TEIXEIRA, Anísio. Educação como experiência democrática para cooperação internacional. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.45, n.102, abr./jun. 1966. p.257-272.

EDUCAÇÃO COMO EXPERIÊNCIA DEMOCRÁTICA
E COMO CIÊNCIA EXPERIMENTAL: NOVA FRONTEIRA
PARA A COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ¤

Anísio Teixeira

Do Cons. Federal de Educação

Acredito que bem imaginais quanto me sinto, como cidadão dessa outra América, a América Latina, ao mesmo tempo honrado e confundido, aos vos dirigir a palavra como conferencista do ano, na série de conferências Sir John Adams. Desejou, creio eu, nosso eminente e admirado Dean, Dr. Howar Wilson, que também o nome de um brasileiro ficasse associado à série de conferencistas que, aqui têm vindo honrar a memória de Sir John Adams. Sòmente assim posso compreender a distinção que me conferiu.

Já lá se vão quase vinte anos que tive o privilégio de servir, na Unesco, sob sua liderança. Hoje, de nôvo, embora por curto período, na School of Education, sob a sua mesma alta e inspirada liderança, só me cabia, mais uma vez, obedecer a seu amável e honroso convite. É, assim, com a humildade de quem cumpre um dever que me dirijo a vós, confiando em vossa benevolência e paciência, que desde já agradeço.

Estou entre os que acreditam haver um clima social comum na experiência das nações americanas do norte, do centro e do sul do Continente, a despeito de suas histórias diversas e, até certo ponto, antagônicas. Afinal somos todos expansões da Europa. De lá trouxemos as nossas línguas e, com elas, as instituições, idéias e aspirações que, em novas condições e nôvo solo e sob novos contatos culturais e geográficos, iriam continuar seu desenvolvimento.

Originàriamente ligados às tradições dos países, que do século dezesseis em diante colonizaram o Continente sob o impacto da Reforma e Contra-reforma religiosa e do despertar do Renascimento, chegamos à independência entre os fins do século dezoito e começos do século dezenove a crista de dois outros grandes movimentos que revolucionavam a Europa, a democracia e a industrialização. Ao nos emanciparmos, mudamos os têrmos das nossas relações com a Europa, mas conservamo-nos associados à grande experiência comum da civilização ocidental.

Vejo, assim, as quatro Américas, como aventuras diversas no "mundo nôvo" do triângulo Atlântico, que as une num sentido comum e em correspondente interdependência histórico-cultural. É neste espírito que vamos examinar a grande mudança educacional ocorrida em ambos os lados do Atlântico, sob o impulso da "longa revolução" democrática e industrial, que se processou e em que ainda se encontra a comunidade atlântica.

Desde o início, uma diferença fundamental separa os Estados Unidos da própria Inglaterra, da Europa e da América Latina na condução das duas grandes revoluções.

Eram, com efeito, dois os movimentos: o de urbanização e industrialização, como desenvolvimento histórico da sociedade mercantil já em avanço desde a primeira metade do século dezoito e o de democracia, como revolução política e social inovadora, fundada no conceito nôvo do homem e de seus direitos, "inerentes e inalienáveis", na expressão de Jefferson, à "vida, liberdade e busca da felicidade". Embora simultâneos e interligados, eram movimentos diversos. A industrialização, apesar de evidentes implicações democráticas, pode processar-se independentemente e até em posição de resistência ao processo democrático.

Ora, enquanto nos Estados Unidos a democracia buscava suas raízes na tradições equalitárias e libertas de resíduos feudais da sua sociedade colonial, na Inglaterra, na Europa e na América Latina, a democracia constituía uma revolução em conflito com as tradições arraigadas de uma sociedade marcada pela estratificação social do regime anterior. Na realidade, a democracia, na sua mais perfeita formulação, que não é a de Locke mas a de Jefferson, não constituía nos Estados Unidos uma nova revolução, mas a consubstanciação, em têrmos políticos e nacionais, da tradição igualitária e humana já então reinante na sociedade agrária do país em ascensão para a independência e um destino próprio. Já na Inglaterra e, sobretudo, na Europa, era o movimento de industrialização que tinha precedência sôbre o movimento democrático e iria, pelas suas implicações, forçar a democratização em conflito com a estrutura social anterior.

O inter-relacionamento entre os dois movimentos era, por assim dizer, reverso nos Estados Unidos comparado com a Europa. Na América do Norte, a fôrça mais vigorosa e já estabelecida era a democracia, a que se iria adicionar, com certa subordinação sociocultural, a industrialização. Na Europa, ao contrário, o movimento de industrialização iria comandar as mudanças e o democrático se teria de processar, de certo modo, como movimento conflituoso e reivindicatório.

