CUNHA, Luiz Antônio. 1997 repete 1937? Unificação e Segmentação no Ensino Brasileiro. In: Seminário "Um olhar sobre Anísio". Mesa Redonda "Política Educacional", Rio de Janeiro, 3 set. 1999. Rio de Janeiro, UFRJ/CFCH/PACC, Fundação Anísio Teixeira, 1999.

1997 REPETE 1937 ? UNIFICAÇÃO E SEGMENTAÇÃO NO ENSINO BRASILEIRO

Ao fim da década de 90, quando a educação brasileira passa por uma profunda reforma, julgo oportuno voltar a atenção para a mudança da estrutura do ensino empreendida por Anísio Teixeira no Distrito Federal no início da década de 30. Nas acanhadas condições então postas à disposição da administração educacional, ele tentou unificar os sistemas educacionais, cuja apartação correspondia à divisão técnica e social do trabalho.

Não proponho aqui um mero exercício de erudição. Como veremos, essa volta ao passado serve para melhor conhecermos o retrocesso por que passa a estrutura da educação brasileira atual.

Nomeado Diretor Geral de Instrução Pública do Distrito Federal em outubro de 1931, quatro meses depois Anísio Teixeira já tinha prontas as normas da reforma educacional que pretendia empreender. Sua implementação seria facilitada pelo fato de que a Câmara de Vereadores, que tantos obstáculos criou para a reforma de seu antecessor, tinha sido fechada pelo movimento revolucionário, como, aliás, todas as instâncias do Poder Legislativo no país. Portanto, a legislação resultou de atos do Poder Executivo carioca.

O decreto (DF) 3.763, de 1o de fevereiro de 1932, do Prefeito Pedro Ernesto Batista, não pretendeu revogar a reforma Fernando de Azevedo. Ao contrário, propôs-se a completar o que aquela iniciara. Além de um novo enquadramento institucional para o magistério e o pessoal técnico-administrativo, a Prefeitura do Distrito Federal assumiu a tarefa de oferecer o ensino secundário. Até então, ela se ocupava apenas do ensino primário e da formação de professores (ensino normal), ficando o secundário com o governo federal, que mantinha o Colégio Pedro II. Um mês depois foi baixado outro decreto - (DF) 3.864, de 30 de abril de 1932 -, que completou o primeiro. Passo a tratar dos dois decretos em conjunto.

No sentido da valorização da reforma de 1928, a de 1932 endossou, especialmente, a articulação entre o ensino primário e o ensino profissional. O salto que se pretendia dar, agora, era a promoção de todo o ensino profissional para o nível pós-primário, além de uma especial articulação do ensino profissional com o ensino secundário. Isso contrariava frontalmente a reforma federal do ensino secundário do ano anterior.

Pela reforma de 1931, concebida pelo ministro da educação Francisco Campos, o ensino secundário teve sua duração estendida para sete anos, divididos em dois ciclos. O primeiro, de cinco anos, era o ensino secundário fundamental, cujo conteúdo enciclopédico revelava o objetivo de "formação do homem para todos os grandes setores da atividade nacional". O outro objetivo, o de preparar candidatos para o ensino superior, seria inerente ao segundo ciclo (o curso secundário complementar), de três anos, dividido por sua vez em três seções, cada uma correspondente a um grupo de cursos superiores: engenharia e agronomia; medicina, odontologia, farmácia e veterinária; direito e educação (depois filosofia), ciências e letras.

Como disse Geraldo Bastos Silva (1969, p. 288), Francisco Campos retomou o sonho da reforma do ensino secundário de 1890, de Benjamin Constant, ao pretender oferecer ao jovem "uma súmula de todo o acervo do saber humano", o que, no segundo ciclo, transformava-se numa espécie de "enciclopedismo especializado". Para Anísio Teixeira, o elemento mais repulsivo ao decreto de 1931 era a ênfase na formação das elites intelectuais. Foi justamente contra essa concepção de ensino secundário que a reforma do Distrito Federal, de 1932, veio a implantar a escola técnica secundária.

A divergência de Anísio Teixeira diante da orientação do Ministério da Educação foi além dessa concepção geral. Estribando-se no princípio federativo, ele defendia que os estados e os municípios (inclusive o Distrito Federal) tinham condições para oferecer uma organização educacional mais rica, mais flexível e mais prática às escolas secundárias do que o ministério podia prever. Por isso, reivindicava para as instâncias inferiores do Estado maiores competências do que o governo provisório de Getúlio Vargas, com sua orientação centralista e padronizadora, estava disposto a admitir.

Para o educador baiano, não teria mais cabimento que o sistema educacional fosse estruturado com uma escola primária e profissional, para o povo, e uma escola secundária e superior, para a elite.

"Ora, o chamado ensino secundário, no Brasil, vem cogitando simplesmente da preparação para esse tipo intelectual de trabalho, o que eu julgo uma solução incompleta do problema e de certo modo perigosa, porque contribui para manter a velha concepção dualista, inconscientemente alimentada, de uma educação profissional para o povo, expressão em que, de regra, só se compreendem os elementos menos ambiciosos ou menos afortunados da sociedade - e uma educação acadêmica para os que presumem não ser povo ou não o querem ser." (Teixeira, 1998, p. 107)

O que acontecia era que o Brasil mantinha um dualismo essencial em todas suas iniciativas educacionais. A partir de um modelo transplantado da Europa, havia uma educação para o povo (uma educação para o trabalho), e uma educação para a elite (uma educação para a cultura). A escola primária e as escolas profissionais eram instituições do primeiro grupo e a escola secundária e as escolas superiores, instituições do segundo grupo. Em conseqüência desse dualismo, tanto a escola primária quanto a escola profissional, por melhores que fossem, estiveram sempre relegadas no julgamento público, desprovidas de prestígio.

