TEIXEIRA, Anísio. Uma experiência de educação primária integral no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.38, n.87, jul./set. 1962. p.21-33.

UMA EXPERIÊNCIA DE EDUCAÇÃO PRIMÁRIA
INTEGRAL NO BRASIL

ANÍSIO TEIXEIRA
Diretor do I.N.E.P.

Educação primária para poucos e educação primária para todos: experiência brasileira.

O problema da escola primária para todos, visando à integração de tôda a população no contexto da sociedade moderna: o Centro de Educação, Primária na Bahia, como ensaio de solução.

Será possível generalizar a experiência?

Educação primária para poucos e educação primária para todos: a experiência brasileira

A experiência brasileira - e possìvelmente latino-americana - de escola primária foi, até agora, uma experiência de escola primária para uma parcela e não para tôda a população escolar. Mesmo que acalentasse a aspiração de ser uma educação para todos, não logrou atingir senão uma parcela maior ou menor das crianças em idade escolar.

Êste fato determina que a escola primária, a despeito das proclamações de ser escola para todos, adaptada, portanto, no seu conteúdo, métodos e processos, ao aluno - e não êste à escola - seja uma escola para os poucos, ainda que cresçam e tenham crescido êstes poucos.

A escola para poucos caracteriza-se por ser uma escola cujo rendimento e qualidade depende sobretudo do aluno e não apenas do programa, do método e do professor. O aluno é que tem de ser capaz de aprender e adaptar-se ao programa, ao método ou ao professor. O método de se lhe apurar a eficiência é o das reprovações. Quanto mais reprovar tanto mais será considerado eficiente.

Tal escola, chamada escola seletiva, é aceita, de forma generalizada, nos níveis secundário e superior, em que domina a idéia de que a educação não é para todos mas para aquêles que se mostrem capazes de recebê-la, sendo assim sua função a de preparar os chamados quadros da cultura média e superior do país, naturalmente compostos de número limitado de membros.

À medida que essa educação média e até a superior começam a ter a ambição de se estender a muitos, senão a todos - como nos Estados Unidos - passam elas por modificações estruturais de programa e, sobretudo, de métodos, processos e professorado.

No Brasil, a escola primária, embora ainda para poucos, conheceu duas fases. Primeiro organizou-se, segundo o modêlo então reinante na Europa, como um sistema de educação paralelo ao pròpriamente preparatório para a escola superior e formador da elite dominante. O seu curso compreendia sete ou oito anos de estudos, completados os quais o aluno encerrava a sua vida escolar, ou a continuava nas escolas chamadas vocacionais. Reproduzia-se o dualismo educacional corrente na Europa e, sobretudo, na França, onde se buscava inspiração.

A escola primária, a escola normal e as escolas de artes e ofícios constituíam o sistema da classe média, então pequena e reduzida; o ginásio e a escola superior, o sistema escolar da elite dominante.

A escola primária tinha condigna instalação e não se expandia senão quando havia recursos e condições para ser adequadamente mantida. O professor ou professôra recebia formação na escola normal, geralmente de quatro ou cinco anos de estudos, depois dos sete anos dos cursos elementar e complementar da escola primária.

Como os candidatos ao magistério eram até certo ponto selecionados, os professôres primários, divididos em dois grupos, o das classes elementares e o das classes complementares, recebiam preparo médio apreciável, não se constituindo membros da intelligentsia nem da classe dominante, mas respeitáveis representantes do que os franceses chamavam "o espírito primário", ou seja o espírito prático e não "desinteressado".

Não sendo freqüentada pelo povo pròpriamente dito, mas pela classe média, a escola primária manteve-se assim restrita e com padrões bastante razoáveis até a década de 20 a 30, quando teve início a segunda fase.

Nesta segunda fase buscou-se democratizá-la, estendendo-se o seu alcance a todos e não apenas aos poucos então beneficiados com a cultura escolar. O recurso adotado para isto foi o de reduzir-lhe a duração. Tratava-se de alfabetizar o povo brasileiro. O Estado de São Paulo, que liderou o movimento, chegou a sugerir uma escola de dois anos, e com esfôrço é que alguns educadores conseguiram elevá-la a quatro anos de estudo, no meio urbano, e a três, na zona rural.

