MENDONÇA, Ana Waleska P. C. A Formação dos Mestres: a contribuição de Anísio Teixeira para a institucionalização da Pós-Graduação no Brasil. In: Seminário "Um olhar sobre Anísio". Mesa Redonda "Política Educacional", Rio de Janeiro, 3 set. 1999. Rio de Janeiro, UFRJ/CFCH/PACC/, Fundação Anísio Teixeira, 1999.

A Formação dos Mestres: a contribuição de Anísio Teixeira para a
institucionalização da Pós-Graduação no Brasil*

1. Anísio Teixeira e a Pós-Graduação no Brasil

O objetivo deste texto é refletir sobre uma dimensão da atuação pública do educador Anísio Teixeira, que é a sua contribuição no processo de institucionalização da pós-graduação no Brasil, ao longo dos anos 50 e 60. Esta dimensão foi ainda pouco trabalhada pela literatura específica da área de educação, embora tenha sido este educador quem, ao longo desses anos, organizou a CAPES, criada inicialmente como Campanha, e, após 64, transformada na atual Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior.

De uma forma geral, aliás, esta observação se aplica a toda a produção de Anísio sobre o ensino superior, que tem um volume bastante significativo, e que reflete a sua atuação pública desde os anos 30, quando organizou, no bojo da Reforma de Ensino empreendida no Rio de Janeiro, a Universidade do Distrito Federal (UDF), como ápice de um sistema de ensino organicamente articulado. A esta experiência, prematuramente encerrada, Anísio viria sempre a reportar-se como uma experiência fundante não só da sua reflexão e iniciativas posteriores no campo do ensino superior, como, particularmente, para pensar a questão do papel da pós-graduação na universidade e no próprio processo de desenvolvimento nacional, ao longo dos anos 50 a 70.

A Campanha de Aperfeiçoamento de pessoal de nível superior foi, a princípio, idealizada por Romulo de Almeida, economista baiano, com o objetivo de formar os quadros necessários ao programa de desenvolvimento econômico pensado pela equipe que cercava o então presidente Getúlio Vargas. Em 1951, Anísio Teixeira, que encerrava a sua gestão à frente da Secretaria da Educação da Bahia, com o término do governo Otávio Mangabeira, foi chamado por Ernesto Simões Filho, à época Ministro da Educação, para assumir o cargo de secretário-geral da Comissão que teria como objetivo promover a referida Campanha. Embora prevista, inicialmente, para ser instalada em seis meses, apenas dez anos depois a Campanha foi constituída, com algumas mudanças significativas nos seus objetivos que a simples comparação entre os dois decretos: o Decreto no 29.741, de 11 de julho de 1951, que institui a Comissão, e o Decreto no 50.737, de 7 de junho de 1961, que organiza a Campanha, claramente evidencia. Enquanto no primeiro decreto a ênfase recaía sobre a formação de pessoal especializado para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam o desenvolvimento do país, promovendo, entre outras coisas, a instalação e expansão de centros de aperfeiçoamento e estudos pós-graduados, no segundo decreto aparece como o primeiro propósito da Campanha, para a consecução dos seus objetivos, a melhoria das condições de ensino e pesquisa dos centros universitários, como estratégia prioritária para a formação dos quadros profissionais de nível superior do país. Ao longo de todos esses anos, e até 1964, Anísio permaneceu à frente da CAPES, sobrevivendo às mudanças no governo e no próprio Ministério (essas, ainda mais frequentes) e mesmo à crise desencadeada por ocasião do acirramento do debate em torno à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, quando a sua demissão chegou a ser solicitada a Juscelino Kubistchek, pela hierarquia católica, e quase efetivou-se.

Em trabalho elaborado pela própria CAPES, em 1985, em colaboração com o Centro Regional de Estudos Superiores para a América Latina e o Caribe (CRESALC), Gusso, Córdova e Luna fazem uma análise do processo de institucionalização da pós-graduação no país extremamente elucidativa a esse respeito.

