TEIXEIRA, Anísio. Escolas de educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.51, n.114, abr./jun. 1969. p.239-259.

Escolas de Educação

Anísio Teixeira

1. A primeira "escola de educação" do Brasil

A primeira "escola de educação" de nível universitário, que existiu no Brasil, foi a "Escola de Professôres" do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, criada em 1932 no ex-Distrito Federal, que daquele modo passou a designar-se, quando de sua incorporação à Universidade do Distrito Federal fundada em 1935.

A experiência, embora breve, dessa Universidade, marcou o sentido do que é uma escola profissional de educação, destinada à licença do magistério de nível primário, médio e superior e ao preparo de especialistas em educação, cujos graus universitários correspondem ao bacharelado e ao título de licenciado em magistério e em especialização profissional no campo de educação. Em nível pós-graduado, ministra os graus de Mestre e o de Doutor.

2. Que é uma escola de educação?

No sistema tradicional, esta nova escola encontra certa analogia com a de Medicina, sendo, como esta, num sentido amplo, ao mesmo tempo, escola de ciência e de arte. Daí seu caráter de escola de ciência aplicada e de prática profissional. Seus cursos básicos de natureza acadêmica devem ser dados nos institutos da universidade devotados ao estudo acadêmico dos respectivos campos de humanidades, letras, ou ciências. A escola de educação concentra os cursos de natureza profissional. Tais cursos, entretanto, podem ser de pré-graduação, de pós-graduação e de pós-doutorado. No nível de pós-graduação, os cursos são de aperfeiçoamento e de alta especialização e pesquisa, constituindo estudos avançados.

Sendo uma escola profissional de alto nível, envolvendo a prática e a pesquisa profissional, requer, para cumprir seus objetivos, escolas anexas experimentais, de demonstração e de prática, dos níveis para cujo magistério forma professôres representando tais escolas anexas verdadeiros laboratórios de pesquisa e prática, além dos demais laboratórios especiais que lhe cabe manter, de psicologia aplicada, de testes e medidas e de tecnologias de ensino de tipo mecânico e eletrônico em fase de desenvolvimento, tudo isto sem mencionar a necessidade básica de uma biblioteca altamente especializada no campo da educação, concebida esta em tôdas as suas modalidades.

Se bem repararmos, a modesta experiência brasileira de formação do magistério, no nível primário, desenvolveu escolas normais e institutos de educação com êsse caráter, incluindo sempre jardins de infância e escolas primárias para experiência e prática. As futuras escolas de educação deverão lembrar, no nível superior, o que foram essas escolas normais e institutos de educação no nível médio, e, no nível superior, as escolas de medicina com seus biotérios, laboratórios e hospitais, distintas assim de nossa experiência com faculdades de direito e de filosofia, ciências e letras.

O desejo das escolas de ciências de se constituírem autônomamente representa a consciência de que também elas não podem cumprir seus objetivos com a organização muito menos complexa de escolas de humanidades, letras ou direito, passando, então, com a autonomia, a se fazerem escolas como as de engenharia e tecnologia, com sua riqueza de laboratórios, centros de experimentação e de prática e renovação tecnológica.

Estas observações visam afastar qualquer idéia de que escolas de educação possam ser instaladas à maneira de escolas que admitem poder limitar-se a ensino informativo de natureza verbal, cujo equipamento se resume no livro e na biblioteca.

3. A escala e urgência do problema de formação do magistério

Ao mesmo tempo que desejamos acentuar, primàriamente, êsse aspecto, cumpre-nos reconhecer que a necessidade nacional de preparo do magistério é de grande escala e de imensa urgência, ante o crescimento vertiginoso e avassalante do sistema escolar em todos os seus níveis.

Essa conjuntura, que é a de fazer o difícil e fazê-lo em grande escala e depressa, obriga-nos a planejar a formação do magistério no Brasil em têrmos equivalentes aos de uma campanha para formação de um exército destinado a uma guerra já em curso. Isso deve forçar-nos à mobilização de todo o sistema escolar para o ataque ao problema de formação de um magistério em ação, associando seu treinamento à prática mesma no ensino. Será, para manter a comparação com a necessidade bélica, um treinamento em serviço, um treinamento em batalha.

Ora, a primeira necessidade da guerra é a de um estado-maior com a capacidade de estudo e decisão acertada. As escolas de educação avançadas, ou seja, pós-graduadas, são êsses estados-maiores, que juntarão capacidade de estudo de ação para ajudar a realização com êxito da batalha do ensino.

4. Mobilização das escolas para intenso esfôrço de formação e aperfeiçoamento do magistério

Mobilizadas as escolas de ensino regular, – as escolas normais de magistério primário, as faculdades de filosofia, ciências e letras, até há pouco com a responsabilidade do magistério secundário, e as universidades em reforma com suas nascentes escolas de educação – teremos o quadro do exército e o dos estados-maiores (escolas de educação), os quais juntos irão organizar e conduzir a batalha do ensino em expansão irreprimível.

Logo após a mobilização, há a classificação dos elementos para dispô-los em ordem de campanha, com seus deveres redefinidos e suas tarefas reformuladas. Para isto, impõe-se uma primeira classificação probatória das escolas em categorias de acôrdo com a forma e o nível em que vêm desempenhando os seus deveres.

Temos de início as escolas primárias que se classificariam pelo tipo de magistérlo, condições físicas de existência e grau de organização do seu ensino. O tipo de magistério compreenderia o "leigo", o de preparo normal-ginasial, o de preparo do normal-colegial, o aperfeiçoado com cursos posteriores ao colegial, e o graduado em nível superior.

As condições físicas da escola incluiriam as de prédio-próprio-adequado e de tempo completo, a do prédio nessas condições, mas de tempo parcial, a do prédio-adaptado de condições razoáveis, a do prédio nessas condições, mas de tempo parcial, a do prédio improvisado e precário. A organização do ensino compreenderia o tipo de escola isolada de um só professor, o da escola de dois professôres, o da escola de professor por classe e grau ou série de ensino e mais o professor especializado. Jogando-se com êsses três elementos, ter-se-ia uma distribuição classificada das escolas, a fixação dos objetivos de ensino para cada um dos grupos e o tipo respectivo de professor possível.

O mesmo depois se teria de fazer com as escolas secundárias, em seus dois níveis, de ginásio e colégio, levando-se também em conta os três elementos: tipo ou grau de formação do magistério, condições físicas e de equipamento e grau de organização escolar, para se distribuírem as escolas em grupos, a fim de lhes fixar os objetivos possíveis do ensino e o tipo de professor disponível.

Cada um dos grupos teria um programa de desenvolvimento previsto, com base principal na melhoria do fator magistério e, secundàriamente, no progresso também em marcha dos demais elementos.