Dado êste passo, estava aberto o caminho para uma evolução a que não faltariam impressionantes distorções. Primeiro, rompeu-se, desde então, o nítido dualismo educacional de dois sistemas separados, um para a pequena classe média e outro para as classes dominantes. A escola primária passou a constituir uma escola popular de alfabetização, sem articulação nem com as escolas vocacionais nem com as escolas acadêmicas. Umas e outras passaram a exigir exames de admissão para ingresso em seus cursos, a se iniciarem aos onze anos, os quais, embora destinados a clientelas diferentes, já não traziam a marca de sistemas autônomos e, mais tarde, iriam coalescer em um sistema de ensino médio com equivalência entre si dos respectivos cursos.

E a escola primária, reduzida na sua duração e no seu programa, e isolada das demais escolas do segundo nível, entrou em um processo de simplificação e de expansão de qualquer modo. Como já não era a escola da classe média, mas verdadeiramente do povo, que passou a buscá-la em uma verdadeira explosão da matrícula, logo se fêz de dois turnos, com matrículas independentes pela manhã e pela tarde e, nas cidades maiores, chegou aos três turnos e até, em alguns casos, a quatro.

Seria, assim, uma escola de alfabetização. Como, porém, a alfabetização pura e simples não chega a constituir um completo objetivo escolar; e como a formação do professor pelas escolas normais não se alterou, continuando a recrutar na classe média os seus contingentes e a prepará-los para o antigo ensino semi-acadêmico da velha escola primária, a nova escola primária nem se tornou a escola de educação de base que se poderia ter feito, nem conservou a sua anterior e razoável eficiência da escola preparatória ao acesso às escolas vocacionais do nível médio.

Nem por isto, entretanto, deixou de ser uma escola preparatória. Passou a ser preparatória ao exame de admissão às escolas médias e secundárias. Como êste exame conservou o seu caráter de exame acadêmico seletivo, a escola primária, sem propósitos nem planos para isto e com o seu reduzido horário, fêz-se estritamente uma escola de ensino formal e acadêmico, no sentido de catálogo de conhecimento para o exame de admissão.

Recrutando-se a sua matrícula em tôda a massa popular e não se achando esta massa preparada para tal tipo de ensino, o índice de reprovação cresceu enormemente, a evasão escolar se fêz avultada e a escola nem bem cumpre os objetivos populares nem se constitui uma boa escola preparatória.

Restaria dizer que, com essa drástica redução de sua funcionalidade, cresceu a necessidade da escola secundária, sem a qual os poucos sobreviventes da escola primária nada poderiam fazer com a cultura formal ali recebida, decorrendo daí a expansão tumultuária das escolas de nível secundário de tipo acadêmico e eficiência mais do que duvidosa.

Não há neste quadro exagêro, senão o que decorre de se desejar marcar mais nìtidamente as tendências e distorções. Bem sei que muitas escolas conseguem seu grau de eficiência, mas isto será sempre devido ou à seleção dos alunos, ou à seleção dos professôres, o que sempre permitiu que algo se ensinasse bem, fôsse qual fôsse a organização ou a filosofia da escola.

Quando, na década de 20 a 30, teve início a chamada democratização da escola primária, devia-se cuidar, não de reduzir o currículo e a duração da escola, mas de adaptá-la à educação para todos os alunos em idade escolar. Para tal, seria indispensável: 1) manter e não reduzir o número de séries escolares; 2) prolongar e não reduzir o dia letivo; 3) enriquecer o programa, com atividades educativas, independentes do ensino pròpriamente intelectual; e 4) preparar um nôvo professor ou novos professôres para as funções mais amplas da escola.

E isto, por quê? Porque a escola já não poderia ser a escola parcial de simples instrução dos filhos das famílias de classe média que ali iam buscar a complementação à educação recebida em casa, em estreita afinidade com o programa escolar, mas instituição destinada a educar, no sentido mais lato da palavra, as crianças de tôdas as classes, desde as de classe média e superior até as muito mais numerosas das classes populares, às vêzes não tendo sequer casas e quase nunca trazendo da família a experiência e os hábitos da instrução que iam receber.

