TEIXEIRA, Anísio. Plano e finanças da educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.41, n.93, jan./mar. 1964. p.6-16.

PLANO E FINANÇAS DA EDUCAÇÃO

Anísio S. Teixeira
Da Universidade de Brasília

Na comunicação que me cabe fazer, neste primeiro encontro dos representantes dos Conselhos Estaduais de Educação com o Conselho Federal de Educação, cumpre-me acentuar quanto os serviços educativos, ao contrário do que por vêzes se pensa, são grandes serviços materiais a desafiar, em suas proporções, quaisquer outros serviços da sociedade.

A escola, com efeito, compreende inversão econômica do mais alto vulto em edificações e equipamento e emprega massa de pessoal técnico e de serviço, numeroso e diversificado, em proporções superiores, sem dúvida, durante a paz, aos próprios serviços de defesa de um país. Em suas edificações, constitui um dos mais complexos conjuntos, nêles incluindo-se os elementos da residência humana, dos serviços de alimentação e saúde, dos esportes e recreação, da biblioteca e museu, do teatro e auditório, oficinas e depósitos, sem falar no que lhes é privativo, ou sejam as salas de aulas e os laboratórios. A arquitetura escolar, por isso mesmo, inclui todos os gêneros de arquitetura. É a escola, em verdade, o lugar para aprender, mas aprender envolve a experiência de viver, e dêste modo tôdas as atividades da vida, desde as do trabalho até as de recreação e, muitas vêzes, as da própria casa.

Se, no lado disto, considerarmos a população a que deve servir, ou seja, tôdas as crianças de 6 a 12 anos, depois, sólida percentagem dos que se acham entre os 13 e 18, no ensino médio, e, em proporção substancial, os de 18 a 24 e ainda, por fim, percentagem que começa a ser considerável de adultos, e tivermos em conta o exército de professôres, técnicos de tôda ordem e pessoal necessários ao comando e execução de tamanha atividade humana, podemos com segurança reconhecer que se trata do mais alto e mais complexo serviço existente em qualquer sociedade organizada.

Para melhor o conhecermos, imaginemos o Brasil com seus 14 milhões de crianças a educar durante seis anos, mais pelo menos 5 milhões de adolescentes a educar por mais seis ou sete anos e, pelo menos, meio milhão a estudar em universidades e instituições de ensino pós-secundário. Com essa massa de pessoas presentes em nosso espírito, idealizemos apenas um dos elementos materiais para a construção dêsse mundo escolar, o das áreas de terrenos necessários para oferecer a tais crianças, adolescentes e adultos condições de aprendizagem, que já sabemos importam em nada menos do que as de viver e trabalhar, em dias completos de esfôrço e atividade: serão necessárias áreas para os numerosos conjuntos de escolas primárias e de escolas secundárias e para os vastos complexos das universidades, que corresponderão a muitas cidades, onde virão estudar, trabalhar, recrear-se e viver cerca de 20 milhões de brasileiros. E não há no Brasil uma cidade sequer que tenha tido o cuidado de fazer, por lei, as reservas necessárias de terrenos para um sistema educacional adequado.

Não é, entretanto, isto que mais desejo sublinhar senão a grandeza esmagadora do empreendimento material e humano que representa mas escolas, empreendimento que supera em extensão o das fábricas, o dos hospitais, o dos esportes e recreação, o dos teatros e museus, o dos demais serviços públicos, o dos transportes e até o do comércio. Sòmente talvez o volume das casas para residência da população será maior que o das escolas. Digo, talvez, porque se as casas se fizerem apenas o lugar de dormir do cidadão moderno, também as casas poderão ocupar menor espaço que o das escolas com as áreas adequadas à variedade de suas funções e atividades.

Serviço dêsse vulto e dessa complexidade não é, pois, serviço apenas de pessoal a crescer caprichosa e espontâneamente, mas serviço a exigir plano, sistematização, divisão de trabalho e de responsabilidade, e mais que tudo finanças adequadas. Se o país precisa de plano ferroviário, de plano rodoviário, de planos urbanísticos, de planos hospitalares, etc., etc, muito mais precisará de plano escolar. E para o plano, de finanças adequadas, sólidas e seguras.

