TEIXEIRA, Anísio. Um presságio de progresso. Habitat. São Paulo, v.4, n.2, 1951. p.175-177.

Anísio Teixeira


Um presságio de progresso
In Habitat, São Paulo (4): 2, 1951

Em meio aos conflitos e contradições brasileiras, nascidos da oposição permanente de forças residuais às veleidades de crescimento e progresso do país, a nova arquitetura brasileira constitui uma exceção, pela amplitude do apoio que vem recebendo e pelo ímpeto e continuidade de suas realizações.

Talvez seja este movimento, hoje, a expressão mais característica do que deveria ser o Brasil, se os vícios de sua formação social e a maldição histórica de haver nascido velho não nos tivessem chumbado os pés às piores formas de parasitismo e de passividade que jamais marcaram uma nacionalidade.

Com efeito, pela sua nova arquitetura, o Brasil vem participando de um espírito de coragem e de saudável aventura, que não anima nenhum outro setor da vida nacional, embora outro não devesse ser o espírito da civilização que se deveria implantar nas amplitudes vazias e promissoras deste continente. O amor ao adquirido e ao privilégio - hoje conquistado repentinamente -, um exasperante senso de segurança e um trágico horror ao risco, aliados à coragem puramente passiva de tudo suportar, fazem do nosso país, entretanto a mais palpitante contradição. Ao desafio de todo um mundo a conquistar, respondemos não com a debilidade-força da juventude mas com a decrepitude medrosa e cambaleante da velhice, a pedir muletas, apoios, assistência e proteção.

Podíamos ser os mesmos em arquitetura. E o somos, em verdade, em grande parte. Ao lado do Ministério da Educação lá está o Ministério da Fazenda a responder ao ato de risco e de beleza que é o Palácio da Educação com a mesquinha segurança - era assim que os romanos construíram - no Tesouro Nacional. Um pequeno grupo, entretanto, de arquitetos e engenheiros salva o espírito brasileiro, com essa arquitetura moderna que é, antes de tudo, um ato de confiança no país, no gênio de seu povo e no progresso do conhecimento humano.

Todos nós, que sonhamos um estado de entusiasmo para a grande aventura de construir nacionalidade, temos nesse movimento da arquitetura brasileira, uma pequena amostra do que poderíamos ser, se um estado de esclarecimento e de fé se criasse, como se criou entre esses engenheiros, em nossa agricultura, nossa indústria, nosso comércio, nossa educação e nossos serviços públicos e sociais em geral.

Que caracteriza, porém, a arquitetura brasileira para que estejamos a fazer afirmação desse porte? Nada mais, e também nada menos, do que 1) uma singular libertação de velhas formas mentais; 2) uma corajosa adaptação das antigas e novas funções dos prédios aos recursos novos e novas técnicas da construção; e 3) uma confiança lírica na capacidade do homem de resolver os seus problemas. Mas que outros característicos deviam marcar a ação do homem que, nestes meados tormentosos do século XX, se deparasse com um continente a conquistar e todo um presságio das forças latentes do país? Não será ela um sintoma, um sinal antecipado de que vamos despertar e, um dia, o espírito do arquiteto não dominará apenas as construções ocasionais que lhes entrega acidentalismo de nossa vida pública e privada mas todo o país e todas as suas atividades, lançadas afinal na grande aventura criadora de um povo entregue à construção voluntária e inteligente do seu destino?

Wells, em uma de suas profecias a respeito do nosso mundo, imagina-o renascendo de uma fase de destruição total, por intermédio de um pequeno grupo de aviadores, que recolhe a herança da atitude científica e o espírito de confiança na ação humana. Quem sabe se, entre nós, a missão não caberá aos arquitetos? Primeiro, o seu trabalho toca em todos os setores da atividade humana. Nada do que é humano lhes é estranho. Segundo, o hábito de projetar para todos fá-los sensíveis e objetivos, inteligentes e desapaixonados. Em nenhuma outra arte, além desta, o casamento entre ciência e a beleza é mais íntimo e mais inevitável. Não estarão aí as condições para a formação inesperada dos líderes nacionais?

Com estas palavras é que intentamos fazer a apresentação dos novos prédios escolares que São Paulo edifica, acompanhando esse belo movimento da nova arquitetura à brasileira. A direção técnica do plano de construções foi confiada à figura de arquiteto e de artista que é Helio Duarte, em cujos projetos a fantasia delicada e jovial se mistura com uma real severidade de propósitos e a técnica mais escrupulosa.

Para julgar esses prédios, entretanto, é necessário que se levem em conta os dois aspectos da arquitetura. Se, por um lado, é uma técnica a usar os conhecimentos e recursos do seu tempo a respeito dos materiais e uma arte a praticar a coragem de imaginação das novas formas, por outro obedece ao programa e aos objetivos da consciência de educação a que estiver servindo.

Há, assim, possibilidade da construção de belos edifícios modernos para uma educação obsoleta e essa desproporção entre os ideais e as atitudes que informam o estilo do prédio e os que inspiram os seus ocupantes torna a arquitetura moderna, no país, por vezes, como já o insinuamos, um pungente e doloroso espetáculo que, paradoxalmente tanto aflige aos que a sentem e amam. Este é o resultado do desenvolvimento desarmonioso e contraditório do país, a crescer dentro da camisa de força das suas, até agora irredutíveis, cristalizações residuais. Somos, de certo modo, um fóssil a lutar por viver e crescer. E por força há de ser grotesco o resultado! Sob este aspecto é que o Palácio da Educação, no Rio, pode deslumbrar o forasteiro, como Julien Husley que, ao salvar em nossa Capital, do cais mesmo se dirigiu para o Ministério, e, por outro lado, nos cortar o coração aos nativos, sentirmos a contradição trágica entre eloquência daquelas formas, a singela esbelteza daquela juventude, a eficiência nervosa daquele organismo e a triste alma dos burocratas que o ocupam e dos pedintes que o circundam.

Reconheçamos, entretanto, que nenhum outro elemento é tão fundamental, no complexo da situação educacional, depois do professor, como o prédio e suas instalações. Reconheçamos, também com Pascal que o homem é feito de tal modo que embora o sentimento anteceda o gesto, na sua ordem natural, o gesto pode gerar o sentimento. No Brasil, estamos a procurar este efeito. Façamos, o gesto da fé para ver se adquiriremos. A arquitetura moderna é esse gesto. Possam estes prédios escolares, concebidos em juventude, ardegos e elegantes como potros de raça, impacientes de dinamismo e de amor à vida, comunicar a educação e, pela educação, a existência brasileiras, as suas finas e altas qualidades de inteligência, coragem e desprendida confiança no futuro. O Brasil precisa, para se realizar, de lirismo - que é a capacidade de esquecer - e de virtude - que é a capacidade de se superar. A sua arquitetura moderna é uma lição magnífica dessas duas atitudes redentoras.

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