez anos atrás; estamos atingindo este percentual agora. Enfim, uma série de indicadores quantitativos, sugerem que há um problema de velocidade. Quer dizer, em realidade, há necessidade de realizá-las muito rapidamente, para recuperar o tempo perdido. A questão é saber se isto é possível. Mas seja ou não possível, não estou afirmando que seja - é preciso começar por uma coisa muito simples, que Anísio já vinha afirmando: a educação fundamental neste país, não tem que ser prioridade, ela tem que ser obsessão nacional. É preciso que a sociedade, que o país inteiro sinta, sem equacionar, sem resolver o problema do ensino fundamental, não se resolve mais nada. O que seria preciso fazer para induzir a isto, para criar essa "obsessão nacional"? É claro que existe um certo espaço, existe um papel a ser desempenhado pelo Governo enquanto governo de uma sociedade democrática, que representa ou deveria representar a vontade nacional. Então o primeiro passo é o Governo tornar-se obsessivo e criar mecanismos, criar estímulos que transmitam essa obsessão para o resto da sociedade.

Acredito que algumas posturas recentes do Governo Federal já são uma demonstração clara de que há vontade política de fazê-lo. Para levar as intenções para o campo da ação, para o campo da execução, evidentemente é preciso dispor de alguns mecanismos. Lamentavelmente, em função de toda a tradição burocrática e centralizadora do aparelho do Estado, ao longo desses 40 ou 50 anos, reformular os mecanismos, modernizar os mecanismos não será uma tarefa fácil nem tão rápida quanto seria desejável. Há um risco de estarmos simplesmente destruindo um edifício, quando na realidade o que queremos é refazer, é remodelar o edifício, e não destruí-lo. Portanto há de se ter a cautela de conduzir esse processo de uma forma sensata, que aproveite o que de bom existe, que reformule o que precisa ser reformulado, que destrua o que precisa ser destruído. Às vezes, para reformar um edifício, é preciso derrubar paredes. A busca desses mecanismos é que está levando o Governo a adotar algumas propostas recentes, que sem dúvida, não serão consenso nacional, pelo contrário, provocarão polêmica e controvérsia, o que é absolutamente natural. O fato de o Governo adotar certas medidas significa apenas que chega um momento em que ele precisa tomar uma decisão. Se essa decisão será criticada ou não é outra questão. Felizmente, as decisões que estão sendo tomadas exigem a participação do Congresso Nacional, e portanto criam-se o forum e o mecanismo para o debate que se fizer necessário. O Governo tem pressa sim. Mas é possível que ele não consiga fazer as coisas com a velocidade com que gostaria, porque o debate nacional vai tomar tempo. Temos aí o exemplo da LDB: já estamos completando o sétimo aniversário do primeiro projeto da nova LDB, e ele ainda não foi aprovado. É possível que a proposta de emenda constitucional não seja aprovada este ano, talvez nem no próximo ano. E se assim ocorrer, o Governo fica de mãos atadas.

Há algumas coisas que podem ser feitas a partir da reformulação da legislação infra-constitucional, nas leis ordinárias, nos decretos. Só que estas mudanças aqui, ali, sem a definição constitucional, não podem ter um rumo. Precisamos de uma Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional? Sim, precisamos. Como Anísio preferiria que fosse de bases e diretrizes, para deixar bem claro que as bases são mais importantes do que as diretrizes operacionais. E porque precisamos de uma lei nacional de diretrizes e bases? Se a educação fundamental é obrigatória, ela é também um dever. Porque ela é um dever. Porque ela é dever? Dever do Estado e da família. Porque é dever do Estado, em primeiro lugar? A razão de a educação fundamental ser obrigatória é que a sociedade precisa que o conjunto dos seus cidadãos tenha acesso a um mínimo de educação de base nacional. Porque tem que ser de base nacional? Para construir a cidadania nacional: se este é o objetivo, há de ter uma base mínima nacional. Claro, Anísio já dizia que ser nacional não significa ser igual. Ser nacional não significa educação padronizada e uniforme para todos. Ser nacional significa respeitar peculiaridades e interesses locais. Ser nacional significa assegurar a todos um mínimo de capacidade de comunicação nacional, de entendimento nacional, de razões e éticas de nível nacional ou de interesse nacional. É por isso que se precisa de uma lei de bases e de algumas diretrizes. É claro que estamos discutindo esse assunto no Congresso Nacional. Existem propostas que vêm sendo debatidas pela sociedade há algum tempo. Surgiu agora um impasse no Senado Federal, na medida em que se contrapõem duas propostas distintas, de concepção distinta, de natureza distinta, de visão distinta, sobre a questão educacional.

Não vamos entrar aqui, agora, nos detalhes dos projetos, ou dos anteprojetos, de lei de diretrizes básicas que estão no Senado Federal, mas apenas ressaltar a diferença essencial que existe entre as duas propostas que estão em confronto no Senado. Eu diria que a proposta do Senador Darcy Ribeiro caminha muito mais na direção de uma lei de bases e diretrizes do que a proposta oriunda da Câmara, mesmo com o substitutivo de Silvio Saboya. A proposta de Darcy Ribeiro contém concepções muito coerentes e condizentes com idéias em discussão neste país há quarenta anos e induz a uma organização, a uma concepção de sistema nacional de educação que tende a um objetivo que me parece extremamente racional, que é superar, na escola fundamental, o dualismo do sistema municipal e do sistema estadual. Vejam os senhores: o que temos hoje, em realidade, no Brasil, não é um sistema nacional de educação; temos mais de cinco mil sistemas. Um para cada município, um para cada unidade da Federação, mais um sistema federal e mais um sub-sistema privado. Se conseguirmos pelo menos superar o dualismo que existe entre rede municipal e rede estadual, no mesmo local, na mesma rua, no mesmo bairro, já teremos dado um passo significativo.

Essas são as idéias que queria apresentar para reflexão deste Fórum. Gostaria de encerrar cumprimentando o Forum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela iniciativa de dar continuidade a este debate. O debate é extremamente oportuno, é momentoso. E o resgate da escola pública fundamental é algo que precisa ser considerado, repito, uma obsessão nacional. Não basta a ação do Governo. A ação do Governo pode estimular, pode dar o pontapé inicial, mas não é suficiente. Este resgate só ocorrerá na medida em que realmente se torne uma obsessão da sociedade brasileira como um todo, em que essa sociedade se disponha, a participar efetivamente desse processo de forma definitiva.

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A ESCOLA PÚBLICA BRASILEIRA E A ATUALIDADE DE ANÍSIO TEIXEIRA

Profa. Clarice Nunes
Professora Titular da UFF

Pressupor a atualidade da obra de Anísio Teixeira não nos autoriza, a partir da sua leitura, a inferir o que este autor teria a dizer sobre a escola pública hoje, decorridos já quase vinte e cinco anos do seu desaparecimento entre nós. Quando muito, nos permite ter contato com a vitalidade de um engajamento em prol da escola pública, que constitui vertente das mais ricas de uma tradição pedagógica democratizante em nosso país. Com ela podemos aprender, ainda hoje, novas formas de olhar para essa escola, de compreendê-la, de pensar possibilidades de intervenção. Ao mesmo tempo, redescobrimos Anísio e no diálogo com ele, visualizamos a força e os limites de uma tradição que, sem dúvida, ao lado de outros intelectuais, ele nos legou.

Portanto, uma coisa é ler Anísio, resgatando a lúcida análise que faz das questões educacionais do país, de uma escola pública que ele conheceu, de uma escola concreta que é e, ao mesmo tempo, não é mais a mesma, hoje, no final do século XX. Outra, é cometer a imprudência de projetar na sua visão a minha própria visão dessa escola pública que, dentro de minhas limitadas experiências, também vou tentando desvelar na minha trajetória de educadora.