O referido trabalho procura inserir o processo de institucionalização da pós-graduação no Brasil no desenvolvimento do ensino superior no país. Considera-se, no entanto, que, nas suas origens, os estudos pós-graduados entre nós foram gerados por movimentos predominantemente exógenos aos processos que movem o sistema de ensino superior (opus cit., p. 177). Segundo os autores, isso se deveu ao fato de que, afora as experiências dissidentes dos anos 30 ( as experiências da Universidade de São Paulo e da Universidade do Distrito Federal), o modelo de universidade que se firmou ao longo dos anos 40 e que prevaleceu até os anos 60, foi o modelo de universidade-federação de escolas, no qual a pesquisa científica encontrava um espaço bastante limitado. Para os autores:

" (...) a gênese dos estudos pós-graduados se confunde, em primeiro lugar, com as lutas pela formação da comunidade científica brasileira, e pela constituição dos seus espaços institucionais; e só mais tarde se entrelaça à Universidade com o surgimento da consciência de que o País se embaraçava nas teias da dependência tecnológica." (p. 177)

Na percepção dos mesmos, a hegemonia do modelo se justificava pelo fato de que correspondia não só aos objetivos atribuídos pela sociedade brasileira ao ensino superior, mas às próprias expectativas das camadas da população que tinham acesso a esse nível de ensino. Para eles, esse modelo tinha uma dupla funcionalidade: tanto do ponto de vista das necessidades objetivas de recursos humanos em um processo de industrialização com elevada dependência tecnológica (p. 122), quanto do ponto de vista sócio-político.

Foi sob o impacto do desenvolvimentismo dos anos 50 que o paradigma vigente de ensino superior começou a entrar em crise, face ao avanço do processo de industrialização, bem como às mudanças ocorridas nos canais de ascensão social. No entanto, as forças de resistência eram muitas e se localizavam, principalmente, para os autores, na própria burocracia estatal e nas lideranças conservadoras do Congresso (entre as quais se incluíam vário dos catedráticos das universidades públicas), fazendo com que nenhum projeto mais abrangente de reforma da universidade fosse encaminhado durante esta década.

Por outro lado, a comunidade científica crescera, desenvolvera a sua organização e adquirira maior articulação política, principalmente com a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF). No âmbito da SBPC, começara a se desenvolver uma vertente de pensamento mais política (e até mesmo, nacionalista) no seio da comunidade científica brasileira. Esta vertente é que iria propugnar por uma reforma global da universidade de forma a ampliar as suas condições de trabalho e promover um avanço científico mais sólido a médio e longo prazo. Este, aliás, foi o grupo que se articulou, junto a Darcy Ribeiro e Anísio Teixeira, em torno ao projeto original da Universidade de Brasília.

Uma outra vertente de pensamento, mais pragmática, nascia de outros grupos da burocracia estatal e das escolas técnicas superiores. Seus objetivos eram mais imediatistas e a perspectiva nacionalista estava totalmente ausente das suas preocupações. Uma das principais iniciativas desse grupo se expressou na criação da COSUPI (Comissão Supervisora do Plano dos Institutos), que sofreu a oposição da SBPC que se posicionou contra a dispersão de recursos provocada pelo programa e contra a sua orientação especialista, bem como contra a política de concentrar em institutos a pesquisa científica, desestimulando os núcleos já consolidados nas faculdades e organismos científicos mais apropriados.

O que interessa mais diretamente é a observação dos autores de que as divergências entre esse dois grupos se fizeram sentir claramente no processo de organização da CAPES. Para eles, a idéia inspiradora da Campanha era a dos cientistas que lutavam, desde os anos 20, pelo seu espaço na universidade. Mas, ao longo dos debates da Comissão encarregada da organização da Campanha, as divergências entre este primeiro grupo e o dos pragmáticos, apoiados pelos representantes das Confederações empresariais, que integravam a Comissão, se fizeram fortes. E as diretrizes da CAPES nasceram de um compromisso entre essa duas tendências. Nesse processo, os autores dão a entender que Anísio teria tido um importante papel mediador.

A hipótese central da pesquisa que venho atualmente coordenando é que a atuação de Anísio Teixeira à frente da CAPES foi fundamental não só para dar a ela a configuração que acabou assumindo, tornando-se de fato um instrumento de promoção e expansão dos estudos pós-graduados no Brasil, como também para garantir que a pesquisa científica se desenvolvesse, entre nós, no âmbito da universidade e particularmente vinculada aos programas de pós-graduação.

Cumpre destacar que, desde os anos 30, com a experiência da Universidade do Distrito Federal (UDF), o aperfeiçoamento do pessoal de nível superior, particularmente dos professores universitários, considerados por Anísio Teixeira os mestres dos mestres, se constituía numa de suas preocupações centrais. Ainda em 32, antes mesmo da criação da sua universidade, a política de envio dos professores contratados para a Escola de Professores do Instituto de Educação ao estrangeiro, para fins de especialização e aperfeiçoamento, rendera a Anísio uma série de dissabores, que culminaram, inclusive, em um pedido de demissão recusado pelo prefeito Pedro Ernesto, tal a importância que o educador atribuía a este programa.

