SOUZA, Alírio Fernanão Barbosa de. Anísio Teixeira e as dificuldades de renovação da educação superior no Brasil. Revista da Bahia. Salvador, v.32, n.31, jul. 2000. p.54-69.

Anísio Teixeira e as Dificuldades de Renovação da Educação Superior no Brasil

Alírio Fernanão Barbosa de Souza

Por se tratar de um simples artigo pode parecer pretensioso querermos nesta breve apreciação abarcar toda a preocupação que o Prof. Anísio Teixeira devotou à Educação Superior em nosso país. Daí talvez a necessidade de um subtítulo ou da delimitação do tema proposto, o que fazemos ao dizer ser nosso objetivo apenas uma visão panorâmica ou um recouhecimento superficial de seu envolvimento com a educação superior, enfatizando o espírito precursor de suas análises, o que as tornou para sempre atualizadas.

Desnecessário é dizer que o Prof. Anísio Teixeira preocupou-se ao lougo de sua vida com a educação, tratando de seus vários graus ou tipos, ou seja, a educação primária, secundária, superior, profissionalizante, etc., ou qualquer outra, sempre que foi necessário fazê-Io.

Seu pensamento sobre a educação começou a ser couhecido quando de seu relatório como Diretor da lnstrução Pública no governo Góes Calmon1. Entretanto, depois de seu retorno da Columbia University onde além de cursar o Mestrado, conheceu, dentre outras, a obra de John Dewey, Anísio Teixeira refletiu sobre a educação brasileira e teve a oportunidade de exercer funções desafiadoras onde sua argúcia intelectual firmou-se para sempre em livros como Educação não é Privilégio, Educação no Brasil, Educação para a Democracia, dentre outras publicações.

O pensamento de Anísio Teixeira não se separou de sua prática. Escritos sobre sua obra tendem, por isso mesmo, a ser quase biográficos. Ao longo de sua lide com a educação Anísio Teixeira tornou-se o maior filósofo da educação brasileira. E ninguém torna-se filósofo por autonomeação. Ao contrário. É-se reconhecido filósofo. Nesse caminho despropositado que conduz ao reconhecimento público, a reflexão sobre o ideal de vida e a luta por mantê-lo, gera produção intelectual. Assim ocorreu a Anísio Teixeira.

Após retornar da Columbia University, vamos encontrar Anísio Teixeira como secretário da Educação do Distrito Federal, então a cidade do Rio de Janeiro, a convite do prefeito Pedro Ernesto.

Em sua tarefa à frente do governo educacional da então Cidade Maravilhosa, Anísio Teixeira promoveu melhorias e aumentou a matrícula nas escolas públicas primária e secundária. Entretanto, sua intenção maior era a renovação, da educação superior com a criação de uma universidade moderna2. Uma universidade que refletisse o espírito inovador da Universidade de Berlim de 1810, reformada pela coragem intelectual de Wilhelm Humboldt. Uma universidade que abarcasse as construções críticas do cardeal Newman ao propor a Universidade de Dublin. Uma universidade que tivesse a coragem de reformar-se, como o fez Harvard, sob o reitorado de Eliot, ou uma universidade que surgisse para a modernidade, como o fez The John Hopkins University.

Essa era a preocupação de Anísio Teixeira.

Ele conhecia a opinião brasileira sobre a universidade e sabia que era ainda uma opinião sobre a universidade medieval3.

Em 1882 realizou-se no Rio de Janeiro, presidido pelo Conde D'Eu, um Congresso de Educação, no qual um dos palestrantes, o Conselheiro Almeida Oliveira fez um longo discurso criticando a universidade e colocando-se decididamente contra ela. Tomando conhecimento desse documento Anísio Teixeira não tirou de todo a razão do Couselheiro Almeida. A universidade à qual o ConseIheiro se referia era a antiga universidade medieval, obsoleta, desatualizada, cujo currículo era ainda organizado pelos seculares ditames filosóficos do Trivium e do Quadrivium.