Daí se passaria as escolas de formação do magistério – as escolas normais de nível ginasial, as escolas normais de nível colegial, os institutos de educação, as faculdades de filosofia, ciências e letras – e, por último, às novas ou futuras escolas de educação.

Estas, as que nos cabe aqui examinar, seriam os estados-maiores centrais, com a responsabilidade de formular o pensamento condutor de todo o esfôrço, elaborar as técnicas e programas de ação, levantar e caracterizar a situação educacional existente e formar e treinar o corpo de mestres e especialistas destinado a conduzir a prática educativa, de natureza semelhante à prática médica.

5. A escola de educação

Conforme acentuamos, a escola de educação é escola de aplicação especializada dos conhecimentos humanos e não apenas de busca do conhecimento pelo conhecimento. Neste aspecto, é que ela se distingue das escolas acadêmicas por campo de conhecimento, cujo objetivo é a busca desinteressada do saber. A escola de educação precisa de tôdas elas e se funda no saber que esteja sendo elaborado por essas escolas, mas sua tarefa especial e maior é a de "como" ensinar e treinar, como tratar e organizar o saber para a tarefa de ensino em diferentes níveis e com diferentes objetivos. Daí ser, rigorosamente, uma escola profissional superior, à maneira, conforme já lembramos, das escolas de medicina, que se utilizam de grande parcela do saber humano para aplicá-lo na arte de curar da saúde humana. A escola de educação faz o mesmo quanto à arte de formar o homem e treiná-lo para as atividades multímodas de ensino de educação pròpriamente dita e do treino para as diversíssimas ocupações humanas.

Naturalmente, o levantamento das necessidades de educação da sociedade constitui seu primeiro grande trabalho, pelo qual ela se articula com o grande problema dos recursos humanos, hoje reconhecido como o problema capital da sociedade urbano-industrial que se vem estabelecendo.

Sabemos que na sociedade anterior de tipo agrário, a atividade organizada da educação se limitava ao que se costuma chamar de incentivo às letras, artes e ciências e ao preparo do pequeno quadro das profissões liberais e das demais ocupações qualificadas. Com o surto da industrialização e o nôvo caráter tecnológico da cultura moderna, a necessidade de educação formal e intencional aumentou sobremodo, passando o problema a ser não sòmente a educação de todos, o que no nível básico, já se vinha fazendo desde o século XIX, mas a educação de cada um, segundo suas aptidões e potencialidades para o seu mais útil aproveitamento.

Decorre dêsse fato que hoje sòmente a escola primária guarda certa homogeneidade, não direi uniformidade, de programa, devendo logo, no nível da adolescência, constituir-se a escola média ou secundária de tipo compreensivo, com uma grande variedade de programas e linhas de estudos, a fim de qualificar o aluno para imensa diversidade de ocupações. Em nível superior, ainda mais se multiplicam as carreiras e especializações, a que se acrescentam os níveis de graduação e pós-graduação, que vão até o pós-doutorado.

Difìcilmente, portanto, se poderia exagerar a vastidão dos estudos e problemas que afetam uma escola de educação. Cabe-lhe o estudo dos sistemas de ensino e de sua administração e operação, o estudo do aluno em sua variedade e diversificação e o estudo dos currículos e programas, que, pràticamente, envolverão todo o saber, experiência e prática do homem dentro da sua civilização. Representando a educação, não sòmente a pura formação do homem, mas a sua distribuição e mobilização para o esfôrço coletivo da espécie dentro de sua complexíssima civilização tecnológica, passa ela – a educação – a ser, sem dúvida, o mais importante fator de manutenção e desenvolvimento da própria civilização, visto caber-lhe o preparo do magistério e de tôda a complexa organização de métodos e técnica de ensino e treinamento, pela qual se mobiliza o saber existente para sua aplicação e difusão.

Até muito recentemente, entretanto, a atividade educacional consistia em um sistema de escolas de nível primário, médio e superior, organizadas dentro de planos preestabelecidos, fundados na prática existente, cada uma com seus objetivos, consubstanciados em programas mais ou menos rígidos, a que os alunos deviam submeter-se, medindo-se a sua produtividade pelo grau em que, nesse processo mais ou menos fixo, uniforme e, em essência, seletivo, tinha êxito o estudante.

Com a atual riqueza de ofertas de estudo e com a nova orientação de educar cada um e não apenas selecionar os capazes, ou os suscetíveis de se ajustarem aos programas estabelecidos e compulsórios, os programas de educação fizeram-se extremamente variados e a atenção ao estudante faz-se cada dia mais individualizada. Isto multiplicou as modalidades e variedades de cursos e tornou todo o processo educativo extremamente complexo, uma vez que já não era uma simples imposição de estudos, mas a descoberta e a tentativa de desenvolver as potencialidades de personalidade e de ocupacão de cada um.

Sòmente o desenvolvimento da nova abordagem ao problema de educação pelo systems analysis está agora contribuindo para tornar isto realmente possível. Êste nôvo método permite analisar um sistema de educação não como um processo único e uniforme, mas como um conjunto de sistemas operacionais no caso de cada indivíduo e no caso de cada aprendizagem. Na realidade, e a analogia me parece perfeitamente cabível, passou-se a proceder em educação como se procede na medicina, em que cada doente é um "caso", ou sistema, e cada estado de saúde, ou moléstia, também um sistema. O systems analysis trouxe para educação os métodos individualizados do médico. Êsses métodos se baseiam na ciência, que, consistindo em generalizações, tem, em cada caso, sua aplicação particular, fundada na verificação dos fatos que a ciência torna possível pelos exames individuais e de laboratório. A aplicação dos mesmos métodos vai criar para a educação uma semiologia, uma arte de diagnóstico e prognóstico e uma terapêutica à maneira do procedirnento corrente dos médicos nos casos dos incidentes da saúde. Será tudo isso em relação ao processo e atividade de aprender e de treinamento para as múltiplas ocupações, ofícios ou profissões.

Dir-se-ia que não temos ainda, sôbre a aprendizagem, a ciência que possuem os médicos em relação à doença e à saúde, o que, sem dúvida, é certo. O problema, contudo, não é tanto da quantidade de ciência que possuímos, mas de começar-se a aplicar a atitude científica, no sentido de buscar controlar os fatos e lhes introzir as modificações necessárias para alcançar os obetivos em vista.

A medicina sempre agiu em relação ao caso individual, mesmo quando não possuía a ciência que hoje possui.

Não se trata, porém, sòmente de abordar os problemas relativos ao processo de aprendizagem com a atitude e os métodos da ciência, mas também de, por êste modo, abordar os problemas de organização e funcionamento de todo o sistema educacional, como séries de sistemas operatórios a serem julgados cada um à luz de sua eficácia ou ineficácia.

