TEIXEIRA, Anísio. Tecnologia e pensamento. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.51, n.113, jan./mar. 1969. p.157-159.

Tecnologia e Pensamento

McLuhan diz algures que as instituições são extensões do homem social e as tecnologias são extensões do organismo animal. A observação tem a sedução de um achado feliz.

Com as tecnologias recentes ligadas ao próprio ato de pensar do homem, que lhe ampliaram a escala de dados e de variáveis com que pode lidar, estou que essas tecnologias não o atingem apenas em seu organismo, mas alteram também tôda sua vida institucional e social.

Com efeito, como vejo o systems analysis de que falamos em artigo anterior, êsse nôvo método de estudar e controlar os próprios fenômenos sociais decorre substancialmente de inovações tecnológicas, sejam as de cálculos matemáticos e estatísticos, sejam as eletrônicas e mecânicas, que nos deram o computador.

Essas tecnologias vieram tornar possível o laboratório experimental social sob forma que estávamos longe de supor possível. É a verdade que o laboratório não é o mesmo das ciências físicas e biológicas, onde lidamos com a matéria e a vida em sua própria realidade. No laboratório social simulamos apenas as experiências e figuramos os resultados, como se fôra uma representação, daí deduzindo os critérios para a decisão e o contrôle da experiência real.

A nova abordagem compreende, assim, primeiro, o plano de ação, a busca das perguntas a que desejamos responder, sabendo-se que achá-las depois de minuciosa e exaustiva pesquisa dos dados e dos fatos é meio caminho andado. Conhecida a situação, feito o diagnóstico, começa fase completamente nova: a elaboração do "modêlo", com o qual se vai trabalhar no laboratório social dessa forma criado. Os "modelos" são versões simplificadas e controláveis das situações do mundo real.

Quem visitar o Departamento de Educação do Estado de Colorado, nos Estados Unidos, ali encontrará uma cidade-laboratório, onde se estudam e se fazem os planos para a reforma educacional em curso na área de Denver.

Trata-se de Capsburg, cidade de 30.194 habitantes, típica da área do Nordeste dos Estados Unidos, localizada à margem de um rio, com a sua Main Street e sete bairros residenciais, dentre os quais dois apresentam violentos contrastes, que explicam as profundas tensões sociais reinantes nesse centro urbano.

Num dêles encontram-se grandes mansões antigas, situadas em verdadeiros parques, aí vivendo um grupo de famílias brancas, fruindo as mais altas rendas locais. No centro da cidade, não muito distante dêsse bairro, encontra-se um bairro decadente com a mesma população do bairro rico numa área cinco vêzes menor, tôda branca, onde 20% dos homens aptos para o trabalho não têm emprêgo.

Não são tais contrastes que fazem de Capsburg uma cidade original. A sua originalidade está em que é uma cidade imaginária, representada por uma imensa pilha de cartões perfurados, destinada a facilitar a pesquisa e o estudo dos efeitos dos novos programas com que a educação em Denver se vem reformando.

O modêlo pode simular 16 anos de mudança social em cêrca de 4 minutos de trabalho do computador e constitui o protótipo para os estudos que estão sendo levados a efeito em Denver pelo Departamento de Educação.

Pode-se, assim, ver que o systems analysis equivale a um esfôrço para se conduzir trabalhos escolares e de educação como se fôssem trabalhos de ciências físicas e naturais, podendo-se dirigir, controlar e verificar os resultados como se dirigem, controlam e verificam os trabalhos em projetos agrícolas os industriais. Os modelos funcionam como os animais de laboratório.

Os progressos que registram o nosso tempo são mais progressos de tecnologia do que de conhecimento teórico. Mas essa tecnologia, dentro dos métodos e teorias existentes, vem fazendo tremendamente crescer senão a quantidade de conhecimentos, a quantidade de informações.

Segundo estimativa recente, em cada 40 minutos, chegam hoje às bibliotecas do mundo novas informações em quantidade suficiente para encher o equivalente a 24 volumes da Enciclopédia Britânica. Além disto e ainda mais importante que essa explosão de saber, cresce a nossa capacidade de lidar com dados, de armazená-los e de manipulá-los em quantidades jamais sonhadas.

Para dar uma idéia do que são hoje as possibilidades quanto à nova capacidade humana de calcular o que está acontecendo nas situações mais complexas, basta mencionar que, entre os modelos mais rápidos de computadores em uso há alguns que podem trabalhar dois milhões de vêzes mais depressa do que o homem. Isto equivale a poder fazer num dia os cálculos que um homem levaria mil anos para fazer. Imagine-se que tenho um problema com uma matriz de 10 por 10, que envolveria a seleção de 3.628.800 combinações possíveis. Os cálculos com papel e lápis levariam algumas horas e outras tantas para fazer as correções. Se a matriz fôr de 20 por 20, as proporções serão astronômicas, compreendendo 2.500 milhões de combinações, ou seja, 25 seguidos de 17 zeros. Os computadores lidam com matrizes ainda maiores.

Outro aspecto iluminante do modo pelo qual estão a crescer e mudar os novos instrumentos de multiplicação da ação humana é a evolução dos computadores. Miniaturização é como se chama um dos desenvolvimentos da eletrônica: a arte de acumular mais e mais circuitos em menos e menos espaço.

A marcha dessa inovação foi a seguinte: o cumputador Eniac, o primeiro de alta velocidade, montado em 1946, era um dinossauro. Pesava mais de 30 toneladas, ocupava a área de uma quadra de tênis e requeria um sistema de ar condicionado para dissipar o calor gerado pelos seus... 20.000 tubos de vácuo. Hoje, pouco mais de 20 anos depois, um modêlo muito mais poderoso pode ser colocado no espaço de uma prateleira de estante. E o futuro pode ser vislumbrado pelo nôvo aparelho experimental equivalente a uma moeda de meio-dólar de prata, o qual inclui 200 circuitos internos, cada um com doze circuitos e outros componentes. Não há limites para o que poderá oferecer o futuro.

O que marca o nosso tempo é essa aceleração do progresso tecnológico sem a correspondente aceleração no pensamento teórico. Não temos uma teoria da educação, como não temos uma teoria social, mas estamos equipados com uma assustadora tecnologia. A abordagem do systems analysis está em seu comêço, mas constitui um dos mais terríveis desafios ao nosso despreparo para utilizá-la.

Anísio Teixeira
Fôlha de São Paulo - 26.10.68

| Scientific Production | Technical & Administrative Production | Literature about the Educator |

| Journal articles | Chapter of book | Speeches | Pamphlets |
| Books | Prefaces and Postfaces | Text in book flaps |
| Unpublished papers | Conference papers | Translations |