TEIXEIRA, Anísio. A Escola Parque da Bahia. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.47, n.106, abr./jun. 1967. p.246-253.

A Escola Parque da Bahia*

Anísio Teixeira**

Espero que me perdoem, se, para vos falar do Centro Educacional Carneiro Ribeiro, comece por algumas recordações a meu respeito.

Há quarenta e dois anos era eu inspetor-geral de ensino no Estado da Bahia. Jovem e mal saído da escola de Direito, um governador corajoso e cheio de confiança nos moços, F. M. de Góis Calmon, julgou dever substituir Otaviano Moniz Barreto, provecto intelectual baiano, que exercia o cargo há mais de duas dezenas de anos, por um jovem de 24 anos. O professor Anselmo da Fonseca, filósofo e luminar, então, da congregação do Ginásio da Bahia, logo classificou o nôvo inspetor-geral de ensino, como o verdoso diretor de instrução do Estado. Nenhum outro título contava eu senão o dêsses verdes anos.

Desde então, minha experiência tem sido a educação – a educação no meu País. Depois da Bahia, tive o Rio como campo de estudos e trabalho, a que sucedeu largo período de proscrição.

Voltei, a seguir, pelas mãos de Julian Huxley, à educação no campo internacional, de onde outro governador corajoso, como o primeiro, Otávio Mangabeira, fêz-rne voltar à Bahia e da Bahia, novamente ao Rio, para a direção de organismo de estudos e pesquisas educacionais. Esta a minha formação, ao que parece, já encerrada. Que pude fazer em tôda essa longa viagem através das escoIas? Não sei. Coube-me sempre mais administrar do que fazer, e o administrador, quando é feliz, ajuda a fazer, mas não faz. A sua liberdade de ação, sobretudo como administrador público – e sempre isto é que fui – é muito pouca. Em todo êsse período, registro ter contado com certa liberdade, duas vêzes: quando imaginei e projetei a Universidade do Distrito Federal e quando imaginei e projetei êste Centro. A Universidade foi tragada pela reação de 37, êste Centro está sobrevivendo, apesar de não faltarem ameaças. O longo convívio com as escolas deu-me uma experiência profunda da extraordinária imobilidade da sociedade brasileira.

Os antropólogos, cujos estudos se iniciaram com as chamadas sociedades primitivas, têm conhecimento da rigidez da estrutura social dêsses povos milenarmente estagnados, como se fôssem sociedades fossilizadas. O Brasil tem algo dessa estabilidade granítica. Talvez a tenhamos tomado dos índios, êstes extraordinários professôres de uma rotina simplificada, elementar, uniforme e contínua. A realidade é que resistimos inflexivelmente à inovação e forçados, por vêzes, a aceitá-Ia, pouco a pouco a desfazemos e diluímos até voltarmos ao estado – que chamaria natural – que é o de deixar as coisas correrem, até atingirem a simplicidade da desordem uniforme e, por fim, constante e estável. É curioso notar – daí haver chamado natural essa tendência que assim também procede a natureza.

O Professor George Thompson, ao indicar os sete princípios cardiais da ciência moderna, no campo, da física, define o sétimo como o princípio do caos. Este princípio é o de que a ordem, na natureza, tende a desaparecer até que se atinja o completo caos, o qual, paradoxalmente, permite ser tratado matematicamente com precisão quase perfeita. Aos sete princípios, acrescenta Thompson um outro, a que dá o nome de "princípio da produção em massa", significando a tendência da natureza a repetir quase indefinidamente cada entidade que chega a produzir. Ora, pelo sétimo princípio, a ordem só pode ser criada naquela situação de caos por uma fôrça externa. Essa ordem pode ser de diferentes tipos e será mantida enquanto fôr mantida a fôrça externa de organização. É isto que se processa na natureza e que faz o homem ao lidar com a natureza. Mas, devido ao princípio do caos, tudo tende a voltar ao caos e aí chegado, pelo princípio da produção em massa, a se repetir indefinidamente.