A transformação por que está passando a educação é a de poder-se considerar a atuação educativa como suscetível de contrôle nos têrmos do método racional e científico, não porque já se tenham todos os conhecimentos científicos sôbre aprendizagem e educação, mas porque já se pode, graças aos computadores e outros recursos técnicos, lidar racionalmente com situações empíricas em que são múltiplas e numerosas as variáveis. A mudança em curso representa sair-se da situação de se aceitar cegamente tudo que se fazia como certo e depois apurar os resultados, para se proceder com o máximo de lucidez quanto ao que se quer tentar e o máximo de conhecimento dos elementos envolvidos no processo, a fim de localizar as razões e motivos de tais ou quais resultados. O systems analysis é o método de se ver a educação como atividade que tem de ser organizada, disposta e efetivada com essa plena consciência do que está ocorrendo, e de porque está ocorrendo, a fim de se poder controlar o processo para que o resultado seja o previsto. Como se vê, é o puro e simples método científico tal como já funciona no mundo físico, mecânico ou biológico e que, agora, pretende estender-se ao social.

Requer-se, primeiro, para isso a definição dos objetivos com a mais alta precisão possível, depois o levantamento de todos os elementos envolvidos no curso do processo para se alcançar o objetivo e dos modos e meios em que interagem êsses elementos, acompanhando-se o processo passo a passo, a fim de localizar as variáveis, perceber o jôgo de sua interação e julgar-se o resultado à luz de tôdas essas condições. Não é outro o processo em qualquer atividade de que se pretenda ter o contrôle a fim de obter o resultado, corrigir os erros e assegurar-se o seu aperfeiçoamento progressivo.

Como a atividade educativa e, portanto, social, jogava com muitos elementos em situações que pareciam altamente indeterminadas, dado o imenso grau de variáveis, a atividade era conduzida dentro de pressupostos rígidos e formas impostas de atuação, atendo-se o educador apenas a seus resultados mais ou menos felizes. No fundo, o educador se comportava como um cego, que tentava algo, que iria acontecer ou não, mais ou menos ao acaso. A possibilidade hoje de se levantar grande número de dados e de se perceber a sua interação, veio dar um grau de contrôle que antes não se podia nem pensar em conseguir. É neste sentido que o computador é um auxiliar da inteligência humana à maneira do telescópio ou do microscópio. Pode-se hoje lidar com situações extremamente complexas, como antes se podia lidar com situações simples e lineares. Por isso é que, mesmo sem um aumento considerável do saber científico, pode-se cuidar de situações ainda empíricas com um grau de contrôle muito mais alto. O que se está buscando diminuir é a alta margem de invisibilidade que dominava a atividade educativa, tornando-a dêste modo mais controlável.

Não faltará quem julgue representar o movimento uma extensão da visão mecanicista do processo educativo. Entretanto, não há nada disto, mas simples visão mais ampla, mais exata mais compreensiva das situações envolvidas e, por isto, diagnósticos, prognósticos e métodos de atuação mais lúcidos, mais coerentes, mais racionais e, por conseguinte, melhor e mais rico planejamento do que o que se tenta, se experimenta e se faz correntemente.

O systems analysis em educação e a repetição, no campo social, do que já se faz, sem a terminologia abstrusa dos educadores e analistas sociais, no campo do biológico e fisiológico para mencionar campo mais complexo e mais cheio também de variáveis do que o campo do físico, do químico e do mecânico.

Por essa razão é que insisto na analogia com o campo médico, dentro do qual o método científico ganhou posição definitiva assente, sem se ver envolvido por uma terminologia em que se parece estar fazendo algo de revolucionário e abstruso. A idéia de planejamento e especialistas em planejamento não surgiu com essas palavras em medicina, embora todo mundo saiba que o exame da situção, as análises de laboratório, o diagnóstico, o prognóstico e o tratamento, no caso do médico, envolvem exatamente o que se chama no campo do social, ou do educacional, o levantamento da situação, a definição e fixação de objetivos, a dos meios e recursos, o planejamento da ação, a execução da atividade, a medida e julgamento dos resultados. O médico clínico é um especialista em planejamento, ninguém, entretanto, assim o chamando, e isto, sobretudo, porque êle sempre lidou com situações individualidades. No momento em que a educação começa também a ser processo individualizado, a atividade dos educadores passa a lembrar a dos médicos e apenas isto é o que se está passando, não fôsse ainda tão fluido o nosso momento, parecendo ser os especialistas em planejamento e em medidas de contrôle do processo educativo peritos de outros campos a tentar invadir a área dogmática, empírica e cega dos educadores e pedagogos. Tal situação é, sem dúvida, lastimável, pois deveriam ser os próprios educadores e pedagogos os interessados em todo o processo e não dividida a atividade entre especialistas em planejamento e contrôle e educadores e professores. Nunca o mundo de exames de laboratórios no campo médico foi para o clínico outra coisa senão um enriquecimento do seu método de trabalho e de eficiência. O mesmo deve acontecer com o mestre ou o educador, se o progresso ora conseguido não estivesse sendo feito por técnicos de organização e planejamento e não por educadores. Nada mais prejudicial do que a falsa distância que ainda está havendo entre os dois grupos de peritos e profissionais.

A escola de educação que ora se pretende criar deve ser o ponto de encontro entre dois grupos, devendo o educador de hoje ser um familiar da organização e processualística de tôda atividade educacional, trabalhando na escola como o médico trabalha no hospital dentro de um mesmo campo de saber unificado e harmonizado, embora servido por um sem-número de especialistas e técnicos de tôda ordem. A multiplicidade de saberes envolvidos na educação decorre da extrema complexidade dessa atividade, que compreende o homem, a sociedade e tôdas as culturas dessa sociedade. E mais do que isto, como essa atividade se exerce sôbre grupos e é, em essência, individual, a contradição ou distância entre o coletivo e o individual está sempre presente, dando duas dimensões à atividade e, por isto mesmo, maior dificuldade de contrôle e eficácia.

6. A organização e estrutura da escola de educação

A escola de educação é, como vimos, uma escola de prática de ensino para a formação do magistério e de estudos de educação para a sua cultura geral, bem como a formação de especialistas em educação e supervisores, conselheiros e administradores educacionais.

Sua tarefa não é a de descobrir o conhecimento pròpriamente dito em cada matéria, mas a de estudar a sua aplicação na atividade de ensino e treinamento pesquisando as suas técnicas e metodologias, dentro da atmosfera de explosão dos conhecimentos e de mudanças que prometem ser revolucionárias na apresentação das matérias e nas suas seqüências e nos meios novos de se conduzir o processo da aprendizagem.

