TEIXEIRA, Anísio. Um grande esforço de toda a vida. Boletim Informativo CAPES. Rio de Janeiro, n.96, nov. 1960. p.1-3.

UM GRANDE ESFÔRÇO DE TÔDA A VIDA

Anísio Teixeira

No dia em que percebermos tôdas as virtualidades da divisão do trabalho, faremos da indústria algo que lembrará uma orquestra. Para isto é que teremos de dar a cada um educação tão longa quanto a que sempre reservamos para aquêles a quem caberia não sòmente fazer, como também compreender.

Nos dias de hoje, há, pela primeira vez, possibilidade para isto. A autonação virá acabar com o operário antigo, com a chamada "mão de obra". Com as máquinas inteligentes e complexas de hoje, o operário não é "mão de obra", mas "cabeça", "mente", de obra. Serão em menor número mas muito mais educados. Trabalharão sòzinhos como o antigo artesão no seu atelier. Mas não terão, como êste, o prazer de fazer e pegar em seu trabalho e, por isto mesmo, precisarão de ser muito mais educados, mais educados do que o artesão da idade média. Precisam ter aquela rara educação que fazia com que alguns raros pedreiros, na idade média, ao britarem a pedra, sentissem que não estavam apenas britando pedras mas construindo a igreja. Nesse dia é que o sentido e o espírito de orquestra se poderá firmar no trabalho dividido, complexo e organizado do mundo de hoje.

Até que ponto a escola acompanhou todos êsses fatos? Até que ponto atende a escola a essas novas condições de trabalho humano? Recordamos que a escola, originàriamente, sempre visou preparar ou o trabalhador intelectual, ou o homem de lazer. No princípio, era só o profissional da inteligência, ainda que o chamássemos de sacerdote. Sua missão era a de aprender e conservar a cultura. O trabalho produtivo humano, êste era aprendido diretamente pela vida ou pelo tirocínio, nos casos de ofício que exigisse aprendizagem individual. Surge, depois, a escola primária, como escola comum destinada a ensinar as artes de ler, escrever e contar para uma sociedade, em que tais artes se fizeram imprescindíveis para o próprio trabalho. Neste sentido, a escola primária constituiu-se a maior escola profissional do mundo moderno. Êste compreendia, então, escolas de cultura geral para formar as elites de lazer ou de govêrno, escolas especiais superiores para os profissionais liberais, e escolas primárias para o preparo inicial do operário e daqueles que iriam continuar, prosseguir com a sua educação escolar. As escolas médias, chamadas profissionais ou técnicas, constituiram sempre um hibridismo. Eram escolas que pretendiam formar o artífice, no que falhavam, pois êste, sòmente se forma pelo aprendizado pessoal, seguido de tirocínio, ou formar o técnico de nível médio, o que conseguiam, por vêzes, em virtude dos fundamentos teóricos da formação dêsse verdadeiro tecnologista.

A situação presente se me afigura como exigindo uma revisão geral. Cada vez mais precisa o homem, para viver na sociedade artificial e complexa, em que se acha inserido, de um boa educação intelectual, que à falta de outro nome, chamaríamos de geral, seguida ou completamentada de aprendizagens de natureza ocupacional, destinadas a lhe dar emprêgo ou trabalho. Graças àquela educação geral, a sua posição em relação ao trabalho ou emprêgo se fará muito flexível, habilitando-o a melhorar, aperfeiçoar-se e mudar mesmo de setor profissional. Isto, quanto à educação comum. Quanto à especial, precisamos de preparar, como nunca, a equipe dos que irão não tanto guardar mas aumentar o conhecimento humano, os pesquisadores: depois os organizadores, administradores e diretores - ou verdadeiros maestros, mestres das grandes orquestrações do trabalho moderno; finalmente, em substituição da antiga classe de lazer, preparar os poetas e os artistas, isto é, os profissionais destinados a interpretar, a dar significação, a nos dizer do sentido e do valor da vida e esfôrço homano... Como a sociedade será extremamente organizada, o trabalho tremendamente fracionado, e o conhecimento que a explica muitíssimo elaborado e espantosamente remoto, a função dos poetas e dos artistas - entre os quais porei os grandes mestres do que se chama tão inadequadamente de vulgarização da cultura e que chamo, num esfôrço de valorização, de popularização - será da mais extrema importância. São êles que darão o toque humano ao imenso formigueiro humano.

Assim seria o sistema escolar moderno: uma escola comum, prolongando-se até o chamado nível médio, destinada a oferecer à criança e ao adolescente o preparo técnico nas artes de uma sociedade fundada no conhecimento intelectual, por meio do qual poderia ir de logo trabalhar, ou prosseguir nos estudos, para níveis mais altos dêsse mesmo trabalho, no ensino superior e na Universidade. Aquela escola comum teria, apesar de diversificada, grande unidade. Tôdas as antigas discriminações desapareceriam. A educação seria um grande esfôrço de tôda a vida, com um período de escola mais curto ou mais longo, conforme o indivíduo, pela sua vontade ou pela sua capacidade, se dispusesse a um patamar ou outro do grande esfôrço coletivo, todo êle técnico e exigente de preparo especial e escolar. Nesse grande sistema contínuo e gradual de educação, o que seja educação geral e o que seja educação profissional ou especial de certo modo se confundem, a educação geral sendo sempre necessário e a especial correspondendo a um esgalhar-se dessa educação geral, conforme o nível e o rumo de ocupação a que desejasse o homem se devotar. Verifica-se assim quanto os objetivos, em nosso tempo, da educação, seja ela geral e comum, ou especial e profissional se reencontram em um objetivo maior, que é o do preparo do homem novo para a sociedade nova em que vivemos…

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