Parece-me que êstes dois princípios não deixam de se aplicar ao nosso estado social. E a educação e a escola são admiráveis ilustrações. Resiste-se à inovação, que só pode processar-se, por uma fôrça externa. Forçada a aceitação, logo se inicia o trabalho insidioso de destruí-Ia, até que tudo volte à desordem, ao caos inicial, em que tudo se repete fácil e indefinidamente. A sabedoria popular exprime tal estado de coisas como viver a lei da natureza. Somos, institucionalmente, um povo que assim vive.

Ora, tôda a obra do homem, em seu domínio da natureza, consiste em trazer ordem para os seus processos e mantê-la, a despeito de sua tendência para o caos. Será isto que temos de aprender e a escola, talvez mais do que qualquer outra instituição, é um permanente esfôrço neste sentido. A Inovação é, acima de tudo, um nôvo tipo de ordem, exigindo esfôrço para implantá-la e permanente esfôrço em sua conservação. Daí ser tão difícil o nosso trabalho.

Estou a fazer estas observações para acentuar quanto somos forçados a nos repetir ao falar sôbre educação, por isto mesmo que os seus pequenos progressos não se acumulam, mas estão sempre a se reiniciarem, num constante e monótono comêço e recomêço. Não é outro o caso dêste Centro, onde ora nos encontramos. Constitui êle uma tentativa de se produzir um modêlo para a nossa escola primária. Um conjunto feliz de circunstâncias o vem mantendo há cêrca de dez anos, mas, nem por isto, se pode considerar a sua estabilidade garantida. De um momento para outro pode apagar-se, como se apaga, na mecânica quântica, um esfôrço especial e possível de direção a um conjunto de partículas que se movem por acaso, segundo a lei da natureza. Seu único fator de permanência, até hoje, são os funcionários, que acabou por ter, não por êle, mas pelas leis mais gerais, que governam o universo público brasileiro e lembram a lei da probabilidade da física quântica no mundo de partículas do átomo. A instituição pròpriamente dita está em plena instabilidade, sua permanência dependendo dessa lei das probabilidades. Uma simples mudança de autoridade poderá fazê-la desaparecer.

Em quarenta anos de trabalho em educação, esta foi a minha mais dolorosa experiência, daí o cepticismo com que me refiro a realizações. Tudo continua no início, tudo precisa refazer-se, contando pouco o esfôrço passado. Tentemos, porém, apesar de tudo, um pouco de história e contemos como essa aventura deu uma escola primária, adaptada às nossas condições, nasceu e se desenvolveu.

As circunstâncias – sempre as circunstâncias – em seu jôgo de acasos, como o das partículas da matéria – trouxeram-se em 47 para a Secretaria da Educação do Estado. Vinha de uma permanência relativamente breve na Unesco, mas que, nem por isto, me deixara de comunicar o entusiasmo que, então, ressurgia, em todo o mundo, pela educação. Assumindo o cargo, logo preparei um plano de educação para o Estado e um projeto de nova lei de organização do seu sistema escolar, tendo sido feliz em ver incluído na Constituição do Estado um capítulo muito significativo a respeito da educação. Parecia possível uma obra de reconstrução radical e corajosa de todo o sistema escolar. Depressa, porém, surgiram as dificuldades. Primeiro, as financeiras, depois, as políticas e, por fim, as de pessoal. Diante dos tropeços e ante a insistência da Unesco para voltar a trabalhar ali, resolvi retornar ao trabalho internacional da educação. O governador, entretanto, insistiu em que ficasse, ainda quando não se pudesse levar avante o plano estabelecido. Prometia dar-me recursos para iniciar certas etapas preliminares e começar algumas escolas de demonstração para o plano projetado, em nível primário e médio. Acabei por atendê-lo e daí nasceu a prioridade para o projeto do primeiro Centro Educacional Primário, que veio a ter o nome do grande educador baiano Carneiro Ribeiro, e para outros projetos em todo o Estado. A administração transcorreu, de então por diante, com a redução inevitável dos programas de ação e os pequenos e modestos êxitos, o que foi possível graças ao devotamento e exemplar espírito público do governador.

