TEIXEIRA, Anísio. Por que especialistas de educação? Boletim Informativo CAPES. Rio de Janeiro, n.62, 1958. p.1-2.

PORQUE ESPECIALISTAS DE EDUCAÇÃO?

Anísio Teixeira

Quando a educação escolar e deliberada era necessária apenas para uma minoria e se limitava a uma especialização intelectual, para as letras ou para as ciências, bastariam para ministrá-la eficientemente dois cuidados: rigorosa seleção dos alunos e não menos rigorosa seleção de mestres. Com estas duas seleções, reduzíamos ao mínimo as necessidades de planejamento e de administração. A qualidade de mestres e de alunos, aliada à singeleza e linearidade dos objetivos (cultivo do espírito e do intelecto), fazia da educação escolar uma atividade espontânea e autônoma, o que levou um grande mestre a dizer que deveria ser conduzida, referindo-se, é verdade, à universidade, com o máximo de anarquia compatível com o seu funcionamento.

A primeira mudança é esta. Não podemos selecionar os alunos. Temos que educar a todos. Não podemos selecionar os mestres. Temos de escolhê-los em camadas cada vez mais comuns. Com alunos comuns e mestres comuns, cresceram as necessidades de planejamento, as necessidade de supervisão e as necessidades de administração. Não foi, porém, sòmente isto que mudou. Mudaram também os objetivos da educação escolar.

Já não temos apenas que preparar estudiosos e intelectuais para continuarem a estudar e a ensinar e cada vez se fazerem mais competentes nesse indispensável e maravilhoso círculo vicioso da cultura humana. Por certo que ainda temos de fazer isto, mas, também, temos que preparar a grande massa de meninos e jovens para as tarefas comuns da vida, tornadas técnicas senão difíceis, pelo tipo de civilização que se desenvolveu em conseqüência de nosso progresso em conhecimento, e, além disto, os quadros vastos, complexos e diversificados das profissões e práticas em que se expandiu o trabalho especializado.

Mudaram, pois, os alunos - hoje todos e não apenas alguns, - mudaram os mestres - hoje numerosos e nem todos especialmente chamados pela paixão ao saber, - e mudaram os objetivos da escola - hoje práticos, variados e mais profissionais e de ciência aplicada que de ciência desinteressada e pura.

Não se julgue que desmereça dos estudos puros e desinteressados. Foram êles ontem e são êles hoje a fonte e a origem de todo o nosso saber. Quero apenas acentuar que tais estudos se destinam a poucos eleitos e que não os podemos estender à grande massa dos educandos, todos, hoje, por outro lado, necessitados de escola, pois a própria vida e o próprio trabalho se fizeram técnicos e especializados.

Para essa escola estendida a todos - seja a comum, seja a especializada ou profissional - fêz-se indispensável um planejamento novo compreendendo a seleção dos conhecimentos teóricos adequados aos novos fins da educação, a formulação de conhecimento prático, antes confiados à espontaneidade da vida e do trabalho, a fusão, conjugação e coordenação de conhecimentos especializados em "todos" globalizados aptos a interessarem e serem compreendidos pelo aluno comum, e estudo das dificuldades dêsses alunos e dos recursos para vencê-las e todo um trabalho de administração complexo, diversificado e difícil.

Se antes nos contentávamos com preparar o professor, é que o podíamos selecionar e treinar para executar tôdas as tarefas da educação. O trabalho de classe, ou seja o ensino, sempre compreendeu tarefas administrativas e de planejamento, tarefas de ensino pròpriamente dita e tarefas de orientação. O professor administra a sua classe, ensina a seus alunos e os orienta na vida e nos estudos. Hoje ainda faz tudo isto, mas, como não pode ser tão selecionado, nem os estudos tão suficientemente simples, temos de ajudá-lo com especialistas de administração, de planejamento, de currículo, de supervisão e de orientação. Todos êstes especialistas são outros tantos professôres especializados que preparam o trabalho para que o mestre o possa executar. A diferença decorre da complexidade e variedade da tarefa do mestre, que já não pode sòzinho realizá-la. O administrador e planejador é o antigo mestre na sua capacidade administrativa, o supervisor é o antigo mestre na sua capacidade de ensinar e o orientador, o antigo mestre na sua capacidade de orientar. Os três especialistas são todos desenvolvimentos do antigo mestre omnicompetente. Existem para que o nosso mestre, por êles ajudado, possa desempenhar, hoje, a sua função global, como ontem, o podia fazer, porque a singeleza de sua missão e a sua rara competência permitiam que, sòzinho, a exercesse.

Nova, pois, porque mais desenvolvida, a organização atual obedece à mesma natureza da organização antiga e a sua continuidade com o passado é tão perfeita quanto a continuidade entre os organismos invertebrados e vertebrados.

São os mesmos princípios postos em ordem mais avançada e mais complexa. As instituições humanas desenvolvem-se como organizações vivas. As novas especializações que iremos de agora por diante cultivar se destinam apenas a nos habilitar a continuar a ter a mesma eficiência antiga, a despeito da vastidão, variedade e complexidade das tarefas educativas da sociedade moderna.

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