Esta diferença de posição histórica entre os dois movimentos explica, a meu ver, o paradoxo americano manifestado no caráter surpreendentemente conservador da sua sociedade, a despeito das transformações radicalmente revolucionárias por que passara e continua a passar. Relendo-se Tocqueville, sente-se que a sociedade equalitária e populista, da primeira metade do século dezenove, em impetuoso mas, sob certos aspectos, lírico desenvolvimento, não tinha, nestas plagas americanas, consciência de estar fazendo uma revolução. Estava simplesmente a expandir-se e a crescer dentro de suas próprias tradições. À ausência de resistência, ou melhor, a aceitação entusiástica das transformações em curso - o processo de industrialização já começara e a marcha para o Oeste estava em pleno avanço - produzia o sentimento generalizado de que as oportunidades estavam abertas a todos, de par em par, nada tendo ninguém a recear dos crescimentos, ampliações, deslocações que o processo desencadeava. A explosão de expectativas, de que hoje não falamos sem um vago sentimento de apreensão, era recebida sem mêdo e até com alacridade, o que permitia avançar sem constrangimento, num dinâmico e amplo sentimento de liberdade. Laissez faire não era um princípio nem uma teoria, mas um estado de espírito.

O espírito de livre iniciativa desencadeiou-se tanto no setor privado quanto no público. Recordemos que as tranqüilas instituições criadas para a sociedade agrária foram mantidas. A federação reforçou um tanto seu campo de atuação, mas deixou os Estados no gôzo de seus direitos e nos estados, os counties, townships e distritos escolares, com grau variável mas substancial de autonomia. A livre iniciativa, portanto, não era sòmente dos indivíduos e das corporações mas de uma infinidade de governos locais e número crescente de governos estaduais, à medida que os Estados iam sendo criados. Tôda a jovem nação fêz-se campo de múltipla e inesperada experimentação social, dentro das estruturas singelas e simples do regime agrário anterior. Só a Constituição, interpretada pela Suprema Côrte, era firme e sólida na grande fluidez social, convindo não esquecer, entretanto, que Jefferson a considerava também um experimento. Para essa sociedade, a industrialização é que poderia constituir-se em ameaça às virtudes e hábitos democráticos já estabelecidos e dominantes, como, aliás, chegou a recear expressamente Jefferson.

Já na Europa e mesmo na Inglaterra, com a estrutura de classes rígidas e estratificadas que sucedeu ao regime feudal, a democracia tanto política quanto social é que era a revolução, a ser discutida, condenada e defendida, no longo debate crítico, que nos deu afinal algo como uma teoria da democracia ou processo de reconstrução social, com ênfase na luta das classes trabalhistas.

A circunstância de já existir essa firme e incontestada tradição democrática nos Estados Unidos, anterior à industrialização, deu à sua sociedade um estilo inteiramente diverso de evolução democrática. Ao contrário da Europa, as resistências sociais se iriam concentrar contra os aspecto antidemocráticos do capitalismo e da industrialização, como depois iria ficar manifesto na luta constante contra a tendência monopolista e defesa das minorias e grupos marginalizados pelo poderoso processo de industrialização de caráter absorvente e global.

A proteção aos agricultores, o caráter apolítico-partidário das classes trabalhistas, o nôvo status dos múltiplos oIigopólios e já agora a incorporação da minoria negra à sociedade igualitária, a guerra à pobreza e a proteção à velhice são aspectos do caráter essencialmente democrático da sociedade americana e de sua capacidade de mudar e adaptar-se à maneira de um ser vivo em processo de evolução.

Estudos econômicos e políticos recentes, como os de Galbraith e Berle, dão-nos conta das modificações senão mutações de natureza evolutiva operadas no seu sistema econômico, modificações que alteraram fundamentalmente os aspectos originais do capitalismo e nos levam a crer na viabilidade de um indefinido processo de crescimento integrado e harmônico da sociedade americana, dentro dos "postulados e axiomas" da sociedade livre, na expressão de Lincoln, com referência à Declaração da Independência.

Não foi, entretanto, sòmente no desenvolvimento do capitalismo e das corporações, que o gênio democrático da sociedade americana soube criar métodos de mudança e evolução progressivos e contínuos mas também no campo do seu sistema de educação que, em seu contexto e organização, oferece a mesma ductilidade de estrutura e as mesmas possibilidades de permanente reconstrução, que marcaram o crescimento evolutivo do sistema econômico de produção e manutenção da sociedade.

Os estudos econômicos referidos, além da luz que trouxeram ao curso do processo democrático na América, tornam necessário, a meu ver, o reexame dos conceitos de privado e público em sua sociedade.

No caso do neocapitalismo ou "people's capitalism", como sugere Berle, vemos as corporações privadas, em seu crescimento e concentração oligopólica, ganharem caráter quase-público, aceitarem a intervenção governamental e passarem a agir, dentro de um sistema de equilíbrio de fôrças, fundado no que Galbraith chama de "countervailing power", e Lippmann e Berle, de "consenso social". De certo modo, nota-se o "privado" a se encaminhar para fazer-se "público", em seu processo evolutivo, o que sòmente se pode dar em sociedade de tal forma democràticamente integrada, que dela tenham desaparecido todos os vestígios daquele estado crônico de guerra civil, que caracteriza as sociedades dualistas, em processo de revolução, do velho continente, onde a democracia é uma permanente conquista a ser renovada cada dia.