Em 1952, Anísio assumia, também, a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), no lugar de Murilo Braga de Carvalho, morto em desastre aéreo, acumulando-a com a direção da CAPES. Sua atuação à frente do INEP foi no sentido de dinamizá-lo, ampliando as suas funções e o alcance da sua influência. Talvez, a principal contribuição de Anísio, nesta perspectiva, tenha sido a criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), em 1955. Este órgão, pensado originalmente como um "Centro de Altos Estudos Educacionais", não só se propunha a ser um centro de estudos e pesquisas sobre a realidade sócio-cultural e educacional brasileira, que pudessem embasar cientificamente uma política para o setor, mas também um centro de formação de pessoal de alto nível para a educação, os especialistas, tal como os concebia Anísio. E não só para esta área específica, pois no interior do CBPE funcionou, também, um dos primeiros cursos de pós-graduação para a formação de pesquisadores em ciências sociais, coordenado por Darcy Ribeiro, que dirigia a Divisão de Estudos e Pesquisas Sociais.

Foi no interior deste órgão, igualmente, que se gestou o projeto da Universidade de Brasília (UB), pensada desde o início como um importante centro de estudos pós-graduados, pela sua própria posição estratégica de universidade da nova capital. A esse respeito, é significativo que Anísio tenha, de início, resistido à idéia de se criar uma nova universidade em Brasília, até porque tinha uma visão crítica a respeito da própria mudança da capital. No entanto, os fatos (entre eles o empenho de d. Helder Câmara em criar uma universidade católica na capital, habilmente contornado por Darcy Ribeiro, com a proposta de criação de um Instituto de Teologia, entregue aos dominicanos ) e, certamente, a própria influência de Darcy, acabaram por fazê-lo mudar de idéia. Em 1964, quando foi aposentado do serviço público pelo governo Castelo Branco, Anísio acumulava os cargos de diretor da CAPES e do INEP com a reitoria da UB, que ocupava interinamente desde 1963, em substituição a Darcy, que fora nomeado para a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República.

Ao longo destes anos, Anísio ocupou, como titular, a cadeira de Administração Escolar e Educação Comparada da Faculdade Nacional de Filosofia e, em 1962, logo após a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1961, foi nomeado como membro do Conselho Federal da Educação, onde participou ativamente dos debates que aí então se travavam sobre os rumos da universidade brasileira. Integrou, ainda, como titular, o Conselho de Educação Superior das Repúblicas Americanas, onde teve, também, uma participação extremamente ativa.

Após seu retorno ao Brasil, depois de dois anos afastado da vida pública do país, incluido que foi no inquérito administrativo da UB, Anísio participou, ainda, da montagem do IESAE (Instituto de Estudos Avançados em Educação), na Fundação Getúlio Vargas, responsável por um dos cursos de pós-graduação em Educação mais conceituados do país, infelizmente extinto, há poucos anos, por decisão interna da própria Fundação. Durante os dois anos que permaneceu fora do país, Anísio lecionou como professor residente nas universidades norte-americanas de Colúmbia e da California, a convite das mesmas, que se manifestaram contra a atitude do governo militar.

Entender a concepção de Anísio sobre a pós-graduação, no bojo da sua visão sobre o papel do ensino superior no processo de desenvolvimento nacional, sem o que nos parece que esta concepção não pode ser adequadamente compreendida, bem como identificar a forma como este educador buscou concretizar esse seu projeto através da CAPES, é o interesse central do trabalho que venho desenvolvendo.

2. A Pós-Graduação no Projeto de Anísio sobre a Reforma da Universidade

É significativo que para pensar a reforma da universidade, Anísio Teixeira se remeta sempre à história do ensino superior no Brasil. Para ele, é na história que se devem buscar as pistas para a direção a imprimir ao futuro. Desta perspectiva, Anísio entende a história como o registro da experiência humana acumulada; não propriamente uma história das idéias, mas uma história das idéias encarnadas nas instituições, pois, para ele, é através das instituições que as idéias se materializam.