Nas condições da ciência que Anísio Teixeira divisava, com o desenvolvimento do método experimental, não se poderia mais apartar cultura e trabalho, nem laboratório e oficina. Analogamente, não teria cabimento a separação entre a legislação federal para o ensino secundário "acadêmico" e a legislação estadual ou municipal para o ensino profissional. Por outro lado, seria preciso, também, acabar com o erro da organização do ensino profissional primário, que pretendia ensinar artes, ofícios e ocupações agrícolas a crianças de 9 e 10 anos de idade.

Para a formação dos técnicos que o desenvolvimento independente do país estava a demandar, não haveria outro meio senão a articulação entre o ensino secundário e o ensino profissional. Se nosso mercado interno era dominado pelo estrangeiro, isso se justificava por não termos ainda condições de substituir os "elementos alienígenas", que ocupavam os lugares "deixados vagos pela nossa ignorância".

Ao invés de pretender revogar tudo o que antes se fizera, o teor da reforma de 1932 era o de unificar os propósitos educativos existentes, isto é, o de criar instituições de ensino com os objetivos tanto das escolas secundárias quanto das escolas profissionais.

Importantes vantagens eram esperadas desse novo tipo de escola. Em primeiro lugar, o prestígio das escolas secundárias seria transferido para as profissionais. Em segundo lugar, a vantagem econômica proveniente do fato de que várias matérias poderiam ser estudadas por alunos de cursos diferentes, conjuntamente. Em terceiro lugar (outra vantagem econômica), todo o prédio e toda a aparelhagem teriam utilização plena, com os múltiplos programas ministrados em conjunto. Mas, a vantagem que mais interesse despertava era a de atenuar a discriminação social e pedagógica, razão pela qual Anísio Teixeira se perguntava:

"Será preciso ainda repetir que o convívio de estudantes com diferentes objetivos sociais contribuirá para desfazer possíveis sentimentos de isolamento social, e, ainda, que os próprios cursos lucrarão com o enriquecimento mútuo, que lhes traz já o espírito prático dos cursos vocacionais e semi-vocacionais, já o espírito cultural do curso acadêmico ?" (Teixeira, 1998, p. 110)

O ensino secundário deveria deixar de ser definido como um segmento seletivo, rígido e padronizado, destinado a alguns indivíduos apenas, para se transformar em algo funcionalmente adaptado aos adolescentes em geral. Ao contrário do ensino primário, que deveria continuar a ser único, o secundário deveria oferecer uma ampla rede de programas variados, para se adaptar às diferenças individuais.

Dentro da finalidade geral de ser a escola dos adolescentes, o ensino secundário deveria manter o objetivo social de preparar os quadros médios de cultura técnica e geral para todos os tipos de trabalho - inclusive o trabalho intelectual. Assim diversificado o ensino, Anísio Teixeira entendia que a dualidade da educação brasileira deixaria de existir.

Em termos propriamente organizacionais, ele defendia a constituição de instituições educativas mistas, mantidos os objetivos de ambas as legislações, a federal e a estadual/municipal. Seriam as escolas técnicas secundárias, que juntariam duas categorias que estiveram desde sempre separadas pelo currículo, pelos destinatários e até pelos ministérios a que estavam afetas. Coerente com a defesa de um ensino primário único, ele sustentava que todo o ensino profissional deveria "subir" ao nível secundário. Neste nível, os cursos profissionais seriam ministrados nos mesmos estabelecimentos que o ensino secundário "acadêmico". O objetivo não era a introdução de disciplinas "práticas" no currículo do ensino secundário propedêutico, como já se havia proposto no Brasil. O curso secundário, conforme o modelo da reforma Campos de 1931, continuaria a existir. Ao lado dele, haveria "programas laterais", contando com matérias comuns, de modo a se alcançar unidade e coesão.

As matérias e disciplinas das escolas técnicas secundárias passaram a ser as seguintes:

Português, Latim e Literatura

Línguas estrangeiras (Francês, Inglês e Alemão)

Geografia e História (Geografia e Corografia do Brasil; História da Civilização e do Brasil, do Comércio, da Indústria e Agricultura)

Matemática e Matemática Aplicada (Matemática; Mecânica e Mecânica Aplicada; Noções de Resistência dos Materiais; Matemática Comercial e Financeira)

Ciências Físicas e Naturais e Higiene (Introdução às Ciências; Física e Química; Eletricidade; História Natural; Agricultura e Zootecnia; Higiene Geral, Individual e Industrial e Puericultura; Química Aplicada; Merceologia e Tecnologia Merceológica)

Economia Política, Direito e Legislação (Economia Política e Finanças; Seminário Econômico; Noções de Direito Constitucional e Civil; Noções de Direito Comercial, Terrestre e Industrial; Prática do Processo Civil e Comercial; Legislação Fiscal)

Contabilidade, Técnica Comercial e Estatística (Contabilidade; Contabilidade Bancária; Contabilidade Mercantil; Contabilidade Industrial e Agrícola; Técnica Comercial e Processo de Propaganda; Estatística)

Caligrafia, Estenografia, Mecanografia e Datilografia

Artes ( Desenho Artístico e Industrial; Modelagem; Música e Canto Orfeônico).