Proponho-me a trabalhar o tema sinalizando, em primeiro plano, o lugar de minha fala, ancorada numa experiência pessoal de docência e pesquisa em escola públicas (e particulares) e, a partir daí, à luz dessa experiência vivida e da reflexão sobre ela, destacarei, do pensamento de Anísio, os aspectos que considero, ainda hoje, precisam ser vivamente retomados para não nos perdermos no sentimento oceânico de desencanto que nos invade sempre que lemos e falamos da escola pública, hoje. À luz desse diálogo com Anísio, pretendo afirmar o que chama de estratégias e táticas de enfrentamento das mazelas da nossa escola pública, sem abdicar da esperança, da dignidade e da possibilidade de recriar o trabalho do educador e da educação pública.

De saída chamo a atenção para o lugar de que falo. Falo da escola pública como professora. Trabalhei em São Paulo com crianças da escola primária e secundária, num bairro pobre da periferia paulista, no início da década de setenta. Trabalhei, no Rio de Janeiro, já em meados da década de oitenta, no Curso de Formação de Professores e atualmente sou docente e pesquisadora numa universidade pública.

Esta trajetória, que também incorpora a passagem por escolas particulares de ensino, sinaliza que a seleção dos meus argumentos, neste momento, é marcada por uma visão de dentro e que tem, por isto mesmo, possibilidade e limites. Tem a possibilidade do comprometimento de alguém que, ao lado de seus companheiros de trabalho e de seus alunos, está produzindo, no momento, uma escola pública. Tem os limites também aí radicados: de espaço, de tempo, de circunstâncias. Falo, portanto, não de uma escola pública em geral, mas de uma escola concreta que existe nos grandes centros urbanos brasileiros e que me impele a pensar o tema tentando lidar com a particularidade, de forma a apontar aspectos gerais que nela têm lugar, mas nela não se esgotam. Não tenho nenhuma intenção excessivamente sistemática ou exaustiva. Pretendo apenas destacar pontos que permitam o diálogo com quem vem fazendo, a despeito de todas as dificuldades, cotidianamente, o que chamamos de escola pública brasileira.

O meu primeiro movimento, nesta interlocução, é recuperar o diálogo com a tradição pedagógica democratizante, através da obra de Anísio Teixeira, que escreveu centenas de artigos, conferências, relatórios e doze livros (estes últimos escritos sempre nos "vazios administrativos") em cinquenta anos de vida pública e para quem o ato de escrever, como adverte Marisa Cassim na apresentação da reedição de "Educação não é Privilégio", está enfaticamente associado ao ato de falar e de agir (1). Seus leitores eram seus ouvintes. Percorro, portanto, um pensamento que se expões de forma incansável e com uma dupla motivação: encorajar os iniciados na ação e lembrá-los sempre da importância de examinar as diversas questões de muitos ângulos "para ser claro, ou (para) ir mais longe"(1994:18).

O primeiro ponto de herança da tradição pedagógica democratizante que sinalizo é a sistemática preocupação com as temáticas da legislação educacional e da organização escolar. É, sobretudo, o desejo de influir nas formulações das leis e das políticas públicas.

Creio que, apesar dos pesares, precisamos recuperar este desejo sempre espremido entre o receio dos pacotes legislativos e o sentimento de descrédito das leis. A precariedade do ensino público, particularmente, o de primeiro grau, não é nova. Pelo contrário, tem se agravado nas últimas décadas o que obriga os educadores, particularmente os professores, a colocarem sérias dúvidas a respeito do interesse efetivo do Estado em dotar as amplas camadas trabalhadoras de um mínimo de escolaridade, expresso constitucionalmente, mas que não tem-se concretizado.

No entanto, é certo que há muito pouca probabilidade de o Estado democratizar o saber se não existirem esforços significativos da sociedade civil para compeli-lo a essa ação. Se esses

(2) em todos os níveis; pluralidade de idéias; ênfase na formação do cidadão crítico, participativo, consciente e qualificado para a vida e para o trabalho.

Suspeito que, se Anísio Teixeira estivesse vivo, com certeza estaria defendendo estes princípios ao nosso lado, já que estes apenas reforçam suas convicções produzidas numa trajetória de luta e defesa da escola pública. Estes princípios estão presentes no Projeto de Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional, que sucessivamente alterado por um longo processo de debates da sociedade civil organizada, deu origem ao substitutivo do deputado Jorge Hage, em seguida ao parecer da deputada Angela Amim e foi aprovado no âmbito da Câmara, em setembro de 1993, cumprindo todos os trâmites legais, passando por inúmeros obstáculos e materializando-se no Substitutivo do Senador Cid Saboia, que, infelizmente, foi abortado.

Não me deterei sobre esse golpe sofrido pelos educadores, mas apenas chamo atenção para a pertinência política e pedagógica do debate desenvolvido, que podemos, assim julgo, apreciar, não como mais um incentivo à nossa desmobilização e apatia e mais como uma cicatriz que nos adverte para a importância de uma dura persistência no desmascaramento de processos escancarados ou sutilmente manipuladores, para não dizer anti-democráticos e encontrar formas alternativas de afirmar os princípios que efetivamente abraçamos, princípios que fornecem nosso solo de ação.

O segundo ponto de herança da tradição pedagógica democratizante é a afirmação do papel transformador da educação, o que constitui um paradoxo, como salienta Hugo Lovisolo. Afinal, se a educação não é livre para mudar a cultura e a sociedade, se é condicionada e reprodutora, como pode ser transformadora? A solução desse paradoxo é o estabelecimento de mediações que supõem a sociedade cindida. Em Anísio, essa cisão se expressa por diversas referências. Por exemplo, o tradicional e o moderno; o velho e novo; os privilegiados e os não privilegiados. Como, dentro desse pequeno esquema explicativo, a origem desta cisão está além da vontade dos atores sociais, caberia à educação impulsionar urna das faces dessa bipolaridade e alavancar a transformação social.

Suponho que muitos de nós, hoje, dentro das escolas públicas e em nossas análises sobre elas, continuamos, apenas de forma atualizada, a pensar dentro deste esquema. Mas este esquema não expressa, de fato, a complexidade do fenômeno educativo, nem das suas efetivas chances de subverter uma ordem caduca. Ele já não nos ajuda. O que quero dizer e me inspiro aí em trabalhos que vêm sendo feitos no âmbito da história da educação, é que o fenômeno educativo não se esgota nos acontecimentos intrínsecos aos processos políticos e institucionais operados no nível estatal (3). Estes são apenas uma dimensão dos fenômenos educativos.

Quando tomamos essa dimensão como a dimensão, por excelência, supomos que a mudança da educação se faz por um processo que focaliza predominantemente a ação governamental e o legislativo, acreditando que se muda esta instância, as idéias pedagógicas e as práticas escolares também mudarão, ou se não se muda essa instância as demais não mudarão.

Este tipo de procedimento aprisiona e subordina a vida institucional a determinações sociais e políticas muito gerais, criando a representação de uma totalização na qual seus elementos só podem mudar de uma vez e não sucessivamente. Mas, na nossa prática isso não é assim. - Os ritmos do cotidiano não coincidem e até colidem com outros. O ritmo do cotidiano escolar não é o ritmo da política educacional. Este cotidiano, através das idéias pedagógicas interiorizadas e das práticas escolares, nas quais as lutas entre representações sobre a escola, o trabalho e o ato pedagógico estão sempre presentes, constitui paralelamente à normatização, que ocorre no âmbito da política, uma tensão descontínua.

De fato, não existe uma correspondência necessária entre estes três níveis, ou seja, as políticas públicas, as idéias pedagógicas e as práticas escolares, e é com isso que podemos contar para recriar a nossa visão e a nossa produção da escola pública hoje, embora, às vezes, os mesmos estejam ligados.