A resistência brasileira à idéia de universidade pode ser vislumbrada fortemente na opinião do Conselheiro Almeida Oliveira. Todavia, a resistência à mudança proposta por Humboldt em 1810 ocorreu também em outras plagas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Reitor da Universidade de Yale, Jeremiah Day, declarou, em 1828, numa crítica aberta e direta. A inovação alemã, que o Trivium e o Quadrivium eram a mobília e a disciplina da mente4.

E não foi sem luta, sem oposição ou sem críticas ferinas que Thomas Jefferson inaugurou a Universidade da Virgínia, "seu sonho da idade madura". Thomas Jefferson foi um dos signatários da Declaração de Independência dos Estados Unidos em 1776. Foi o primeiro embaixador americano em Paris. Foi presidente dos Estados Unidos e depois dessa longa carreira política, legou a seu país primeira universidade organizada de acordo com a filosofia desencadeada por Humboldt5. Isso significava que a semente germinara e daí por diante propagar-se-ia, até a consolidaçào em The John Hopkins University como universidade pesquisa, a primeira de uma série de outras que surgiram no último quartel do século XIX, a exemplo da Universidade de Chicago6.

Essa universidade renovada, sabia Anísio Teixeira, não era conhecida dos brasileiros. Nem a universidade medieval também o era.

A opção brasileira pela educação superior não foi a reprodução em nossa terra do modelo medieval de Coimbra. E teríamos razões várias para que assim ocorresse porque Coimbra foi um dos destinos naturais de quem partiu para Portugal demandando educação superior. Doutores e bacharéis preparados em Coimbra, ou mesmo na França ou Inglaterra, povoaram o Brasil colonial. Seria lógico que para cá transportassem o modelo que conheceram. Mas não o fizeram até por não terem independência para fazê-lo.

Em realidade o que se viu quando foi necessário estabelecer-se a educação superior em nossa terra, foi a criação de escolas superiores isoladas, profissionais: escolas de medicina, escolas de direito, escolas de engenharia. Escolas isoladas que além de preparar os profissionais necessários ao país, tornaram-se, a seu modo, centros de reflexão filosófica. Dois coutundentes exemplos são, no século passado, o fervilhante movimento intelectual capitação por Tobias Barreto na Faculdade de Direito de Recife e por isso mesmo chamado de "A Escola Filosófica de Recife", o que deu a Tobias Barreto a glória de ser o primeiro filósofo brasileiro. Esse fenômeno foi estudado pelo Prof. Edivaldo Paim. Outro, é o conteúdo filosófico das teses de doutoramento da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, na cidade do Salvador - Bahia, em finais do século XIX e princípios do século XX, estudadas pelo Prof. Francisco Pinheiro, da UFBA.

Anísio conhecia a ambos, tanto o modelo medieval quanto o modelo da universidade renovada ou moderna. Sabia ele da importância de quatro grandes instituições sociais; a Família, o Estado, a Igreja e a Escola7. Sabia mestre Anísio Teixeira da importância da universidade, como desdobramento da instituição-escola e lembrava que a universidade ao surgir "retirava da Igreja e do Estado funções anteriormente excercidas por esses dois poderes", referindo-se aos documentos originais de criação das universidades expedidos pelo papa ou pelos monarcas8 ou por ambos. Tinha portanto conhecimento de que estaria interferindo na fossilizada estrutura de poder do país ao propor uma universidade cujas escolas estariam integradas e participando cooperativamente na formação dos quadros que a sociedade reclamava.

Era a primeira grande tentativa de propor uma universidade sem pensar unicamente na formação profissional. Uma universidade que preparasse para a vida, sem necessariamente rotular uma profissão a essa preparação, como até hoje faz o College of Liberal Arts na universidade americana.

Esse pouto de vista era e ainda é desconhecido no Brasil.

Anísio Teixeira faz sua profissão de fé universitária no discurso de inauguração da Universidade do Distrito Federal, publicado posteriormente com o título de "Universidade: mansão da liberdade" e também em seu livro Educação para a Democracia.

Expressando-se sobre a função da universidade, assim o fez:

"Trata-se de manter uma atmosfera de saber para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não morto, nos livros ou no empirismo das práticas não-intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se torne consciente e progressiva... A universidade é, em essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam aprender...