Educação Física

Foram extintas as cadeiras instituídas pela reforma de 1928, passando seu conteúdo a ser contemplado pelos programas previstos pela reforma de 1932, nas diversas oficinas e ateliês, com os professores sendo aproveitados nas disciplinas afins.

As seções e os respectivos ofícios ensinados nas escolas técnicas secundárias eram os seguintes:

Trabalhos em Madeira (carpintaria, marcenaria, tornearia, entalhação, lustração, empalhação, estofaria, trabalhos em vime e bambu)

Trabalhos em Metal e Mecânica (modelação, fundição, latoaria, funilaria e estamparia, tornearia e ajustagem, ferraria, serralheria, caldeiraria, montagem de máquinas, motores de explosão)

Eletricidade (instalação e máquinas elétricas, telegrafia e telefonia, rádio-telegrafia e rádio-telefonia, e eletro-química)

Artes Gráficas (composição, impressão, encadernação e gravura)

Agricultura e Zootecnica (horticultura, jardinagem, pomicultura, avicultura, apicultura, sericicultura, zootecnia)

Construção Civil (alvenaria e cantaria, estucaria, instalações sanitárias, carpintaria e marcenaria, pintura e decorações)

Artes Domésticas (administração doméstica e arte culinária)

Artes do Vestuário ( corte e costura, chapéus, rendas e bordados, tecidos de malha e flores)

Essa organização das oficinas representou uma ampliação da área abrangida pelos ofícios, o que a reforma de 1928 definia de modo mais restrito. Assim, foram extintas as denominações de ofícios previstos anteriormente: zincografia; pautação e douração; fototécnica; composição em teclados; composição em caixa; litografia; tricromia; cerâmica; tapeçaria; trabalhos em tijolo, pedra e cimento; motocultura e mecânica agrícola; laticínios; veterinária; frentistas; costuras e confecções; cintas e artigos congêneres. Do mesmo modo como se previu para os professores das cadeiras extintas, os mestres e contramestres desses ofícios foram aproveitados nas oficinas afins, a critério do diretor de cada instituição.

Os ofícios que seriam cultivados em cada uma das oficinas eram predominantemente artesanais, embora as de metal e mecânica, e de eletricidade estavam voltadas, mais do que as outras, para a produção manufatureira ou fabril. Em todos os casos, o que se buscava era a ligação entre a educação geral e as atividades de oficina, de modo que se evitasse a separação entre o trabalho manual e o trabalho intelectual.

Este último ponto era comum às exposições de motivos escritas por Anísio Teixeira aos decretos que definiram sua gestão no Distrito Federal e ao Manifesto dos Pioneiros Nova, que ele subscreveu. Como aqueles foram concebidos antes deste, fui levado a atribuir ao educador baiano a identidade, não revelada no Manifesto, de um de seus signatários que teria chamado a atenção para esse problema. (Cunha, 1994)

Na prática, haveria dois ciclos nas escolas técnicas secundárias: o primeiro ciclo, comum a todos os alunos, com dois anos de duração, e o segundo, de cinco ou seis anos, ramificado. Um ramo seria o curso secundário equiparado ao do Colégio Pedro II, conforme a legislação federal; outro, o curso técnico industrial; e outro, ainda, o curso técnico de comércio. Este último seria oferecido em duas modalidades, uma conforme a legislação federal, outra distinta dela.

Os cursos técnicos, em seu terceiro ano, tinham uma espécie de preparatório com as mesmas disciplinas do primeiro ciclo, somente adicionada a matéria Tecnologia para o curso industrial masculino. Este em seus últimos três anos oferecia: Português; Francês ou Inglês; Matemática; Física; Química; História Natural; Higiene Geral; Desenho; Educação Física; Higiene Industrial; Matemática (modalidade Mecânica); Física (modalidade Eletricidade e Máquinas); Fisíca (Luz, Frio e Calor); Tecnologia; Química Aplicada à Indústria; e outras matérias e oficinas de livre escolha do aluno.

Dois anos depois de deslanchada a reforma, as escolas técnicas secundárias foram objeto de importantes modificações (decreto DF 4.779, de 16 de maio de 1934).

As condições de ingresso nessas escolas foram mais especificadas. Além da idade mínima de 11 anos e a conclusão do curso primário de cinco anos, o decreto de 1934 previu a seleção dos candidatos, quando seu número superasse o de vagas, mediante concurso.

A articulação (mais do que a justaposição) entre o ensino profissional e o secundário (este conforme a legislação federal) foi estreitada. Apesar da advertência de Anísio Teixeira, em 1932, de que a grande novidade da escola técnica secundária era mais social do que curricular, de que não se tratava de inserir disciplinas "práticas" no currículo do ensino propedêutico, o decreto de 1934 veio justamente abrir esse caminho. Os cursos secundários propedêuticos passaram a ter seu currículo ampliado com trabalhos de oficina, afim de "proporcionar uma benéfica penetração da educação técnica no ensino humanístico".