As mudanças que ocorrem nesses níveis, com exceção do nível um (o das políticas) são graduais e podem ter, geralmente têm, um ritmo diferente daquele programado nesse nível. Esse olhar menos pretensioso e mais tático nos ajuda a captar não apenas a singularidade da escola pública, mas também uma especificidade diversa do educacional, que não submerge ao âmbito do jurídico e/ou normativo, que é menos evidente, mas também determinante na produção da educação e da escola.

Pensar desta outra forma também nos responsabiliza mais. Também nos obriga, como educadores, professores e cidadãos, a abrir a unidade escolar para a participação efetiva dos seus agentes, dos seus usuários reais ou potenciais, de forma a permitir que cada escola pública construa um projeto de trabalho e ensino que a torne menos subserviente aos interesses dominantes presentes no Estado. Não basta, no entanto, defender a participação. É preciso também avaliar em que condições esta participação pode tornar-se realidade e isto pressupõe a investigação tanto das potencialidades quanto dos obstáculos à participação presentes tanto na unidade escolar quanto na comunidade em que está instalada. Creio mesmo que essa forma de encarar as questões da escola pública se apóia não apenas numa análise política, sociólogica ou cultural mas, como tão bem sublinha Anísio, se apoia ainda numa tática de confiança na natureza humana. Esta confiança se torna um critério orientador da ação existencialmente positivo e da qual o professor da escola pública, mais do que ninguém, hoje, necessita. Numa carta de Anísio Teixeira a Clemente Mariani, de Paris, em 14/12/1946, ele afirma:

"Quanto mais vivo mais percebo que a natureza humana não é boa nem má, mas que faz uma diferença enorme o confiarmo-nos nela ou o desconfiarmo-nos dela. Os latinos preferem desconfiar e criaram com isto a confusão e a corrupção. Os anglo-saxões preferem confiar e estabeleceram, no mundo, o que há de mais próximo de uma possível arte de governar os homens, o que há de mais próximo de uma possível ordem humana. Daí a minha convicção - "taticamente" devemos confiar na natureza humana. Ainda é a regra mais sábia, sem com isto subentender nenhum tolo rousseaunismo (...) ".

Como salienta Hugo Lovisolo, com quem estou plenamente de acordo, Anísio é o continuador de uma longa tradição pedagógica iniciada, de fato ou simbolicamente, com Sócrates e que tem por objetivo a mudança das condições subjetivas de pensar e agir em sintonia com o mundo, o que exige a liberação de preconceitos produzidos pelo temor à autoridade e pelo pensamento inadequado ou apressado, o domínio da palavra - instrumento político por excelência - na arte do debate, da discussão e da argumentação (1983: 26-27).

O terceiro ponto de herança da tradição pedagógica democratizante é a afirmação da democracia como prática do governo da educação, e da vida humana. Ora, toda a trajetória existencial de Anísio, tudo o que produziu foi voltado para esse horizonte o que o torna, aos meus olhos, extraordinário, é a intensidade da defesa da democracia e da educação para a democracia, que constituiu o motivo central do devotamento da sua vida, apesar dos banimentos da vida pública a que foi submetido nas décadas de trinta e sessenta. Essa defesa não é apenas apaixonada. É polida por uma filosofia da educação e uma compreensão aguda da história da sociedade brasileira. É iluminada pelo que Florestan Fernandes, num depoimento belíssimo sobre Anísio, denominou de imaginação pedagógica. Diz Florestan:

"A imaginação pedagógica é uma imaginação que não tem fronteiras, nem na Ciência, nem na Arte, nem na Filosofia. Mas, se é para ir ao fundo do que é a Pedagogia, ela é uma imaginação filosófica.

O que havia de fundamental na personalidade de Anísio era o fato de ele ser um filósofo da Educação, nascido em um país sem nenhuma tradição cultural, para que florescesse uma personalidade com essa envergadura e com tal vocação. Foi o nosso primeiro e último filósofo da Educação."

Em "Educação não é Privilégio", Anísio traça de forma contundente o drama da educação na sociedade brasileira e mostra como a nossa incapacidade de criar realmente uma República nos impediu de cumprir a maior de todas as tarefas: a educação. Afirma ele, retomando Caetano de Campos, "sob o império, sob a monarquia, é preciso educar o príncipe, sob a democracia é preciso educar o povo". Foi com esse pensamento que ele construiu uma esplêndida obra educativa no Rio de Janeiro, nos anos trinta, e a famosa Escola-Parque da Bahia, na década de cinquenta. Ampliar as oportunidades educacionais, impedir que o Estado se perdesse nas tarefas burocráticas e deixasse os menores abandonados à miséria ou ao relento, estas foram as principais metas de Anísio.

No entanto, hoje, mais do que nunca, a força das circunstâncias, seja no âmbito mais geral da sociedade, seja no âmbito dos nosso locais de trabalho e estudo, nos convida a repensar a democracia. Como afirma Giovani Sartori, ao criticar o primitivismo democrático de nosso tempo, " (...) as democracias não são viáveis, a menos que seus cidadãos as entendam. E tenho a impressão de que o ‘cidadão que compreende' está desaparecendo"(1994; 12).

Esta afirmação de Sartori me motiva a destacar uma observação que faço em várias situações. Todos afirmamos defender a democracia. Mas sabemos, mesmo o que ela é? A democracia encarna um projeto e essa referência é fundamental por três motivos: o primeiro, o exercício democrático é voltado para uma finalidade e não um exercício cego; o segundo, a incerteza dos resultados não diminui o fato de que os resultados incorporados foram, mesmo, precedidos e promovidos por idéias e ideais consonantes; o terceiro, se a democracia é projeto cabe à educação do povo construí-Ia. Mas o que é o povo? Quem é o povo brasileiro?

Poetas e cientistas sociais procuraram responder a essas questões. Destaco, por enquanto, o poeta, pela sua capacidade de oferecer uma resposta sintética a uma questão complexa e intrincada. É de Affonso Romano de Sant'Anna, no poema "Que país é esse?" essas afirmações: Povo, como cicatrizar nas faces sua imagem perversa e una? Desconfio muito do povo. O povo, com razão, desconfia muito de mim. Povo, para Sant'Anna, não são apenas os operários. Também são: os falsários, os sifilíticos, os atletas, os políticos, os carcereiros, as bichas, as putas e artistas, os escoteiros, as costureiras, as dondocas e tantos mais. Acrescenta ele: Povo não pode ser sempre o coletivo de fome (...) não pode ser um séquito sem nome; (...) não pode ser o diminutivo de homem ".

O recurso ao poeta, no entanto não inviabiliza a busca do cientista social e político. Como afirma Sartori: "Quando o termo "demokratia" foi concebido o povo era o demos da polis grega. Hoje vivemos no oposto da polis. Vivemos na megalópolis, o oposto daquela totalidade orgânica deificada pelos românticos. Hoje temos um agregado amorfo de uma sociedade difusa, atomizada.. " (1994:46).

Qualquer projeto democrático implica considerar o tamanho ampliado da população (o que leva à atomização e ao anonimato); a aceleração drástica da história e o dilaceramento dos tecidos sociais, que expõem o que denominamos genericamente de povo a uma formidável pressão psicológica porque os homens que o constituem estão isolados, expostos e por isso disponíveis a respostas extremas: a apatia, o ativismo e a violência.

A complexidade de se pensar e exercer a democracia, hoje nos obriga a distingui-Ia enquanto conjunto de ideais normativos: a soberania popular, a igualdade e o autogoverno e enquanto práticas históricas de representação corporificadas em procedimentos eleitorais, na adoção do poder (limitado) da maioria e em mecanismos de transição do poder aos representantes. Na verdade, parece ser mais fácil saber o que uma democracia deve ser do que pode ser. No coração desse poder ser está a discussão do consenso e do conflito. Entendo que há consensos que facilitam a democracia e outros que a entravam. A questão é que tipo de consenso é desejável ou indispensável para uma prática democrática? Entendo que o consenso desejável é aquele formado por uma opinião pública autônoma, o que só é possível com uma educação não doutrinária, uma educação capaz de ajudar cada um a se emancipar intelectualmente e com uma estrutura ampla de centros de influência e força plurais e diversos.