O projeto do primeiro centro de educação primária compreendia quatro escolas-classe para mil alunos cada e uma escola-parque para quatro mil alunos, funcionando umas e outra em dois turnos conjugados, de modo a contar o aluno com o dia completo de educação. Todo o esfôrço do governador não permitiu construir senão três escolas-classe. A escola-parque e a quarta escola-classe ficaram em projeto.

Outro conjunto de coincidências levou-me, algum tempo depois, à direção do INEP, onde sonhei prosseguir no esfôrço de completar a obra e instalar o primeiro centro de demonstração de ensino primário no País. Não irei relatar quanto êste esfôrco custou a ser levado a efeito. A idéia de que estudos, hoje, em educação representam pesquisas difíceis e dispendiosas, requerendo experimentação e escolas de demonstração, não era aceita. Um instituto de estudos pedagógicos era algo como um instituto de filosofia, destinado a estudos especulativos ou baseados em observação de senso-comum. Quando muito se admitia algum esfôrço de tipo estatístico para medir a quantidade de educação oferecida. Sôbre a qualidade do processo educativo, sôbre as escolas individualmente consideradas, sôbre métodos e programas, sôbre a prática escolar-tudo isso se estudaria pela observação e inspeção escolar.

Mas, aquela mesma lei das probabilidades numa situação de acasos enxertara no INEP a distribuição de recursos de assistência financeira ao ensino primário e esta função começou a avultar, a ponto de haver hoje muitos que pensam que o instituto é a repartição de ensino primário no Ministérlo da Educação, por fôrça da lei natural da repetição. Tendo o Ministério repartições de ensino secundário, de ensino comercial, de ensino industrial e de ensino superior, o INEP seria a repartição do ensino primário. O plano que imaginara, ao chegar à sua direção, para montar um sistema de pesquisas educacionais, distribuído pelas diferentes regiões do país, só logrou efetivar-se graças a outro conjunto de coincidências fortuitas e raras. Foi preciso morrer um Presidente, dar-se a sua substituição fortuita e ser nomeado um educador para ministro, para que Abgar Renault viesse a criar o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e cinco centros regionais de pesquisas no País, dando, assim, ao INEP, seu aparelhamento para se constituir o serviço de estudos e pesquisas do universo da educação, num País continental e com extrema variedade de condições e recursos.

Êstes centros nasceram, assim, de um esfôrço externo e ocasional, com a instabilidade característica de iniciativas dessa ordem, dentro de um sistema uniforme e adverso como era o do Ministério da Educação, fundamentalmente proposto à administração de certo número de escolas próprias e ao contrôle e fiscalização de escolas concedidas por autorização federal. Competindo também ao govêrno federal a assistência técnica às escolas, o INEP utilizou essa atribuição como fôrça de consolidação dos centros de pesquisa então instalados.