Por outro lado, os cursos profissionais foram alterados pela supressão das oficinas de artes gráficas, por razões que não consegui identificar.

O decreto previu, também, que os trabalhos executados pelos alunos nas oficinas, "como exercícios", pudessem ser vendidos, sendo 2/3 da receita aplicados na aquisição de bens ou na realização de serviços úteis à escola e 1/3 distribuído aos alunos, depositado em contas individuais na Caixa Econômica, só podendo ser movimentadas com a autorização do diretor da escola, enquanto o aluno nela permanecesse.

Não previstos em 1932, as escolas técnicas secundárias passaram a contar com cursos intensivos, de dois a três anos de duração, destinados a alunos de mais de 12 anos de idade, "que não tiveram tempo suficiente de permanência em escola primária e que, pela idade, não possam seguir os cursos regulares da escola".

Esses cursos seriam organizados "com o mínimo suficiente de instrução teórica e o máximo de educação prática", de modo que eles pudessem receber "um ciclo completo de aprendizagem que os habilite a ganhar a vida com o seu trabalho".

Os concluintes desses cursos poderiam ingressar num curso técnico secundário, desde que fossem aprovados em exames que os posicionassem nas séries correspondentes ao seu preparo.

A maioria dos artigos do decreto de 1934 tratava mesmo era dos professores e dos instrutores das escolas técnicas secundárias: sua formação, remuneração, seleção e condições de trabalho. No caso do instrutores técnicos, previa-se um curso de "professores de ofício", mantido pela própria rede municipal, para sua adequada formação. Enquanto esse curso não fosse criado, os instrutores técnicos deveriam ser contratados por dois anos, a título de experiência, depois de selecionados em concurso público. Supunha-se, assim, que sua qualificação profissional tivesse sido adquirida em outra escola profissional, mesmo fora da rede municipal, ou, então, na prática industrial.

Os instrutores técnicos estariam obrigados a quatro horas diárias de trabalho, em uma ou mais oficinas, nos cursos profissionais ou em atividades extra-classe. Eles poderiam receber o encargo de mais quatro horas diárias de trabalho, se fosse conveniente ao serviço, para o que receberiam uma gratificação, além de salário adicional.

* * *

A projeção nacional da reforma do ensino que se delineava no Distrito Federal levou Anísio Teixeira a ser eleito presidente da Associação Brasileira de Educação, onde liderou a corrente que apoiava a destinação exclusiva dos recursos públicos para a escola pública, o caráter laico do ensino nas escolas oficiais, além de outros pontos que dividiam o campo educacional naquele período.

Em conseqüência, o educador baiano ficou muito exposto aos ataques de seus oponentes, justamente os que queriam, também, o fechamento do sistema político. O adiamento da regulamentação do ensino religioso nas escolas públicas do Distrito Federal, dispositivo inserido na constituição de 1934, foi apontado como "prova" de sua orientação comunista. Num processo de intensa radicalização política, isso não tinha apenas caráter simbólico. A orquestração de católicos e/ou integralistas (como o Padre Helder Câmara, Alceu de Amoroso Lima e Severino Sombra), na imprensa partidária e geral, "demonstrava" a convergência da pedagogia de Dewey com o comunismo na administração educacional do Distrito Federal, o que teria ficado ainda mais "evidente" na criação da universidade. Com efeito, a Universidade do Distrito Federal recrutou professores de diversas orientações políticas, inclusive alguns notórios socialistas e comunistas. Sua organização, sem similar no país, conferia à formação de professores e à pesquisa científica um lugar prioritário. Na visão de seu criador, a UDF deveria constituir, ademais, um espaço aberto à liberdade de pensamento, justamente num momento em que ele estava se estreitando. (Mendonça, 1993)

Se, até então, Anísio Teixeira manteve-se apartidário, com a promulgação da constituição de 1934 e o acirramento das críticas destrutivas que vinha recebendo, pensou seriamente em estabelecer uma base política partidária. Ela lhe daria uma sustentação imediata contra os católicos, os integralistas e o governo federal - e até mesmo contra o Governo Provisório, então ungido da legitimidade constitucional. Para tanto, pensou em juntar-se aos que, como seu amigo e conterrâneo Hermes Lima, pretendiam transformar o Partido Autonomista do Distrito Federal no Partido Revolucionário, mantida a liderança de Pedro Ernesto, agora eleito prefeito pelo voto direto. Seria um partido para unir a plataforma socialista com a prática democrática. Contra os que, à direita e à esquerda vaticinavam o fim da democracia e do individualismo, o educador baiano proclamava que

"(...) a crise moderna de democracia não é uma crise de excesso de democracia, mas de falta de democracia. A crise de individualismo não é uma crise de excesso de individualismo, mas de falta de verdadeiro individualismo." (Teixeira, 1998, p. 234)

A radicalização do processo político impediu que a experiência universitária frutificasse. Quando a Aliança Nacional Libertadora insurgiu-se, sem sucesso, em novembro de 1935, a sorte de Anísio Teixeira foi decidida pela via mais desalentadora para um homem de ação: a demissão.

A feroz repressão que se seguiu aos aliancistas, em geral, e aos comunistas, em particular, alcançou os liberais e os social-democratas. Percebendo não ter condições de se manter no cargo, Anísio Teixeira demitiu-se, em dezembro, e partiu para o interior do país, num exílio interno que durou até a deposição de Vargas, em 1945 - toda uma década.