Já agora, na evolução do sistema escolar, que vamos examinar, o processo de fusão do público e do privado tem aspecto diferente. Desde o início, a escola é fundamentalmente pública e governamental; mas, organiza-se com tamanho grau de descentralização, que reproduz no sistema do saber e da educação o equivalente da livre-iniciativa, tanto mais quanto confia seu govêrno, seus inúmeros governos, a conselhos leigos e com substancial autonomia e, de certo modo, separados do executivo temporal pròpriamente dito. Neste caso, é no campo do público que se estabelece a curiosa ambigüidade entre "público" e "privado", que vem caracterizando a evolução do sistema econômico. Se atentarmos que a ideologia democrática não está tanto nas experiências, sempre temporárias, de govêrno, mas na confiança de que o homem, em sua capacidade criadora, gera as formas de contrôle de sua sociedade livre ou aberta, o caso da educação nos Estados Unidos constitui um exemplo de admirável criação democrática.

O mais fundamental postulado de sua fé democrática, o da educação para dar a todos os indivíduos igualdade de oportunidades, a nova nação confia a sua efetivação aos Estados e não à União. E os Estados, por sua vez, mantendo a tradição oriunda das colônias - o que prova mais uma vez quanto a democracia não era uma revolução mas a simples expansão da ordem existente - confia-o aos governos locais, ou seja, os counties, townships, cities e distritos escolares. O sistema de educação iria ser mantido e desenvolvido por dezenas de governos estaduais e milhares de governos locais, consideràvelmente autônomos e constituídos sob a forma de conselhos leigos, eleitos ou nomeados por representantes do povo. Era público o sistema, mas não lhe faltavam atributos semelhantes aos que teria um sistema privado. As escolas iriam pertencer às comunidades, que as manteriam e dirigiriam por intermédio de conselhos em rigor de país. Eram separadas da igreja, não por hostilidade à igreja, mas porque as comunidades não tinham homogeneidade religiosa e nenhuma seita suficientemente poderosa para querer impor a sua fé. Eram leigas as escolas, não para serem do Estado, mas para melhor pertencerem à comunidade. E, além disto, em virtude do contrôle leigo, eram independentes em relação ao corpo docente. Todos êsses atributos são comuns à escola privada, salvo os casos de escolas religiosas, que não são privadas mas da igreja.

A independência em relação ao corpo docente merece um comentário. No campo da educação e do saber, a luta por autonomia e emancipação fêz-se, no velho Continente, uma luta entre o contrôle da Igreja e o contrôle secular ou leigo do mestre, do scholar, ou do estudioso. As universidades surgiram como corporações seculares de mestres ou de estudantes. Se o Estado, na maior parte da Europa, acabou por substituir a Igreja no contrôle das escolas e universidades, isto decorreu de um conjunto de circunstâncias históricas em sua luta nacionalista e democrática. O nacionalismo e a democracia, como revoluções, tiveram que aceitar e, por vêzes, até de buscar o Estado para defendê-las e promovê-las. O mesmo já sucedera antes com o Cristianismo e com a Reforma.

Nos Estados Unidos, é também o Estado que assume a responsabilidade, mas o Estado plural, descentralizado em milhares de podêres locais, em dezenas de podêres estaduais e com seus conselhos governantes leigos e não profissionais. Não há dúvida que o poder do scholar pròpriamente dito, isto é, do estudioso profissional, ficou diminuído. Enquanto na Europa, devido à centralização do Govêrno, o pedagogo e o mestre logram organizar-se e constituir-se o poder real sob os auspícios do govêrno, nos Estados Unidos, com a pulverização dos sistemas escolares, a burocracia todo-poderosa dos mestres não chega a constituir-se. A multiplicidade das organizações educacionais coloca a escola na posição das igrejas nas seitas protestantes, em que o Ministro é subordinado à comunidade. O mestre e o scholar, no campo do saber e da educação, vêem-se igualmente subordinados à comunidade.

Não desconheço os perigos dessa subordinação. Mas a democracia como regime de "consenso social" tem suas limitações lógicas, cabendo-lhe opor-se a quaisquer formas de poder oligárquico. A experiência americana dá ao poder na educação e no saber uma organização única: confia-o não pròpriamente ao Estado mas à sociedade, pois a isto corresponde distribuí-lo por um sem-número de conselhos de constituição leiga e de escolha popular.

Êsse poder leigo e, em essência, não competente, iria buscar no corpo de executivos, mestres e especialistas, que escolheria e em que teria de confiar, o saber necessário para dirigir a educação. E isto iria significar, mais uma vez, a adoção daquele sistema de equilíbrio de fôrças, propício ao jôgo democrático de progresso gradual e contínuo, por meio do consenso da opinião pública bem informada. Assim como o Prof. Berle vê as corporações em marcha para aceitar o contrôle do "consenso social", também é o "consenso social" que comanda os inúmeros conselhos populares de educação.

Efetivada essa original estrutura da educação pública, em rigor em íntimo relacionamento com o seu sistema tradicional de "self-governing communities", de que modo iria o povo americano mobilizar os seus modestos órgãos populares para a obra sem precedentes de criar uma sociedade fundada no saber científico e não no saber empírico e tradicional e na livre e crescente distribuição dêsse saber? Cuidou-se logo, por certo, da formação de professôres. A multiplicidade de sistemas locais autônomos gerou situação propícia à experimentação e à emulação, que o clima social dominante estimulava. Mas, acima de tudo, abriu-se oportunidade nova para o estudo e a pesquisa em educação, em nível superior e universitário.

