TEIXEIRA, Anísio. Meia vitória, mas vitória. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.37, n.86, abr./jun. 1962. p.222-223.

MEIA VIÓRIA

MAS VITÓRIA

Anísio S. TEIXEIRA

Não se pode dizer que a Lei de Diretrizes e Bases, ora aprovada pelo Congresso, seja uma lei à altura das circunstâncias em que se acha o país, em uma evolução para constituir-se a grande nação moderna que todos esperamos.

Se isto não é, não deixa, por outro lado, de ser um retrato das perplexidades e contradições em que nos lança êsse próprio desenvolvimento do Brasil. Afinal, é na escola que se trava a última batalha contra as resistências de um país à mudança.

O fato de não termos chegado a libertar-nos completamente dos anacronismos da situação anterior revela que a lei é o resultado de uma luta em que as pequenas mudanças registradas constituem vitórias e não dádivas ou modificações arbitrárias do legislador.

É por isto mesmo que tais modestas vitórias precisam ser consolidadas na sua execução. Não se julgue que seja isto automático. Se não houver visão e vigilância no cumprimento da lei, a máquina administrativa poderá vir a burlá-la completamente, sem outro esforço, que o de manter as atitudes e os hábitos da burocracia educacional criada pelo Estado Novo e, até hoje, apenas tocada nas singelíssimas e diminutíssimas alterações dos últimos "curtos" quinze anos de restabelecimento democrático.

Com efeito, a vitória maior da Lei Diretrizes e Bases está no novo conceito, no novo status dessa lei. Trata-se de uma lei complementar à Constituição e não de uma simples lei federal, que regulasse as funções do govêrno federal em educação. Leis federais de ensino haverá, além desta, mas, para regular o sistema federal de ensino, os estabelecimentos federais de educação.

A Lei de Diretrizes e Bases é uma lei federal, sui-generis, à maneira do Código Civil, do Código Comercial, etc... destinada a regular a ação dos Estados, dos Municípios, da União e da atividade particular no campo do ensino.

Não se trata de lei cujo cumprimento dependa da autoridade federal, como era o caso das demais leis federais de ensino.

Tôdas as autoridades do país estão sujeitas a essa lei e como tal são intérpretes de sua execução. Os Estados devem fazer suas leis criando os sistemas estaduais de educação dentro dos poderes que lhes dá a nova lei.

Se isto não fôr compreendido e se continuar a dependência dos Estados por autorização e concessões do poder federal, voltaremos à situação anterior e impediremos a diversificação e a descentralização, que de qualquer modo, se estabelecem na nova lei.

Êste é o ponto fundamental. Que não surja nenhum regulamento a essa lei.

Quem vai proceder aos atos complementares para execução da Lei de Diretrizes e Bases são os Estados e não o poder federal. Êste poderá fazer a sua lei federal reguladora de seu sistema federal de ensino, mas os Estados é que terão agora de fazer suas leis estaduais de diretrizes e bases, fundadas nas Diretrizes e Bases nacionais, e não federais, para a criação dos sistemas estaduais de educação.

A emulação dos vinte e um sistemas estaduais de educação é que irá dar ao país a sábia competição de vinte e uma experiências educacionais, adaptadas localmente dentro do quadro nacional da lei básica.

Essa autonomia, essa faculdade, êsse novo poder dos Estados é que desejo saudar na ocasião em que se vota a primeira lei nacional de educação no Brasil.

Mas, cuidado. Se persistirem os hábitos da imposição do govêrno federal e os hábitos de dependência dos Estados, tudo poderá perder-se, vencendo a máquina administrativa, que ainda aí está, todo o extraordinário esfôrço que representaram os treze anos de luta por essa lei de meia-vitória, mas, de qualquer modo, de vitória contra a centralização e o totalitarismo do Estado Novo.

| Scientific Production | Technical & Administrative Production | Literature about the Educator |

| Journal articles | Chapter of book | Speeches | Pamphlets |
| Books | Prefaces and Postfaces | Text in book flaps |
| Unpublished papers | Conference papers | Translations |