Dedicada à cultura e à liberdade, a Universidade do Distrito Federal nasce sob um signo sagrado, que fará trabalhar e lutar por um Brasil de amanhã, fiel às grandes tradições liberais e humanas do Brasil de ontem"9.

Naquele momento Anísio Teixeira tinha consciência das dificuldades mas não fazia idéia dos fatos que o panorama político traria e decisivamente influiriam sobre os destinos da infante universidade que criara.

Ao afirmar que a universidade é e deve ser a mansão da liberdade, não percebia quão rapidamente essa liberdade iria faltar ao país, corn o suceder dos acontecimentos. Ainda assim parecia estar munido de alguma premoniço quando afirmou, nessa mesma ocasião, ser a liberdade "uma conquista que se está sempre por fazer. Desejamo-la para nós, mas nem sempre a queremos para os outros".

Em 8 de maio de 1968, em depoimento prestado à CPI da Câmara dos Deputados, instituída para examinar a situação do ensino superior no país e propor alternativas, Anísio Teixeira declarou:

"As forças de renovação e reforma empenhadas na criação da universidade moderna, proposta a alargar a cultura universitária para o ensino e a pesquisa em todos os campos do conhecimento humano, fizeram duas tentativas em 1934 e 1935, para a transformação da universidade. Em 1934, São Paulo criou a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras como escola central da universidade e, em 1935, a Cidade do Rio de Janeiro, então Distrito Federal, criou uma universidade integrada pelas escolas de Economia e Direito, Filosofia e Letras, Ciências, Educação e um Instituto de Artes... uma foi supresa e a outra está em vias de ser reformada"10.

Como prática de sua experiência Anísio Teixeira propôs uma universidade integrada, como ele viu nos Estados Unidos, onde o College of Liberal Arts é a faculdade central da universidade, abrigando praticamente todos os alunos em início de curso universitário, dando-lhes a formação básica que permeará todas as carreiras universitárias, inclusive aquelas que desinteressadamente educam nas letras, nas artes, nas ciências, e para a vida.

No Brasil, "a posteriori" (reforma universitária de 1967), essa formação básica foi chamada de ciclo básico e rejeitada, porque não havia vagas para todos nos altamente demandados cursos de elite (Medicina, Direito e Engenharia). Haveria uma nova seleção, internamente. Isso desagradou bastante e o ingresso de alunos não mais se fez para a universidade, nem por áreas, e sim, especificamente para cada curso.

Anísio Teixeira sabia de suas dificuldades ao propor o sonho da Universidade do Distrito Federal e cercou-se de intelectuais prestigiados, como Afrânio Peixoto e Hermes Lima. Mas, como muito bern disse Luiz Viana Filho "o país estava irremediavelmente dividido. Quem não era integralista, via-se acusado, de comunista"11.

Vivia-se no Brasil um desses fugazes momentos democráticos. A década de 1920 sacudiu o país com suas rebeliões e protestos outros, os 18 do Forte de Copacabana, a Semana de Arte Moderna de 1922; a segunda metade daquela década viu a Coluna Prestes-Miguel Costa percorrer grande parte do nosso território objetivando a conscientização popular. Era a fermentação da revolução que iria estourar em 1930.

Voltara-se à democracia em 1934 mas o mundo estava dividido entre dois sistemas autoritários. Stalin já se havia firmado como chefe do governo da URSS e dirigia o país com mão-de-ferro, não se descuidando da propaganda internacional. Seu alvo principal eram os países subdesenvolvidos. Os progressos da União Soviética eram mostrados ao mundo e creditados como a prova maior da vitória da forma comunista de viver. No Brasil o antigo chefe revolucionário Luiz Carlos Prestes era o líder maior do Partido Comunista Brasileiro.

Por outro lado, na Alemanha, Adolf Hitler, lider do nacional-socialismo soube tirar proveito da fraqueza da República de Weimar. O povo alemão empobrecido, humilhado pela derrota na guerra de 1914/1918, ouviu naquela voz de discursos inflamados a possibilidade de surgimento nacional. E Hitler chega ao poder ganhando eleições com a promessa de não voltar a realizá-las. O povo não mais precisaria votar. O III Reich, através da classe dirigente do país saberia conduzir seu destino. O orgulho nacional seria reconstruído.