Por isto mesmo a escola já não poderia ser a escola dominantemente de instrução de antigamente, mas fazer as vêzes da casa, da família, da classe social e por fim da escola pròpriamente dita, oferecendo à criança oportunidades completas de vida, compreendendo atividades de estudo, de trabalho, de vida social e de recreação e jogos. Para esta escola, precisava-se, assim, de um nôvo currículo, um nôvo programa e um nôvo professor. A escola popular para uma sociedade subdesenvolvida e com acentuada estratificação social, longe de poder ser mais simples, faz-se a mais complexa e a mais difícil das escolas.

Sejam lá quais forem as dificuldades, esta terá de ser a escola primária com que resolveremos os problemas da rígida estratificação social e dos graves desníveis econômicos da sociedade brasileira e com que criaremos a igualdade de oportunidades, que é a essência do regime democrático.

O problema da escola primária para todos, visando a integração de tôda a população no contexto da sociedade moderna: o Centro de Educação Primária na Bahia, como ensaio de solução.

Foi com o objetivo de oferecer um modêlo para êsse tipo de escola primária que se projetaram, na Bahia, os Centros de Educação Primária, de que o Centro Carneiro Ribeiro, em Salvador, constituiu a primeira demonstração.

Nesses centros, o dia escolar é dividido em dois períodos, um de instrução em classe e outro de trabalho, educação física, atividades pròpriamente sociais e atividades artísticas. O Centro funciona como um semi-internato, recebendo os alunos às 7,30 da manhã e devolvendo-se às famílias às 4,30 da tarde.

A fim de tornar êsse tipo de escola mais econômico, projetou-se cada conjunto para 4.000 alunos, compreendendo quatro escola-classe, para mil alunos cada uma, em dois turnos de 500 - ou seja, com doze salas de aula, no mínimo - e uma escola-parque, com pavilhão de trabalho, ginásio, pavilhão de atividades sociais, teatro e biblioteca para os referidos 4.000 alunos em turnos de 2.000 pela manhã e 2.000 à tarde, e ainda edifícios de restaurante e de administração.

O conjunto lembra assim uma universidade infantil, com os alunos distribuindo-se pelos edifícios das escolas-classe (atividades convencionais de instrução intelectual) e pelas oficinas de trabalho, pelo ginásio e campo de esportes, pelo edifício de atividades sociais (loja, clubes, organizações infantis), pelo teatro e pela biblioteca.

A filosofia da escola visa a oferecer à criança um retrato da vida em sociedade, com as suas atividades diversificadas e o seu ritmo de "preparação" e "execução", dando-lhe as experiências de estudo e de ação responsáveis. Se na escola-classe predomina o sentido preparatório da escola, na escola-parque, nome que se conferiu ao conjunto de edifícios de atividades de trabalho, sociais, de educação física e de arte, predomina o sentido de atividade completa, com as suas fases de preparo e de consumação, devendo o aluno exercer em sua totalidade o senso de responsabilidade e ação prática, seja no trabalho, que não é um exercício mas a fatura de algo completo e de valor utilitário, seja nos jogos e na recreação, seja nas atividades sociais, seja no teatro ou nas salas de música e dança, seja na biblioteca, que não é só de estudo mas de leitura e de fruição dos bens do espírito.

Trata-se de escola destinada não sòmente a reproduzir a comunidade humana mas de erguê-la a nível superior ao existente no país.

Bem sei que a experiência tradicional da escola é a de manter a sociedade existente. Num país, entretanto, marcado por uma rígida estrutura semifeudal, em que o povo pròpriamente dito não constitui uma classe mas volumoso resíduo a ser erguido até à estrutura de classes móveis da sociedade democrática, é necessário reconhecer à escola primária função bem mais ampla do que a da escola primária tradicional da sociedade já desenvolvida.