Ele foi substituído por ninguém menos do que Francisco Campos, o primeiro ministro da educação. A reitoria da Universidade do Distrito Federal foi ocupada por ninguém menos do que Alceu de Amoroso Lima, que acabou por ser o liquidante da instituição. Uma parte da UDF foi incorporada à Universidade do Brasil, outra parte foi simplesmente extinta.

As escolas técnicas secundárias do Distrito Federal foram alteradas em 1937, revertendo-se praticamente ao "divórcio" da situação anterior, como será mostrado no próximo item. No entanto, elas permaneceram como um paradigma altamente valorizado pelos educadores liberais. Para o objetivo específico deste texto, cumpre destacar a receptividade social dessas escolas, cujas matrículas aumentaram de 2.310 para 5.026, crescimento de praticamente 100% no período 1931/34.

Na desmontagem do projeto das escolas técnicas secundárias, desempenhou papel central o antigo titular da Superintendência do Ensino Secundário na gestão de Anísio Teixeira, Joaquim Faria Góes Filho, seu colega de ginásio na Bahia.

Durante a crise que se abateu sobre a Secretaria da Educação no DF, Faria Góes obteve uma licença para fazer seu mestrado em 1936, na mesma instituição onde Anísio Teixeira fizera o seu, na Universidade de Colúmbia.

Tendo retornado de Nova Iorque e reassumido seu cargo, Faria Góes elaborou uma avaliação do ensino técnico secundário no DF e apresentou sugestões para seu reajustamento.

Pelo que se pode presumir, a receptividade do diagnóstico e das sugestões foi tanta que, no ano seguinte, saiu impresso pela secretaria, sendo-lhe anexado o decreto do prefeito, que determinava mudanças na direção sugerida.

Apesar de reconhecer a existências de pontos positivos na reforma de 1932/34, Faria Góes mencionou uma dúzia e meia de pontos problemáticos. A maior parte dos problemas apresentados não resultavam da estrutura das escolas técnicas secundárias, mas, sim, da precariedade dos recursos materiais da Prefeitura, assim como da improvisação do pessoal docente e administrativo disponível. No entanto, avultava, como solução, a classificação dos alunos de acordo com seu nível de inteligência, a orientação educacional e vocacional, assim como a diferenciação e qualificação do pessoal docente e administrativo.

Destacava-se, também, a defesa das séries metódicas de ofício, que já estavam sendo empregadas em São Paulo há pelo menos uma década, a mesma pedagogia do ensino profissional preconizada pelo "inquérito" de Fernando de Azevedo de 1926, mas não incorporado pela reforma que ele projetou e implementou no Distrito Federal em 1928.

Faria Góes inseriu em seu projeto as passagens do Manifesto dos Pioneiros que davam a entender os sistemas educacionais como organismos vivos, a quem repugnavam as mutações. Eles prefeririam a evolução mediante uma seqüência de adaptações. Era o que se impunha no momento: ao invés de uma mudança total, o "reajustamento".

Vejamos, então, quais foram as sugestões apresentadas para as escolas técnicas secundárias do Distrito Federal.

Antes de tudo, a escola profissional deveria se organizar em função do fato de que a maioria dos alunos não poderia permanecer nela durante seis anos, mas apenas por três. Isso importava em dividir o curso em duas partes bem distintas, em planos sobrepostos que, além de finalidades preparatórias, tivessem algumas finalidades próprias.

O primeiro ciclo do curso técnico secundário receberia o grosso dos alunos, que seriam agrupados segundo o nível de inteligência. Aos que estivessem no grupo superior, seria desenvolvido um programa mais ambicioso, que incluiria uma língua estrangeira. Os de nível mais baixo de inteligência teriam intensificados os trabalhos de oficina e mais tempo para o estudo das lições.

Nesse ciclo, as oficinas propiciariam o treinamento em certas técnicas elementares. Durante os dois primeiros anos, educação manual e orientação vocacional; e um ano de trabalho mais intenso num dos departamentos (madeira ou metal, por exemplo), para o que cada aluno revelasse maior aptidão.

Faria Góes chamou a atenção para um grupo de alunos que não teria recebido a devida atenção na reforma de 1932: os de 13 a 15 anos que, por circunstâncias várias, não concluíram o curso primário. Eles já não poderiam permanecer no primário por questão de idade nem o queriam por uma questão psicológica. Para eles, foi proposto um curso intensivo, aliás previsto na reforma anterior, mas que deveria ser ajustado ao seu nível e sem a seriação comum aos cursos regulares. A preocupação era a de lhes fornecer um instrumento de trabalho imediato, ainda que elementar.

O 2o ciclo do ensino técnico secundário seria destinado aos poucos alunos mais destacados que existissem em cada instituto profissional, que, já tendo completado 15 anos de idade, poderiam aprender as técnicas relativas à mecânica, à eletricidade, ao desenho projetivo, à construção civil, à confecção de móveis e outras, que demandavam mais tempo de aprendizagem específica e, sobretudo melhores fundamentos de cultura e desenvolvimento mental. Esses alunos seriam reunidos em poucas escolas, de modo que se pudesse obter economia de recursos e maior eficiência. Para resolver o problema do deslocamento e da manutenção dos alunos, o autor sugeriu que esses cursos funcionassem preferencialmente em regime de internato, devendo ser distribuídos auxílios para os externos mais bem dotados e mais pobres (passes de bonde, alimentação, vestuário, etc).