São êstes os dois aspectos que desejo examinar em face da Lei de Diretrizes e Bases, sob cuja égide aqui nos reunimos. Creio que, pela primeira vez, temos uma lei de educação que fere ambos os pontos. Dedica a lei à matéria, com efeito, nada menos que um dos seus títulos, compreendendo cinco longos artigos, com quarenta e três disposições em seus artigos, parágrafos, letras e alíneas. Não faltaram assim nem ênfase nem mesmo certa abundância. Faltaram contudo clareza e espírito de sistema.

Uma lei de educação é algo, entretanto, que não existe por si mas flutua sôbre o mar das instituições políticas e sociais da nação e, sob esta luz, é que se há de considerar aquêles dispositivos e interpretá-los.

Que dispõe a lei? Acompanhemo-la artigo por artigo: fixa o montante dos recursos nas três órbitas de govêrno - municipal, estadual e federal; distribui o montante federal em três fundos iguais de ensino - primário, médio e superior; ordena que se elabore plano, por prazo determinado, para cada fundo; declara que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem solicitar auxílio da União se não aplicarem o mínimo percentual previsto na Constituição Federal para a manutenção e desenvolvimento do ensino; ordena que os recursos sejam aplicados preferencialmente no ensino público, de acôrdo com planos estabelecidos pelo Conselho Federal e pelos Conselhos Estaduais, de sorte que se assegurem acesso à escola do maior número possível de educandos, melhoria progressiva do ensino e aperfeiçoamento dos serviços de educação, desenvolvimento do ensino técnico-científico e desenvolvimento das ciências, letras e artes; define para efeito de cumprimento do dispositivo constitucional o que seja despesa de ensino, daí excluindo as de assistência social e hospitalar, as de auxílios e subvenções para fins de assistência e cultura e as decorrentes do art. 199 da Constituição e do Ato de Disposições Transitórias. Isto nos arts. 92 e 93. Pelo art. 94, cria o regime de bôlsas-de-estudos e o de financiamento de estudos, determinando que os quantitativos da União para êsse fim sejam transferidos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Territórios, cujos conselhos devem organizar os serviços de bôlsas fundados em prova de capacidade. No art. 95, fixa a lei as formas de cooperação financeira entre a União e os Estados, Municípios e particulares, que compreenderão subvenção direta, empréstimos e assistência técnica e no art. 96 dispõe sôbre custo do ensino e as medidas adequadas para ajustá-lo ao melhor nível de produtividade.

São, como se vê, dispositivos que implicam colaboração e cooperação entre as três áreas de govêrno - municipal, estadual e federal. Não há, entretanto, algo de expresso com respeito à integração das três áreas de ação num programa sistemático e comum. As referências a planos do Govêrno Federal e dos Governos Estaduais deixam contudo claro que cabe ao administrador e ao político de educação armar as estruturas dos serviços educativos do país, para o efeito de distribuir entre os três governos a imensa tarefa, oferecer condições adequadas à sua realização efetiva, tornar possíveis o desenvolvimento dos planos de educação previstos e dar sábia orientação às suas finanças.

Embora não haja disposição expressa que vede a atividade de algum dos três governos em nenhuma área de educação, determinando o art.11 da lei que a União, os Estados e o Distrito Federal organizem os seus sistemas de ensino, o que parece indicar a existência de um sistema federal de ensino, similar aos dos Estados e Municípios, o art. 13 dispõe que a União organizará o ensino público dos Territórios e estenderá a ação federal supletiva a todo o país, nos estritos limites das deficiências locais.

