TEIXEIRA, Anísio. Villa-Lobos nas escolas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.36, n.84, out./dez. 1961. p.186-187.

VILA-LÔBOS NAS ESCOLAS

ANÍSIO TEIXEIRA

Muitas vêzes recordou Vila-Lôbos o episódio do nosso primeiro encontro, no Teatro João Caetano, onde fôra para convidá-lo a dirigir o setor de educação musical nas escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro, no ano já remoto de 1932.

Entrando no teatro pelos fundos, dirigia-me para o palco, onde esperava encontrar o grande compositor e maestro, que ainda não conhecia pessoalmente, quando alguém, recostado num divã, gritou-me: - "Alto lá, onde vai? Parei, surprêso, para saber que era o próprio Vilas-Lôbos que assim me detinha, julgando-se um "menino" que estivesse a invadir o teatro... O menino era o diretor do Departamento de Educação, sob cuja jurisdição estava o próprio teatro, mas que realmente ali estava cheio de respeito e temor pelo grande maestro...

Conhecimento, convite e amizade logo ali se estabeleceram e por quatro anos tive a honra de ser o superior nominal do nosso grande compositor.

Ao tomar posse do cargo de diretor de instrução, dissera literalmente, "o diretor é o simples servidor do mestre". Se jamais cumpri êsse mandamento administrativo foi com Vilas-Lôbos.

Nem um só momento perdi de vista o que significava, para a educação musical das crianças da Capital do Brasil, contar com o poder de criação e de inspiração de um dos maiores gênios musicais não só do Brasil mas de tôdas as Américas. De tudo que estávamos tentando, no antigo Distrito Federal, nada me parecia mais importante do que essa integração da arte na educação popular. E de tôdas as formas de arte, nenhuma me parecia mais própria do que a da música. E era exatamente nesse setor que as circunstâncias haviam permitido, num verdadeiro milagre, as escolas do antigo Distrito Federal contarem com a liderança, o devotamento e o entusiasmo inexcedíveis da maior expressão musical do povo e das terras brasileiras. Imagine-se Bach dirigindo o serviço musical das escolas da Alemanha! Nada menos fôra o que o destino viera oferecer aos meninos e meninas do Rio de Janeiro.

O que foram aquêles quatro anos não é fácil de contar. Vila-Lôbos fêz-se o educador de professôres e crianças. Na realidade, o educador do povo. Ensinou música e canto coral a quem jamais tivera qualquer iniciação musical. Fêz-se, êle próprio, o maestro e condutor de coros infantis, de coros de adolescentes e de coros de professôres primários. Escrevia as composições e êle próprio as ensinava e conduzia, com os arrebatamentos de um gênio e a paciência e humildade de um mestre-escola.

Quando começaram as grandes exibições públicas, o povo cantou com as crianças e o país assistiu maravilhado e comovido as harmonias de suas florestas, dos grandes ventos dos seus desertos, as melodias dos seus rios e as dores e alegrias de suas diferentes raças, tôda a epopéia enfim de um povo, misto e complexo, mergulhado nas extensões tropicais de um continente, posta em som, posta em ritmo, posta em música, numa grande e lírica explosão de afirmação e grandeza. O canto orfeônico e o canto coral alcançaram nas plagas da América um dos seus grandes triunfos. Um compositor de primeira grandeza, expressão genuína de seu povo e seu continente, saíra das salas de concêrto e dos teatros e fôra para as escolas, para a rua, para as praças fazer as crianças participarem do próprio trabalho de criação da música de um povo. Não sei de esfôrço maior para a nossa integração em uma cultura própria e autóctone.

E não sei de iniciativa que jamais fôsse tão bem sucedida quanto esta de confiar a um gênio da música a tarefa aparentemente modesta de ensinar crianças a cantar. Se jamais crianças puderam ser compreendidas como os mais perfeitos instrumentos da comunicação musical de um povo, isto foi o que se deu naqueles quatro anos da década de 30, em que a glória de Vilas-Lôbos, para usar a expressão de Carlos Drumond de Andrade, amanheceu para o Continente, nos grandes espetáculos de canto orfeônico do antigo Distrito Federal. - (Jornal do Comércio, Rio).

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