TEIXEIRA, Anísio. Que é administração escolar? Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.36, n.84, 1961. p.84-89.

QUE É ADMINISTRAÇÃO ESCOLAR?*

Anísio S. Teixeira
Diretor do I.N.E.P.

Quando recebi o convite com que fui distinguido para participar dêste Simpósio e a solicitação que me foi feita de apoio a esta feliz iniciativa, disse ao membro da Comissão Organizadora que me abordava que não faltaria de modo algum. Vem de longa data o meu grande respeito e admiração ao Prof. José Querino Ribeiro, catedrático de Administração Escolar e Educação Comparada, e creio que sei julgar a dificuldade que tem enfrentado, e que hoje também enfrento, regendo que estou esta mesma cadeira na Universidade do Brasil, dificuldade essa que é a de lançar estudos que estão longe de ter precedentes entre nós.

A função de administrador é função que depende muito da pessoa que a exerce; o administrador depende de quem êle é, do que tenha aprendido e de uma longa experiência. Tudo isto é que faz o administrador. E, é comum, entre nós, pensar que aquilo que não se aprende senão em muitos anos, não se precisa aprender. Daí, não se precisar de preparar o administrador. O Brasil é talvez um país dos mais excepcionais neste assunto. Não me consta que os administradores se preparem no Brasil. Parece que não há administração no Brasil no sentido real de algo que se possa aprender e, muito menos, em educação, onde, ao que parece, nunca houve busca de administradores para as escolas. Qualquer pessoa pode dirigir as escolas. Qualquer pessoa pode administrar o ensino. É evidente que o país acha que para isso não é preciso preparo. E por quê? Por que será que o país acha que realmente não se precisa de preparo para dirigir escolas, nem dirigir a educação? Só percebo dois motivos: um dêles é que os professôres são tão perfeitos, que realmente não precisem de Administração, e segundo, que as escolas também sejam tão pequenas, que tais professôres, perfeitíssimos, podem realizar seu trabalho em perfeito estado, digamos, de anarquia, cada um fazendo o que venha lhe parecer que deve fazer e resultando disso uma admirável Administração. Ou isto, ou então que as nossas atividades no ensino estejam de tal modo estabelecidas em leis, regulamentos, instruções e programas, que não haja trabalho para Administração. Cada um só tem que cumprir o que está escrito, e está administrada a escola, está administrado o ensino, estão administradas as nossas Universidades. A situação é de tal ordem, é tão alarmante, que, peço perdão aqui ao Magnífico Reitor, o papel do Administrador se resume, na maior parte das vêzes, em manter bem o serviço de portaria do estabelecimento. A portaria mantém perfeita ordem, porque todos que precisam entrar encontram lugar para entrar, os professôres e alunos se dirigem às suas classes, e o ensino se realiza porque essa "ordem" existe. Ora, efetivamente é assim que se faz ensino no Brasil. Apesar disto, entretanto, parece que há administradores no campo do ensino particular. Parece que no campo de ensino particular, se um estabelecimento encontrar um grande administrador, agarrar-se-á a êle com unhas e dentes, e não o afastará da direção do seu estabelecimento. Por que será que, apesar de o Brasil ser como é, existe no ensino particular Administração Escolar?

A explicação está em que tem êle poder um pouco maior do que o do Administrador Público. E, como não posso administrar sem poder, sendo maior na escola particular o poder do administrador, aí pode êle administrar. Administra porque se fêz administrador e tem as qualidades pessoais para isto. Não que se prepare. Como é muito difícil administrar, não se crê que possa aprender fazê-lo. O administrador faz-se, não se prepara.