Deflui daí ser legítima a interpretação que confira aos Estados o dever primordial de organizar sistemas educacionais completos e considere o da União supletivo aos dos Estados, com exceção dos sistemas dos Territórios. Como ação supletiva, pois, é que a União mantém a parte do ensino superior do país, algumas escolas médias de demonstração e o ensino técnico, agrícola e agronômico. Além dessa ação, cabe-lhe dar auxílio financeiro aos sistemas estaduais de educação e oferecer assistência técnica, visando ao aperfeiçoamento do magistério, à pesquisa pedagógica e à promoção de congressos e seminários.

Dentro dessa interpretação, quando a lei dispõe que a União, por intermédio do Conselho Federal de Educação, elaborará o Plano de Educação para execução em prazo determinado, de referência a cada um dos Fundos de Educação por ela criados respectivamente para o ensino primário, o médio e o superior, com obediência ao princípio da preferência pelo sistema público de ensino (art. 93) e nos limites das deficiências locais, torna-se claro que a lei subentende a ação sinérgica das três ordens de autoridade - federal, estadual e municipal - no desempenho dos respectivos deveres em face da educação nacional. Os planos de educação federais - um para cada Fundo, constituindo os três o Plano Nacional de Educação - devem coordenar a ação nacional e articular-se com os planos estaduais de educação, a que a lei faz expressa referência e a ser elaborados pelos Conselhos Estaduais de Educação, os quais, por sua vez, devem coordenar esforços municipais e com êles articular-se.

Entre as atribuições dêstes últimos, encontra-se, com efeito, a de que cabe ao Município o levantamento das crianças do seu território em idade escolar e a sua convocação à matrícula aos 7 anos de idade. Esta chamada das crianças, na órbita do município, une o poder municipal ao Estado, no cumprimento da obrigatoriedade escolar, e o Estado por sua vez vê-se articulado com o poder da União pelo direito de solicitar auxílio federal para a manutenção e desenvolvimento dos seus esforços quanto à educação dos seus habitantes, desde que para tal fim já tenha utilizado os seus recursos até os limites determinados pela Constituição e pela Lei de Diretrizes e Bases.

Foi dentro dêsse conceito de cooperação integradora que o Conselho Federal de Educação elaborou o Plano Nacional de Educação, distribuído por três planos de aplicação dos recursos específicos de cada Fundo de Educação. Não se achando elaborados os planos estaduais de educação, e desconhecendo-se com precisão os "estritos limites das deficiências locais", a que se refere expressamente a lei, o plano nacional constitui uma formulação dos objetivos nacionais da educação, nos três níveis de ensino, a indicação das prioridades com que devem ser atendidos e o método pelo qual o auxílio federal poderá ser concedido e deverá ser aplicado para que aquêles objetivos possam ser atingidos. Ao estabelecer êsse método, o Conselho tomou conhecimento dos extraordinários contrastes econômicos entre os Estados, examinou os seus serviços educacionais do ponto-de-vista estatístico, e fixou um princípio da mais alta relevância, ou seja, o de que o auxílio é, em 70% inversamente proporcional à riqueza per capita do Estado, e em apenas 30% proporcional à população, procurando, dêste modo, tornar o auxílio federal um fator da gradual e progressiva equalização dos recursos de educação em todos os Estados Brasileiros. Ninguém deixará de perceber a importância dêsse princípio no que diz respeito à igualdade de oportunidades educativas em tôda a nação.

Além disto, o plano nacional, ao indicar o modo de aplicação do auxílio federal, quanto no ensino primário e médio, estabeleceu as normas para a fixação do custo de educação e instituiu um sistema de financiamento para os investimentos a longo prazo dos serviços educacionais. Trata-se de princípios de planejamento e organização sem os quais êsses serviços difìcilmente poderão desenvolver-se satisfatòriamente.

À vista do disposto no art. 93, que determina que a aplicação dos recursos de educação previstos na Constituição e na lei seja feita de acôrdo com o plano federal, fazendo expressa referência também a planos estaduais, elaborados pelos respectivos Conselhos, de sorte que se assegurem o "acesso à escola de maior número possível de educandos e a melhoria progressiva do ensino e o aperfeiçoamento dos seus serviços", tornou-se possível considerá-los planos interdependentes e complementares e, dêste modo, prever-se sua mútua articulação, com o estabelecimento de normas comuns de ação.