Finalmente, a solução indicada para ajustar as escolas técnicas secundárias ao meio social e econômico foi a organização de um conselho de comerciantes, industriais e educadores para estabelecer mais estreita ligação entre a produção e o ensino profissional.

As recomendações de Faria Góes foram quase todas incorporadas ao decreto 5.922-A, de 27 de fevereiro de 1937, baixado pelo prefeito padre Olímpio de Mello, firmado também pelo secretário da educação Francisco Campos.

O elemento de mais destaque no decreto foi o abandono da orientação impressa por Anísio Teixeira em 1932, de que todos os estabelecimentos de ensino secundário se transformassem em escolas técnicas secundárias, nas quais o curso equiparado ao da legislação federal não fosse mais do que uma das opções possíveis para os alunos, depois de dois anos de estudos em comum. A partir de 1937, os cursos secundários deste tipo se apartaram dos cursos técnicos secundários, em termos curriculares, embora ambos pudessem ser oferecidos lado a lado, em certas escolas, que, aliás, continuaram a adotar a denominação de escolas técnicas secundárias.

Além da fragmentação horizontal (entre o ensino técnico-profissional e o ensino secundário), determinou-se a fragmentação vertical, no âmbito do próprio ensino profissional. As escolas técnicas secundárias passaram a oferecer todas um curso intensivo, de três anos (sem a alternativa de dois anos), de nível elementar; e o curso técnico secundário, em dois ciclos: o primeiro, de três anos, e o segundo ciclo, de dois e três anos, conforme a especialidade.

Os cursos intensivos seriam destinados aos alunos portadores do diploma de terceiro ano da escola elementar, pelo menos, e maiores de 11 anos de idade. Em tudo o que fosse possível, o ensino nesses cursos seguiria o regime, os horários e os programas das escolas elementares da rede municipal. Mas, diferentemente dessas, os alunos seriam reunidos em grupos homogêneos, em cada série, de acordo com seu quociente intelectual e grau de preparo. A cada um desses grupos seria ministrado o programa que fosse ajustado ao seu nível.

Para os alunos de 11 e 12 anos, matriculados no 1o ano do curso intensivo, o curso de oficinas deveria ser organizado de modo a permitir a "educação integral" mediante o exercício de trabalhos manuais em madeira, massa plástica e metal.

Para os alunos do mesmo curso e série, com 13 anos de idade, o decreto previa uma característica adicional: a possibilidade de seguirem planos individuais diferenciados. Mas, isso somente poderia ocorrer nos casos de "manifestas tendências individuais" e da possibilidade, apurada pela direção da escola, de abandono da mesma pelo aluno, antes do acesso ao curso técnico secundário.

Os cursos técnicos secundários de 1o ciclo, que teriam três anos de duração, admitiam alunos mediante exames de ingresso. Os candidatos deveriam ter concluído todo o curso elementar de cinco anos ou, então, o curso intensivo das escolas técnicas secundárias.

As matérias ensinadas seriam as seguintes: Língua Brasileira, Matemática, Ciências Sociais, Desenho e Introdução às Ciências. Também aqui, os alunos seriam reunidos em três ou quatro grupos homogêneos de 40 alunos cada, no máximo, de acordo com seu quociente intelectual e grau de preparo. A cada um desses grupos seria ministrado o programa mais ajustado à sua capacidade de aprendizagem. Apenas a turma de quociente intelectual mais alto teria o ensino de língua estrangeira (inglês).

Todos os cursos técnicos secundários de 1o ciclo ofereceriam acesso a oficinas de trabalhos em metal, madeira e massa plástica. Os alunos de 11 e 12 anos não desenvolveriam nelas atividades que visassem a aprendizagem de um ofício, mas, sim, o uso dos trabalhos manuais com o objetivo de permitir "educação integral", além da "verificação de tendências e qualidades" pelo Serviço de Orientação Vocacional.

Para os alunos de 13 anos ou mais, e que apresentassem desenvolvimento físico, mental e "vigorosas tendências para uma determinada técnica de trabalho", seria admitida a organização de planos individuais, a juízo do Serviço de Orientação.

A admissão aos cursos técnicos de 2o ciclo dependia da conclusão do 1o ciclo correspondente. Cada uma das escolas técnicas secundárias teria uma composição distinta de cursos profissionais para oferecer aos alunos. Na Escola Visconde de Mauá, por exemplo, os cursos seriam os seguintes:

trabalho em madeira (marcenaria, entalhação, tornearia em madeira e lustração);

metal e mecânica (ferraria, tornearia em metal, ajustação, fundição e modelação);

motores de combustão interna (tornearia em metal, ajustação em motores);

eletrotécnica (galvanoplastia, eletromecânica e eletrotécnica);

cerâmica (desenho e modelação); e

música (curso de músicos de banda).

Esses cursos teriam uma parte básica comum e outra formada de disciplinas eletivas. As da parte comum seriam distribuídas da seguinte maneira:

1o ano: Língua Brasileira, Inglês, Matemática, Ciências Sociais, Elementos de Química, Mineralogia, Desenho;

2o ano: Língua Brasileira, Inglês, Desenho; matérias eletivas: Física (Mecânica, Hidrostática, Cinemática, Acústica e Ótica), Química (aplicações industriais, tecnologia das matérias primas).

