TEIXEIRA, Anísio. O mito da cultura geral no ensino superior. Boletim Informativo CAPES. Rio de Janeiro, n.41, 1956. p.1-2.

O MITO DA CULTURA GERAL NO ENSINO SUPERIOR

Anísio S.Teixeira

O ensino superior brasileiro, a despeito do seu objetivo, declarado, de preparar especialistas e profissionais, mantém em sua organização muito do que poderíamos chamar espírito de cultura geral.

Com efeito, entre nós, a idéia de cultura geral, em conseqüência de arcaico conceito medieval, implica sempre em cultura enciclopédica. A premissa longínqua é a de que a cultura é um todo, não só no sentido de unidade mas no sentido de algo completo. Tal qual era na idade média. Como porém a cultura de hoje, longe de ser um todo e longe sobretudo de ser algo completo, é extremamente diversificada e múltipla, entendeu-se que cultura geral seria ensinar tudo. Os currículos se fazem, então, cumulativos. Cada novo campo de estudo, cada nova ciência vem somar-se às demais. E não há acabar. Em medicina, em direito, em engenharia e nos cursos novos das faculdades novas, o ideal acalentado seria o de ensinar tôdas as matérias a todos os alunos. Em engenharia e nas faculdades de filosofia, ciências e letras, como seria de todo impossível o esquema, há cursos diversos. Mas, nem por isto cada curso deixa de ser enciclopédico. O preparo de um professor de inglês faz-se em um curso onde se ensina tanta cousa que pouco tempo sobra para o inglês. O aluno sai um especialista em línguas anglo-germânicas, não sabendo essas línguas nem nenhuma das outras diversíssimas cadeiras e disciplinas que estuda ...

Por trás de tudo isto está o falso conceito de cultura geral e o arcaísmo medieval da cultura ser um todo ...

Será mesmo que nos seja impossível conceber a cultura especializada? Nos países civilizados, discute-se o problema de como proceder-se à especialização sem abandono completo da cultura geral. O nosso problema é o oposto. Será que não podemos cuidar um pouco do preparo do especialista?

Os cursos para especialistas são, por excelência, anti-enciclopédicos. Importam sempre na escolha de um campo maior de estudos, em que se despenda a maior parte do tempo do aluno, e em estudos menores ou accessivos, relacionados com o campo maior e necessárias para sua completa cobertura.

Cada cadeira ou disciplina do ensino superior pode constituir um dêsses campos maiores e em tôrno dela se juntam os estudos menores das demais cadeiras relacionadas com a maior. Assim, nenhum professor deixa de dar um curso completo ou avançado de sua cadeira e cursos complementares por meio dos quais a sua cadeira colaboraria com os cursos maiores das demais cadeiras.

Isto feito, logo se compreende a variedade e flexibilidade dos cursos superiores. Haveria, pelos menos, tantos cursos quantas cadeiras. Em direito, em medicina, em engenharia, em filosofia, em ciências, em letras, teríamos dado então início ao preparo do especialista. Quando quiséssemos preparar o profissional, modalidade mais complexa do especialista, também organizaríamos o curso com estudos maiores e menores, que se seguiriam aos estudos propedêuticos ou básicos. Assim, o médico, depois de um curso propedêutico, sem que seja enciclopédico, teria a cadeira de clínica como maior, seja clínica geral ou especializada, e certas outras cadeiras indispensáveis como complementares. Dois terços do seu tempo seriam dados à clínica escolhida e o outro têrço aos estudos complementares. Logo veríamos as escolas de medicina com um curso propedêutico ou básico e tantos outros cursos quanto os das clínicas especializadas e os das especialidades científicas no campo da medicina, formando clínicos-internistas, cirurgiões, clínicos especializados e médicos especialistas nos diversos ramos das ciências biológicas e médicas. Em direito, a mesma cousa, formando essa escola juízes, advogados, promotores e especialistas em ciências jurídicas ... O mesmo em engenharia, etc., etc.

Creio não ser difícil ver quanto essa mudança de estrutura em nossos cursos superiores viria retirar-lhes o vago caráter absurdo, que os cursos atuais possuem, e que tanto concorre para a sua intrínseca falta de seriedade.

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