Se estas idéias parecem óbvias, a sua realização não o é e a tarefa das nossas escolas públicas de criar um público formado e informado parece-me gigantesca porque ela tem, para atingir esse objetivo, de lutar contra a exclusão e, como advertia o também saudoso Sergio Costa Ribeiro, findar com os bloqueios de auto-estima das crianças e adolescentes golpeados pela culpa do fracasso escolar; resistir às propostas de criação de grandes complexos educacionais em favor de ações localizadas; alterar radicalmente a "pedagogia da repetência", criar um sistema de avaliação de desempenho que dê conta, não rigidamente mas substantivamente, da realidade vivida, entre outras medidas.

Gostaria de enfatizar que a superação do que Costa Ribeiro denomina de "pedagogia da repetência" passa inequivocamente pelo ponto nevrálgico da formação docente, tanto nas escolas de nível médio, como nas universidades. Neste sentido, a universidade pública tem um papel decisivo no sentido de não abandonar ou secundarizar e aviltar a formação docente em nome da pesquisa. Valorizar a formação docente é, ao meu ver, equivalente, para usar uma imagem nietzchiana, a lançar uma corda sobre o abismo. Sem a autonomia e a probidade intelectual do professor, não há autonomia da opinião pública. Enquanto os operários, como salienta Luiz Antonio Cunha, "perderam o controle sobre a produção, pela própria divisão social e técnica do trabalho do capitalismo, o mesmo não se deu com os docentes ". De fato, os professores continuam dispondo, como esse autor salienta, "(para o bem e para o mal) de grande controle sobre o seu trabalho, o que exigiria uma postura consciente e consequente a respeito dos efeitos nos alunos do ensino que ministram, coisa que o operário não pode fazer, ainda que o deseje " (1995:7).

A professora Célia Linhares, em suas análises sobre a formação de professores brasileiros, chama a atenção para o distanciamento dos pesquisadores e suas produções das práticas da escola de primeiro e segundo graus. Nesse distanciamento ocorre uma dupla consequência: de um lado, os pesquisadores negam o saber presente na prática escolar e, de outro, se são demasiadamente críticos com relação a essa prática, nem sempre voltam a crítica para si mesmos e para suas próprias produções. A gravidade desse desencontro entre valores reais e valores proclamados, na prática docente universitária, é tanto maior já que procede não dos governantes, mas dos próprios intelectuais. Se estes, de fato, no âmbito de suas pesquisas, têm avançado na tentativa de repensar a escola pública, não têm avançado o suficiente de forma a propiciar que a pesquisa pedagógica seja apropriada pelos professores do ensino básico e médio.

Linhares aponta os limites da atuação docente, no âmbito da universidade, e afirma que a ruptura com a ideologia dominante é uma promessa e um compromisso de luta contra a opressão. Se ambos recuam diante da realidade social e pedagógica, provocam graves estragos. Ao lado do sentimento de incompletude e negação de um processo iniciado, emerge a própria traição da palavra empenhada (1995:7).

Para encerrar a minha participação neste seminário, gostaria de recordar o trecho de uma entrevista que Anísio Teixeira concedeu a Odorico Tavares, há quarenta e três anos atrás, entrevista essa publicada no livro Anísio Teixeira em movimento: a vida e as lutas de Anísio Teixeira pela escola pública e pela cultura no Brasil". Neste momento faço de suas palavras as minhas próprias:

(...) Voltamos, com o rádio e o cinema (eu acrescentaria, e a televisão), a ser uma civilização de tradição oral. Não se precisa saber para se saber hoje, que se está sendo oprimido. As massas brasileiras estão, por isto mesmo, a acordar. As suas condições são ainda hoje das mais tristes e iníquas. Se o processo de sua emancipação não for acompanhado de um processo de educação, pelo qual se regule e esclareça o seu progresso, dando-se a cada um a consciência do que está se passando e, por este meio, os recursos para que assuma a sua parcela de responsabilidade na marcha acelerada e irregular, teremos, fatalmente de registrar no desenvolvimento nacional - agitações senão convulsões do povo brasileiro. (Eu pergunto: será que os jornais nossos de cada dia, não têm revelado em diversos episódios, sinais evidentes de insatisfação, de convulsão social?).

Acrescentava ele: "(...) sinto quanto me dói o Brasil, - como poderia evitar a obsessão em que se tornou a solução do problema educacional brasileiro? Esta obsessão é, hoje, mais atordoante (...) Dir-se-á, porém, que não tem, como ninguém tem, receita. A solução é difícil e gradual e depende um clima favorável ao grande esforço que tem de ser despendido. Este clima, porém, o governo poderá criá-lo, por meio de uma campanha sistemática de esclarecimento público, pela qual se expliquem ao povo as razões e motivos de se dar prioridade número um à educação e às escolas, prioridade, na importância e, consequentemente, nos recursos". Sabemos hoje que o aumento puro e simples dos recursos não produzirá o efeito desejado de melhoria da educação popular, pelos motivos que mencionamos anteriormente, mas ainda, hoje, eles são necessários".

Um educador íntegro, polêmico, uma inteligência sem medo, preguiça ou arrogância, personalidade tímida e militante. Anísio Teixeira foi na sua especialíssima maneira de ser, e no seu tempo, como assinalou Florestan Fernandes, o defensor não de meia revolução, mas de uma revolução inteira (1992: 52). Sem abdicar de seu ideal religioso, zelozamente aprendido com os jesuítas. Anísio canalizou-o na atuação leiga. É assim que o vejo, na mesma entrevista concedida a Odorico Tavares, a sua afirmativa: "Irmão pensai na morte, eram as únicas palavras que um trapista podia dirigir a outro trapista. No Brasil, sugeria Miguel Couto, deveria o brasileiro dirigir-se a outro brasileiro com a saudação: "Irmão, pensai na educação. Permita-me, (solicitava ele a Odorico Tavares) que o plagie. Sou apenas uma voz, pequena e persistente, no coro de tantas vozes que vêm fazendo ao Brasil, a grande advertência "(1992:200):

PRIORIDADE NÚMERO UM PARA A EDUCAÇÃO POPULAR..

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALMEIDA, Stela Borges. "Chaves para ler Anísio Teixeira". Salvador, EGBA/OEA/EGBA, 1990.

CUNHA, Luiz Antonio. Educação Pública e sindicalismo: uma relação necessariamente democrática? Caxambú, 1995, mimeo, 9 p.

FUNDAÇÃO ANÍSlO TEIXEIRA. Anísio, em movimento: a vida e as lutas de AnísioTeixeira pela escola pública e pela cultura no Brasil. Salvador, 1992. F.A.T., 1992.

LINHARES, Célia Frazão. "Formação de professores no Brasil: entre o discurso acadêmico-pedagógico e a escola pública fundamental, RJ, 1995, mimeo, 12 p.

LOVISOLO, Hugo. "A tradição desafortunada: Anísio Teixeira, velhos textos e idéias atuais". RJ, CPDOC. 1989.

NARODOWSKI, Mariano. "La utilización de periodizaciones macropolíticas en Ia historia de Ia educación". Campinas, 1994, mimeo, 11p.

RIBEIRO, Sérgio Costa. "A educação e a inserção do Brasil na modernidade". Cadernos de Pesquisa, SP< (84): 63-82, fev. 1993.

SANT'ANNA, Affonso Romano de. "Que país é este? " e outros poemas, RJ. 1980.