Suas atividades serão as de estudar e ensinar a construção dos currículos, sílabos e programas de ensino, os modos e meios de conduzi-los, controlar sua expansão e medir-lhes os resultados, o aconselhamento e orientação do aluno no processo de aprendizagem, a organização e funcionamento das escolas, tudo isto dentro do contexto de uma sociedade em mudança por fôrça da explosão dos conhecimentos humanos, seguida de uma explosão tecnológica e de uma explosão de aspirações.

Estamos a viver um período de fluxo cultural que está a prenunciar uma revolução na arte de ensinar com a redefinição de conteúdo dos cursos, um reexame de sua estrutura e nova formulação dos seus objetivos, diante de uma nova concepção da educabilidade dos alunos e dos novos meios e técnicas do ensino.

A escola de educação, longe de ser a velha escola tradicional e conservadora, apegada às suas certezas e seguranças e pronta para descarregar sôbre a incapacidade do aluno médio os motivos de seus fracassos, vê-se hoje em posição, diríamos, diametralmente oposta, obrigada a rever tôdas as suas velhas idéias ante as novas possibilidades da aprendizagem e do ensino, parecendo confirmar-se a simplificação de Makarenko: "se o aluno falha em aprender, a culpa está no ensino".

O ensinar "é aprender duas vêzes" do velho dito faz-se duplamente verdade, tendo de ser a escola de distribuição da cultura uma escola de descoberta e pesquisa tanto quanto de ensino, em rigor uma escola experimental. Pesquisa e ensino devem nela procurar fundir-se em uma atividade unificada e fecunda. Descobrir e aprender são precessos que irao frutificar na atividade de ensino pela qual o saber se consolida e cresce. A pesquisa serve ao ensino, como êste serve à pesquisa, e ambos conjugados é que dão ao saber a sua inteira potencialidade, permitindo-lhe guardar sua qualidade imaginativa e seu sentido humano.

A estrutura de tal escola deverá compreender :

1. um departamento de fundamentos filosóficos e sociais da educação;

2. um departamento de história da educação e de educação comparada;

3. um departamento de psicologia educacional;

4. um departamento de construção dos currículos, dos sílabos e dos programas e de metodologias e técnicas de ensino;

5. um departamento de testes, medidas e avaliação dos resultados escolares;

6 . um departamento de organização e administração escolar;

7. um departamento de systems analysis para manter tôda a processualística escolar em permanente reexame e reavaliação de sua eficácia.

Cada um dêsses departamentos é um centro de estudos, pesquisa, experimentação, no seu respectivo campo, para fundar e encaminhar uma teoria e uma prática de instrução nos diferentes níveis e linhas de ensino e treinamento dos diversíssimos projetos de currículos sílabos e programas de educação do sistema escolar.

Como seus alunos já o irão procurar depois de uma educação prévia em que se tenham assenhoriado de uma substancial cultura acadêmica no campo das matérias pròpriamente ditas, a escola de educação é, em rigor, uma escola pós-graduada de preparo profissional, com pesquisas, estudos e práticas no nível de ciência aplicada e do desenvolvimento de metodologias, técnicas e práticas de ensino.

Ao lado dos departamentos, deverá, ainda, a escola, com a mais alta prioridade, organizar sua biblioteca, que terá naturalmente massa considerável de livros do conhecimento histórico e presente sôbre educação, mas empenhar-se-á especialmente em uma biblioteca de revistas, dedicada à problemática educacional, devendo estar em condições de tomar conhecimento do que se está fazendo e estudando, relatando e pesquisando em parte substancial do Brasil. Essa biblioteca tem tanta importância quanto os próprios departamentos e seus professôres.

Nenhum curso na escola será oferecido sem contar com massa considerável de estudos feitos e novas possibilidades de estudos, de modo a não deixar de ser um curso de problemas, de pesquisa e de busca de solução.

A reunião de "material" para cada curso não compreende apenas livros, embora êstes sejam parte significativa do curso, mas estudos e pesquisas feitos ou em marcha. A idéia fundamental a respeito é a de como, em Harvard, se reuniu o material para sua escola de direito e, depois, sua mais recente escola de comércio. Coleções de leis, programas, planos, relatórios e trabalhos oficiais e particulares de cada sistema escolar, ou dos mais importantes, seriam parcela de alta prioridade da biblioteca comum e da biblioteca especial que se organizaria para cada curso.

Êsse detalhe ilustra uma idéia fundamental da escola: o saber com que ela vai lidar não é o que já foi absorvido pelos professôres e está em suas cabeças, mas um saber colecionado e documentado nesse "material" disponível para os estudos, compreendendo livros, folhetos, revistas, publicações de trabalhos e resultados de estudos e pesquisas feitas fora da escola e mesmo nela. A escola é um centro que recolhe todo o material informativo e de cultura existente sôbre o campo de estudos e os projetos de pesquisa preparados.

Pode-se ver, assim, quanto é necessário trabalho preparatório para se iniciar um "curso". Um curso é um projeto de trabalho que, além de tôda essa tarefa prévia, se faz êle próprio um passo dessa busca por informação existente e pelo enriquecimento dessa informação pelo trabalho que, durante o curso se fará. Dêsse modo, cada curso será um passo para um curso mais avançado no futuro. O conhecimento humano a respeito será "levantado" e se irá acrescendo em cada período, para se acompanhar o desenvolvimento fora da escola e dentro dela.

O culto ao passado será imenso, mas ainda maior, se possível, será o culto ao nôvo, pelo qual a Escola deve ter uma receptividade particular, como centro de descoberta do saber e não apenas de transmissão do saber existente. A escola é a fronteira do conhecimento existente, projetada para a exploração e a descoberta do conhecimento do futuro.

Anexo 1. Escola de professôres do Instituto de Educação do Rio de Janeiro, ex-Distrito Federal, 1932-1937

Excertos da exposição de motivos do Diretor-Geral de Instrução, que acompanhou o Dec. n. 3.810, de 19 de março de 1932 :

1. O projeto de reforma do Instituto de preparação de professôres, que acompanha esta exposição, busca resolver a primeira parte do problema: a formação adequada do mestre.

Nesse projeto, a atual Escola Normal é transformada em um Instituto de Educação destinado a ministrar educação secundária e a preparar professôres primários e secundários.

Tornam-se dispensáveis maiores esclarecimentos sôbre a instalação da Escola Secundária, nos moldes da legislação federal, porque já foi isso objeto de decreto anterior de V. Exa.: Decreto n. 3.763, de 1º de fevereiro último.

Na organização dessa escola, introduz o presente projeto medidas de alcance técnico, que visam dar unidade e flexibilidade aos seus cursos, fugindo à rigidez pouco aconselhável de certos institutos de instrução, em que a extrema divisão e independência das matérias faz do ensino um conjunto de conhecimentos fragmentários e isolados.