Por essas normas estabelecidas pelo Conselho Federal foram fixados para o ensino primário e médio os limites com as despesas de pessoal (até 70%, do total despendido), com a administração do ensino (até 70% do total), com as de equipamento e material didático (mínimo de 13%) e com as de prédio (mínimo de 10% para conservação e construção). Em relação a estas últimas, ou seja, as destinadas às edificações, recomenda o plano federal que os recursos atribuídos à construção de escolas venham a constituir um fundo patrimonial para o lançamento de empréstimos a longo e curta prazo, ficando o montante anual de 10% das despesas globais da educação adstrito ao pagamento dos juros e amortizações de tais empréstimos.

Em vez de se perder nas minúcias e detalhes de projetos específicos de educação, hoje tão em moda e tão necessários para atender requisitos de pedidos de auxílios internacionais, o chamado Plano Nacional de Educação, elaborado pelo Conselho Federal de Educação, procurou estabelecer as metas de crescimento impostas pela lei para os serviços escolares da nação e recomendar um conjunto de princípios, normas ou critérios para os planos estaduais de educação, e cuja elaboração, como sugere a lei, deve levar em conta o auxílio federal, que cabe aos Estados solicitar à União.

Competindo a União, com efeito, êsse auxílio aos Estados, nos limites de suas deficiências, cumpria ao Govêrno Federal indicar o modo pelo qual êsse auxílio financeiro lhe iria ser atribuído, a fim de que as deficiências quantitativas ou qualitativas - ou seja o acesso à escola do maior número possível de educandos e a melhoria progressiva do ensino nos têrmos do art. 93 da lei - pudessem ser atendidas. Dêste modo, o plano nacional constitui o quadro dentro do qual se irão elaborar os planos estaduais. Com a assistência financeira, assegura-se o cumprimento da meta quantitativa e em parte da qualitativa - pois melhores recursos asseguram melhores serviços - mas terá pela assistência técnica (art. 95, letra b) a ser prestada por meio dos serviços federais de aperfeiçoamento do magistério e da pesquisa pedagógica, que a União irá dar a sua contribuição mais específica. Realmente, achando-se em condições de estudar e pesquisar todos os sistemas estaduais, poderá levar a um a experiência do outro, constituindo-se, dêste modo, graças aos centros federais de aperfeiçoamento do magistério, a bôlsa de valôres de tôda a educação nacional, estendendo a cada um e a todos os benefícios da variada e rica experimentação educacional de vinte e dois sistemas estaduais de educação.

Os Senhores Conselheiros Federais e Estaduais hão de perdoar que não encerre esta exposição sem algumas considerações aparentemente óbvias, mas necessárias, sôbre os problemas que suscitam o planejamento e o financiamento da educação. Não faltam os que julgam difíceis e abstratos tais problemas, a exigirem estranhos refinamentos técnicos. Longe de mim não reconhecer que os serviços educacionais devidamente desenvolvidos, em tôda sua extensão apresentam dificuldades para ajustá-los às delicadas situações de mão-de-obra de mercado de trabalho e da vida em constante renovação da sociedade moderna.

Estamos, entretanto, em estágio bem mais singelo. O que importa, entre nós, é sair do capricho, da desordem, do arbítrio - justificáveis porque no passado não tínhamos outro propósito senão o de educar uns poucos para as tarefas mais aparentemente necessárias da vida pública e social do país - para um programa de ação ordenada e tanto quanto possível sistemática, tendo em vista a educação primária do "maior número possível" de crianças brasileiras em idade escolar, ou seja, quatro a seis anos de estudos entre 7 e 14 anos, a educação média de número substancial de jovens entre 12 e 18 e a educação de nível superior a adultos a partir de 18 anos em número suficiente para a constituição dos quadros científicos e profissionais da vida nacional, mantendo em todos êsses programas rigoroso critério de igualdade de oportunidades.