SARTORI, Giovanni, "A teoria da democracia revistadas. SP, Ática, 1994.

SIQUEIRA, Angela C. da. "LDB: 2 projetos (de sociedade) em disputa". Niterói, julho de 1995, mimeo, 29 p.

TEIXEIRA, Anísio. "Educação não é privilégio. RJ, UFRJ, 1994. (Edição organizada e comentada por Marisa Cassim)

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REDISTRIBUIÇÃO DA INTELIGÊNCIA: UM PROGRAMA PARA A
EQUIDADE NO ENSINO

Prof. Franco Lo Presti Seminério
Prof. Titular do Instituto de Psicologia/UFRJ

Por mais ampla que seja, pareça, ou possa tornar-se a liberdade, em nossos dias, é óbvio que ainda não conseguiu assegurar qualquer igualdade, ou equidade quanto às perspectivas de ascenção social. Não se trata apenas de distribuição de renda, por mais injusta que esta seja, no terceiro mundo em nosso país. Essa é apenas a faceta mais ostensiva da desigualdade. Há outra vertente, bem mais velada e eticamente mais iníqua, cuja responsabilidade atinge - em parte - todos nós que labutamos na área da educação: é a desigualdade de condições intelectuais necessárias para qualquer tipo de ascenção social. Antes mesmo de almejar a redistribuição de renda, cabe-nos lutar pela redistribuição da inteligência. Esta poderá ser uma bissetriz, até mesmo, como já se viu, em regimes socialistas.

Supor que esse controle da vida mental possa ser hereditário - com consequências biológicas fatais para a divisão das classes sociais - como admitem C. Burt, A.R. Jensen, H.J. Eysenck, R.J. Herrstein - é negar uma evidência na história, não apenas de inúmeras pessoas, mas principalmente da evolução dos povos, notadamente dos que conseguiram com ajuda de outros emergir rapidamente de estágios primitivos.

Em nossos dias os mais evidentes indicadores apontam para uma decrescente plasticidade, a partir de um estágio inicial, ao nascer, o So de Chomsky, fundamentalmente igual para todos, até o "steady state" - Ss - onde estacionam parcialmente os que ingressam na vida adulta. É nesse período que se situa nossa responsabilidade quanto a assegurar um desenvolvimento cognitivo, que frequentemente a família, já cognitivamente carente não consegue oferecer. É nessa linha que vem se situando o nosso trabalho.

Partindo da tentativa de identificar, descrever (e submeter a verificação experimental) o So de Chomsky - ou seja o que é "cognized" dentro do neologismo por ele criado - chegamos a postular, na espécie humana, quatro "linguagens código" hierarquizadas e morfogeneticamente fixadas, responsáveis pela construção e leitura da realidade, ao longo de dois canais. Entendemos que, em nossa espécie, apenas o canal visomotor e o audiofonético tornaram-se específicos para a elaboração da atividade mental superior: Nosso pensamento é um fluxo constante de imagens em movimento e de discursos e não de outros perceptos (a não ser em caráter incidental). Ao longo desses canais podemos claramente identificar as quatro "linguagens-código". A primeira, a mais espontânea, que dispensa treinamento pedagógico, exceto em casos especiais, é a que organiza, em qualquer ser vivo, estímulos em configurações, como bem mostrou o Gestaltismo: quer as formas visuais, acima da sombra, cor e luz, quer as unidades fonéticas e musicais, acima da construção do ruído por nosso cérebro. A segunda que permite acoplar um sentimento às formas e reconhecê-las, metonimicamente, através de índices - origem de qualquer vocabulário, quer visomotor, de significações, quer audiofonético, de palavras. A terceira que, graças ao nexo supostamente inato da casualidade, permite a elaboração de episódios num canal e de frases no outro, fundamento do imaginário que representa o próprio fluxo do nosso pensamento. Finalmente, a presença, supostamente inata, da recursividade, no sentido de Dedekind e principalmente de Church, específica da espécie humana, possibilita a construção de qualquer tipo de lógica ou gramática, bem como o uso convencional da linguagem e, principalmente, o controle intencional e consciente, em termos de metalinguagem de todas as "linguagens morfogenéticas".

Adimitindo-se, portanto, para cada linguagem, em cada canal, a existência de um nexo sintático puro e inato e a possibilidade paralela de incorporar, em escala ilimitada, paradigmas, através da "modulação" social (transição de modelos no sentido apontado por A. Bandura), fica claro o papel social da educação. Através da ampliação dos paradigmas da segunda linguagem, em ambos os canais, amplia-se o vocabulário - permitindo assim a transição do "código restrito" de A. Bernstein, para o código ampliado, apanágio das classes superiores. Analogamente, multiplicando os paradigmas do imaginário, estendem-se as perspectivas para falar, pensar, conectar fatos e episódios, narrar e, principalmente, criar. Finalmente, treinado o uso metaprocessual da lógica consolida-se o controle consciente e intencional da atividade mental como um todo e ainda a capacidade para adquirir, avaliar e criar regras.

A obtenção de resultados estatisticamente significativos no treinamento da segunda e da quarta linguagem, com crianças carentes e ainda um aprofundamento experimental em torno da base teórica da terceira linguagem - em curso - constituem para nós um incentivo para prosseguir neste caminho, rumo a uma crescente corroboração de nossas hipóteses e, principalmente, à perspectiva de realização de nossos objetivos sociais e educacionais.

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ENSINO PÚBLICO: A QUESTÃO DO MAGISTÉRIO

Profa. Juçara Dutra Vieira
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação

Agradecendo o convite para participarmos deste evento, saudamos seus organizadores, os componentes da Mesa e o plenário, esperando oferecer contribuição neste debate que homenageia Anísio Teixeira. Ao lado de seu talento criativo e polemizador, Anísio representa a busca pertinaz de novos tempos para a educação, cuja utilidade é tão instigadora quanto inquietante. Em tempos de desesperança e desestímulo profissional, é mais do que oportuno lembrar uma figura cuja dimensão humana rivaliza com a do pensador.

Ao propor-nos este tema, a Comissão Organizadora certamente considerou nossa condição de interlocutora dos profissionais da educação básica que atuam em escolas públicas. Se isso nos responsabiliza pela manutenção do nível do debate - eloquentemente comprovado pela profundidade da reflexão do professor Ramiro Wahrhaftig, que nos antecedeu - também nos deixa à vontade para fazermos uma leitura do nosso ponto de vista, do ponto de vista da representação sindical. A advertência é no sentido de que nossa prática cotidiana, ainda que voltada para o mesmo objetivo da Universidade, a educação -. Em outras palavras, tudo que acumulamos, teórica e politicamente é resultante de estudo, mas, também, da vivência de situações que precisam de respostas imediatas. Por isso, nosso método não pode ser outro senão a discussão coletiva de onde extraímos conteúdo para a nossa ação, agregando elementos da experiência de cada um.

Para falar sobre a questão do magistério do e para o ensino público, vamos procurar responder a duas perguntas: Quem somos? Para onde vamos?

Quem somos?

Segundo o Ministério da Educação, em relatório publicado pela Secretaria de Educação Fundamental (Informações Básicas), somos quase dois milhões de professores da rede pública, incluindo a superior, mais precisamente, 1.948.150 profissionais. (Se descontarmos os professores universitários, mas incluirmos a rede particular, chegaremos, praticamente, a esse mesmo número abrangido pelo magistério da educação básica). A mesma fonte informa que, deste total, 149.677 são leigos, com escolaridade até o 1º grau e 751.413 têm somente o 2º grau.

Aparentemente o número de professores licenciados ainda é significativo (cerca de 910.000 atuando em ensino básico e 138.00 no superior) e um planejamento nacionalmente articulado poderia em uma década reverter a situação dos leigos.