Creio que se pode estabelecer um paralelo entre o desenvolvimento da agricultura e o da educação nos Estados Unidos, paralelo que não ocorre em nenhum outro país. Como na agricultura, sob a emulação do progresso industrial, o fazendeiro americano tinha tudo a aprender para vencer a sua marginalização e evitar a decadência. Também em educação, os modestos sistemas escolares, entregues às comunidades, tinham tudo a aprender. E os Teacher's Colleges, como os Agricultura Colleges das Land-grant universities, aquêles, note-se, sem o auxílio federal, iniciam um esfôrço sem precedente histórico, no campo do estudo, da pesquisa e da experiência pedagógica. Constituem-se, a partir dos meados do século dezenove, em instituições de ensino superior e depois, em escolas pós-graduadas, com uma distribuição de campos de estudo difícil de conceber-se em outras partes do mundo. Como os sistemas escolares eram pràticamente inúmeros, permitindo a experimentação mais ampla, foram necessários departamentos de administração, de supervisão, de currículos, de medidas escolares, de fundamentos filosóficos e sociais da educação, de psicologia educacional, de métodos e técnicas de ensino, de atividades extracurriculares, etc.

As experiências e as pesquisas em educação entram a ser feitas com amplitude e grau de especialização desconhecidos da tradição pedagógica. Eram, sem dúvida, Teacher's colleges, mas, além dos mestres, o colégio e, logo depois, a escola pós-graduada preparavam um quadro de administradores e especialistas em educacão, sem similar em outros países. A área do ensino e da educação, como a da agricultura, anteriormente dominada pela tradição, pelo empirismo e pelo "armchair" filósofo, fêz-se o domínio da experiência, da técnica, da engenharia social e de algo semelhante a uma ciência da educação.

Foi, graças a êsses centros de estudo superior e universitário, que se conseguiu dar organização e direção ao multifário esfôrço de tôda uma nação em busca de uma escola comum, estendida até o nível secundário, para tôda a população. A experiência, pelos métodos aplicados, fêz-se uma experiência científica e tecnológica, com ampla diversidade de modelos, experimentos, inovações e descobertas.

A tradição européia de sistemas de educação tradicionais e centralizados nada podia oferecer de semelhante. O sistema inglês tinha longínqüas semelhanças, devido à descentralização, mas nada apresentava de similar aos estudos de administração e organização escolar, de currículos, de medidas escolares, de team-teaching, de especialização, supervisão e métodos e técnicas de ensino, que resultam por fim na formação experimental de educadores, cuja formação profissional começa a aproximar-se das grandes profissões científicas, especialmente a de medicina.

Geralmente, os observadores estrangeiros vêem o sistema escolar americano em seus extraordinários aspectos de quantidade, em sua rica escola primária, em seu múltiplo programa da escola secundária compreensiva, em sua variedade de planos de educação de adultos, em sua universidade complexa e gigantesca, estendendo-se do college pela graduated school até o post-doctorate e a multiversidade * dos dias de hoje, mas, nem sempre atentam para o fato de que sem o imenso esfôrço dos estudos superiores e sistemáticos da educação nas Universidades, não seria possível o desenvolvimento dêsse imenso sistema nacional de educação, com as suas uniformidades e variedades, espalhado por quase um continente, conduzido por milhares de governos locais, servidos por uma literatura educacional sem similar quanto ao volume, variedade e especialização em nenhum outro país, a educar, formar, treinar e retreinar cêrca de trinta e cinco milhões de pessoas. Visto em conjunto, o sistema educacional americano é um complexíssimo e variadíssimo aparelhamento de administração e operação de escolas, distribuídas por um sem-número de subsistemas, cuja direção está, em rigor, confiada à pesquisa educacional, ou seja, à ciência de educação, à ação classificadora e auxiliadora das associações voluntárias (outra completa originalidade) e a movimentos de opinião pública conduzidos por líderes do pensamento educacional elaborado nas universidades.

Só recentemente está a Europa e a própria Inglaterra dando início à pesquisa educacional em nível superior e ao planejamento em larga escala da educação. Nada porém há de comparável à amplitude da expansão educacional dos Estados Unidos, cujo sistema tem, em meio a todos os seus problemas de crescimento e de necessidades novas, uma ductilidade e flexibilidade que só o seu caráter de experimento democrático à base da experiência e da pesquisa educacional lhe poderia dar.

Declarou John Dewey, certa vez, que: "he had a pet idea that backward countries have a great chance educationally; that when they once start in the school road they are less hampered by tradition and institutionalism than are countries where schools are held by customs which have hardened through the years". E acrescentou: 'but I have to confess that I have never found much evidence in support of this belief that new countries, educationally new, can start afresh, with the most enlightened theories and practices of the most educationally advanced countries". As escolas mexicanas rurais do século vinte confirmaram sua crença.

No meu ponto-de-vista, é o sistema americano de educação que me ratifica a convicção de Dewey.

A despeito do já referido conservadorismo da sociedade americana, em sua original estrutura agrária, foi ali que se conseguiu transformar a educação em um campo de experimentação e estudo e se lançaram as bases da educação democrática como um grande serviço profissional de caráter científico.

