LOURENÇO FILHO, M. B. e outros. Manifesto de 529 educadores. Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.3, n.8, 1958. p.143-145.

MANIFESTO DE 529 EDUCADORES

Foi endereçado ao Professor ANÍSIO TEIXEIRA o seguinte documento:

Os educadores signatários dêste documento, conscientes de suas altas responsabilidades na educação da infância e da juventude brasileira, sentem-se no dever de expressar a Vossa Excelência sua solidariedade, no momento em que a opinião pública está mobilizada na apreciação do pensamento educacional de Vossa Excelência e de suas realizações no campo da cultura nacional.

Êsse propósito de externar nossa solidariedade a Vossa Excelência – em quem reconhecemos uma das mais profundas culturas humanisticas de nosso meio e da nossa época, a par de sólida formação profissional e de uma irrefutável vocação democrática, voltada sempre para a defesa dos valores espirituais e materiais da civilização cristã ocidental – é sobretudo motivado pelo desejo de afirmar pontos de vista comuns às diretrizes educacionais que Vossa Excelência, por mais de três décadas, vem defendendo com desassombro, honestidade e patriotismo.

Estamos solidários com Vossa Excelência porque:

– Acreditamos na justiça e sabedoria dos princípios constitucionais que defendem:

"A educação é direito de todos" (art. 166),

"O ensino primário é obrigatório" (art. 168, 1),

"O ensino primário oficial é gratuito para todos" (art. 168, 11) e

"O ensino nos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular" (art. 167).

– Julgamos que, quando a Constituição Brasileira preceitua a educação para todos, surge, como decorrência precípua, o dever do Estado de empenhar o máximo de seus esforços na organização de um sistema educacional capaz de assegurar a todos o direito que a Lei lhes confere. Assume, assim, o Estado, a responsabilidade, a que não poderia obrigar o particular, de dar ensino gratuito a todos quantos dêle precisarem;

– Defendemos o direito à liberdade da iniciativa privada, no campo educacional, e a necessidade de um esfôrço comum dos órgãos públicos e particulares em prol da educação brasileira, como Vossa Excelência tão claramente afirma em "A educação pública, universal e gratuita – Educação não é privilégio", p. 114:

"Não advogamos o monopólio da educação pelo Estado, mas julgamos que todos têm direito à educação pública e sòmente os que o quiserem é que poderão procurar a educação privada";

– Confiamos também em que "O interêsse e a comovente paixão com que Municípios, Estados e particulares estão a construir prédios, improvisar professôres e fundar escolas de todo gênero são, sem dúvida, dignos de amparo e estímulo, a par de diligentes esforços de orientação, sem partipris, sem imposições, oferecida e livre, compreensivamente aceita, a bem do melhor e do mais promissor em progressividade.

Possamos nós descobrir os modos e meios de coordenar tôdas essas energias e canalizá-las para um grande e patriótico esfôrço nacional, autêntico, planejado e vigoroso". (Anísio Teixeira – Educação e a crise brasileira, p. 72-73). Dentro dessa diretriz, desejamos que o Estado possa manter boas escolas, instaladas em bons prédios, bem aparelhados e providas de professôres profissionalmente habilitados, tal como Vossa Excelência vem procurando realizar à frente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.

Cremos igualmente na escola, de iniciativa privada ou pública, que visa a harmonia das classes sociais – Escola substancialmente formadora e democrata, em condições de concretizar os ideais da sociedade brasileira. Consideramos da maior gravidade, julgar-se tal escola como prerrogativa do socialismo. Estamos convictos de que a democracia é baseada no esclarecimento de todos, tal como o julgavam os educadores dos primórdios da vida democrática americana e eminentes vultos brasileiros republicanos, entre os quais Caetano de Campos, que afirmava: "A República sem a educação inteligente do povo poderia dar-nos, em vez de govêrno democrático o despotismo das massas, em vez da ordem a anarquia, em vez da liberdade a opressão", (p. 89 e 90 de "Educação não é privilégio").