Na ltália, Benito Mussolini, sem o poderio, econômico/industrial e bélico dos alemães, instala semelhante sistema político, o fascismo.

Era pois natural que no equilíbrio ideológico de forças dentro do centro político brasileiro houvesse quem intentasse um movimento semelhante, até para contrabalançar as chamadas forças de esquerda. E o movimento que foi identificado como a versão cabocla do nazismo alemão e do fascismo italiano foi o Integralismo, cujo representante maior era Plínio Salgado, reconhecidamente um intelectual.

Havia semelhanças exteriores como a adoção de uma farda verde (camisas - verdes), um signo, lembrando a suástica - o sigma, simbolizanão a soma, a união ("um por todos, todos por um"). Pregava-se o cultivo de valores nacionais e uma saudação em língua indígena foi forjada: "anauê para o bem do Brasil"!

Neste tormentoso mar educacional da Baía da Guanabara, de vagalhões políticos tenebrosos, Anísio Teixeira lançou sua barca da Universidade do Distrito Federal.

No timão dessa promissora embarcação colocou Anísio um intelectual da maior respeitabilidade, Afrânio Peixoto, seu devotado amigo. Na Faculdade de Direito e Economia colocou como diretor Hermes Lima e, cedendo a pressões políticas, nomeou Castro Rabelo, "varão prudente por excelência"12, para a Faculdade de Filosofia e Letras.

Como ocorrera em São Paulo, não seria fácil implantar a renovação universitária sem a colaboração alienígena. Em São Paulo vários professores europeus colaboraram com a criação da Universidade de São Paulo e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, como foi o caso do famoso antropólogo francês Lévy Strauss, autor de "Tristes Tropiques".

Necessário para a implantação da Universidade do Distrito Federal seria a contratação inicial de professores europeus. A renovação universitária, acreditava Anísio Teixeira, deveria iniciar-se dentro da própria Universidade. Para ensinar, a nova universidade deveria produzir conhecimento e esse conhecimento era o que deveria ser transmitido. Para transmitir o conhecimento já existente não precisaria haver renovação. A antiga universidade medieval fazia isso há vários séculos. Se houve renovação a partir da reforma de Humboldt, na Alemanha, é porque a nova universidade, surgida dessa reforma passou a criar novos conhecimentos, principalmente através da pesquisa. Aí estava a renovação.

Essa era a esperança, o sonho e sobretudo a aposta política de Anísio Teixeira que sabia ou pressentia ser o destino da nova universidade dependente da sua habilidade na condução de fatos e de interesses os mais diversos naquele encapelado mar político.

Mas, lançada ao mar, navegar foi preciso. E o reitor Afrânio Peixoto foi enviado à Europa, principalmente a Portugal e à França, para contratar os necessários professores.

A correspondência entre ambos revela13 um Afrânio Peixoto entusiasmado, otimista. Escreveu de Portugal onde, por unanimidade de indicações recomendou três nomes de brilhantes professores, acadêmicos de primeira água, mas com um terrível pecado capital, todos anti-salazaristas. Despiciendo dizer que nunca foram contratados. O patrulhamento ideológico funcionava aquém e além-mar.

Na França teve melhor sorte, apesar de achar que o ideal para o Brasil seriam os professores judeus alemães perseguidos por Hitler. Mas os Estados Unidos e a Inglaterra os havia recrutado. Restava a França. E, como acentua Luiz Viana Filho, era o feliz desfecho para a Universidade14. Professores de renome vieram para o Brasil sabedores da idéia de renovação universitária, pagos pela França e com uma compIementação do lado brasileiro. Contratos de um ano, autorizados em agosto de 1935 pelo prefeito Pedro Ernesto.

A chegada dos franceses ocorreu em meio a uma explosão de alegria intelectual. Era uma onda renovadora sem parâmetro na História do Brasil15.

Na correspondência para Afrânio Peixoto, ao contrário, Anísio Teixeira mostrava-se prudente, preocupado e em busca de soluções para evitar confrontos. Lastimava que Afrânio Peixoto estivesse na Europa (partira em abril e tinha retorno previsto para outubro) e não pudesse ajudá-lo na acomodação dos nomes nas diretorias das faculdades ou escolas da recém-criada universidade. Nas cartas, dizia das dificuldades e afirmava sua determinação em vencê-las, mas, o amigo fazia falta, e como lhe parecia longínquo esse outubro...16.