Talvez se deva observar que a tendência organizatória da sociedade industrial e a multiplicação e crescimento gigantesco das instituições escolares, destinadas a servir à maior população escolar do mundo, resultou em certa ênfase em administração e organização, que pode dificultar a revisão de fins e objetivos e limitar o dinamismo criador da sociedade. Mas, isto não obscurece o incrível progresso obtido no esfôrço imenso de implantação de um sistema escolar, original em muitos aspectos e, em extensão, o mais longo da história, destinado a servir com extraordinária eficácia aos objetivos que se propôs a realizar. Se êsses objetivos são, como querem certos críticos, antes de oferecer mais educação do que melhor educação, o que seria quando muito apenas em parte verdade, tem-se de reconhecer que se a "ciência" da educação vier a descobrir os meios de dar ainda melhor educação, a imensa e flexível maquinaria criada pelo gênio americano constitui o melhor instrumento atualmente existente no planêta para levar a efeito a necessária reconstrução educacional.

Em essência, a grande transformação escolar operada a partir da independência compreendeu: a) o estabelecimento do sistema nacional de educação comum, destinado a dar a cada indivíduo a melhor educação possível, independentemente de classe, ou crença e, agora, de raça; b) a extensão dessa educação comum até ao nível secundário, ou seja, os dezoitos anos, com o desenvolvimento da escola compreensiva; c) o desenvolvimento da universidade em instituição de formação e transmissão do saber pelo college, nas formas de community college, junior college e university college para 35% da população de 18 a 21 anos, seguindo-se-lhe a escola graduada para a formação profissional superior e a pesquisa, a elaboração do nôvo saber humanístico, científico e tecnológico, os serviços de pesquisa e treinamento em relação aos problemas de segurança, expansão e bem-estar da sociedade, a educação dos adultos e o retreinamento de profissionais de tôdas as especialidades; d) a criação de um sistema de comunicação e difusão da informação e do saber pelo jornal, revista, livro, rádio e televisão, organizado de forma a manter o indivíduo devidamente informado e a comunidade intelectual em estado de comunhão com todos os aspectos do saber existente e em fase de pesquisa e descoberta.

Embora a Europa venha acompanhando, paralelamente, essa grande transformação, que também se reflete na América Latina, há grande distância quanto às fases atingidas no desenvolvimento dos respectivos sistemas escolares e diferenças de ênfases e tendências.

Cada uma das etapas dêsse gigantesco desenvolvimento teve de operar-se, com efeito, em meio a esforços prolongados e ásperos, em que, além das resistências, sobretudo na Europa, da estrutura social, somavam-se as de modo de pensar, hábitos e usos endurecidos através dos anos.

A educação comum, por exemplo, em seu conceito amplo de educação do homem e não apenas educação para o homem em sua classe e sua ocupação, acha-se na Europa apenas a emergir do conceito de educação elementar para as classes baixas, depois de ser a educação dos pobres e a seguir a educação mínima necessária à eficiência industrial. Ao vir a Europa, já no fim da primeira metade do século XX, a reconhecer a necessidade de estender a educação a todos até os 15 e 16 anos, o problema da integração das duas escolas, a primária e a secundária, concebidas anteriormente como escolas de classe, vem oferecendo tais dificuldades que não se pode dizer que já esteja resolvido. Há uma nítida diferença de fase entre a Inglaterra, os países do Continente e os Estados Unidos, parecendo que a estrutura multipartida da escola secundária mais ajustada ao conceito de classe se conservará, com as modificaçõee reajustadoras, para o objetivo, mais ou menos aceito, de que tôdas têm o direito de poder levar seu desenvolvimento intelectual até o limite de suas aptidões mais cedo ou mais tarde reveladas.

Embora o prolongamento da educação compulsória se venha efetivando, o dualismo educacional da sociedade de classe mantém-se, abrindo-se oportunidade de promoção social para os que se revelem bem dotados, segundo precários processos de triagem e seleção. O processo deverá gradualmente modificar-se, para poder aproximar-se da fase americana, em que o indivíduo pode levar sua experiência educacional até pràticamente à universidades É de esperar que o conceito de oportunidades iguais leve a oferecer a todos, independente da classe, educação tão extensa, quanto a anterior educação da classe dominante, em que todos, dentro da respectiva classe dominante, podiam ter educação até ao nível superior.

Com relação à Universidade, a sociedade americana, a partir da segunda metade do século XIX, dá os primeiros passos para uma nova conceituação dessa instituição, inspirando-se na experiência alemã no que diz respeito à pesquisa científica e à liberdade de ensinar e de aprender. Na realidade, como afirmara profèticamente Elliot, acabou criando uma instituição nova, devotada à ciência e aberta, simultâneamente, a todos os estudantes e a todos os problemas da sociedade industrial em formação. A liberdade de aprender e a liberdade de ensinar, em face do sistema de eletivas · e da missão de servir à sociedade em seus problemas econômicos, de segurança e de desenvolvimento, ganham neste país amplitude desconhecida na Alemanha e projetam a universidade americana, na sua expansão ainda não encerrada, para a posição de instituição central da nova sociedade globalmente industrializada, destinada não só a formar e treinar os quadros do trabalho superior de tôda ordem, como a constituir-se a agência de produção ininterrupta de conhecimento nôvo e de novas tecnologias, ou seja, a driving force da civilização científica de nossos dias.