Mas, os recursos, como poderiam êles ser obtidos? Os centros se destinavam ao estudo da educação em suas diferentes modalidades e níveis e ao estudo da sociedade brasileira, a que se deviam ajustar os múltiplos sistemas escolares brasileiros. Tratava-se de pesquisa social e humana em grande escala e de manifesto alcance. Os centros compreendiam, para isso, uma divisão de pesquisas educacionais, uma divisão de pesquisa social, uma divisão de documentação, uma divisão de aperfeiçoamento do magistério, uma biblioteca e uma divisão administrativa. Como obter recursos para essa imensa obra? Tivemos que utilizar o molde uniforme do sistema, que era o da assistência financeira e conseqüente assistência técnica aos sistemas estaduais de ensino. A título de assistência técnica se irá proceder à pesquisa, instalar as escolas de experimentação e demonstração e planejar os cursos de aperfeiçoamento do magistério. O trabalho lembrava o dos experimentadores, que conseguem dar certa direção às fôrcas da matéria para obter certos resultados. Tínhamos que fazer infletir as fôrças da assistência técnica para que os centros pudessem funcionar, dentro de limitações de tôda ordem e em situação manifestamente precária. Cada centro se implantou e desenvolveu como foi possível. Em São Paulo, articulou-se com a Universidade e daí tirou fôrças de propulsão e prestígio; em Belo Horizonte, com a Secretaria de Educação e com o programa americano-brasileiro de aperfeiçoamento do magistério, fazendo-se o centro de maior projeção nos estudos relativos à didática da escola primária; em Pôrto Alegre, também se associou à Universidade pela sua faculdade de filosofia; em Recife, constituiu-se automaticàmente apenas ligado ao INEP, numa dependência mais financeira do que administrativa; na Bahia, articulado com a Secretaria de Educação, fêz-se, sobretudo, um centro de experimentação do ensino primário, com uma escola experimental primária, mantida, durante seis anos, e êste centro de demonstração do ensino primário, onde também se processa o trabalho de aperfeiçoamento do magistério primário. No Rio, o Centro Brasileiro fêz-se mais diretamente uma expansão do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, absorvendo seus antigos serviços de estudos, de documentação, de biblioteca e desenvolvendo a divisão de aperfeiçoamento do magistério, com a manutenção de uma escola primária de demonstração, graças à cooperação da Secretaria de Educação do, hoje, Estado da Guanabara. Como se vê, tôda a expansão do INEP fêz-se na base de uma evidente precariedade. Representava um esfôrço de inovação de objetivos e métodos de ação, que não encontrava, no sistema existente no Ministério, meios de se inserir como algo de normal e capaz de utilizar suas linhas comuns de fôrça. Na sua projeção nacional, o Ministério da Educação é um órgão federal de contrôle e fiscalização do ensino privado que funciona por autorização federal, e de administração do ensino superior e de suas próprias escolas médias. Atividades de estudo, de pesquisas, de experimentação educacional, de avaliação do esfôrço educativo brasileiro e de sua possível liderança técnica não encontram ali normas de serviço e de orçamento, nem condições administrativas apropriadas, para essas atividades. Têm elas que existir por tolerância, encontrando sempre obstáculos de tôda ordem para o seu funcionamento normal. Esta foi a posição do INEP e dos Centros, durante o período em que fui diretor.

É preciso ter em vista tudo isto para se compreender o que houve de esfôrço, não sòmente para realizar o que era, em si mesmo, nôvo, mas até para manter a própria instituição. O que se deve aqui às pessoas que tiveram a responsabilidade da direção dêste Centro Regional e aos professôres e funcionários que o serviram, é algo difícil de imaginar. Veja-se bem que o Centro é uma conjugação de esforços do Ministério da Educação e do Govêrno do Estado, mas nem um nem outro o reconhecem plenamente em seus objetivos, seus métodos e o alcance do seus serviço. É como uma experiência de laboratório compreendida pelo pesquisador, porém, mais ou menos ignorada pelo administrador geral, junto ao qual se tem constantemente de lutar por providências e recursos. Está claro que se encontram nessa posição não só os que aqui trabalham mas também os que, do Rio, têm a responsabilidade do empreendimento. Assim trabalhei eu nos doze anos em que fui seu diretor. Os órgãos pròpriamente de cultura do Ministério ou reduzem seu programa ao mínimo possível, ou entram em dificuldades de tôda ordem. O sistema é um sistema de atividades burocráticas, isto é, atividades de papéis e tudo que sair dessa categoria tem condições precárias de funcionamento. Veja-se que os próprios estabelecimentos de ensino, para exercerem suas atividades, têm de procurar se organizar como sistemas autônomos. O caso recente do Colégio Pedro II ilustra a afirmação. E não foi por outra razão que busquei, sempre que possível, pela fórmula de convênio, dar aos centros regime de autonomia.