Mas, que é o administrador? O administrador é homem que dispõe dos meios e dos recursos necessários para obter alguns resultados. Resultados certos, e isto é um administrador. Logo, determinados, propositais, estabelecidos pela ação intentada. Não há função mais constante nem mais geral. A vida está completamente saturada dela. Sem administração, a vida não se processaria. Mas há dois tipos de administração: e daí é que parte a dificuldade tôda. Há uma administração que seria, digamos, mecânica, em que planejo muito bem o produto que desejo obter, analiso tudo que é necessário para elaborá-lo, divido as parcelas de trabalho envolvidas nessa elaboração e dispondo de boa mão-de-obra e boa organização, entro em produção. É a administração da fábrica. É a administração, por conseguinte, em que a função de planejar é suprema e a função de executar, mínima. E há outra administração - à qual pertence o caso da Administração Escolar - muito mais difícil. Seu melhor exemplo é o da Administração dos hospitais, em que a grande figura é, digamos, a do cirurgião; o administrador é apenas o homem que dispõe o hospital nas condições mais favoráveis possíveis para que o cirurgião exerça com a maior perfeição possível a sua função. Êste é também o caso da educação. Administração da escola é também aquela na qual o elemento mais importante não é o administrador, mas o professor. Enquanto na fábrica o elemento mais importante é o planejador, o gerente, o staff, na educação, o elemento mais importante é o professor. Se êste professor é homem de ciência, de alta competência, e a sua escola é pequena, pode realizar a função de ensinar e a de administrar. Organiza a sua classe, administra a sua classe, faz os trabalhos necessários para que o ensino se faça bem. Além disto, ensina aos alunos, e, mais, guia e dirige os estudos dos alunos. Estão reunidas nas atividades dêsse professor as três grandes funções que vão passar para a Administração. A função de administrar pròpriamente a classe; a função de planejar os trabalhos e a função de orientar o ensino. Se o professor fôr sumamente competente, a Administração fica sumamente insignificante. Daí, à medida que passamos do ensino primário para o secundário, e dêste para o superior, reduzir-se, teòricamente, a função da Administração, tanto mais importante quanto mais tenha a escola professôres de nível, digamos, mais modesto. No ensino superior a Administração é quase mínima, no secundário, é média, e no primário, é máxima.

Máxima, por quê?

Porque, se podíamos antigamente ter o grande professor primário que sòzinho dirigia a sua classe, hoje, tendo que dar educação à população inteira, sou forçado a buscar um magistério em camadas intelectuais mais modestas. Quanto mais imperfeito fôr o magistério, mais preciso de melhorar as condições de Administração. Quer dizer: entre os dois grandes tipos de Administração - a fabril ou material e a do tipo humano em que o Administrador é apenas um auxiliar de pessoas supremamente competentes - a Administração Escolar se situa como caso intermediário, sendo a função administrativa tanto mais importante, quanto menos preparado fôr o professor. Por que insinuo a tendência de que o professor está a ficar cada vez menos preparado? Porque sòmente quando o ensino é reduzido em quantidade posso eu fazer uma alta seleção dos educadores. Como tenho de educar tôda a população, terei de escolher os professôres em tôdas as camadas sociais e intelectuais e, a despeito de todo o esfôrço de prepará-los, trazê-los para a escola ainda sem o preparo necessário para que dispensem êles administração. Esta se terá de fazer altamente desenvolvida, a fim de ajudá-los a realizar aquilo que faziam se fôssem excepcionalmente competentes. A ingratidão de nossa cadeira, Professor Querino, é que temos de criar tais conceitos todos novos. Por que somos hoje tão necessários, e antigamente não o éramos? Por que antes não se cogitava de preparar o Administrador Escolar, e hoje precisamos fazê-lo? Porque o problema se fêz agora extremamente complexo, sobretudo nesta civilização paulista, que está cèleremente atingindo níveis avançados, sem passar gradual e lentamente pelas fases por que deveria passar, o que a obriga a esfôrço maior e especial. São sobretudo aqui especialmente importantes os estudos de Administração Escolar. Tais estudos e o preparo do administrador é que irão permitir organizar o ensino em rápido desenvolvimento e criar a consciência profissional necessária, pela qual aquêle antigo pequeno sistema escolar, com o professor onicompetente, precisando apenas de um guardião para sua escola, hoje transformado no grande sistema moderno, no qual não se encontra mais aquêle tipo de professor e as escolas complexas e fluidas não dispõem sequer de estabilidade do magistério, possa conservar as condições equivalentes àquelas anteriores e produzir ensino com a mesma eficácia. O nôvo administrador terá pois de substituir algumas funções daquele antigo professor, ou melhor fazer o necessário para que o nôvo professor, tanto quanto possível, tenha a mesma eficiência daquele antigo professor. Quando no comêço dizia que o grande professor administra a sua classe, ensina e guia o aluno, estava a indicar as três grandes funções que agora deverão ser selecionadas, para constituir as grandes funções da administração da escola. Aquêle professor que revele maior capacidade administrativa deverá orientar-se naturalmente para a especialização de administrador da escola. Aquêle que tem grandes qualidades de magistério, isto é, as de sobretudo saber ensinar, transmitir a matéria, deve especializar-se para ser o supervisor, ou seja o professor de professôres, que, no staff da administração da escola, trabalha para que métodos e processos de ensino melhorem cada vez mais. E aquêle outro professor, que revele singular aptidão para guiar alunos, para compreender alunos, para entender os problemas de alunos, vai transformar-se no futuro orientador.