O tempo não nos permite analisar, nessa grande transformação da escola, o que foi conseguido no campo do pensamento educacional pròpriamente dito: o desenvolvimento do conceito de "escola comum", a partir de Horace Mann; os inícios de uma teoria moderna de educação nas últimas décadas do século XIX; a extensão do conceito de educação comum ao nível secundário e a criação da escola "compreensiva"; a formulação da filosofia democrática da educação por John Dewey a partir dos últimos anos do século XIX, a que se seguiu o grande movimento da "educação progressiva" que, juntamente com as tendências organizatórias, o espírito de eficiência da vida americana e o desenvolvimento da psicologia e das técnicas de medida escolar, nem sempre em completa harmonia com a filosofia democrática, constituíram os fatôres daquela transformação da escola, dentro de bases teóricas e técnicas que, até então, não haviam jamais sido aplicadas no campo do tradicional empirismo dominante das escolas.

Também apenas podemos fazer menção ao terrível período crítico que sucedeu à Segunda Guerra Mundial. Viu-se, então, a América face a face com os resultados surpreendentes, em muitos aspectos, da evolução do seu sistema econômico em uma sociedade globalmente industrializada e profundamente modificada em relação à modesta sociedade, dominada pela comunidade, da época anterior. Num grau e em extensão sem precedentes, a sociedade se fizera urbanizada, móvel, impessoal e continental. O resultado do desenvolvimento era algo de tão vasto e complexo, que os esforços anteriores de tomada de consciência revelavam-se inadequados para fornecer uma visão coerente e conduzir à real compreensão das mudanças ocorridas. Quanto ao sistema econômico, vimos Galbraith, Berle, Mason e outros reexplicando o nôvo capitalismo americano; quanto à vida social e coletiva, Riesman lançando a luz penetrante de suas análises; quanto à marcha do processo organizatório da nova sociedade e sua transformação em um imenso aparelhamento operacional para produção, serviços e consumo, os estudos da managerial revolution, do organization man; quanto ao nôvo caráter das classes e ao nôvo jôgo de fôrças e podêres da sociedade, os estudos de Wright Mills. Êstes novos aspectos da vida americana resultavam do próprio processo evolutivo da grande experiência social, que incorporara e utilizara, numa vasta, coalescência, idéias, tendências, exigências, propósitos, reformas e críticas, que, na imensa sociedade pluralista e livre, a haviam movido e guiado nas décadas anteriores. As incertezas e perplexidades produzidas por êsse nôvo estado de coisas voltaram-se para o sistema de educação, repentinamente promovido à categoria do grande culpado, o bode expiatório, das deficiências e frustrações da nova situação. Os últimos vinte anos constituíram-se um período de ataque e crítica ao sistema educacional, em que não deixou de haver o perigo de regressão. Estiveram os Estados Unidos a pique de ver o movimento de educação progressiva substituído por movimento de educação regressiva.

A fase foi vencida. Está hoje a nação a prosseguir na reconstrução indefinida da escola, baseada na reconstrução também indefinida das idéias, teorias e técnicas de ação, sem que isto importe em desconhecer a sólida contribuição das primeiras décadas dêste século, graças ao movimento de educação, progressiva que, a despeito de ter ficado fora da moda em sua designação, confirmava por esta própria designação, a sua única lealdade à mudança, ao crescimento e à adequação do pensamento às condições criadas pelo desenvolvimento.

A chamada crise da educação é apenas uma nova fase no processo de crescimento democrático da sociedade americana. Tantos foram os progressos alcançados, tantas foram as idéias novas incorporadas à prática, tão sòlidamente estabelecido ficou o método de pesquisa e descoberta para orientar e guiar as modificações e transformações necessárias, e tão grande, multímodo e amadurecido se fêz o processo de mudança à luz de inquéritos, novos planos e nova experimentação, realizados aos milhares em todo o país, que a cena perdeu as fáceis aparências espetaculares das épocas anteriores e a ganhou contornos novos complexos e incertos.

A descrição da nova cena educacional americana fêz-se difícil e laboriosa. Mas os métodos anteriores permanecem. O debate lavrou livre e desembaraçado, com a participação de pais, intelectuais, políticos, reacionários de tôda espécie e, passada a refrega, vemos a reconstrução educacional ser retomada à luz dos estudos da Educational Policies Commission, das contribuições dos pensadores e educadores, da liderança de homens como Conant, dos inúmeros planos de reforma das várias grandes cidades e, sobretudo, das pesquisas e experimentações em curso nos centros universitários, que são hoje as novas escolas pós-graduadas de educação, em estreita cooperação com os departamentos acadêmicos da Universidade, tomados, ante a explosão de conhecimentos, de um nôvo interêsse pela escola comum, que lhes prepara os alunos de amanhã. É o mesmo processo anterior, que nos meados do século XIX criou os Land-Grant Colleges e iniciou a escola secundária pública; na segunda metade do mesmo século, deu comêço aos estudos de teoria educacional e de ciência da educação; nas primeiras décadas do nosso século, desenvolveu a teoria democrática de educação; levou a efeito a organização dos sistemas escolares na base do proverbial espírito de eficiência do americano e consolidou a tradição de pesquisa e experimentação para a produção do saber educacional; e. agora, entra na fase de maturidade e progresso contínuo, semelhante à que preside ao progresso da ciência, da indústria, da medicina, da administração pública e privada, das atividades de comunicação e difusão cultural, enfim dos múltiplos campos da atividade humana na sociedade dominantemente urbana, industrial e científica dos nossos dias.