O maremoto que precipitou o princípio do fim foi a Intentona Comunista de 1935. Abafada em apenas quatro dias, os focos revolucionários de Natal, Recife e Rio de Janeiro deram ao governo o pretexto para perseguir não apenas os comunistas, mas também membros da oposição democrática.

Acusado de comunista, Anísio Teixeira demitiu-se da Secretaria da Educação do Distrito Federal e escreveu dramática carta ao prefeito Pedro Ernesto reafirmando-se um democrata, um liberal e jamais um comunista17. Deixou o governo e com isso deixou também, temporariamente, a luta pela educação no Brasil.

A perseguição aos comunistas foi o incremento que os integralistas necessitavam para crescer. Passaram a ser prestigiados pelo governo Vargas, então presidente constitucional. Na Alemanha e na ltália os regimes estavam cristalizados, seus adversários reprimidos. Sem oposição, a Alemanha principalmente, planejava iniciar a sua política expansionista (espaço vital). O ano de 1936 foi bastante promissor ao Integralismo e havia a expectativa de Plínio Salgado ocupar o Ministério da Educação. Nada melhor para uma política totalitária. Intensificou-se o ensino de Instrução Moral e Cívica.

Todavia, mesmo ajudando a implantar o Estado Novo, o Integralismo não obtendo a participação desejada no governo Vargas, tentou um golpe de estado buscando inicialmente ocupar o palácio Guanabara, residência oficial do presidente da República. Falhando o golpe, Plínio Salgado partiu para o exílio e os integralistas que ficaram foram implacavelmente perseguidos. E Getúlio mandou sozinho.

Deixando a Secretaria da Educação do Distrito Federal Anísio Teixeira viu arquivados seus planos de renovação da educação superior nacional. Deixou o governo da educação do Distrito Federal e entre 1936 e 1945 dedicou-se à atividade industrial e comercial. de exploração de minério - o manganês. Podia, nessa época, ser visto em Salvador, capital da Bahia, no comércio, almoçando no Restaurante Colón e tratando da sua nova atividade econômical18. Quando Monteiro Lobato faleceu, Anísio Teixeira dedicou-lhe palavras de afeição e confessou dever-lhe o ânimo para voltar à educação em 1947.

E Anísio Teixeira voltou à educação quando o Brasil voltou à democracia.

Em 1947 tomaram posse o presidente da República e todos os demais eleitos para essa nova fase da vida política brasileira, outra vez a redemocratização. Na Bahia Otávio Mangabeira foi eleito governador e nomeou Anísio Teixeira, Secretário da Educação e Saúde.

Otávio Mangabeira foi um dos mais respeitáveis políticos brasileiros, tendo iniciado sua carreira ainda na República Velha, como deputado federal. Através de J. J. Seabra conheceu Pinheiro Machado, um dos mais polêmicos senadores da história republicana brasileira. Fruto da velha escola positivista gaúcha, Pinheiro Machado firmou-se como político e como intelectual, ficou conhecido como um dos propagandistas da República19 e era também um dos "donos" da República Velha. Otávio Mangabeira, engenheiro, professor da Escola Politécnica da Bahia, detentor de imensurável cultura humanística, destacou-se no cenário nacional da Velha República e ocupou o posto de chanceler (ministro das Relações Exteriores).

Com a Revolução de 1930 Otávio Mangabeira partiu para o exílio, de Iá voltando quando da queda de Getúlio, em 1945 e couseqüentemente, quando da redemocratização do país. Eleito governador da Bahia, ninguém rnelhor que o ilustre filho da terra, sertanejo de Caetité, Diretor da lnstrução Pública no governo Góes Calmon, injustiçado secretário da Educação do Distrito Federal para ocupar-se dos destinos da educação na Bahia. E Anísio Teixeira não desmereceu a confiança que Otávio Mangabeira Ihe depositava.