A idéia ou o propósito de agir planejadamente e não anàrquicamente corresponde, assim, a ordenar a nossa ação, levando em conta ao necessárias prioridades, a fim de gradual e sistemàticamente atingirmos certos objetivos quantitativos e qualitativos que tenham sido fixados. Para isto, é evidente que se fará necessário um mínimo de organização dos serviços educacionais, para o efeito de contarem êles com o poder necessário de conduzir ação planejada. Constituem assim pré-requisitos para esta ação saber o que queremos fazer, dispor de órgãos capazes de ação administrativa coerente e sistemática, sem falsa divisão de meios e fins, em que os setores de meios sejam incompetentes e os de fins impotentes, e reconhecer os recursos de que dispomos para delimitar os nossos planos. Havendo tais condições, os planos defluirão quase por si mesmos. Não existindo elas, podemos elaborar os planos mais perfeitos, que nada se seguirá.

Qualquer atividade humana difìcilmente terá êxito se não fôr planejada. Temos de planejar o nosso dia, planejar o nosso trabalho, planejar a nossa diversão. Qualquer boa dona de casa sabe o que acontecerá se não planejar o seu trabalho de direção da casa. E nós, professôres, sabemos bem o que é uma aula não planejada. E o diretor da escola, melhor do que ninguém, o que será não ter o trabalho escolar devidamente planejado. Plano, pois, não é nenhuma novidade nem algo que sòmente estranhos especialistas em planos saibam fazer. Aliás, o difícil é conceber alguém que seja especialista em planos sem que seja especialista no que esteja planejando. E isto é que parece estar ocorrendo com a idéia de que agir planejadamente seja algo diverso de agir competentemente. Ora, serão competentes os que sabem planejar, mas nada saibam do que estejam planejando? Deixaram, por acaso, de ser planejados os sistemas escolares organizados no século passado e no comêço dêste século nas nações hoje desenvolvidas? Está claro que não ignoro que sabemos hoje muito mais porque planejamos e o que planejamos. Insistamos, porém, e a isto apenas quero chegar, em que planejar é um problema primeiro de poder. Depois, de querer. É indispensável que quem tenha o poder queira planejar a sua ação. A seguir, é um problema de competência e de método. Especialistas apenas em métodos de planejamento poderão ajudar os competentes mas não substituí-los. Contudo, o mais importante é que queira planejar quem tiver o poder de dirigir a ação a ser planejada.

Vejamos como se põe o problema brasileiro do planejamento educacional. Primeiro, os recursos. Dispomos de 20% da receita dos municípios. De 20% da receita dos Estados. De 12% da receita da União. Há que saber, primeiro, se tais recursos se tornarão de verdade disponíveis. E quem tem o poder de dispor sôbre sua aplicação? No plano municipal - comecemos por aí - o Prefeito e a Câmara dos Vereadores. Querem estas autoridades disciplinar a sua própria ação e submeter-se a um plano de trabalho? Imaginemos que tenham a veleidade de fazê-lo. Mas, dirão, falta-lhes a técnica do planejamento. Será isto verdade? Pela Lei de Diretrizes e Bases o primeiro dever do município é o levantamento, pelos nomes, pelas famílias e pelos locais de residência, das crianças em idade escolar, a fim de se proceder à chamada para a matrícula das crianças de 7 anos, na sede do município, nos distritos e em cada cidade, vila e localidade do seu território. Tal levantamento criará um estado de consciência no município e fornecerá os primeiros dados para a localização das escolas e a avaliação do grau da deficiência local do sistema. Haverá alguma dificuldade intransponível para a efetivação dessa medida? Caso houvesse, seria impossível deixar de lembrar que ela não poderá verificar-se casa haja cooperação com as autoridades estaduais no município. Os oficiais de registro civil deverão fornecer os dados relativos ao nascimento das crianças e as autoridades deverão acolher as crianças chamadas à matrícula. É evidente que só com êsse serviço se terá estabelecido a necessária articulação entre as autoridades municipais e as estaduais.