Para obviar semelhante defeito de organização escolar, agruparam-se as matérias por seções, confiando-se a direção das mesmas a professôres chefes, aos quais incumbirá:

a) promover a unidade e a articulação do ensino das diferentes matérias da seção, entre si;

b) organizar, além dos cursos ordinários, outros de revisão e de graus mais avançados, que se tornem necessários;

c) superintender e acompanhar a execução dos programas sugerindo a melhoria dos processos didáticos.

Em complemento a essa medida, estabelece o projeto a constituição de um conselho técnico, formado pelos diversos professôres chefes. Êsse conselho técnico promoverá, em um ciclo mais elevado, a unidade cultural de todos os cursos da Escola, que, no seu caráter secundário, visa, acima de tudo, a formação integral da personalidade do adolescente.

Essas medidas, como a de conservação dos cursos de Higiene e Puericultura e de Trabalhos Manuais,* que também se encontra no corpo do projeto, visam, assim, dar à Escola o caráter educativo e geral que deve possuir, como instituição de ensino secundário.

No mais, obedecerá a nova Escola à legislação federal em vigor, tendo em vista a validade dos seus diplomas para as escolas superiores da República.

Dado, porém, que o ensino secundário se divide, no segundo ciclo, complementar, em cursos já especializados para aquelas diferentes escolas superiores, tornou-se necessário prover a organização de um curso complementar especial para o ingresso à Escola de Professôres. É sôbre o que dispõe o art. 5º do projeto, estabelecendo o ensino das matérias básicas necessárias ao futuro preparo do mestre.

Enquanto a Escola de Professôres não mantiver cursos para a preparação de professôres secundários, o curso complementar será de um ano, limitação que se faz necessária para não tornar excessivo o tempo exigido à formação do mestre-primário.

* * *

2. Na Escola de Professôres, que se cria no presente projeto, é que se processa, realmente, a profunda renovação dos nossos métodos de formação do mestre.

Estivemos, até hoje, a preparar nossos professôres primários em escolas secundárias em que se introduziam, para aquêle fim especial, cursos de Pedagogia e de Psicologia e uma prática nominal do ensino.

Confundíamos, assim, finalidades culturais e profissionais em um só instituto, servindo mal a umas e outras.

Instituto de educação geral ou de cultura é o instituto em que se ministra o ensino para o proveito individual do aluno na formação de sua personalidade. Instituto de educação profissional é o instituto que ministra o ensino, tendo em vista a necessidade do aluno no exercício de sua futura profissão. No primeiro, a matéria é absorvida pelo aluno para sua formação cultural; no segundo, a matéria é o seu futuro instrumento especial de trabalho.

Parece que essa simples distinção viria subtrair muitas das nossas escolas superiores à permanente confusão em que vivem os seus cursos, que não são nem legìtimamente profissionais, nem verdadeiramente culturais.

As nossas escolas normais sofrem igualmente desse vício de constituição. Pretendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falham lamentàvelmente aos dois objetivos.

É em obediência às solicitações imperiosas de uma formação aprimorada do mestre, bem como às inevitáveis contingências de finalidades uniformes para os estabelecimentos de ensino, que o projeto ora submetido à apreciação de V. Exª eleva, definitivamente, o preparo dos professôres ao nível universitário, criando, na Escola de Professôres, que se segue à Escola Secundária, cursos nìtidamente profissionais para o preparo do mestre. A primeira necessidade dêsse preparo profissional está na diferenciação dos programas, de acôrdo com os diversos tipos e graus de professôres de que precisa um sistema escolar.

Dentro do próprio quadro do ensino primário, torna-se indispensável diferenciar os programas para o preparo do professor dos três primeiros graus e dos dois últimos. Não só representa o ensino dos três primeiros anos da escola primária um ensino que tem características especiais de métodos e objetivos, como também aí se limita um estágio da idade infantil já apreciàvelmente diverso do que se segue, de 10 a 12 anos.

A formação diferenciada do mestre para os graus chamados primários do ensino (1º, 2º e 3º ano) e do mestre para os graus chamados intermediários (4º e 5º ano) se impõe, não sòmente como uma necessidade da organização escolar, diversa em um e outro período, como ainda pela transição psicológica e de desenvolvimento físico dos alunos.

Além dessa diferenciação de programas para o ensino primário geral, tornou-se necessário promover a formação de professôres especiais, ainda primários, hoje exigidos pelo desenvolvimento que vai tendo o referido ensino.

O projeto determina a formação de mestres especializados para música, desenho e artes industriais e domésticas, educação física e saúde. Todos êsses professôres receberão o preparo especializado necessário ao exercício eficiente do seu mister na escola primária, não sendo preciso maiores esclarecimentos para fundamentar a necessidade de sua especialização e das funções que lhes competirão na escola renovada.

Só o professor de saúde parecerá a alguns uma inovação talvez excessiva. Não o é porém, dada a importância do problema na escola primária brasileira e a insuficiência de outros agentes ou do próprio ambiente social para prover recursos à educação sanitária do escolar. O professor de saúde será não sòmente o instrutor de higiene na escola primária, como ainda o promotor da aquisição de hábitos higiênicos, por parte do aluno, em tôda a sua vida escolar, e o visitador social, que levará os conhecimentos de higiene até o ambiente de residência familiar da criança.

* * *

3. Explicados, nesses traços, os objetivos do Instituto de formação do professorado do Distrito Federal, passo a justificar, perante V. Exª, a estrutura interna da própria Escola de Professôres, segundo foi traçada no projeto.

De acôrdo com a variedade de programas que se devem organizar em tais centros de educação e com a necessidade de flexibilidade para a mais perfeita organização técnica de seus diferentes cursos, não era possível dar à nova Escola a estrutura habitual das escolas brasileiras, mesmo superiores. Nela não se encontra a divisão clássica de cadeiras, isoladas umas das outras, mas um largo agrupamento de matérias sob títulos de conjunto.

Só assim haverá, por parte da administração do Instituto, a possibilidade de prover todos os cursos necessários para os diferentes tipos de professôres a formar e só assim poderá o Instituto ser o laboratório de experimentação e ensaio, que deve ser, para o aperfeiçoamento progressivo da preparação dos nossos futuros mestres.

Em cada uma das seções de ensino da Escola de Professôres haverá um professor-chefe e os professôres assistentes necessários, especializados no conjunto de matérias compreendidas na seção, embora com preferências mentais e tendências mais acentuadas para alguma das divisões especiais do grupo.

Acham-se definidos no projeto os cursos que virão a competir a cada seção, assim como a função especial de cada um dêles na formação unificada, integral do mestre.

De modo geral, êsses cursos deverão ser ministrados dentro do esquema que passo a expor, cabendo às instruções, que deverão ser baixadas, posteriormente, dar os pormenores dos diferentes programas.