No entanto, o que observamos é o rápido esvaziamento dos cursos de licenciatura, inclusive nas universidades públicas. O custo da ociosidade é econômico, mas ainda é, sobretudo, social; primeiro por que a diminuição da demanda reflete a falta de perspectiva para o profissional; segundo, porque o nível de qualificação não aumenta pela redução dos alunos, ao contrário. Esta lógica, que funciona para um curso de informática, por exemplo, não se aplica às licenciaturas por falta de investimento em pesquisa e tecnologia.

Uma das nossas entidades filiadas, o CPERS/Sindicato (do Rio Grande do Sul) realizou interessante pesquisa para estabelecer o perfil do professor da rede pública, que é o seguinte: formação superior - 83%; área de habilitação - Letras e Pedagogia; tempo de serviço - entre 14 e 20 anos e 20 e 25 anos, somados - mais de 60%; faixa etária - 39,6% entre 42 e 49 anos (somente 1,49% tem de 18 a 25 anos).

Embora o nível de formação seja elevado, pois na década de setenta, a instituição do Plano de carreira estimulou a procura por cursos superiores, muitos desses profissionais, estão à porta da aposentadoria, outros já ultrapassaram a metade da carreira. Além disso, anualmente são contratados professores para atuarem em disciplinas como física, química, biologia, geografia e matemática, sendo que os alunos, não raro, aguardam até dois semestres para ter aulas em algumas dessas disciplinas.

Por outro lado, achamos que é oportuno refletir sobre a reorientação do conhecimento, fruto do aumento vertiginoso das informações e da natureza das novas demandas da humanidade.

O prestígio que, no Brasil, durante séculos, conferimos à eloquência e à erudição consagrou um tipo de cultura que subestimava o conhecimento e a habilidade prática e não investia na produção intelectual voltada para as necessidades dos alunos e da comunidade. Isto tem ocasionado uma perda de referência do professor em relação às ciências - inclusive as humanas - e em relação à própria cultura acumulada.

Em síntese, somos detentores de um saber extratificado, compartimentado e, praticamente, dependemos do espaço cotidiano para a superação destes limites.

Muitos de nós, submetidos a jornadas duplas - e até triplas - de trabalho, sequer podemos nos dedicar a reflexões como esta.

Do modo que sabemos, nas condições que temos, ensinamos, na mesma escola do quadro verde e do pó de giz, para alunos diferentes, situados num novo contexto.

Para onde vamos?

Dezoito mil em São Paulo e vinte mil professores no Rio Grande do Sul deixaram a escola pública nos dois últimos dois anos. Certamente, no Rio a escola também perde profissionais???? por necessidades financeira. O problema da desvalorização profissional foi reconhecido pelo Governo brasileiro no Plano Decenal de Educação para todos. Este instrumento, originado da pressão internacional sobre os países que apresentavam um quadro educacional vexatório, incompatível com os próprios interesses do capitalismo, apresentou um diagnóstico bastante preciso da realidade nacional. Entre constatações importantes estava a de que a valorização profissional incidia diretamente sobre a qualidade da educação.

Isto fez com que o CNTE, autorizado por seu Congresso, assinasse um Acordo Nacional com vigência prevista para outubro de 1995, documento que assegurava Piso Salarial e Carreira Nacional assentada em política de formação permanente e continuada e em indicadores de qualidade.

O acordo frustrado, por deliberação do Governo, junto com o retrocesso da LDB (em tramitação no Senado Federal) e a proposta de Emenda à Constituição (no Capítulo Educacional), pela nossa ótica, são elementos-chave para o futuro da educação no país. Ou, a persistir essa política, para a falta de futuro.

Com a reforma da educação o Governo procura desonerar-se do ensino básico, criando uma falsa disputa com o ensino superior e passando para estados e municípios responsabilidades que, a rigor, são das três esferas do Poder Público. Diferente da proposta de Anísio Teixeira, a criação de Fundos, sem acréscimo de recursos e sem a participação da União, é um paliativo para a melancólica realidade educacional brasileira.

Neste contexto, continuar defendendo a escola pública implica disputar na sociedade, um projeto de educação. Uma disputa de conceitos, com "qualidade" e "cidadania" voltados para a real inserção social de toda a população.

É isto que a CNTE vem procurando fazer, não obstante as dificuldades imensas - geradas pela desigualdade no enfrentamento de um projeto de Governo marcadamente neoliberal.

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PLANO DE AÇÃO
DA
SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ

Prof. Ramiro Wahrhaftig
Secretário de Educação do Estado do Paraná

APRESENTAÇÃO

A gestão compartilhada, como condição para a promoção da excelência na educação, está centrada no trabalho de pessoas organizadas coletivamente em torno de objetivos comuns. Incentivar e apoiar a escola para que realize sua tarefa educacional transformando-se numa força viva de desenvolvimento cultural na comunidade é a proposta da SEED-PR, que convoca todas as instâncias do sistema para que assumam sua co-responsabilidade num processo de aperfeiçoamento contínuo de suas ações.

A construção conjunta da realidade social e do saber pressupõe uma ação coordenada no Estado. A educação do Paraná contribuirá para a construção de uma sociedade democrática, econômica política e culturalmente participativa, onde o cidadão tenha condições de pleno desenvolvimento individual, comunitário e social mediante processos essenciais e permanentes de educação em todas as modalidades possíveis: já propostas ou a serem criadas.

PROGRAMAS E PROJETOS

Descentralização do Sistema Educacional

. Criação e Dinamização dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento Educacional.

. Implantação de Conselhos Municipais e Revisão das Parcerias com os Municípios.

. Fortalecimento dos Conselhos Escolares, Grêmios Estudantis e Associações de Pais e Mestres.

.Aperfeiçoamento dos Padrões de Gerenciamento NRE-ESCOLA.

Valorização do Profissional da Educação

. Criação da Universidade do Professor.

. Consolidação do Vale-Saber.

. Implementação da Revista Educacional lnterativa.

. Criação do Prêmio Excelência de Desempenho da Escola.

Acompanhamento e Apreciação do Desempenho do Sistema Educacional

. Educação Rumo Certo com Priorização de Municípios para Investimentos Públicos.

. Avaliação do Sistema Educacional, com seus Sub-projetos:

- Avaliação do Rendimento Escolar de Primeiro e Segundo Grau de Ensino.

- Avaliação da Aprendizagem numa Dimensão Diagnóstica.

- Avaliação do Desempenho Docente e da Equipe Técnico-Administrativo-Pedagógica.

- Avaliação lnstitucional da Escola como Integrante do Sistema.

Agilização de Mecanismos Operacionais

. Sistema de Informações Gerenciais e Estatísticas da Educação

· Implementação do Banco Escolar

Expansão e Diversificação de Oportunidades Educacionais

. Criação e Implementação do Vale-Ensinar.

. Consolidação do Ciclo Básico de Alfabetização.

. Fortalecimento das Escolas do Campo.

. Acompanhamento do Plano Decenal da Educação.

. Criação de Curso de Magistério para Professores Leigos.

. Introdução da Informática no Currículo da Educação Básica.

. Promoção da Saúde Escolar.

. Implementação de Proposta Pedagógica em Educação Não Formal.

Articulação Intersecretarial para Suporte a Projetos Educacionais

. Atendimento e Demandas Específicas Proposta em Parceria.

PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO PLANO DE AÇÃO DA SEED-PR

"Toda a escola paranaense deve ser um centro de excelência"

A busca da excelência pressupõe o conhecimento e o desenvolvimento das potencialidades da escola, a partir de suas características peculiares, assumindo onde e como cada comunidade escolar pretende chegar. Excelência como um grau de qualidade a ser alcançado mediante aperfeiçoamento contínuo deve orientar-se por dois aspectos: satisfação dos envolvidos e efetividade dos resultados.