Sejamos, contudo, realistas. Nada disto se faz porque o problema escolar tem baixa prioridade entre os problemas municipais. Embora isto esteja mudando, o primeiro problema não é tanto o de planejamento quanto o de se assegurar essa prioridade. A lei já a assegurou com a fixação do mínimo de um quinto da receita para a educação. O problema, portanto, é mais político do que verdadeiramente técnico. Disposto o poder municipal ao cumprimento da lei e levado a efeito o levantamento das crianças em idade escolar, qual a dificuldade para o plano? Primeiro, conhecer os três sistemas escolares existentes no município - o das suas próprias escolas, o das escolas estaduais e o das escolas particulares. Isto pôsto, não será difícil imaginar a localização de suas escolas sem duplicar as demais. E dêste modo se terá iniciado o processo de ação coordenada entre as autoridades municipais e estaduais, que se sentirão integrantes da comunidade e conscientes e participantes do empreendimento comum. Até aí não haverá dificuldades técnicas intransponíveis, sendo as maiores as do mapa das circunscrições municipais, da localização das crianças pela residência e da fixação dos terrenos a serem cedidos ou adquiridos para a construção das escolas e a dos projetos para essas escolas, no que será lícito prever a cooperação entre o govêrno estadual e os governos municipais.

Por que, entretanto, soa, como algo de utópico, movimento assim tão óbvio para o lançamento das bases do plano municipal, que irá, com os seus elementos, integrar o plano estadual? Por dificuldades técnicas? Por falta de saber e competência? Não me parece. Antes será por falta de articulação entre os dois sistemas de ensino - o municipal e o estadual - mas, sobretudo porque nem um, nem outro têm o propósito de fazer obra planejada, sob o pretexto de que os recursos não bastam para isto e pelo motivo real de ser mais interessante fazer obra ocasional, de demonstração, nos têrmos modernos, promocional em que o mérito individual do realizador fique bem acentuado. Se a obra fôr sistemática, metódica, planejada, as coisas perderão êsse feliz ar de milagre, de proeza e, além disto, não beneficiarão as pessoas que desejamos servir mas indiscriminadamente a todos. Sei de municípios que construíram e mantêm ginásios e alguns bem suntuosos e outros até escolas superiores, antes de cuidar do ensino primário para todos.

A primeira e maior dificuldade de ação planejada, de planejamento educacional não é técnica mas de vontade, de propósito, de aceitação da idéia e de sua institucionalização na vida das autoridades municipais e estaduais. É, em realidade, política. É necessário que a obra do govêrno municipal, ou estadual, seja comandada pelo interêsse de todos e não pelo interêsse de alguns. É necessário que o político local ou o político estadual reputem a ação planejada mais ùtilmente política que a não planejada. E para isto nada poderá mais contribuir do que a presente ênfase em planejamento, desde que não se esqueça que planejamento envolve mais que tudo a vontade local, a vontade estadual e por último a vontade federal, não logrando resultado qualquer planejamento de cúpula, salvo quando representar esfôrço para a coordenação, articulação e sistematização dessas três áreas de vontade.

Por tudo isto, é que considero importante êste encontro de autoridades estaduais e federais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sob vários aspectos, é uma lei de reforma básica. A participação do Govêrno Federal nas três órbitas do ensino, com fundos federais iguais, correspondentes no mínimo, cada um dêles, a 3,6% da receita federal, importará em mais do que dobrar muitos Estados os recursos locais para a educação. Em face dêstes fundos, torna-se possível organizar as finanças educacionais e elaborar os planos estaduais à luz dos princípios, critérios e normas constantes dos planos de auxílio federal e da própria Lei de Diretrizes e Bases.