Os cursos funcionarão em trimestres, para permitir maior variedade em sua organização e melhor distribuição de tempo.

Para a formação do professor primário, o período fixado de dois anos assim se distribuirá. O primeiro trimestre será comum a todos os programas e se constituirá com os cursos gerais e de introdução, necessários para dar ao estudante uma vista de conjunto da profissão do magistério e lhe permitirem a escolha do tipo de ensino a que se deseja consagrar. Os quatro trimestres subseqüentes manterão os cursos de especialização necessários para a formação do mestre, segundo o nível de objetivo do ensino escolhido. O sexto e último trimestre conterá os cursos mais gerais de educação, destinados a sintetizar para o estudante os conhecimentos especializados adquiridos, bem como dar-lhe a visão social e filosófica do seu trabalho e das teorias que o iluminam e explicam.

Dentro dêsse ritmo de cursos de introdução, cursos de especialização e cursos de resumos ou de sínteses, devem ser organizados os diferentes programas necessários ao funcionamento da Escola.

A formação dos professôres assim compreendida, é uma formação de tal ordem prática, que o centro de gravidade da escola são os estabelecimentos anexos de ensino primário, que devem funcionar como laboratórios para a demonstração (ensino modêlo), para a experimentação (ensino de novos métodos) e para a prática do ensino (classes de aplicação).

O aluno, logo no segundo trimestre do curso, começa a freqüentar êsse laboratório para observar o ensino (seção de demonstração da escola primária). No 3º e 4º trimestres inicia a participação do ensino, ministrando a pequenos grupos de alunos. E no 5º trimestre pratica regularmente o ensino, assumindo a direção de classes.

Todo êsse curso de prática do ensino é feito sob a direção de professôres primários seletos e especializados, constituindo a sua organização os objetivos de uma das seções da Escola de Professôres (seção de Prática de Ensino).

Resta-nos, sòmente para maior esclarecimento do assunto, explicar o funcionamento das seções e suas relações entre si.

A seção de Educação, à qual compete dar todos os cursos técnicos de educação (veja-se o artigo 12), superintente e coordena tôdas as demais seções, de modo a estabelecer entre os cursos técnicos (seção de Educação), os cursos de matérias de ensino (seção de Matérias de Ensino) e os trabalhos de prática de ensino (seção de Prática de Ensino), correlação, harmonia e estreita dependência. Esta seção, de Educação providenciará para que os professôres da Seção de Prática, acompanhem, pelos programas e pela constante troca de idéias e informações com os demais professôres, o progresso do ensino e dos alunos.

As seções de Matérias de Ensino e de Artes cujos cursos serão especializados nos têrmos previstos no artigo 15, ministrarão elementos para a direção da prática do ensino, de modo a concorrer para que a desejada colaboração se faça o mais estreitamente possível, entre os estudos e a prática dos alunos.

PeIa exposição que acabo de fazer, verá V. Exª, Sr. Interventor, que o projeto foi elaborado com o desejo de organizar uma Escola de Professôres que fôsse, realmente, um instituto para a formação profissional do mestre. Não é uma escola para formar especialistas em educação, mas para formar professôres primários e, logo que possível, professôres secundários.

Mais tarde, com o seu desenvolvimento, poderá esta Escola, que agora atinge o nível universitário, incluir entre os seus objetivos o estudo especializado da Educação, vindo a ser também uma escola de pesquisas educacionais e de cultura superior no ramo.

Anexo 2. Decreto n. 3.810, de 19 de março de 1932

Regula a formação técnica e profissional de professôres primários, secundários e especializados para o Distrito Federal, com a prévia exigência do curso secundário e transforma em Instituto de Educação a antiga Escola Normal e estabelecimentos anexos.

.......................................................................................................................................

Art. 3º O Instituto de Educação constitui-se de:

a) Escola Secundária;

b) Escola de Professôres, tendo esta, como estabelecimento anexos, para o fim de experimentação, demonstração e prática de ensino, um Jardim de Infância e uma Escola Primária (Grupo Escolar).

Parágrafo único. A Escola Secundária, embora autônoma e com finalidade própria, servirá igualmente como campo de experimentação, demonstração e prática de ensino aos cursos de formação de professôres secundários.

.......................................................................................................................................

Art. 9º O ensino na Escola de Professôres se distribui pelas seguintes seções:

I – Biologia Educacional e Higiene

II – Educação

III – Matéria de Ensino

IV – Desenho, Artes Industriais e Domésticas

V – Música

VI – Educação Física, Recreação e Jogos

VII – Prática de Ensino.

.......................................................................................................................................

Art. 51. O corpo docente da Escola de Professôres será constituído de professôres chefes e de professôres assistentes, todos contratados pelo Diretor Geral de Instrução, por proposta do diretor do Instituto, com a aprovação do lnterventor ou Prefeito.

Parágrafo único. Para a seção de Prática de Ensino, como para os estabelecimentos anexos, o Diretor-Geral de Instrução contratará ou designará professôres primários ou especializados, em número correspondente ao das necessidades do ensino.

Art. 52. O trabalho dos professôres será auxiliado por conservadores e monitores, para os cursos que exigirem, e no número que fôr julgado necessário com funções definidas em instruções baixadas pelo diretor do Instituto.

.......................................................................................................................................

Art. 54. Para cada uma das seções serão contratados um professor chefe e professôres assistentes para os diferentes cursos e matérias, distribuídos os últimos inicialmente, do seguinte modo: seção de Biologia Educacional e Higiene – 1; seção de Educação – 5; seção de Materiais de Ensino – 5; seção de Prática de Ensino – 6; seção de Desenho, Artes Industriais e Domésticas – 2; seção de Música – 1; seção de Educação Física, Recreação e Jogos – 1.

Anexo 3. Como ajustar os "cursos de matérias" na escola normal com os "cursos" de prática de ensino" *

1. As chamadas escolas normais são, entre nós, pela sua finalidade legal, instituições destinadas a preparar professôres.

É verdade que, na prática, bem poucas existem capazes de cumprir integralmente essa difícil missão.

Não consideraremos, entretanto, os problemas gerais relativos à organização das escolas normais, embora se prendam, todos êles, ìntimamente, ao problema das "relações entre o ensino das matérias e a prática do ensino", para nos atermos, tão-sòmente, ao estudo da tese parcial que nos foi proposta.

Subentenderemos, portanto, a hipótese de uma escola normal com organização adequada e eficiente, dotada de cursos que, representando, embora um esfôrço diversificado por tôdas as seções necessárias, se animam de uma vigorosa unidade de fim – a preparação profissional do professor, e se integram harmônicamente na prática do ensino, que é o eixo central dessa preparação.