Também aqui, o convênio com o Estado é que dá a êste Centro a autonomia mínima indispensável para sua existência. Estas escolas são escolas do Estado, confiadas ao Centro para a experiência que aqui se realiza, graças aos recursos federais a elas atribuídos por intermédio do INEP.

Não têm estas palavras nenhum sentido de crítica, mas de descrição das condições de funcionamento, que precisamos saber para poder avaliar o mérito do que vem sendo conseguido e compreender as falhas e deficiências acaso existentes. Não visito êste Centro, mesmo quando o fazia como diretor do INEP, sem um profundo respeito, que raia pelo enternecimento, pelo esfôrço dêsses profêssores, dêsses funcionários e dos seus diretores, que aqui trabalham na pior das solidões, que é a solidão do desconhecimento, o que não se deve a nada de intencional, mas às dificuldades de integração dessa experiência no corpo coletivo do sistema administrativo ou do ensino.

Passemos agora a uma análise da experiência pròpriamente dita. Os que vêem hoje esta parte da cidade, em que se acha localizado o Centro, difìcilmente podem imaginar o que era o local em 1947. A região era o centro de uma das chamadas "invasões", denominação com que, na Bahia, se designavam as formações precipitadas e abruptas do que se chamam no Rio as favelas. Sabemos que essas formações constituem concentração de população pobre, deslocada e em condições penosas de vida. O governador Otávio Mangabeira resolvera desapropriar as terras e dar aos "invasores" condições para construir seus barracos e suas casas. Que melhor área se poderia escolher para aí se implantar uma experiência de educação primária, que revelasse aos seus habitantes a importância da educação para a solução de seus problemas de vida e pobreza? Logo se aprovou a idéia e foram reservadas as áreas para as escolas. Chamamos os arquitetos Diógenes Rebouças, da Bahia, e Hélio Duarte, de São Paulo, para os projetos, que seriam desenvolvidos pelos escritórios de arquitetura, que, então, mantinha Paulo de Assis Ribeiro no Rio. Os estudos que se fizèram bem mereceria nossa atenção, se o tempo o permitisse. Recordo-me do plano de funcionamento do Centro, elaborado por Paulo de Assis Ribeiro, e que constituía um modêlo de organização.

O plano, como foi concebido, tinha, com efeito, suas complexidades. O corpo de alunos se matriculava nas quatro escolas-classe, onde se organizariam pelas classes e graus convencionais de cada escola e passariam metade do tempo do período escolar completo de 9 horas, dividido em 4 - 1 - 4 horas. A outra metade do tempo decorreria na escola-parque, de organização diversa da escola convencional, agrupados os alunos, dominantemente pela idade e tipo de aptidões, em grupos já não mais de 40, mas de vinte, que deviam, durante a semana, participar de atividades de trabalho, atividades de educação física, atividades sociais, atividades artísticas e atividades de organização e biblioteca. Cada manhã, metade dos alunos estaria na escola-parque e a outra metade distribuída pelas quatro escolas-classe. Ao meio-dia, os alunos da manhã das escolas-classe se dirigiriam para a escola-parque, onde almoçariam, descansariam em atividades de recreio e, depois, se distribuiriam, de acôrdo com o programa, pelas diferentes atividades da escola-parque. E os alunos que haviam passado a manhã na escola-parque, iriam, por sua vez, almoçar nas escolas-classe e se distribuiriam, a seguir, pelas suas atividades escolares. Cada aluno pertencia, dêste modo, a seu grupo da escola-dasse e a outro possível grupo da escola-parque. Como, ao todo, movimentam-se, em cada dia, por vários lugares, primeiro da escoIa-classe para a escola-parque e, depois, nesta, para o pavilhão de trabalhos, o ginásio de educação física, o pavilhão de atividades sociais, o teatro, a biblioteca e o restaurante, compreende-se que não faltaria complexidade a essa movimentação de 2.000 alunos de cada vez para atividades diversas e em locais diferentes. O plano de funcionamento, de horários e de movimentação das crianças, então elaborado, mostrava a perfeita exeqüibilidade do programa e dava ensejo a que se pudesse apreciar os benefícios educativos da estrutura prevista.