A escola tem pois de se fazer, verdadeiramente, uma comunidade socialmente integrada. A criança aí irá encontrar as atividades de estudo, pelas quais se prepare nas artes pròpriamente escolares (escola-classe), as atividades de trabalho e de ação organizatória e prática, visando a resultados exteriores e utilitários, estimuladores da iniciativa e da responsabilidade, além de atividades de expressão artística e de fruição de pleno e rico exercício de vida. Dêste modo, praticará na comunidade escolar tudo que na comunidade adulta de amanhã terá de ser: o estudioso, o operário, o artista, o sportsman, o cidadão, enfim, útil, inteligente, responsável e feliz. Tal escola não é suplemento à vida que já leva a criança, mas a experiência da vida que vai levar a criança em uma sociedade em acelerado processo de mudança.

Os conjuntos escolares assim organizados deverão ser utilizados como centros de treinamento do magistério, pelo método de aprendizado. Dêste modo, justificam-se o seu custo elevado, bem como o caráter experimental do projeto, destinado a servir de modêlo para a reconstrução da educação primária e à formação do nôvo magistério requerido pela escola assim ampliada.

A experiência em curso na Bahia, embora já conte com alguns anos de funcionamento, sòmente neste ano de 1962 terá as suas instalações completadas com a biblioteca, o teatro e o pavilhão de atividades sociais. Antes funcionavam os pavilhões de atividades de trabalho, de educação física e de teatro ao ar livre, além das escolas-classe.

Com a extensão da escolaridade a seis anos, devem instalar-se agora as classes de quinto e sexto anos, com o que se elevará o ensino ao nível dos doze e treze anos. Devido, entretanto, ao fato de achar-se a escola em um dos bairros mais pobres, na cidade do Salvador, contou sempre o Centro com muitos alunos dessa idade retardados em sua escolaridade regular.

O magistério para as novas atividades dêsse Centro recrutou-se entre os professôres normalistas do Estado para as escolas-classe de ensino convencional, recebendo os destinados às demais atividades treinamento especial, nos cursos especiais de formação organizados pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos.

Existe a intenção de completar o plano do Centro Carneiro Ribeiro com a construção de residência para 200 alunos, ou seja, cinco por cento da matrícula total. Êste pavilhão de residência abrigará as crianças órfãs ou abandonadas, que exijam educação com internamento. Tais crianças participarão de tôdas as atividades escolares como as demais, residindo, entretanto, no próprio Centro. Espera-se que não se sintam, assim, segregadas, mas elevadas à categoria de hospedeiras das demais crianças, que o Centro recebe em regime de semi-internato. Quando possível, receberão elas encargos e responsabilidades na organização e distribuição das atividades do Centro, a fim de que possam ter plena consciência da confiança que merecem dos diretores e professôres.

Baseado no modêlo dêste Centro, de Salvador, Bahia, foi organizado o sistema escolar de Brasília, cujo plano traçamos, com o propósito de abrir oportunidades para a Capital do país oferecer à nação um conjunto de escolas que constituísse exemplo e demonstração para o sistema educacional brasileiro.

Ao fundamentá-lo, acentuamos que as necessidades da civilização moderna cada vez mais impõem obrigações à escola, aumentando-lhe as atribuições e funções, devendo assim as escolas, em cada nível de ensino, desde o primário até o superior ou terciário - como hoje já se está êste a chamar - ser organizadas tendo em vista constituírem-se verdadeiras comunidades, com as suas diversas funções e considerável variedade de atividades, a serem distribuídas por um conjunto de edifícios e locais a lembrar, tanto no nível primário, como no secundário ou no superior, verdadeiros conjuntos universitários.

Daí falar-se antes em Centro do que em Escola. O Centro de Educação Elementar compreende pavilhões de "jardim de infância", de "escola-classe", de "artes industriais". de "educação física", de atividades sociais", de "biblioteca escolar" e de serviços gerais".

O Centro de Educação Média também possui programa consideràvelmente diversificado, destinando-se a oferecer a cada adolescente real oportunidade para cultivar os seus talentos e aí se preparar diretamente para o trabalho ou para prosseguir a sua educação no nível superior.