3o ano: Língua Brasileira, Inglês e Desenho; matérias eletivas: Física (Elementos de Máquinas, Termodinâmica, Motores Térmicos, Eletrotécnica, Tecnologia de Máquinas), Construção Civil (em Pedra e Tijolo, Cimento Armado, Madeira e Ferro), Estilos e Composições, História das Artes.

No 2o e no 3o anos, cada aluno deveria escolher pelo menos duas e não mais de três disciplinas eletivas.

Sobre as atividades de oficina, o decreto quase nada dizia além de que os recursos apurados com a venda dos trabalhos escolares caberia aos alunos. As quantias seriam pagas mensalmente aos próprios alunos ou, então, recolhidas à Caixa Econômica Escolar, a ser organizada.

A endogenia seria a regra no provimento dos docentes. Nesse sentido, o decreto previa que os cargos de instrutores técnicos seriam preenchidos mediante concurso entre alunos diplomados pelas escolas técnicas secundárias.

Uma possibilidade adicional de ensino profissional noturno foi aberta para os operários já inseridos no mundo do trabalho. Para oferecer-lhes cursos de aperfeiçoamento, poderiam ser instaladas nas escolas técnicas secundárias classes de ensino noturno, tendo preferência para a matrícula os operários sindicalizados, os da União e os da municipalidade. Essas classes teriam organização especial de "ensino de oportunidades", sem seriação determinada. Os cursos funcionariam durante três horas diárias, além do ensino propriamente profissional. Nelas seriam ministradas as seguintes matérias: Noções de Língua Brasileira, Cálculo, Desenho, Geometria, Corografia e História do Brasil, Instrução Cívica.

A sugestão de Faria Góes de se criar um conselho tripartite, reunindo comerciantes, industriais e educadores, para estreitar as ligações entre a escola profissional e a produção, não foi incorporada ao decreto.

Assim, depois de cinco anos da primeira tentativa de eliminação da dualidade escolar no Brasil, pela criação das escolas técnicas secundárias, a discriminação sócio-educacional retornou à estrutura da rede do Distrito Federal, embora fosse mantida a denominação que a consagrou. Abria-se, com isso, o caminho para as "leis" orgânicas do ensino secundário e as dos ramos profissionais (inclusive e primeiramente, a do ensino industrial).

Com efeito, as "leis" orgânicas de 1942 moldaram a dualidade social no ensino médio de acordo com o formato impresso por Gustavo Capanema, o ministro da educação do Estado Novo: o ensino secundário (o ginásio e o colégio) para as "individualidades condutoras" e as escolas profissionais para as "classes menos favorecidas". Aquele propiciando a candidatura irrestrita ao ensino superior e estes permitindo a inscrição nos exames vestibulares apenas dos cursos "compatíveis". Em termos da articulação horizontal, o 1o ciclo do ensino secundário permitia a passagem ao 2o ciclo dos ramos profissionais, mas a recíproca não.

* * *

A partir da segunda metade da década de 40, houve uma gradativa mas nítida tendência de unificação dos segmentos destinados à educação geral com os de educação profissional.

Com o fim do Estado Novo, a reconstitucionalização da vida política e a volta dos educadores liberais (liderados por Anísio Teixeira ou nele inspirados) ao aparelho de Estado, a arquitetura educacional dualista começou a ser demolida. Uma série de medidas tratou de desmontar o caráter profissional do curso básico industrial, que caracterizava as escolas industriais (1º ciclo do ensino médio), reforçando as disciplinas de caráter geral no currículo, em detrimento do tempo dedicado às oficinas. O ginásio industrial (sucessor do curso básico industrial da "lei" orgânica) acabou por se transformar num momento de sondagem vocacional e iniciação profissional, totalmente desviado de sua antiga finalidade - a formação do jovem para um ofício industrial. Ao mesmo tempo, foram abertas passarelas entre os diversos ramos e ciclos, de modo a propiciar o trânsito dos alunos, assim como se chegou à candidatura irrestrita de todos os egressos do ensino médio a quaisquer cursos do ensino superior.

Paralelamente, as escolas industriais da rede federal dedicaram-se ao ensino técnico propriamente dito, reduzindo as vagas oferecidas ao 1º ciclo, até que ele foi completamente extinto nessa rede.

A progressiva aproximação dos ramos profissionais do ensino médio ao ensino secundário não significou, entretanto, o fim da dualidade. Ela foi recomposta, pois a aprendizagem industrial (assim como a comercial), inicialmente uma das modalidades de ensino incompleto de um ofício, acabou por propiciar a hegemonia, na formação profissional, para os cursos do SENAI e seu correlato, o SENAC. Para a maior parte dos alunos, todavia, o que os educadores liberais almejavam era a eliminação da formação profissional precoce e a introdução de uma base comum no currículo dos diversos cursos do ensino médio.