Sabia ele dos parcos recursos de que dispunha o estado da Bahia e da necessidade de prover educação básica para os necessitados. Mais uma vez a influência de John Dewey se fez presente através da criação das Escolas Parque nos bairros populares de Salvador. Escolas de tempo integral onde, em um turno havia aulas teóricas, acadêmicas, e no outro, aulas práticas, preparação para a vida.

Em 1951, no final do governo Mangabeira, ao deixar a Secretaria da Educação, Anísio Teixeira foi nomeado pelo ministro da Educação, Ernesto Simões Filho, para a Secretaria Geral da CAPES - Campanha de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior, onde permaneceu até 1964.

Em 1952 foi nomeado para a Direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos - INEP, e preocupou-se em criar centros de pesquisa educacional, os quais deveriam ser instalados em todo o país, assim como trabalhariam articulados com as universidades. Esses centros realizariam estudos e pesquisas numa visão macro e interdisciplinar20, englobando à contribuição das ciências da educação, a contribuição das ciências sociais. Foi Anísio Teixeira diretor do INEP até 1964.

Como resultado dos estudos de interdisciplinaridade, Anísio Teixeira viu-se novamente envolvido com as idéias de renovação da educação superior, ao aderir, genericamente, ao projeto da Universidade de Brasília, de autoria de Darcy Ribeiro.

Mais uma vez Anísio Teixeira quis por em prática idéias que ele conheceu e concebeu nos Estados Unidos e propôs que a nova universidade, a Universidade de Brasília, fosse uma universidade de pós-graduação, ou começasse pela pós-graduação, no sentido de preparar professores, professores universitários.

Anísio Teixeira conhecia a organização da universidade americana, onde a pós-graduação é uma faculdade, a "graduate school", uma entidade administrativa que congrega toda a pós-graduação que a universidade realiza através de seus vários departamentos. Em nossas universidades reformadas após 1967, atingimos a Pré-Reitoria ou Coordenação Central de Pesquisa e Pós-Graduação, o que não é a mesma coisa.

Como membro do Conselho Superior da Universidade Nacional de Brasília, Anísio Teixeira foi voto vencido e a UnB iniciou-se com cursos de graduação e uma implantação gradual de programas de pós-graduação.

Instalada a universidade, foi nomeado vice-Reitor. Todavia, logo em 1962, com a nomeação de Darcy Ribeiro para ministro da Educação, Anísio Teixeira assumiu a reitoria e todas as dificuldades de mais uma novel universidade.

Vivíamos outro momento fugaz de democracia. A "plantinha tenra" tão cuidadosamente recomendada por Otávio Mangabeira, germinada novamente em 1946, caminhava aos trancos e barrancos.

Em épocas de liberdade de expressão tende-se também à formação de grupos com o objetivo de imporem seus pontos de vista, ainda que antidemocráticos. Com a vivência democrática ressurgiam os grupos de esquerda, capitalizando problemas sociais e ideais nacionalísticos. A direita reagiu, algumas vezes com violência. Aos gritos de protesto, da esquerda, o MAC - Movimento Anti-Comunista, respondia com bombas. E as crises políticas sucederam-se: o Assassinato do major Vaz; o Inquérito do Galeão; o Suicídio de Vargas; o Afastamento de Café Filho; a Deposição de Carlos Luz; a posse tumultuada de Juscelino Kubtscheck; a Revolta Militar de Jacareacanga; a Revolta Militar de Aragarças; a Renúncia de Jânio Quadros; o Parlamentarismo; o Movimento pelas Reformas de Base; a volta ao Presidencialismo e, o fim de mais um sonho - o golpe militar de 1964. Tudo isso em apenas 18 anos de democracia.

Ao surgir em 1961, a Universidade de Brasília arregimentou, no país e no exterior, centenas de professores. Como reitor, Anísio Teixeira enfrentou toda sorte de dificuldades de uma instituição que começava.

Em 1964, Anísio Teixeira, por força da nova situação política deixou a secretaria da CAPES, a direção do INEP e a reitoria da Universidade Nacional de Brasília. Foi mantido no Conselho Federal de Educacão onde permaneceu até 1968.

Com a nova ordem político/militar de 1964, a Universidade Nacional de Brasília perdeu inicialmente seu reitor. Ainda tentaram os professores salvar o modelo inicial da instituição mas, em 1965, não resistindo à pressão dessa nova ordem, 212 professores renunciaram coletivamente21 e retornaram às suas plagas.