2. A diferença fundamental entre a escola de cultura geral e a escola de cultura profissional está, como acentuou o Prof. James Russell, diretor do Colégio de Professôres da Universidade de Colúmbia, em New York, em que o ensino, na escola profissional, é dado do ponto de vista do interêsse da profissão, e na escola de cultura geral é ministrado do ponto de vista do interêsse intelectual do indivíduo.

3. A seleção, organização e constituição dos cursos serão, assim, profundamente modificadas, de acôrdo com a finalidade da escola. A mesma matéria dada em uma ou outra escola, determinará cursos totalmente diferentes. A Matemática, por exemplo, será uma, se a escola visa ministrar cultura geral, e muitas outras se a escola destinar-se a aparelhar alguém para as mil e uma profissões que tiverem na matemática um de seus instrumentos de trabalho. A direção e o conteúdo dos cursos profissionais de Matemática serão tantos quantos essas profissões.

4. Temos, pois, que, se a "escola normal" fôr realmente uma instituição de preparo profissional do mestre, todos os seus cursos deverão possuir o caráter específico que lhes determinará a profissão do magistério.

5. Essa profissão envolve, porém, uma grande variedade de trabalho. Lancemos um simples golpe de vista sôbre o ensino dos primeiros anos primários, o dos anos intermediários, o especializado primário, tôdas as especializações do grau secundário, profissional e superior, e teremos de logo uma idéia de como é vasto e complexo o campo de ação. Cada um daqueles tipos de ensino exige, necessàriamente, cursos adequados para o preparo dos respectivos mestres.

6. Dado, ainda, o caráter da profissão do magistério – que é mais uma arte do que uma ciência – não se pode preparar o professor senão por meio do aprendizado direto. A prática do ensino é, portanto, o centro de sua preparação, a que se devem subordinar, e a que devem servir, todos os demais cursos do programa.

7. Tal programa deve compreender, de modo geral, cursos das seguintes espécies ou naturezas:

  1. Cursos de fundamentos profissionais – em que se devem incluir os que oferecem, conhecimentos gerais e preliminares para a atividade educativa, como de Biologia educacional, Sociologia educacional etc.
  2. Cursos específicos, de conteúdo profissional – em que se devem incluir todos os que fornecem o material e conteúdo pròpriamente ditos do tipo especial de ensino, a que se destina o estudante – como os cursos de matérias de ensino, em geral, ou da matéria de ensino especializado.
  3. Cursos de integração profissional – em que se incluem todos os cursos de técnica educativa ou de filosofia ou cultura geral educativa, que ministram os elementos científicos dos métodos, a sua prática e, ainda, a cultura geral relativa à profissão, como os cursos de Psicologia educacional, de Testes e Medidas, de Administração, de Técnicas de ensino, de Filosofia e História da Educação e de Observação, Participação e Prática de ensino.

8. É evidente que nenhuma escola poderá conseguir dar aos cursos a orientação profissional nítida e absorvente que acima se recomenda, sem se ter aliviado de quaisquer cuidados com a cultura geral básica, idêntica à que é exigida para os cursos universitários.

9. Todos aquêles cursos profissionais se devem desenvolver, portanto, em tôrno do objetivo especial de preparo do professor, preparo naturalmente diferenciado, conforme seja o do professor primário ou do professor secundário. No preparo dos professôres primários, conforme o desenvolvimento do sistema escolar, haverá ainda diferenciações quanto aos professôres dos três primeiros anos, ou dos intermediários ou dos professôres especializados.

10. Sobretudo no ensino primário, os cursos de observação, participação e prática do ensino devem constituir o centro do programa total.

11. Êsses cursos de Observação, participação e prática de ensino se iniciam, geralmente, no segundo trimestre ou no segundo semestre, conforme a organização da escola e a extensão do período de preparação do mestre.

Todos os demais cursos devem visar à preparação do estudante para realizar êsse tirocínio de estudo e prática do ensino, com a maior economia e eficiência possíveis, por isso que é aí que êle conquista definitivamente o comando da arte de ensinar.

12. De modo geral, o caráter profissional dêsses outros cursos representa já uma aproximação consciente do ponto de vista da prática do ensino, havendo, assim permanentemente, em todos êles, o desejo de servi-la.

13. Como interêsse mais imediato de nossa tese consideremos dentre êsses cursos os de matérias de ensino (cursos de conteúdo profissional)*

As matérias, nas escolas normais, não devem ser ensinadas com o caráter do ensino de nível secundário, nem com o caráter especializado do ensino de nível superior ou universitário. São ensinadas do ponto de vista da profissão do magistério. Se o grau dêsse magistério é o primário, os cursos de matérias serão cursos especiais em que se ministre o conhecimento da matéria apropriada às crianças de escola primária, e o conhecimento das dificuldades dessas crianças em aprendê-Ia, dos métodos especiais de organizá-la, dosá-la e distribuí-la, para o ensino, e sempre que possível, da história do seu desenvolvimento e da sua função na educação da infância.

14. Em essência, a organização de um curso de matéria ministrado do ponto de vista do seu ensino, em determinado grau escolar, deverá representar, sobretudo, um trabalho de seleção dos pontos que são atacados pelo ensino naquele grau.

Imaginemos que se trate de Geografia. O preparo de nível superior ou universitário de um especialista em Geografia compreenderá cursos de História, Sociologia, Economia Política, Meteorologia, Geologia, Biologia, Física, Química e outras ciências.

Êsse especialista, que poderá ser o professor de Geografia de uma universidade onde se preparem professôres de escola normal, deverá dar cursos especializados para futuros professôres de Geografia, incluindo elementos de tôdas as ciências em que se preparou, tendo em vista o que vai ensinar o professor da escola normal.

Por sua vez, o professor de Geografia em escola normal deverá dar um curso em que entrem elementos do seu curso especial de Geografia e de todos os demais cursos que completaram o seu preparo – como Psicologia Educacional, Sociologia Educacional, História etc.

E o aluno dêsse professor – o futuro professor primário – dará, por sua vez, na sua classe primária, o ensino de Geografia em um curso onde se incluem os conhecimentos obtidos no seu curso de Geografia e mais em todos os cursos que lhe tiverem completado o preparo especial de mestre primário.

Se quisermos representar êsses diferentes graus de seleção, em um gráfico, poderíamos figurá-lo dêsse modo: V. gráfico n. 1.

O diagrama, representativo do elemento de seleção que concorre para a constituição de um programa profissional de Geografia na escola normal, demonstra a feição complexa dos cursos de matérias do ponto de vista da profissão do magistério. Selecionado, assim, o conteúdo do curso, resta ainda completá-lo com os processos e técnicas de ensino, com a sua graduação para as crianças das diferentes idades e com os seus interêsses e dificuldades específicas.

