TEIXEIRA, Anísio. Educação, suas fases e seus problemas. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v.56, n.124, out./dez. 1971. p.284-286.

Educação: suas fases e seus problemas

Anísio Teixeira

1. Educação, o projeto político da espécie humana

A educação nunca deixou de ser a via e o caminho da marcha e crescimento da espécie humana. Afinal, a evolução do homem, se em parte foi biológica, sòmente se efetivou com o imenso esfôrço histórico-social que o trouxe até as alturas do presente desenvolvimento científico e cultural. E todo aquêle processo histórico pode, em rigor, ser considerado resultado do intercurso entre a condição humana e a educação.

Mas uma coisa é tal processo espontâneo e mais ou menos inconsciente do desenvolvimento do homem, e outra o projeto consciente de conquista do saber e de sua aplicação à vista. Êste projeto nunca foi geral nem abrangeu tôda a espécie. Subordinado à estrutura hierárquica da sociedade, foi, desde seu início na remota. Antiguidade, projeto especial para a educação dos poucos privilegiados, que realmente dominavam a espécie e detinham o poder. Daí a relação, inerente e intrínseca, entre educação e política.

2. A política da educação de todos

Afinal, contudo, nas alturas do século XVIII, amadureceu a possibilidade, e com ela a idéia e disposição, de oferecer a educação a todos. Algumas nações, então, generalizaram a escola para todos, esfôrço em que agora se debatem as nações subdesenvolvidas.

O problema crítico dêsse período de generalização da escola foi o da quantidade e número das escolas, sendo relativamente secundário o problema do processo de ensino e de sua qualidade. Atingida que foi a expansão da escola para todos, a preocupação pelo processo do ensino tomou vulto e podemos considerá-lo dominante a partir da 2ª metade do século passado.

No comêço dêste século, ocorreu mudança significativa: o puro e simples processo de transmissão do conhecimento e da herança cultural às crianças e aos jovens, com atenção apenas ao corpo de conhecimentos, hábitos e atitudes do passado, a serem inculcados pela endoutrinação - foi considerado insuficiente e inadequado, e o problema da criança, do aluno, surgiu, vindo a se fazer central em nosso século. Já não era só a quantidade de escolas, já não era só o problema de organizar e melhorar o conteúdo do ensino fundado no passado; já agora, o importante é o estudo da criança e de seus problemas e a descoberta do melhor método de acompanhar-lhe o crescimento e a aquisição da cultura de seu tempo e de seu presente e futuro.

3. A política da educação de cada um e da educação para o futuro

Presentemente, nos países desenvolvidos, entramos em nova fase: a ênfase está agora na educação individualizada, em educar não apenas tôdas as crianças, mas cada uma; e não para simples adaptação ao passado, mas visando prepará-la para o futuro. Opera-se, por isso mesmo, verdadeira revolução nos métodos e técnicas do ensino pròpriamente dito, e a atenção se volta para medir-se e apurar-se o que realmente se está conseguindo. O aluno continua a ser o problema central, constituindo-se a educação processo individual e único de cada aluno, e o seu desenvolvimento e auto-realização, a indagação maior e absorvente. A organização da escola fêz-se complexa e fluida, compreendendo o estudo individual da criança e de seu desenvolvimento; o estudo da cultura em que está imersa e de sua transformação constante; o estudo da herança histórica para incorporá-la a êste presente em transição; e tudo isso, com as vistas voltadas dominantemente para os prospectos do futuro.

Tôda a velha tranqüilidade da escola, como instituição devotada ao passado, desapareceu, e a escola é hoje uma perturbada fronteira da vida humana, debruçada sobre o futuro e embaraçada e aflita com as perplexidades e prospectos do presente.

4. A situação no Brasil

Entre nós, estamos ainda na fase inicial. O problema dominantemente quantitativo. Mais escolas, maior matrícula. Todavia, os tempos são outros, e já não podemos limitar-nos ao tranqüilo esfôrço de ensinar a ler, escrever e contar, multiplicando rotineiramente as escolas. Temos de realizar a tarefa que as demais nações realizaram nos relativos sossegos do passado, em pleno maelstrom moderno, tudo criando de nôvo, em condições mais difíceis que as do passado, e obrigados a acompanhar métodos e ténicas para que faltam as condições sociais adequadas e o próprio conhecimento e saber necessário para aplicá-las.

O problema fêz-se tão difícil e atordoante, que não são de admirar a confusão, o desnorteamento e o extraordinário desperdício e amontoado de erros com que vamos conduzindo nosso esfôrço educativo. Para nos equilibrarmos no turbilhão das fôrças e projetos desencadeados, apegamo-nos à simplificação da "educação para o desenvolvimento", tentando limitar o problema ao treino generalizado para a vocação e o trabalho. Mas também êste não é algo simples como o rotineiro trabalho antigo, mas conjunto de técnicas e habilitações complexas, difíceis e especializadas, em permanente transformação e a exigir desenvolvimento mental muito maior do que o do velho artesanato.

Não cabe estender-nos aqui em espécie de ensaio sôbre a presente situação educacional no Brasil. Êstes comentários valem como advertência para a extrema dificuldade da situação. Se conseguíssemos realmente equacionar a problemática educacional, definir com objetividade os rumos e as metas a buscar e indicar com relativa precisão os modos e meios de efetivá-los e a marcha dos métodos e técnicas a aplicar, poderíamos talvez armar a processualística da transformação a fazer.

Para isso, contudo, não bastariam planos e legislação, mas todo um esfôrço de formação do professorado a ser levado a efeito, juntamente com projetos experimentais e ensaios de demonstração, a fim de encaminhar e implementar as reformas e planos projetados. Não há receitas nem panacéias possíveis, mas longo, laborioso, gradual e contínuo trabalho de organização e de ação a ser conduzido com extrema tenacidade, mas também extrema paciência.

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