Anísio sempre manteve a cátedra como uma atividade complementar à de administrador da educação. Anísio administrava o futuro. Sempre pensou grande.

Sonhou o sonho dos semeadores ao querer para seu país modelos que frutificaram positivamente nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, na Alemanha, enfim, em países desenvolvidos.

Quando tentava implantar a Universidade do Distrito Federal, tinha apenas 35 anos de idade e a oposição (política? intelectual? invejosa? gratuita?) indagava para que criar-se mais uma universidade quando se precisava, de mais ensino primário.

Mais uma vez Anísio Teixeira mostrou seu conhecimento da teoria universitária e da história da humanidade, e indagou, genericamente, que educação primária havia na França quando se criou a Universidade de Paris? Lembrou o Morrill Act assinado por Abraham Lincoln em 1862, criando os Land Grant Colleges22, matrizes das atuais excelentes universidades estaduais nos Estados Unidos. Autorizados por aquela lei, os estados americanos poderiam vender terras devolutas, desde que aplicassern os recursos em educação superior. E farmers colleges foram criados onde não havia sequer áreas densamente povoadas. Hoje, universidades de excelência mundialmente reconhecida, como The Pennsylvania State University ou Michigan State University, dentre outras, originaram-se daquela ousada atitude23. A partir de 1964 Anísio Teixeira coutinuou lecionando, como fazia antes. Participou do ConseIho Federal de Educação, colaborou com o Banco Interamericano de Desenvolvimento na elaboração de um longo documento sobre a situação histórico-politica da educação superior brasileira, depôs em 1968 na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara de Deputados sobre a educação superior, colaborou com a Fundação Getúlio Vargas "na elaboração de um projeto relativo à criação de um instituto de estudos avançados em educação"24, cujo objetivo maior era a pós-graduação, como sonhava desde a tentativa de implantação da Universidade do Distrito Federal.

Ao depor na CPI da Câmara dos Deputados lastimou que não se pudesse ter feito uma reestruturação da universidade brasileira através de experiências concretas, como quando da criação da Universidade de São Paulo, ou da criação da Universidade do Distrito Federal, ou ainda, quando da criação da Universidade Nacional de Brasília.

Todavia, disse, fazia-se essa reestruturação naquele momento através de leis.

E lembrou os Decretos Leis nº 53, de 18 de novembro de 1966 e nº 252, de 28 de fevereiro de 1967:

"Creio que alguns dos Senhores Deputados já estão familiarizados com estes dois Decretos Leis nº 253 e 252, os quais reproduzem a organização que fora imaginada para a Universidade de Brasília. É interessante observar que a lei que organizou a Universidade de Brasília e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional são quase da mesma semana. Realmente, são do mesmo mês, do último mês de 1961. Uma era timorata, cuidadosa: a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional abre certas oportunidades de reforma, muito modestas. A da Universidade de Brasília, pelo contrário, era bastante radical. Pessoalmente só a julgava exequível porque iria partir do marco zero. Não é que juIgue mais fácil criar uma escola nova do que ampliar uma escola antiga. É que, na minha opinião pessoal, a Universidade de Brasília, cujo projeto representou um curioso consenso do magistério superior mais avançado do Brasil, somente seria viável se começasse como um centro de estudos superiores, de onde nascesse uma escola de pós-graduação e, depois, a escola de graduação. Mas a pressão feita pelo aluno local de Brasília levou à implantação imediata da Universidade. Perdeu-se assim a oportunidade de fazer-se com que a Universidade de Brasília reproduzisse, 160 anos depois, a experiência de Humboldt na Alemanha do princípio do sécuto XIX. Não deixa de ser curioso que se tenham votado duas leis, quase ao mesmo tempo, de tendências tão contrastantes como as da Lei de Diretrizes e Bases e as da lei de fundação da Universidade de Brasília. Seis anos depois o atual Governo incorpora os dispositivos da lei que criou a Universidade de Brasília a todas as universidades federais. Minha dúvida sobre a exequibilidade de tão radical medida assenta no fato de que a reforma requer mudança profunda, tanto do Professor quanto do aluno, mudanças que não se pode fazer nas universidades já existentes. Para a reforma de uma universidade já constituída e cujo professorado não se possa remover, a reforma tem de ser gradual e por setores, não se podendo operar a mudança global subitamente"25.

