TEIXEIRA, Anísio. Educação e nacionalismo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.34, n.80, out./dez. 1960. p.205-208.

EDUCAÇÃO E NACIONALISMO

Impossível negar que estamos vivendo uma hora de vigor da consciência brasileira em relação a certos aspectos econômicos do nacionalismo. O monopólio estatal do petróleo, por exemplo, acabou por se fazer o símbolo do sentimento nacionalista. Mas o nacionalismo brasileiro não pode ser reduzido a símbolo nem ter apenas vida simbólica.

Nacionalismo é, fundamentalmente, a tomada de consciência pela nação de sua existência, de sua personalidade e dos interêsses dos seus filhos. Pelo nacionalismo, os indivíduos da nação se fazem verdadeiramente irmãos e tudo que atinja a cada um passa a atingir a todos. Por isto mesmo, antes de mais nada, o nacionalismo aguça em cada um o sentimento de justiça para com os demais habitantes do país, impondo a participação de todos na vida nacional e fazendo crescer a coesão e a consciência de igualdade entre êles. Passam todos, efetivamente, a se sentirem cidadãos da mesma pátria, com direito à mútua solidariedade e a certa igualdade fundamental.

Não é, assim, o nacionalismo senão e apenas indiretamente um movimento de defesa do país contra inimigos externos. Muito mais do que isto, é um movimento da consciência da nação contra a divisão, o parcelamento dos seus filhos entre "favorecidos" e "desfavorecidos" e contra a alienação de sua cultura e de seus gostos, voltados antes para a imitação e a admiração do estrangeiro do que para o amor esclarecido de suas próprias coisas; e a favor da integração de todos na pátria comum, com um mínimo de justiça social, a favor do desenvolvimento de sua cultura como cultura própria e autônoma e a favor da solução de suas contradições econômicas e sociais e da correção gradual de seus defeitos maiores, que passam a ser reconhecidos sem desprêzo, analisados com denôdo o vigorosamente combatidos.

Êsse movimento é, pois, acima de tudo uma mudança de mentalidade, um novo estado de espírito, uma emancipação, uma chegada à maioridade, uma afirmação de vontade afinal madura e superior: a plena consciência de um desígnio coletivo, capaz de dar à nação coerência e de lhe dirigir a vida.

Por que meios - mais do que quaisquer outros - se há de tornar realidade êsse estado de espírito e essa afirmação de vontade?

Por certo que pelo novo comportamento dos indivíduos em face dos problemas nacionais, afinal sentidos, analisados e esclarecidos, e por cujas soluções radicais ou graduais passarão a lutar com disciplina, esfôrço e coerência. E isto é o que vimos tentando no campo do desenvolvimento econômico.

Mas, bastará isto? Tão importante, senão mais importante, terá de ser a transformação da escola brasileira, do nível primário ao superior, para fazê-la volver ao próprio país, ao estudo do Brasil, de sua língua, de sua história, de sua cultura e de seus problemas e das soluções que lhes estamos dando ou não lhes estamos dando. E isto é o que não vimos fazendo.

Com efeito. Da escola primária nem se pode falar, pois, reduzida a quatro anos de curso, ministrado em turnos de meio e um têrço de dia, mal chega a ensinar as técnicas fundamentais da cultura escrita. Na escola secundária, entretanto, já se afirmam gritantes os aspectos desnacionalizantes. A língua portuguesa é ensinada no mesmo pé de igualdade de várias línguas estrangeiras e de uma língua morta. A importância da história do passado e do estrangeiro é infinitamente maior que a da história nacional. Na geografia, o mesmo. A cultura nacional, o desenvolvimento nacional, a história contemporânea do Brasil, ninguém poderá dizer que sejam estudadas na escola secundária brasileira. E não o são também na Universidade. Na Faculdade de Filosofia, a língua portuguêsa e a literatura brasileira são uma fração do departamento de línguas neolatinas. Um jovem pode formar-se sem tomar contato com nenhum dos livros da imensa brasiliana, que já possui o país. Sem conhecer um só dos seus autores, pois não se pode considerar conhecê-lo saber-lhes os nomes e um ou outro excerto antológico.

Com uma escola assim desnacionalizada e desnacionalizante, como esperar que a juventude se sinta esclarecida para conduzir, como vanguarda que é, o movimento nacionalista? Que admirar limite ela seu nacionalismo ao petróleo, que por mais importante que seja, não constitui senão simbòlicamente a emancipação nacional?

Esta emancipação não nos virá pelo petróleo, mas pelo homem brasileiro, infinitamente mais importante que o petróleo. Êste homem brasileiro é que será o construtor do Brasil. E quem o tem de formar será a escola brasileira.

A escola brasileira é que lhe irá ensinar a compreender o Brasil, mostrar-lhe a sua evolução, apresentar-lhe a sua estrutura social em transformação, indicando-lhe os defeitos arcaicos as qualidades novas em surgimento, dar-lhe consciência dos seus triunfos e dos seus característicos, com exaltação dos aspectos originais - a sua democracia racial, por exemplo - e crítica aos defeitos maiores: a insensibilidade, por exemplo, para com a imensa parcela ainda não integrada da nação - os analfabetos, os miseráveis, a população rural que vegeta por êsse imenso país a fora; o espírito de aproveitamento, que o estado de pobreza gera em todos os que sobem à tona e escapam à desgraça de ser no país apenas povo, a corrupção generalizada que é, mais do que tudo, manifestação de alienação, que o Brasil não é um bem comum, mas algo antes apropriado por privilegiados e hoje assaltado pelos que conseguem tomar um pouco das mãos de tais privilegiados e ganhar, dêste modo, o direito de também explorá-lo em seu próprio benefício.

Se o nacionalismo, concebido em seus aspectos negativos, fôr a tomada de consciência dos que prejudicam o crescimento da nação, dos inimigos dêsse desenvolvimento, não há como não descobri-los tanto no interior quanto no exterior. E os inimigos do interior serão todos os que explorem e roubem o Brasil, seja pelo ato francamente espoliativo, seja por dificultarem que os meus recursos públicos se apliquem com as prioridades, a eficiência e a justiça indispensáveis, a fim de que se integrem na pátria todos os seus filhos, dentro de um mínimo de igualdade e decência.

A primeira tomada de consciência, pois, será a tomada de consciência de nossa atual pobreza e a austeridade com que nos teremos de conduzir, para apressar essa integração.

Nacionalismo será assim antes de tudo uma aguda consciência de tôda e qualquer situação de privilégio, acompanhada do desejo real e profundo de reparar essa situação de privilégio com os sacrifícios necessários para a correção da injustiça.

Como o entendo, o nacionalismo não corresponderá a nenhuma obsessão petrolífera, a nenhuma busca de bodes expiatórios no estrangeiro, mas a uma tomada de consciência do nosso atraso, à lúcida percepção de suas causas e à corajosa correção de tôdas as nossas atitudes, de todos os nossos comportamentos, que, de um ou outro modo, constituem as raízes dêsse subdesenvolvimento econômico, político, social e cultural.

Só a escola, e uma escola verdadeiramente de estudos e de conhecimento do Brasil, poderá mostrar-nos o caminho para êsse imenso esfôrço de emancipação nacional. Tal escola não poderá ser a escola privada, mas a escola pública, pois só esta poderá vir a inspirar-se nessa suprema missão pública, a de nacionalizar o Brasil. - (Senhor, Rio)

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