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Voltando-nos agora para a América Latina, cabe observar que, apesar da independência de seus países se processar pouco depois da dos Estados Unidos e de não faltar certa identidade formal de objetivos nas repúblicas então constituídas (o Brasil escolheu uma república coroada), seu desenvolvimento no século XIX não ofereceu nada que possa lembrar o dos Estados Unidos. Conforme previra Jefferson, a situação era aí desfavorável à implantação da democracia e o que se deu, com a independência, foi a simples substituição da dominação estrangeira pela dominação da classe dominante local de tipo aristocrático, no mesmo regime semifeudal de antes.

A imigração estrangeira do fim do século XIX, em proporção muito menor do que a que acorreu para os Estados Unidos, expandiu o comercialismo e um capitalismo incipiente na Argentina, no Chile, no Brasil, no México, sem alteração mais profunda da estrutura social. A educação registra certo progresso, dentro do sistema dualista europeu de escolas de classe, com educação elementar e vocacional para o povo e secundária e superior para a elite, num sistema de escolas governamentais e rigidamente centralizado. O continente estava dividido, como dividida estava a Europa, de onde provinham as novas nações, e as influências na América Latina ainda eram, até a Primeira Guerra Mundial, mais da Europa do que dos Estados Unidos, a despeito de similaridades superficiais de organização política. Seria o desenvolvimento industrial a partir da Primeira Guerra Mundial que iria reaproximar os países americanos e progressivamente intensificar suas relações com os Estados Unidos e a sua civilização.

A democratização da América Latina tem, pois, de se fazer tardiamente e sob o impacto da industrialização, seguindo, portanto, mais o modêlo europeu do que o norte-americano, conforme nossa referência anterior. Salvo a Inglaterra, o processo democrático no continente europeu é um processo revolucionário em luta simultânea contra os remanescentes da ordem anterior e as conseqüências contraditórias de um capitalismo sem as flexibilidades evolutivas, que lhe emprestou, nos Estados Unidos, o condicionamento democrático.

A educação, na América Latina, reflete essa luta e se organiza sob a influência de tais fôrças em oposição, sendo mais vivo do que na própria Europa o conflito entre o educador democrático, o industrial trainer, desejoso de reduzir a educação às necessidades mínimas do processo de industrialização, e o educador humanista prêso ao conceito de educação para a elite intelectual. Separada, assim, dos Estados Unidos pelas suas culturas e por grande distância nos seus respectivos desenvolvimentos, pareceria difícil senão impossível a cooperação educacional entre as duas Américas.

Ocorre, porém, que, a partir da Segunda Guerra Mundial, grande modificação se processa nos conceitos da economia clássica. Descobrem os economistas uma relação intrínseca, até então insuspeitada, entre educação e progresso econômico. Não era aquêle mínimo de educaçao que pleiteavam os industrial trainers para o operário. Não era mais a education of our masters das apreensões e receios do sufrágio universal. A formulação dos novos conceitos de "capital humano" e de "progresso tecnológico", como integrantes dos fatôres do progresso econômico, já agora considerado como um progresso indefinido, alterou fundamentalmente a visão dos economistas. Pela concepção clássica, os países desenvolvidos deviam tender à estagnação e os subdesenvolvidos, uma vez criadas as condições de liberdade individual, deviam progredir eeonômicamente. Com os novos conceitos, a posição se inverteu. Os países subdesenvolvidos é que tendem à estagnação, se ali não se constituírem o "capital humano" e o "progresso tecnológico" indispensáveis pelo menos tanto, senão mais, que o "capital físico". O problema de riqueza deixou de ser o de criá-la mas o de criar a capacidade de criá-la. A produção do homem educado e a produção de saber passaram a constituir o núcleo mesmo do progresso econômico.

O longo argumento em prol da educação e do saber ganhou sùbitamente novas fôrças. O velho Bacon se viu afinal vingado. Os países avançados lançaram-se, como nunca o haviam feito antes, em uma imensa competição científica e os recursos para educação ganharam prioridade máxima. Tão grande é a transformação, que as antigas preocupações por ideologia e regimes estão ameaçando apagar-se e um nôvo realismo educacional, uma espécie de real-politik científica e tecnológica toma-lhes o lugar, com a vitória do industrial trainer do século XIX sôbre os outros visionários da educação.

Para os países subdesenvolvidos, a mudança ainda foi maior. Já não se tratava de aguardar o desenvolvimento econômico "natural" e contemplar suas conseqüências no desenvolvimento educacional, mas de promover a educação para, por seu intermédio, criar o fator básico da produção da riqueza.