Não deixou escapar também sua crítica à pobreza das bibliotecas universitárias brasileiras, de minúsculo e desatualizado acervo, genericamente. Certamente que Anísio Teixeira concordava com o que também dizem os americanos: uma universidade se faz com livros. E as bibliotecas das universidades americanas têm milhões de livros em cada uma delas.

Mestre Anísio Teixeira esteve em Salvador provavelmente pela última vez em dezembro de 1967, que não foi o paraninfo dos formandos dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, talvez a última grande turma daquela faculdade de 13 ou 14 cursos, como ainda a pensara Izaías Alves de Almeida. Logo depois a reforma universitária acima criticada esfacelaria aquela unidade para ensejar a criação dos institutos básicos da Universidade Federal da Bahia.

Faleceu Anísio Teixeira em 1970, cumprindo uma missão provavelmente desnecessária ante sua grandeza intelectual. Todavia, missão essa que ele cumpria por educação e talvez por disciplina jesuítica - pedia voto aos acadêmicos para sua candidatura à Academia Brasileira de Letras, visitando-os, quando foi vitimado em acidente no elevador de um edifício no Rio de Janeiro.

O Brasil e a Bahia sofreram sua falta. Por aquela época o Mestrado em Ciências Humanas da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, coordenado pelo saudoso Prof. A. L. Machado Neto, realizava uma pesquisa intitulada "Sociologia da Vida Intelectual Nordestina", onde Anísio Teixeira, arrolado inicialmente como informante, pesarosamente passou à condicão de pesquisado.

Notas

I - No prelo. Publicação a cargo da Academia Baiana de Educação, como homenagem ao centenário de nascimento de Anísio Teixeira.

2 - LIMA, Hermes. Anísio Teixeira - Estadista da Educação, Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 1978, p. 183.

3 - FÁVERO, Maria de Lourdes de A. e BRITTO, Jader de M. (Orgs.). Educação e Universidade - Anísio Teixeira, Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1988, p. 90.

4 - RUDOLPH, Frederick. The American College and University, USA , Alfred A, Knopf Inc./Random House Inc., 1962.

5 - RUDOLPH, Frederick, op.cit.

6 - METZGER, Walter P. Academic Freedom in the Age of the University, New York: Columbia University Press, 1961.

7 - FÁVERO, M. L. e BRITTO, Jader de M. (Orgs.). Educação e Universidade - Anísio Teixeira, op. cit.

8 - Idem, p. 34.

9 - Idem, p. 43.

10 - Idem, p. 119.

11 - FILHO, Luiz Viana - A Polêmica da Educação, São Paulo: Nova Fronteira, 1990, p. 72.

12 - Idem, p. 73.

13 - Idem, p. 69.

14 - Idem, p. 70.

15 - Idem, p. 71.

16 - Idem, p. 73

17 - Essa carta foi por nós publicada em um artigo na "Revista de Educação" da APLB/BA, n.2, 1976.

18 - Depoimento do Prof. José Simões, Médico e ex-reitor da Universidade Católica do Salvador.

19 - Depoimento do Prof. José Calasans Brandão da Silva em aula no Mestrado de Ciências Humanas, FAFIUFBA, 1970.

20 - FÁVERO e BRITTO, op. cit., p. 12.

21 - Depoimento do Prof. A. L. Machado Neto, Chefe do Departamento de Sociologia da Universidade Nacianal de Brasília, signatário do manifesto daqueles 212 professores.

22 - VEYSEY, Laurence R. The Emergence of the American University, Chicago: The University of Chicago Press, 1974.

23 - VEYSEY, Laurence, R. op. cit.

24 - FÁVERO e BRITTO, op. cit., p. 141.

25 - Idem, p. 140-141.

| Scientific Production | Technical & Administrative Production | Literature about the Educator |

| Journal articles | Chapter of book | Pamphlets | Books |
Monograph and Dissertations | Conference papers |