Segundo Anísio, o grande problema do ensino superior no Brasil era a inexistência de uma tradição universitária, já que não chegamos sequer a experimentar a universidade moderna, que nasce sob o signo da constituição dos Estados nacionais e da emergência do conhecimento científico (que, por fim, se incorpora à universidade, já que nasce fora dos seus muros) e cujo modelo mais acabado é a Universidade de Humboldt. Para o educador, o atraso brasileiro estaria articulado à nossa situação de dependência cultural, e a inexistência de uma universidade voltada para a constituição de uma cultura nacional e orientada à solução dos problemas nacionais seria, sem dúvida, o principal fator que justificaria essa situação de dependência.

Importa também destacar que Anísio tinha uma visão cumulativa das funções da universidade, no sentido de que as novas funções que se iam atribuindo a essa instituição não eliminavam as anteriores porque não eram excludentes. Para ele, a universidade contemporânea deveria ser simultaneamente uma universidade humanista, oferecendo, portanto, uma formação básica geral (embora, de um tipo de humanismo radicalmente distinto do humanismo clássico ); uma universidade moderna, voltada para a pesquisa e a produção do conhecimento; uma universidade de serviço, devotada aos problemas práticos da sua sociedade e à educação; e, até, uma multiversidade, ligada à indústria e ao desenvolvimento nacional.

Paralelamente, do ponto de vista da reorganização do ensino superior, Anísio defendia claramente, à época, uma proposta de diversificação vertical desse nível de ensino, como forma de garantir a sua expansão gradual, sem prejuízo para a sua qualidade. Para o educador, essa seria uma forma de romper com o formalismo dominante no campo da educação, para ele o mal dos males da educação brasileira, que estaria na origem da fraude e da dissimulação, características da forma como se deu a expansão do ensino superior entre nós.

Esta proposta se articulava com a sua defesa intransigente da autonomia da universidade. A este respeito, cumpre destacar que, ao longo de toda a sua vida, Anísio se constituiu em um eterno defensor da autonomia universitária, sem restrições. Para ele, a autonomia era uma decorrência da própria natureza da instituição universitária e um requisito indispensável da sua qualidade acadêmica, e a universidade, por isso mesmo, deveria se constituir numa verdadeira mansão da liberdade, como este reinvidicava já no discurso com que inaugurou, em 35, os cursos da UDF.

Foi esta, sem dúvida, uma das razões que o levaram, já na segunda metade dos anos 60, a criticar a reforma universitária que então se esboçava, por iniciativa do governo militar. Em trabalho publicado postumamente pela FGV, no qual Anísio se propunha a desenvolver uma análise e interpretação da evolução do ensino superior no Brasil até 1969, este manifestava claramente o seu descrédito com relação às mudanças que se anunciavam (Teixeira, 1989). Mesmo atendo-se à dimensão mais técnica destas mudanças, que lhe pareciam insuficientes, por se limitarem apenas a uma reestruturação da maquinaria organizacional e administrativa da universidade, Anísio fazia algumas observações com relação ao processo de implantação das reformas que parece importante transcrever. Partindo da afirmação de que foi para o modelo da Universidade de Brasília que, agravando-se a crise universitária e tornando-se inevitável a reforma de sua maquinaria administrativa e didática, a universidade tradicional se voltou, nas suas veleidades de reforma, Anísio enfatizava que aquela universidade nasceu de um projeto em que colaborara a elite do magistério nacional e o seu modelo refletia condições a que chegara a consciência crítica desse magistério, no que tinha de mais novo, o seu corpo de cientistas físicos e sociais (Teixeira, opus cit, p. 125). Para ele, a situação no momento era inteiramente outra, e a reforma proposta não se fazia de dentro da universidade, pelo debate e resultante consenso do magistério, mas por atos legislativos a princípio permissivos e depois coercitivos que impuseram a reestruturação dentro das grandes linhas do modelo da Universidade de Brasília ( idem, ibidem). Desta maneira, Anísio criticava o caráter autoritário da reforma que se implementava, o que para ele se constituía num dos fatores que alimentavam o seu descrédito com relação à possibilidade de mudanças efetivas e profundas na direção até então imprimida ao ensino superior no país.

Para Anísio a reforma que se implementava não viria resolver o problema de fundo da universidade brasileira que seria o de transformar-se numa universidade de ciência e de pesquisa, que fosse não apenas transmissora de um saber elaborado, mas criadora de um novo saber e de um novo conhecimento, que contribuisse para a construção de uma cultura brasileira e fizesse marchar o conhecimento humano (Teixeira, opus cit, p. 109). O que se fazia necessário era uma mudança de qualidade do ensino superior no país, para que este efetivamente atendesse às novas exigências do desenvolvimento nacional. Dentro deste projeto, a criação da escola pós-graduada se impunha.