A organização da escola, pela forma desejada, daria ao aluno a oportunidade de participar, como membro da comunidade escolar, de um conjunto rico e diversificado de experiências, em que se sentiria, o estudante na escola-classe, o trabalhador, nas oficinas de atividades industriais, o cidadão, nas atividades sociais, o esportista, no ginásio, o artista no teatro e nas demais atividades de arte, pois tôdas essas atividades podiam e deviam ser desenvolvidas partindo experiência atual das crianças, para os planejamentos elaborados com sua plena participação e depois executados por elas próprias. Seriam experiências educativas, pelas quais as crianças iriam adquirir hábitos de observação, desenvolver a capacidade de imaginar e ter idéias, examinar como poderiam ser executadas e executar o projeto, ganhando, assim, habilitação para a ação inteligente e eficiente em sua vida atual, a projetar-se para o futuro. Se a escola-classe se mantinha, em essência, a antiga escola convencional, as condições de trabalho na escola-parque iriam facilitar sobremodo a aplicação dos melhores princípios da educação moderna. Nem tudo isto se pôde logo fazer. Em 1947, ficaram, apenas concluídas três das quatros escolas-classe. Posteriormente, com auxílio do INEP, se construiu o pavilhão de trabalho e só muito lentamente, a seguir, se construíram os demais prédios.

Hoje, o Centro ainda não está completo. Faltam as residências para as crianças chamadas abandonadas, que aqui deveriam estar como os habitantes do Centro, que iriam durante o dia, hospedar os alunos do regime de semi-internato em que funciona. A despeito de tôdas aquelas dificuldades, já referidas, o plano se executou e estas escolas se fizeram o exemplo de algo de nôvo no campo da educação. A experiência correu mundo. Seus visitantes, em muitos casos, encheram-se dentusiasmo. As Nações Unidas em um documentário de escolas de todo o mundo, escolheram êste Centro para um dos seus filmes e o exibiram por tôda parte.

Tudo isto se fêz com a prata da casa. Não houve para essa experiência nem auxílio nem assistência técnica estrangeira de qualquer natureza. Os professôres são todos nossos e os que tiveram a oportunidade de aperfeiçoamento, aperfeiçoaram-se aqui, no Brasil, em cursos do INEP. A diretora, que se devotou à experiência com tôda alma, é uma professora formada em uma das nossas escolas normais, a de Caetité, no Estado da Bahia e sua grande experiência de educadora foi adquirida no ensino em escolas normais, na direção de escolas, aqui entre nós e no estudo e convívio com as crianças brasileiras de tôdas as classes. O ofício de educador exige o melhor conhecimento possível da criança e o melhor conhecimento possível da vida e de suas exigências, no sentido de capacidade de pensar e agir inteligentemente dentro da sociedade e da cultura ambiente. A diretora do Centro possui êsses dois conhecimentos por cultura pessoal e por vivência educativa. Por isso é que a experiência dêste Centro pôde ter, dentro de nossas limitações, o sucesso que teve. A seu lado, um corpo de professôres admiráveis realizou, em silêncio, uma experiência nova, que mereceu o respeito de quantos dela puderam tomar conhecimento, e que aí está sob a vista de todos nós, para mostrar que podemos reconstruir a escola primária, por nós mesmos, desde que nos dêem as condições para isto.

É o problema destas condições que nos reúne hoje aqui, na Bahia, pois sòmente com as novas condições que aqui estão exemplificadas se poderá tentar a extensão da escolaridade e a recuperação da escola primária.

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