– "A escola pública não é invenção socialista nem comunista, mas um daqueles singelos e esquecidos postulados da sociedade capitalista e democrática do século XIX". (Anísio Teixeira obra citada, p. 125).

A democracia americana e a fragilidade das instituições político-sociais dos países subdesenvolvidos, de população sem instrução, parecem atestar o acêrto dessas afirmações.

– Cremos, ainda, na educação como fôrça renovadora da vida democrática, pelo aproveitamento dos mais capazes, e como elemento de ordem e de estabilidade, proporcionando a todos o máximo de aperfeiçoamento, dentro de sua própria classe, a fim de não abalar a estrutura social por uma ascensão indiscriminada, tal como Vossa Excelência expõe na conferência "A escola brasileira e a estabilidade social", pronunciada no Clube de Engenharia.

– Acreditamos, igualmente, que essas condições de ordem e de estabilidade "numa sociedade democrática são mantidas por critérios conscientes de valor e hierarquia", através de "uma lenta impregnação que a família e a classe promovem e a escola, quando, como as duas primeiras, se faz forma de vida comum, com atividades de participação e de integração, também pode promover". (A Escola brasileira e a estabilidade social).

– Participamos conscientemente da grave preocupação de Vossa Excelência ao analisar o estado da educação brasileira em que, para uma população de 12 milhões de crianças em idade escolar, 7 milhões não são atendidas, nem por escolas públicas, nem por particulares, e dos 5 milhões que recebem educação primária sòmente 450 mil chegam à quarta série, segundo os dados oficiais. Causa-nos também apreensões, pensar nas conseqüências que poderão advir se perdurar essa situação atentatória à dignidade humana e aos princípios democráticos, situação que Vossa Excelência vem combatendo e que poderá gerar transformações sociais violentas e desordenadas.

Êsses postulados que norteiam a política educacional de Vossa Excelência na direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos são os mesmos que aprendemos a cultuar através das lições de nossos mestres, nos exemplos dos grandes vultos da democracia brasileira, no seio de nossas famílias e das instituições culturais e religiosas que influíram em nossa formação de educadores. Por isso mesmo, nos sentimos no dever de reafirmar, neste documento, o nosso respeito ao educador e ao homem público que, com tanta lucidez e pertinácia, vem buscando realizar uma obra educacional alicerçada nas tradições e nas aspirações da vida brasileira.

Distrito Federal, 11 de abril de 1958.

Os Signatários:

M. B. Lourenço Filho, Dirceu Quintanilha, Frederico Trotta, Laudinia Trotta, Carlos Flexa Ribeiro, Nóbrega da Cunha, Eunice Weaver, Adalberto Menezes de Oliveira, Antônio Carneiro Leão, José Augusto, Alair Acieli Antunes, Renata Medela Braga, Arthur Noses, Artobella Frederico, Alfredina de Souza Lobo Sommer, Miguel Dadário, Dinorah Vital Brasil, Alvaro Kilmerry, Joaquim Elydio da Silveira, Osvaldo Coeldi, Beatriz Osório, Ruth Gouvêa, Helena Dias Carneiro, Dina Fleisher Venâncio Filho, James B. Vieira da Fonseca, Adolphina Portella Bonapaco, Arthur Bernardes Weiss, Ofélia Boisson Cardoso, Nilson Storino Laplana, Clarice Lourdes das Neves, Eleonora Lobo Ribeiro, Guida Nedda Barata, Fábio Mello Freixieiro, Maurício Silva Santos, Geraldo de Sampaio de Souza, Niel Aquino Casses, Thales de Melo Carvalho, Brisolva Queirós, Heloisa Marinho, Irene de Albuquerque, Geralda do Valle Novaes, Circe de Carvalho Pio Borges, Zoé Laet de Barros, Onofre Penteado, Olavo Guimarães, Aluísio Machado, Osmar Dias, Hélio Marques da Silva, Alcias Martins de Attayde, George Soutinho Mattos, Carlos Shankrov Maia, Maria Helena Machado, Guilhermina Sette e Rodolpho Arbitti.

Seguem assinaturas num total de 529.

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