A educação deixou de ser o resultado de tradições, costumes e hábitos para se fazer algo de deliberado, de calculado, de planejado a fim de se produzirem o "capital humano" e o "progresso tecnológico", essenciais ao progresso econômico.

Como os países mais avançados são os que estão de posse dos métodos e processos mais adequados para o nôvo tipo de educação ora exigido, o intercâmbio entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas fêz-se condição essencial para o rápido desenvolvimento dos sistemas educacionais das últimas. Concebida a educação como elemento fundamental de investimento econômico, ascendeu ela à categoria do maior problema do govêrno. Já não é a educação algo por que se tenha de pedir, algo por que se tenha de pregar, mas necessidade gritante, urgente, econômica, material. Nova fronteira se abre assim para a cooperação educacional entre os países desenvolvidos e os subdesenvolvidos.

Confesso que, ante a diferença de fase de contexto social, cada vez maior, entre os países avançados e os países retardados econômicamente, achava cada vez mais difícil a comparabilidade entre os problemas de uma e outra fase e, além disto, inaplicáveis as soluções de uma fase às da fase muito diversa do outro país. O conceito de educação como investimento põe o problema sob nova luz. Já que o projeto de educação é o de criar a capacidade de produzir a riqueza, há que rever ênfases e prioridades e atacá-lo de forma, a ganhar tempo.

Todos os métodos de aceleração precisam ser usados e o programa educacional faz-se programa semelhante ao do preparo do quadro de um exército para a batalha do desenvolvimento. À medida que êsse desenvolvimento se processar é que se irá pensar na organização permanente e de longo alcance para a educação. Esta ação de "emergência" tem tudo a ganhar com a aplicação dos métodos e processos mais avançados em educação.

Ora, os Estados Unidos dispõem hoje de um aparelhamento educacional sem igual para o treinamento do corpo de educadores, que iria atuar nos países subdesenvolvidos, como o quadro de elite, para a elaboração dos planos de aceleração da aprendizagem e de transformação da educação, no processo funcional e formação dos quadros para o desenvolvimento econômico.

Não se pense, porém, que a transposição que se faz necessária do caráter e função da escola, seja algo de fácil. O país subdesenvolvido não se acha num vácuo cultural. Ao contrário, é um país de cultura estagnada e extremamente resistente à mudança. Da parte dos mais educados, suscetíveis de aceitar a mudança, temos a resistência do secreto receio, talvez inconsciente, de que a mudança lhes retire os privilégios de que o atraso os faz beneficiários. E da parte dos não-educados, temos a resistência do desejo de receber a educação do tipo anterior, adequada à formação da classe privilegiada e incompatível com a nova estrutura social em vista.

Transformar o trabalho da educação em uma espécie de engenharia social não é fácil, mas para isto é que se encaminha a nova tecnologia do ensino, com as teaching-machines, os programming-teaching, o teamteaching e todo êsse mundo dos últimos avanços tecnológicos. É, sem dúvida, possível "uma nova oportunidade" de cooperação entre os Estados Unidos e as vizinhas nações latino-americanas no campo da educação. Lembremo-nos de que há exemplos da eficácia dessa cooperação no campo das profissões de claros fundamentos científicos, como se verifica nos casos da medicina, da engenharia e da ciência, em que a América Latina está hoje muito mais sob a influência dos Estados Unidos do que da Europa.

Esta é a nova perspectiva que a nova tecnologia do ensino está a abrir para a cooperação entre os países, independente das fases de desenvolvimento em que se achem. Não desaparecem as contradições nem as diferenças culturais, nem se pode dispensar a mútua compreensão entre as diferentes culturas, mas abre-se uma nova fronteira. A grande vantagem da ciência é a posse de uma linguagem universal. A nova tecnologia do ensino partilha dêsse privilégio, que permite a transferibilidade de uma cultura para outra. Não sou cego aos perigos de possível reforçamento de um espírito demasiado utilitarista, ou melhor, imediatista no esfôrço educacional; mas, como nas nações subdesenvolvidas, a tendência para educação não utilitária é excessiva, o possível exagêro no sentido oposto pode constituir-se uma fôrça de equilíbrio.

Por outro lado, a nova tecnologia do ensino está em sua fase inicial e ligada mais imediatamente ao ensino de natureza técnica; mas as suas possibilidades são muito mais amplas ante a utilização dos novos meios de comunicação de natureza audiovisual. Tudo está em poder-se fazer hoje, ante os novos meios de educação, mais ràpidamente do que antes, a grande transformação da escola, que nos Estados Unidos se operou graças ao gênio da sociedade americana. Descobrir o nôvo requer gênio, mas aplicar o que foi descoberto requer apenas propósito e pertinácia. Ante as novas perspectivas dos recursos novos de aprendizagem, não será impossível que a cooperação intelectual entre os países da América entre em uma nova fase. E nada nos aproximará mais uns dos outros do que essa cooperação intelectual, graças à qual poderão vir a ser realmente as nossas repúblicas, as "repúblicas irmãs", a que, em tempos já remotos, se referiu, talvez profèticamente, o vosso presidente John Quincy Adams.

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