Do ponto-de-vista das construções, o programa constituiu um desafio aos arquitetos de Brasília, oferecendo-lhes a oportunidade para a concepção de novos e complexos conjuntos escolares. Em esquema, o plano foi o seguinte:

I - Educação primária a ser oferecida em Centros de Educação Elementar, compreendendo:

1. "Jardins de infância" - destinados à educação de crianças nas idades de 4, 5 e 6 anos;
2. "Escolas-classe" - para a educação intelectual sistemática de menores na idades de 7 a 14 anos, em curso completo de seus anos ou séries escolares;
3. "Escolas-parque" - destinadas a completar a tarefa das "escolas-classe", mediante o desenvolvimento artístico, físico e recreativo da criança e sua iniciação no trabalho, numa rêde de prédios ligados entre si, dentro da mesma área e assim constituída:
a) biblioteca infantil e museu;
b) pavilhão para atividades de artes industriais;
c) conjunto para atividades de recreação;
d) conjunto para atividades sociais (música, dança, teatro, clubes, exposições);
e) dependências para refeitório e administração;
f) pequenos conjuntos residenciais para menores de 7 a 14 anos, sem família, sujeitos às mesmas atividades educativas que os alunos externos.

Como a nova capital é constituída de quadras, e cada quadra abrigará população variável de 2.500 a 3.000 habitantes, foi calculada a população escolarizável para os níveis elementar e médio, ficando estabelecido o seguinte:

1. Para cada quadra:
a) 1 jardim de infância, com 4 salas, para, em 2 turnos de funcionamento, atender a 160 crianças (8 turmas de 20 crianças);
b) 1 escola-classe, com 8 salas, para, em 2 turnos, atender a 480 meninos (16 turmas de 30 alunos).

2. Para cada grupo de 4 quadras:
a) 1 "escola-parque" - destinada a atender, em 2 turnos, a cêrca de 2 mil alunos de "4 escolas-classe", em atividades de iniciação ao trabalho (para meninos de 7 a 14 anos) nas "oficinas de artes industriais" (tecelagem, tapeçaria, encadernação, cerâmica, cartonagem, costura, bordado e trabalhos em couro, lã, madeira, metal, etc.), além da participação dirigida dos alunos de 7 a 14 anos, em atividades artísticas, sociais e de recreação (música, teatro, pintura, exposições, grêmios, educação física).

Os alunos freqüentarão diàriamente a "escola-parque" e as "escolas-classe", em turnos diferentes, passando 4 horas nas classes de educação intelectual e outras quatro horas nas atividades da "escola-parque", com intervalo para almôço, à maneira do que se faz no Centro de Salvador, Bahia.

Não cabe aqui referência ao plano de escolas secundárias e à Universidade, que também foram devidamente desenvolvidos. Tratamos neste artigo apenas do programa de educação para todos, isto é, a elementar. Buscamos aí, dentro do plano do Centro Carneiro Ribeiro, juntar o ensino pròpriamente dito da sala de aula com a auto-educação resultante de atividades de que os alunos participem com plena responsabilidade. Por isto a escola se estende por oito horas, divididas entre atividades de estudo e trabalho, de arte e de convivência social. No "centro de educação elementar", a criança, além das quatro horas de educação convencional, no edifício da "escola-classe", onde aprende a "estudar", conta com outras quatro horas de atividades de trabalho, de educação física e de educação social, atividades em que se empenha, individualmente ou em grupo, aprendendo, portanto, a trabalhar e a conviver.

Pode-se bem compreender que modificações não deverão ser introduzidas na arquitetura escolar para atender a programa dessa natureza. Já não se trata de escolas e salas de aula, mas de todo um conjunto de locais, em que as crianças se distribuem, entregues às atividades de "estudo", de "trabalho", de "recreação", de "reunião", de "administração", de "decisão" e de vida e convívio no mais amplo sentido dêsse têrmo. A arquitetura escolar deve assim combinar aspectos da "escola tradicional" com os da "oficina", do "clube" de esportes e de recreio, da "casa", do "comércio", do restaurante", do "teatro", compreendendo, talvez, o programa mais complexo e mais diversificado de tôdas as arquiteturas especiais. O esquema que acompanha o presente artigo busca mostrar como os arquitetos estão abordando as novas necessidades e funções dessa ambiciosa escola moderna.