Essa tendência foi intensificada com as experiências de renovação do 1º ciclo do ensino secundário, no sentido de ligá-lo ao mundo do trabalho, retirando-o do exclusivo mundo das letras e das ciências, mais daquelas do que destas. Na primeira metade da década de 60, a Diretoria do Ensino Secundário do MEC elaborou e implantou vários projetos de ginásios denominados "modernos", "polivalentes" e "orientados para o trabalho", nos quais era ostensiva a inspiração nas escolas técnicas-secundárias do Distrito Federal, ao tempo de Anísio Teixeira. Essas experiências culminaram na concepção do segundo segmento do ensino de 1º grau (5ª à 8ª séries) da lei 5.692/71. A aprendizagem industrial foi mantida sob o rótulo de ensino supletivo (modalidade suprimento), o que manteve a dualidade presente, embora dissimulada sob o discurso da terminalidade geral X terminalidade real.

No regime desta lei, as escolas técnicas industriais, especialmente as da rede federal, foram tomadas como modelo para todas. Pretendeu-se que o ensino de 2º grau fosse universal e compulsoriamente profissional (dito profissionalizante), destinado à formação de técnicos e auxiliares técnicos. Dizia-se que esses profissionais faziam falta ao desenvolvimento econômico do país, além de constituírem um antídoto ao bacharelismo prevalecente desde os tempos do Império.

Mas, como já mostrei, (Cunha, 1977) a política de profissionalização no ensino de 2º grau (na nova nomenclatura) resultou da política de contenção dos crescentes contingentes de jovens que, tendo concluído o ensino médio (nomenclatura anterior), procuravam o ensino superior. Se a lei da reforma universitária (5.540/68) apresentou um reordenamento interno às instituições de ensino superior, visando ampliar a capacidade de matrículas, a custos médios menos do que proporcionais, a política educacional expressa na lei 5.692/71 procurava desviar para o mercado de trabalho supostamente carente de técnicos e auxiliares-técnicos, parcela dos jovens que postulavam vagas nas instituições de ensino superior, especialmente nas universidades públicas.

A profissionalização foi um retumbante fracasso em matéria de política educacional. No segundo segmento do 1º grau, o ensino profissionalizante estiolou-se por falta de recursos humanos e materiais, bem como de finalidade em termos de sondagem vocacional e iniciação profissional. No 2º grau, as resistências dos estudantes, dos professores, dos empresários do ensino e do mercado de trabalho levaram à "reforma da reforma" poucos anos depois (lei 7.044/82), mas não antes de ter contribuído para a dissolução do ensino normal, e, por via de consequência, para a deterioração do primeiro segmento do 1º grau.

Desde então, o 2º grau permaneceu uma espécie de segmento rejeitado do sistema educacional, definido pela dupla negação: nem 1º grau, nem superior. Como a função propedêutica era algo de que não se abria mão - nem os estudantes nem os empresários do ensino - os exames vestibulares (programas, livros, tipos de provas, cronogramas) assumiram a direção do currículo.

Agora, guardadas as devidas proporções, 1997 repetiu 1937. Deparamo-nos com uma nova política do Ministério da Educação para o ensino médio ou de 2º grau e as escolas técnicas, expressa no decreto 2.208/97, que contém uma interpretação viesada da Lei de Diretrizes da Educação Nacional de 1996. As escolas técnicas, de modelo que se queria generalizar na época de plena vigência da lei 5.692/71, passaram a vilãs. Ao contrário da tendência à unficação, ensaiada nos anos 30 e avançada dos anos 50 aos 70, pretende-se, agora, restaurar a dualidade, mediante a apartação institucional e curricular entre o ensino técnico e o ensino médio geral, que alguns insistem chamá-lo de "acadêmico".

Essa inflexão do processo de mudança é particularmente danosa por representar uma volta atrás no processo de unificação da estrutura educacional, que, ensaiado por Anísio Teixeira e anunciado pelo Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, vinha se desenvolvendo desde a promulgação das "leis de equivalência" dos anos 50. A volta atrás que agora se dá, ao contrário de um avanço da articulação entre educação e democracia, deverá representar o reforço da dualidade escolar, contribuindo para a estamentalização das situações de classe.

BIBLIOGRAFIA

Cunha, Luiz Antônio (1977), Política educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio, Rio de Janeiro, Eldorado.

----- (1994), "Educação e classes sociais no Manifesto de 32: perguntas sem resposta", Revista da Faculdade de Educação da USP (São Paulo), vol. 20, nos 1 e 2, janeiro/dezembro.

Lemme, Paschoal (1988), Memórias, São Paulo/Brasília, Cortez/MEC-INEP.

Mendonça, Ana Waleska, P. C. (1993), Universidade e formação de professores: uma perspectiva integradora. A "Universidade de Educação" de Anísio Teixeira, Tese de doutoramento em educação, Rio de Janeiro, PUC/RJ.

Nunes, Clarice (1980), "A iniciação profissional do adolescente nas escolas técnicas secundárias na década de 30", Forum Educacional (Rio de Janeiro), ano 4, no 3, julho/setembro.

----- (1991), Anísio Teixeira: a poesia da ação, Tese de doutoramento em educação, Rio de Janeiro, PUC/RJ.

Silva, Geral Bastos (1969), A educação secundária (perspectiva histórica e teoria), São Paulo, Nacional.

Teixeira, Anísio (1998), Educação para a democracia, Rio de Janeiro, Editora UFRJ.

Xavier, Libânia Nacif (1993), Para além do campo educacional: um estudo sobre o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932), Dissertação de mestrado em educação, Rio de Janeiro, PUC/RJ.

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