Remetendo-se à experiência das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras, lembrava Anísio que estas, na sua origem, tiveram o objetivo de aproximar a universidade brasileira do modelo humboldtiano de pesquisa e ensino aprofundado, mas que, na prática, acabaram por se constituir, na sua maioria, em escolas normais de preparo do magistério secundário e, com poucas exceções, colégios de artes liberais (Teixeira, opus cit, p. 108). Para ele, estava chegado o momento de se ter a escola pós-graduada, como centro e cúpula da nova universidade, formulando e reformulando o novo saber que seria ensinado na própria universidade, formando os quadros superiores de cientistas nos vários campos do saber humano, constituindo-se no centro de formação do professor universitário. Dessa escola partiria, para ele, a verdadeira reforma universitária que se fazia necessária.

Daí todo o empenho que Anísio colocou, através da CAPES, na constituição de um sistema de ensino pós-graduado no país.

3. A Contemporaneidade do Pensamento de Anísio Teixeira

Resgatar a contribuição de Anísio para se repensar questões hoje tão candentes como o papel da pós-graduação na universidade, sua responsabilidade com a formação dos docentes universitários, a relação ensino-pesquisa e outras questões vinculadas à concepção mais geral acerca da função social desta instituição, tão criticada neste final de milênio, parece-me fundamental, dado não só o caráter essencialmente democrático das propostas deste educador, mesmo que dentro dos limites do pensamento liberal, como também a inserção destas propostas num projeto global de desenvolvimento, que buscava se fundamentar no conhecimento das reais condições sociais e culturais do país. A esse respeito, por exemplo, parece-me importante destacar a perspectiva essencialmente regionalizada com que Anísio encarava o planejamento educacional adequado às características de um país como o Brasil – percebido por ele como em fase de mudança para uma sociedade de tipo industrial, mas coexistindo , nas suas diferentes regiões, níveis diferenciados de avanço nesse processo - bem como a ênfase que era posta na dimensão cultural do processo de desenvolvimento nacional. A meu ver, aliás, a preocupação de Anísio, desde os anos 30, com a descentralização administrativa – para ele, a um só tempo, corolário do processo de democratização do ensino e condição de melhoria da sua qualidade – iria encontrar, nos anos 50/ 60, uma nova tradução na sua concepção regionalizada de planejamento.

A esse respeito, gostaria de retomar a tese, desenvolvida juntamente com a professora Zaia Brandão no livro Porque não lemos Anísio Teixeira? Uma tradição esquecida (Mendonça e Brandão,1997). Nesse trabalho, defendemos a idéia de que o pensamento de Anísio Teixeira foi objeto, nos anos mais recentes, de um processo de apagamento que decorreu de um tipo de leitura que se fez do pensamento liberal em educação que acabou por desqualificá-lo, em virtude da circularidade com que se atribuiu um caráter conservador ao pensamento pedagógico de raízes liberais.

Este processo foi reforçado por uma leitura homogeneizadora do Movimento da Escola Nova no Brasil, que, ao apagar as diferenças internas a este movimento, acabou por afirmar, de forma simplista, a sua continuidade com as políticas educacionais que se implantaram no país após 1964, marcadas por uma perspectiva tecno-burocrática, da qual os liberais da educação teriam sido os precursores.

Com relação a Anísio, não só importa relembrar as implicações pessoais e profissionais que sofreu em decorrência do golpe de 1964, como também o aprofundamento da análise do seu pensamento sobre a reforma da universidade evidencia, por contraste com a Reforma de 1968, um nítido deslocamento do eixo de discussão, que se transfere do âmbito da reflexão sobre a responsabilidade social e política da universidade num projeto global de desenvolvimento, para o âmbito da sua racionalidade administrativa e econômica.

Num momento em que não só o modelo de pós-graduação que se implantou no país, mas a própria instituição universitária se acha em crise e em que as reformas educativas de inspiração neo-liberal se globalizam, parece-me significativo revisitar esta tradição desafortunada, mesmo que armados com os instrumentos da crítica teórica e empírica, como afirma Lovisolo (1990), e aprender com ela. É desta perspectiva que olhar para a própria história pode se constituir na mais útil das atitudes.

Referências Bibliográficas

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