Será possível generalizar-se a experiência?

A primeira objeção ao plano de escola primária aí esboçado é o do custo do empreendimento. As construções necessárias para 4.000 alunos compreendem mais de 20.000 metros quadrados de construção, e o pessoal necessário para fazê-lo funcionar sobre a cêrca de 200 profissionais, à razão de 1 para cada 20 alunos. Além disto, como a escola fornece lanche gratuito, todo o material escolar e ainda uniformes, o custo por aluno sobre consideràvelmente.

Como poderia uma nação pobre arcar com tal ônus? Está claro que não pelos métodos convencionais. Mas se atentarmos que são exatamente as nações pobres que hoje não podem dar-se ao luxo de não educar plenamente os seus filhos, temos de reconhecer que havemos de acabar educando-os, sejam lá quais forem os sacrifícios.

A necessidade de construir e operar um modêlo de escola dêsse tipo não pode ser contestada e êste foi o principal objetivo do Centro de Educação Primária de Salvador, Bahia. Ideamo-lo, como Secretário de Educação daquele Estado, ainda antes de 1950. Sòmente agora, graças a auxílio federal, concedido por intermédio do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, está êle em vias de conclusão. Não se trata, pois, de algo já definitivamente aceito e em processo de generalização, mas de programa, de aspiração em vias de experiência e concretização.

O próprio plano de Brasília não está funcionando em condições adequadas. O crescimento da matrícula já começa a pôr em perigo o programa em sua integridade e a instaurar a escola de tempo parcial e semiparcial.

Para que a idéia se realize, será necessário amadurecer o sentimento de que a justiça social sòmente será efetiva, num regime livre, com a igualdade de oportunidade educativa, e que esta sòmente se há de concretizar com uma escola que ofereça ao pobre ou ao rico uma educação que os ponha no mesmo nível ante as perspectivas da vida. A aceleração do desenvolvimento econômico e social, a difusão do conhecimento pelo rádio e pela televisão, e o que vem chamando a explosão do próprio conhecimento, sobretudo científico, põem todos, ricos e pobres, na necessidade de encontrar na escola muito mais do que ela esperavam as crianças do século dezenove ou mesmo do nosso século, até a Segunda Guerra Mundial.

Se as nações desenvolvidas disto precisam, que não dizer das nações subdesenvolvidas, que, além de tudo, precisam erguer as crianças de baixíssimos níveis de pobreza e de condições quase neolíticas de cultura até ao nível da moderna civilização tecnológica?

Tudo isto seria utópico se não tivessem já sido despertadas as expectativas das massas confusamente conscientes de que é possível a sua ascensão e a realização de suas aspirações.

Os recursos para esta batalha, que será a batalha da paz, hão de surgir, como surgiram, no passado, os recursos para tôdas as batalhas de sobrevivência com que se defrontou a espécie.

Para que não se julgue, contudo, em face destas palavras, que ignoramos as dificuldades de se generalizar o modêlo que vimos comentando, teçamos algumas considerações finais sôbre a situação da educação entre as nações subdesenvolvidas.

Até antes da Segunda Guerra Mundial considerava-se que o desenvolvimento era um acidente histórico e a educação uma conseqüência da riqueza. Embora nenhuma nação rica deixasse de possuir sistema educativo mais ou menos adequado à sua riqueza, admitia-se tal situação como subprotudo mais ou menos automático da própria riqueza.

Foi necessária a destruição pela guerra da riqueza das poderosas nações da Europa e do próprio Japão, e a rígida recuperação econômica após a guerra destas mesmas nações, para nos darmos conta de quanto a educação podia constituir-se fator essencial - e não apenas conseqüência - do desenvolvimento.

No mundo chamado livre - ou seja, não compulsòriamente planejado - a demonstração ocorreu com países, em virtude de sua riqueza anterior, já educados e depois devastados pela guerra. O desafio às nações pobres é o de saber se elas podem organizar a educação antes de ser ricas, ou, pelo menos, simultâneamente com o processo de enriquecimento.