"A escola é promotora e gestora de suas metas no caminho da excelência"

A comunidade escolar define suas metas e incorpora em suas práticas o processo de gestão no âmbito administrativo, ético e pedagógico, mediante um projeto que expressa a mudança pretendida e que permite a avaliação do processo e dos produtos criados no coletivo.

"As parcerias com a comunidade fortalecem o alcance das metas de excelência"

A comunicação, as informações sobre o desempenho do sistema educacional e as ações cooperativas favorecem a integração entre a comunidade interna e externa à escola, num processo efetivo de co-responsabilidade para a melhoria da educação.

"O fortalecimento da gestão descentralizada da SEED-PR constitui apoio ao desenvolvimento da competência do sistema"

Todas as unidades distribuídas nas instâncias central, regional e local que integram o sistema necessitam revisar e assumir suas atribuições, ampliando gradativamente suas competências na rede pública de ensino.

"O envolvimento da comunidade externa e interna à escola é fator essencial para uma avaliação com êxito"

A sistemática de avaliação da escola deve envolver, num processo amplo de participação, a comunidade interna que vive a prática coletiva do currículo, no âmbito estudantil, pedagógico, administrativo e apoio, e, a comunidade externa que pode analisar o desempenho da escola e do sistema, contribuindo para a revisão e correção dos rumos da educação.

"A valorização do profissional da educação é alcançada pela construção da identidade profissional, mediante desenvolvimento da competência"

O professor surge como gestor do processo de aprendizagem e, tendo como foco o aluno, realiza a mediação deste com a escola, família e sociedade, promovendo seu encontro com as mais variadas fontes de conhecimento, dentro do âmbito do currículo formal e da educação não-formal. A auto-imagem e a auto-estima fazem parte da construção da identidade profissional, favorecendo a aprendizagem continuada que se fundamenta no desenvolvimento do saber cultural, do fazer pedagógico e do agir ético do educador.

"A sistematização e o acesso às informações constituem base para a efetividade do processo decisório e de inovações educacionais"

A informatização oferece suporte para maior agilização e eficiência, tanto no trato das informações para subsidiar decisões gerenciais, quanto na interação para uso de instrumentos de divulgação de experiências de êxito visando a sua avaliação e incorporação como inovações no sistema.

"A flexibilização de mecanismos do sistema garante o atendimento às peculiaridades das diversas modalidades de educação e às características diversificadas dos alunos".

O atendimento às diversidades das escolas segundo sua localização e a natureza da população atendida será assegurado na medida da adequação dos calendários às peculiaridades regionais e locais e da criação de novas e significativas oportunidades educacionais para os alunos nos diversos níveis, modalidades de ensino e para atendimento a necessidades específicas, mediante a integração entre educação formal e não formal.

PRIORIDADES DO SISTEMA EDUCACIONAL PARA O ENSINO PÚBLICO

Primeiro Eixo de Atuação

Aluno permanecendo com êxito na escola, vivenciando novas e significativas oportunidades educacionais.

. Correção do fluxo escolar, adequando a série à idade dos alunos no ensino fundamental.

. Expansão e melhoria do currículo básico.

. Suporte às escolas para aperfeiçoamento do ciclo básico de alfabetização.

. Ações preventivas e atenção integral ao aluno com necessidades especiais de acordo com o currículo básico do ensino fundamental regular e supletivo.

. Reorganização do ensino médio na educação geral e profissionalizante, com expansão a partir de levantamento de demandas regionais e implantação de novas modalidades de ofertas.

. Escolarização de jovens e adultos com modalidades não convencionais.

. Revisão e aperfeiçoamento da dinâmica do currículo e da gestão escolar mediante avaliação do rendimento escolar dos alunos de primeiro e segundo graus de ensino.

. Adoção da informática educativa de forma multidisciplinar no currículo.

. Apoio ao processo de aprendizagem mediante distribuição de materiais pedagógicos e equipamentos às escolas.

. Promoção da educação não-formal suplementando o currículo nas áreas de informação, lazer, arte e ciência-tecnológia.

. Promoção de atividades de saúde escolar e familiar voltadas à qualidade de vida.

. Incentivo para a criação/fortalecimento de Grêmios Estudantis com efetiva participação do aluno na comunidade escolar.

. Flexibilização do calendário escolar conforme as peculiaridades regionais.

Segundo Eixo de Atuação

Bons professores desenvolvendo suas competências nos âmbitos profissional, pessoal e cultural, com sistematização e continuidade

. Recuperação gradativa dos salários, proporcionando melhores condições de vida e de dignidade ao profissional de educação.

. Promoção de concurso público para professores para suprir gradativamente o quadro do Magistério.

. Ofertas de eventos de integração à instituição e sensibilização para profissionais ingressantes no sistema.

. Incentivo a atitude do aprender permanente, mediante integração com as UES, sob modalidades diversificadas de capacitação para os profissionais da educação, sem afastamento da escola e sem caráter obrigatório de participação.

. Oferta de eventos presenciais à distância, para atualização com ampliação revisão constante das áreas de conhecimento curriculares, em atendimento às demandas das Escolas e dos Núcleos Regionais.

. Promoção de seminários de imersão na cultura contemporânea para compreensão dos paradigmas norteadores da excelência na educação e da gestão compartilhada.

. Produção de materiais de suporte ao currículo, envolvendo desde de material impresso até softwares, com prioridade para a área de ciências, num enfoque multidisciplinar.

. Criação de mecanismos para garantir a integração dentro da escola, e das escolas entre si, para estudo, registro e divulgação das experiências de êxito, com vistas à incorporação pelo sistema como inovações.

. Incentivo financeiro, mediante bolsa-auxílio, aos professores que criarem ou participarem voluntariamente de projetos orientados às prioridades educacionais, atuando preventivamente contra a evasão escolar.

. Estímulo à Escola e aos Núcleos Regionais de Educação para planejamento integrado e avaliação como participantes do sistema educacional, com destaque e reforço aos desempenhos de excelência.

. Garantia do exercício da gestão compartilhada, mediante a capacitação de todas as instâncias do sistema educacional e fortalecimento dos instrumentos coletivos existentes nas escolas e municípios.

. Oferta de cursos formais para professores não habilitados atuantes na rede oficial de ensino.

Terceiro Eixo de Atuação

Comunidade participando efetivamente nas decisões junto ao sistema para alcance dos objetivos educacionais

. Organização de instrumentos institucionalizados, realização de parcerias e criação de entidades jurídicas sem fins lucrativos para a integração de segmentos da comunidade junto ao sistema educacional, visando a que sua efetividade e satisfação da população.

. Efetivação de ações conjuntas com os setores produtivos da sociedade para desenvolvimento do ensino médio de natureza profissionalizante.

. Revisão do processo de integração entre estado e município, possibilitando maior suporte ao transporte escolar e à capacitação dos professores, além do planejamento conjunto de rede física, em municípios de maior porte.

. Adoção de estratégias para obtenção de diálogo e cooperação com órgãos de representação sindical e entidades de articulação de profissionais da área educacional.

. Mobilização da comunidade para monitoramento das ações referentes à execução dos Planos Educacionais, de âmbito nacional, estadual, regional e local.

. Divulgação periódica de resultados do desempenho do sistema educacional, pelos órgãos da imprensa escrita, falada e televisiva.

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BREVE ELOGIO DE ANÍSlO TEIXEIRA

Prof. Jorge Ferreira da Silva
Faculdade de Educação da UFRJ

Ao dar início a esta sempre justa homenagem, cabe o registro de que, num país que duvida em reconhecer e resiste a reverenciar seus grandes nomes, Anísio Teixeira é uma feliz, surpreendente e rara unanimidade.