15. Organizado, porém, o curso da matéria, tendo-se em vista todos êsses elementos, o cuidado do professor deve voltar-se para articulá-lo com os demais cursos, pela unidade de orientação e pela simultaneidade do seu progresso e desenvolvimento. Na articulação e ajustamento com a prática do ensino, o cuidado deve ser maior e deve concretizar-se em uma série de práticas altamente recomendáveis.

16. A prática do ensino é hoje feita, geralmente, dentro de planos uniformes e graduais, compreendendo – observação do trabalho escolar, participação nesse trabalho e sua prática.

A observação e a participação visam familiarizar gradualmente o aluno com o trabalho de classe, bem como lhe proporcionar a demonstração prática de métodos e processos recomendados nos cursos de matéria. A observação e a participação acompanham paralelamente os demais cursos dos outros departamentos.

O período final de prática envolve a responsabilidade da classe e é ministrado no antepenúltimo período do curso.

17. Recomendaríamos os seguintes princípios orientadores de um programa de prática em uma boa escola normal:

  1. O horário para observação, participação e prática deve ser organizado regularmente, dentro do plano de estudos de aluno e de trabalho dos professôres;
  2. a observação e participação deverão servir para familiarizar o aluno com os processos escolares, bem como permitir o trabalho equivalente ao de laboratório para os cursos de teoria, métodos e matérias;
  3. a observação, participação e prática devem ser planejadas e organizadas de modo gradual e progressivo em relação à marcha dos demais cursos, começando no segundo período escolar;
  4. as lições de demonstração devem ser combinadas com os professôres da escola de prática, bem como, de modo geral, os períodos e assuntos de observação, para que sejam êsses aspectos da prática de ensino mantidos na mais alta eficiência;
  5. para que o estudante tenha uma experiência continuada e progressiva em todos os aspectos do trabalho escolar, a observação, participação e prática do ensino devem obedecer a planos cuidadosamente organizados, de modo que todos os alunos percebam nìtidamente as diferentes fases do processo escolar e tenham, no último período, prática suficientemente longa do trabalho de classe.

18. O chefe de prática do ensino, que deve ter o completo contrôle das escolas de prática, e os demais chefes dos departamentos de cursos fundamentais, cursos de matérias e cursos de educação (conforme a escola mantenha êsses departamentos ou outros menos ou mais amplos), devem constituir, com o diretor da escola, um "gabinete" que dirija o ensino, na sua parte técnica e administrativa.

19. Fixadas a política educacional da escola e as diretrizes educacionais de todos os cursos, organizados os programas para cada tipo diversificado de professor que se deseja preparar, êsse gabinete continuará a se reunir constantemente para acompanhar, ajustar e corrigir o desenvolvimento geral e especial dos programas.

20. Essa direção deverá ser altamente democrática, sendo ouvidos sempre os professôres de todos os cursos, que, como especialistas, têm o direito de opinar em tudo que disser respeito à orientação e à marcha do ensino.

21. Além dessa direção por intermédio dos chefes de departamentos, pela qual se delineia a marcha geral do ensino, e todo êle se ajusta em uma séria unidade de objetivos, entre o chefe de prática, os seus assistentes e os professôres de matérias, deve haver uma perfeita correspondência de ação, para ainda mais proveitosa coordenação dos cursos de matérias com a prática de ensino.

22. De modo geral, a coordenação dos esforços de todos os departamentos e o departamento de prática do ensino será obtida com a obediência às seguintes sugestões ou princípios:

Princípios gerais

  1. Deve haver compreensão perfeita, da parte de todos os professôres, dos objetivos fundamentais da escola;
  2. Cada departamento ou seção deve ter conhecimento do que cada um dos outros departamentos ou seções está realizando, ou se esforçando por realizar, e principalmente do que o departamento de prática vai realizando;
  3. Todos os cursos devem ser articulados com o trabalho de prática e devem todos os professôres empenhar-se para dar a maior contribuição possível à habilitação prática do aluno;
  4. A orientação das escolas de prática do ensino deve ser combinada entre o diretor da escola, o diretor de prática e os professôres das escolas, e os chefes dos demais departamentos.

Métodos de coordenação

  1. Todos os cursos devem ser discutidos nos seus objetivos e programas, perante todos os professôres, pelos que os vão dar;
  2. Os cursos de matérias, teoria de educação e método ou técnicas devem ser ilustrados com lições demonstrativas nas escolas de prática;
  3. Os professôres dos diferentes departamentos devem ter conferências freqüentes com os professôres das escolas de prática para organizar mais efetivamente a prática das teorias e métodos ensinados;
  4. Todos os cursos devem ser dados tendo-se sempre presente o fim primordial da escola – preparar o magistério – reconhecendo-se que o teste definitivo dêsse preparo está na prática do ensino;
  5. Cada um dos professôres poderá tomar a si a responsabilidade de um ou mais alunos na prática do ensino, procurando auxiliá-lo especialmente no êxito dessa prática;
  6. O programa de observação, participação e prática do ensino deve ser conhecido em detalhe pelos professôres de matérias, que devem acompanhar o desenvolvimento dessa prática;
  7. Os programas das matérias bem como as particularidades da sua execução, as novidades aparecidas nos diferentes campos especiais dessas matérias, os livros novos etc., tudo deve ser comunicado ao departarnento de prática de ensino, para orientação dos seus cursos;
  8. Conferências entre os professôres de um e outro departamento devem ser constantes para efeito de troca de idéias e de vistas, bem como fixação de plano uniforme de trabalho;
  9. O professor da matéria deve fornecer, a respeito de cada aluno, indicações precisas do estado dos seus conhecimentos e do grau de eficiência ou ineficiência que deve ser esperado do seu trabalho na prática;
  10. Os professôres de prática devem enviar aos professôres de matérias relatórios circunstanciados a respeito de cada aluno e do modo por que marcham os seus trabalhos de prática;
  11. Além dessas conferências entre os professôres devem êles manter contato, por meio de conferências individuais, com os alunos, a fim de melhor se examinar e remediar ou estimular o trabalho da prática.

23. Seriam essas as nossas sugestões, dadas abreviadamente, limitada como foi a extensão dêste trabalho. O próprio enunciado da tese autorizou-nos a pressupor a organização da escola normal pelo tipo de seções ou departamentos de ensino, bem como o desdobramento do plano de formação de professôres pelos três setores fundamentais – cursos técnicos de educação, cursos de matérias de ensino e cursos de prática do ensino.

24. A escola de professôres do Distrito Federal acha-se organizada por êsse plano.

GRÁFICO DEMONSTRATIVO DA NATUREZA COMPÓSITA DE COMO SE DEVE SELECIONAR O CONTEÚDO DOS CURSOS ESPECIALIZADOS DE MATÉRIAS PARA O PREPARO DE PROFESSÔRES

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