Para responder a êste desafio, há que enfrentar duas dificuldades. Primeiro, a das prioridades no uso dos recursos escassos das nações pobres. Conseguirão elas o consenso de suas populações, ou melhor, de suas elites, para dar à educação a prioridade no uso daqueles recursos, pelo menos igual à que se dá à industrialização? Até agora, salvo o caso especialíssimo e único de Israel, não me parece que nação alguma o tenha conseguido no volume e na proporção adequadas. Há, contudo, esforços em marcha e o trabalho de persuasão para isso começa a ser apreciável.

A segunda dificuldade é igualmente grande, e de certo modo explica as resistências para que a primeira seja removida. No processo de desenvolvimento acidental das nações, a educação, como processo conseqüente, é dominantemente uma educação para o consumo da riqueza adquirida, ou em vias de aquisição. Educam-se os indivíduos para participar da riqueza em expansão e, secundàriamente, para ajudar e consolidar a expansão. A escola passa a desenvolver-se, às vêzes, com aceleração considerável, para atender às pressões de mudança de status social, que a riqueza provoca e causa, a fim de que maior número de pessoas fiquem em condições de consumi-la. Êste tipo de educação, que o desenvolvimento acidental promove, embora não seja primàriamente destinado a preparar o produtor, concorre indiretamente para facilitar o preparo do produtor, quando ministrada com eficiência. Ora, sucede nas nações pobres que mesmo êsse tipo de educação para o consumo, ordinàriamente mais econômico do que o processo de educação para a produção, não chega a poder ser dado com eficiência e, dêste modo, nem sequer secundáriamente ajuda o aumento da produtividade.

Tal fato, embora raramente formulado, está na base de tôda a descrença generalizada de economista e homens práticos na eficácia da escola para o processo de desenvolvimento. E daí a resistência à distribuição dos recursos necessários para a aceleração do processo educativo.

A segunda dificuldade que, resolvida, removeria esta resistência é, pois, a da modificação estrutural do processo educativo, no sentido de criar-se uma escola capaz de introduzir as novas técnicas de produção requeridas pelo desenvolvimento em ser, e não apenas habilitar o indivíduo a delas aproveitar-se para fruição e gôzo mais ou menos inteligentes. Tal modificação de estrutura educacional não é fácil, importando em escolas muito mais caras em instalações, equipamento e tempo letivo e, sobretudo, servidas por um nôvo professor, cujo preparo, para se fazer aceleradamente, exigiria esforços equivalentes aos do preparo dos quadros de um exército moderno, ante uma guerra em curso.

A segunda dificuldade é, talvez, assim, maior que a primeira. Decorre daí estarem as nações subdesenvolvidas apenas em processo de expansão, mais ou menos desordenada, dos seus velhos sistemas educativos, ante as pressões sociais montantes e decorrentes das novas expectativas geradas pelo estado de fé generalizado na viabilidade do desenvolvimento.

Para corrigir os possíveis - e ao meu ver óbvios - perigos dessa expansão de escolas com objetivos inadequados à fase de produtividade em que temos de entrar para atender ao processo do enriquecimento, dois remédios, melhor diria, duas esperanças se acalentam: o aperfeiçoamento progressivo das escolas em geral, para que sejam, pelos menos, boas escolas, do tipo de educação para o consumo (dêste modo, podendo concorrer para o preparo de certas condições básicas da produção), e a intensificação do preparo dos quadros de operários qualificados e de técnicos de nível médio e superior.

O plano do Centro Carneiro Ribeiro compreende algo mais do que êsses dois objetivos atualmente em curso. Caso o permitam as circunstâncias, a experiência em desenvolvimento em Salvador, Bahia, poderá constituir o passo inicial de um esfôrço que não seja apenas um remédio circunstancial, mas a própria solução do problema de educação primária comum do Brasil, ou seja a necessária mudança estrutural da escola primária, para atender aos objetivos da sociedade nova que o desenvolvimento econômico acelerado virá inevitàvelmente trazer, e que, só por meio do agente catalítico dêsse novo tipo de educação, deixará de ser uma convulsão para ser uma solução.

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