De maneira que, da célula da classe, onde está o professor realizando a obra completa de educação, saem as três grandes especialidades da Administração Escolar: o administrador da escola, o superviso do ensino e o orientador dos alunos. E à medida então que a nossa tarefa aumenta e passamos a ter que educar tôda a gente, será êste pugilo de homens, a presidir a escola, que irá dar aos professôres das classes aquêle saber que êles antigamente tinham por si mesmos, as condições necessárias para que possam fazer nas classes o mesmo que faziam antigamente os professôres onicompetentes e de longa e contínua experiência. Por conseguinte, se antigamente era o professor a figura principal da escola, hoje num grande sistema escolar, com a complexidade moderna, complexidade que agora chega a atingir a própria Universidade - a escola terá que depender do administrador e de seus staffs altamente especializados, que elaborem especìficamente todo o conjunto de ensinamentos e de experiências, que antigamente constituía o saber do próprio professor da antiga instituição pequena e reduzida, a que servia com sua longa experiência e sua consumada perícia. Ao participar desta cerimônia inicial do I Simpósio Brasileiro de Administração Escolar, julguei dever fazer estas observações para marcar quanto tais estudos são novos, quanto não têm êles precedentes.

Está acabando de sair agora, em língua portuguesa, a tradução do "Educação Comparada" de Nicholas Hans. A Cadeira de Administração Escolar e Educação Comparada existe no Brasil já há mais de vinte anos. Entretanto, os seus próprios livros de texto estão apenas começando a existir, e os livros de Administração Escolar não existem aqui na abundância com que florescem na América do Norte. E por quê? Porque a América do Norte empreendeu um trabalho como êste que o Brasil está empreendendo agora: o de generalizar o sistema educacional a uma população enorme sem ter gente devidamente preparada para isto. Também êles atravessaram fases de desenvolvimento econômico rápido. Também êles sofreram singular mobilidade de magistério. O professor primário americano conservava-se no magistério em média quatro anos, até 1920. Hoje, é um pouco mais prolongado o período em que a môça se conserva professôra primária. Ora, podemos imaginar o que seria organizar uma escola primária em que nenhum professor chega a ter quatro anos de experiência. Tôdas as atividades de administração aumentaram enormemente para permitir que êste trabalho se fizesse sem inevitável prejuízo para a escola. A escola americana ganhou um pouco o jeito, o feitio de fábrica, de organização muito bem planejada no centro e deflagrada para ser executada. Tal situação não ocorreu na Europa, onde a escola se fêz o resultado de longa sedimentação histórica, produto do saber adquirido por longa experiência. Não devemos repetir aqui o caso dos Estados Unidos. Temos que aproveitar a experiência americana, que foi a experiência de intensa organização administrativa e certa pobreza de magistério, sem negligenciarmos a experiência européia, caracterizada pela alta qualidade do magistério e certa pobreza administrativa.

Temos que fazer as duas coisas. Já começa a não haver os grandes professôres que podem dispensar Administração. Estamos atravessando fase algo parecida com a dos Estados Unidos. Ou nos organizamos a ponto de criar uma espécie de cérebro coletivo das organizações, ou as iremos mecanizar num grau que talvez nem a América do Norte as tenha mecanizado.

As influências européias ainda presentes entre nós é que nos irão defender dêsse perigo, desenvolvendo o tipo de administração brasileira que o nosso gênio há de saber criar.

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