Estabelecidos que fôssem tais propósitos comuns, está claro que ainda não ocorreria o milagre. Há que inventariar o sistema existente, calcular o custo do aluno segundo os critérios do plano federal e projetar sua expansão dentro dêsse custo, com as correções que parecerem aconselháveis no sistema antigo e tendo em vista os objetivos fixados na lei e no plano federal. Surgirá, porém, como problema dominante, o do prédio escolar. Que se fará a respeito? Estaremos aí diante do mesmo problema da casa nas áreas urbanas. Muito poucos são os que podem construir com dinheiro à vista a sua residência. Há que recorrer ao crédito. Qual o sistema escolar que irá ter crédito para empréstimos? Aí é que parece ter suma importância a constituição do fundo de empréstimo escolar. Dez por cento do auxílio federal constituirão a soma inicial para êsse fundo. A êles se deverão juntar outros 10% da despesa global de educação do Estado e, sempre que possível, dez por cento da despesa de educação de cada município. Criado êsse fundo, a emissão de Obrigações Escolares se tornaria possível. Com tais apólices, iniciar-se-ia o processo de empréstimo por subscrição local nos municípios, por subscrição geral no Estado e por depósito em bancos para empréstimos diretos. O plano de construções em cada município constituiria o programa para o empréstimo. Atrevo-me a acreditar que, se fôr elaborado o plano de empréstimo com a devida correção contra a inflação, essas obrigações poderão constituir o que foram as Caixas Econômicas antigas, o verdadeiro depósito das economias populares. Sem institucionalizar-se êsse regime de empréstimo para as edificações escolares e a sua conservação, continuará a ser êste problema tão aflitivo, que nenhum outro existirá. Educar se fará o exclusivo problema de construir escola. Políticos, educadores, administradores se atirarão a essa tarefa, porque sòmente ela criará os beneméritos da educação. A dura, séria e humilde tarefa de organizar a escola, de aperfeiçoar-lhe o ensino e de conduzir a obra de educação se constituirá obra irrelevante, porque a administração, o govêrno, tôda a administração, todo o govêrno entrou a trabalhar, como se diz hoje, isto é, a construir. Construir nunca foi a tarefa específica dos governos. As cidades transformam-se hoje cèleremente com as casas de apartamentos e as residências coletivas e nunca passou pela cabeça de alguém celebrizar algum govêrno por se ter Copacabana feito o suntuoso bairro que todos conhecemos. Quem construiu Copacabana? A especulação imobiliária. Que é a especulação imobiliária? O empréstimo em período de inflação para a aquisição de imóveis. Estarei, por acaso, recomendando uma impossível especulação com prédios escolares? Jamais o faria. Mas empréstimos para construções escolares, sob plano que efetivamente oferecesse a segurança contra a inflação, parece-me algo até sábio. E com isto, voltaríamos a olhar sèriamente para a organização escolar, para a manutenção do ensino, para seu melhoramento progressivo, que, isto sim, é a obra que conta, embora não se possa fazer sem que o prédio se construa.

No conjunto de medidas que, dêste modo, se institucionalizariam para a implantação e o funcionamento dos sistemas escolares, estaria a correção de muitas distorções, entre as quais não é a menor a de se procurar fugir de um plano integrado entre municípios e Estados e, depois, entre estes e o govêrno federal. Logo que assim se cogitar do todo, melhorando-se o sistema escolar em conjunto, desaparecerá a luta por determinados aspectos e com ela a possibilidade do engrandecimento pessoal pelos que se devotam a obras acidentais ou a esforços puramente parciais em nosso grande esfôrço comum pela educação nacional.

Não sairemos do acidental para o planejado com o auxílio puro e simples dos técnicos de planejamento, embora não desconheça sua ação educativa, mas, com o desenvolvimento de nossa maturidade política e com a revelação, que ela nos trará, de que agir planejada e sistemàticamente é agir polìticamente e, talvez, a forma de colhêr melhores resultados políticos. Adotadas as normas, princípios e critérios do plano nacional de educação, nos Municípios, nos Estados e na União, abre-se um largo campo para a atividade política cooperar, sobretudo nos planos de empréstimos para os prédios, da sua localização, dos seus projetos e da sua execução. Lembremo-nos que será tudo isto obra cooperativa e complexa, em que o poder e a ação de líderes se fará extremamente necessária.

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