O depoimento de seus contemporâneos e as biografias o descrevem como baixo, franzino, de olhos vivos, simples, amável, cortês, desprendido, discreto, sensível e incansável. As observações mencionam, ainda, a mente estremamente aberta, a lucidez permanente, o invejável poder de síntese e argumentação vigorosa em todas as circunstâncias.

Sua força, contudo, e o respeito e a admiração que veio a adquirir derivam, principalmente, da extraordinária conjugação de erudição, inteligência, argúcia, liderança e capacidade de luta com que rejeitou as tradicionais diferenças entre os valores proclamados e reais e defendeu uma nova educação pública no Brasil, caracteristicamente democrática, moderna, verdadeira, de qualidade e que não constituísse privilégio de minorias.

Anísio continua impressionantemente atual. Nada mais oportuno, por exemplo, muito embora tenham se alterado a organização básica e a terminologia, que a "súmula de providências" que propôs para enfrentar "a crise educacional brasileira", a seguir reproduzida.

"Primeiro, descentralizar administrativamente o ensino, (...) com a distribuição das responsabilidades pela execução de medidas mais recomendáveis e recomendadas;

Segundo, mobilizar os recursos financeiros para a educação, de forma a obter deles (..) maiores resultados. Sugerimos a constituição, com as percentagens previstas na lei magna da República, de fundos de educação - federal, estaduais e municipais; estes fundos, administrados por conselhos, organizados com autonomia financeira, administrativa e técnica e todos os poderes necessários para a aplicação dos recursos, (...) permitindo, assim, a adaptação da escola às condições econômicas de cada localidade;

Terceiro, estabelecer a continuidade dos sistema educacional, com a escola primária obrigatória, o ensino médio variado e flexível e o ensino especializado e superior rico e seletivo;

Quarto, prolongar o período escolar ao mínimo de seis horas diárias, tanto no primeiro quanto no médio, acabando com os turnos e só permitindo o ensino noturno, como escolas de continuação, para suplementação da educação.

Quinto, alterar as condições de trabalho do professor, proporcionando-lhe novas bases de remuneração, para não lhe reduzir o período de influência aos escassos minutos de aula (...);

Sexto, eliminar todos os modelos e imposições oficiais que estão a produzir efeitos opostos aos previstos, servindo até como justificativa para o mau ensino - como é o caso dos programas oficiais, dos livros didáticos aprovados e do currículo rígido e uniforme;

Sétimo, permitir que os dois primeiros anos do curso secundário se façam, completamente, nos bons grupos escolares, com o auxílio dos melhores professores primários e redução do número de professores nesses cursos a 4 ou, no máximo, 5;

Oitavo, estabelecer o exame de estado para admissão: ao primeiro ano ginasial; ao terceiro ginasial; ao primeiro colegial e ao colégio universitário, mantido o vestibular para a entrada na universidade;

(...)

Todas essas medidas seriam acompanhadas, em sua execução, - prossegue - por um vasto movimento de inquérito, graças ao qual se esclarecessem devidamente os objetivos a alcançar, se revelassem as deficiências e se corrigissem os erros e os maus resultados, e por uma campanha de renovação de métodos, aperfeiçoamento dos professores e melhoramentos dos livros didáticos, do material de ensino, dos laboratórios, dos prédios e de tudo mais que completa o universo escolar.

Para tudo isso, impõe-se a reforma radical das leis e do aparelhamento administrativo do ensino".

Isso -- concluía -- porque

"Temos que reconstruir a escola brasileira para novas, instantes e mais altas necessidades nacionais, que já podem ser estudadas e conhecidas, a ponto de indicarem por si mesmas os rumos a seguir.

Primeiro, temos que planejar as escolas para o mercado de trabalho existente, desde o que exija apenas o nível primário até o que imponha o nível superior. Em cada caso, temos de adaptar a escola às exigências das atividades correntes. Isto, do ponto de vista econômico de preparo para produzir.

Do ponto de vista social, mais amplo ou mais elevado, temos que dar à escola a função de formar hábitos e atitudes indispensáveis ao cidadão de uma democracia (..).

A escola tem de se fazer prática e ativa, e não passiva e expositiva, formadora e não formalista. Não será a instituição pretensamente destinada à ilustração dos seus alunos, mas a casa que ensine a ganhar a vida e a participar inteligente e adequadamente da sociedade.

E é sobre a base desse sistema fundamental comum e popular de educação, que teremos de formar verdadeiras, autênticas elites, dando aos mais capazes as oportunidades máximas de desenvolvimento. A plasticidade e flexibilidade da escola irá permitir-lhe que se ajuste às condições do aluno e lhe ofereça as condições mais adequadas para o seu aperfeiçoamento para não dizer somente crescimento.

Anísio é assim e por tudo isso tanto um exemplo de integridade e compromisso quanto um antídoto contra o esmorecimento diante das dificuldades e uma inspiração para soluções criativas. Para os educadores, particularmente, ele é até mais, corporificando de forma completa a figura do mestre. Escreveu, no entanto, modestamente, que a vida não o tinha ser "senão um homem de ação, de fato de administração, escrevendo ao comando da circunstância, do dever imediato do (...) cargo."

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AGRADECIMENTO

Quero registrar o meu agradecimento e de toda a minha família pela homenagem que hoje aqui se presta a meu pai, o educador Anísio Teixeira, e dizer o quanto particularmente me comove estar nesta casa onde estudei e onde meu pai exerceu o magistério por muitos anos.

Ao longo de sua vida, Anísio Teixeira não mediu esforços no sentido de elevar a Educação à categoria de maior problema político brasileiro, dando-lhe base filosófica, técnica e científica e procurando fazê-la encarnar os ideais da Democracia.

Nada mais natural, portanto, que os coordenadores deste Encontro fossem buscar seu nome para simbolizar uma luta que é de toda a sociedade brasileira: a defesa da Escola Pública e a preocupação com o aperfeiçoamento e a valorização do Professor.

Iniciativas, como esta, de discutir a questão do Ensino Público à luz das idéias e ações de Anísio Teixeira, a meu ver refletem a atualidade do seu pensamento e da sua obra.

Agradeço particularmente ao conferencista Prof. Edson Machado de Souza, amigo de longa data e aos demais integrantes deste Seminário, debatedores, expositores e organizadores, pelas palavras esclarecedoras e generosas aqui proferidas sobre meu pai.

E quero aproveitar a oportunidade para destacar um outro projeto desta Universidade, que se insere também dentro deste espírito de resgate da memória de Anísio Teixeira, cujo objetivo é a reedição da obra completa deste educador.

Este projeto conduzido pela Editora de UFRJ, juntamente com a Fundação Anísio Teixeira, relançou no primeiro semestre deste ano, em edição crítica coordenada pela Profa. Marisa Cassim e comentada pela Profa. Clarice Nunes, o primeiro volume da coleção Anísio Teixeira: "Educação não é Privilégio", a obra mais polêmica de meu pai e que trata exatamente do tema que estamos discutindo hoje.

O segundo volume da Coleção - Educação é um Direito - já está em andamento, a cargo da nossa debatedora Profa. Clarice Nunes.

A idéia de relançar a obra de meu pai era um projeto antigo da Fundação Anísio Teixeira, mas foi na gestão do Prof. Nelson Maculan que se viabilizou a parceria com a UFRJ, por iniciativa da Profa. Heloisa Buarque de Hollanda, à frente da Editora da UFRJ. Esta parceria e a dedicação da Profa. Marisa Cassim tornaram realidade o que era apenas um sonho.

Para encerrar, gostaria de lembrar uma frase de meu pai que reflete bem a sua luta e o seu ideal democrático e tem muito a ver com a nossa discussão de hoje:

"Não existirá democracia no Brasil enquanto não se montar no país a máquina que prepara a Democracia. Essa máquina é a Escola Pública".

Anna Christina Teixeira Monteiro de Barros
(Filha do Prof. Anísio Teixeira)

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