TEIXEIRA, Anísio. Educação e Desenvolvimento. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.35, n.81, jan./mar. 1961. p.71-92.

EDUCAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Anísio S. Teixeira
Diretor INEP

Uma transformação, que se iniciou nos fins do século XVIII, na Grã-Bretanha e nos Países Baixos, de métodos de produção, vem criando, em todo o mundo, uma nova sociedade e uma nova civilização, a sociedade e a civilização industrial de nossos dias.

Não se pode dizer que nação alguma tenha completado a transformação, mas há as que se acham próximas do que se poderia chamar de industrialização total, outras em estádios amadurecidos e avançados e outras ainda a iniciar a grande transição.

Recentemente, essa grande mudança vem sendo objeto de estudos e tentativas de sistematização quanto ao processo de seu desenvolvimento, visando, de certo modo, retirar o assunto do campo da intuição ou profecia política e trazê-lo para o quadro objetivo dos estudos científicos. Dentre tais estudos, poucos serão mais importantes do que os produzidos pelo "lnter-University Study of Labor Problems in Economic Development", organização criada em 1954, pelos economistas Clark Kerr, John T. Dunlop, Frederick Harbinson e Charles A. Myers, destinada a investigar o fator humano no processo do desenvolvimento econômico. Doze livros e dezenas de artigos científicos já foram publicados, achando-se em impressão outros quatorze livros e dezenas de monografias. As pesquisas até agora feitas estendem-se por 35 países e ocupam 78 especialistas e autores.

Valho-me da oportunidade, que me oferece êste "Encontro entre Educadores", para lhes oferecer um sumário dos resultados dessas pesquisas e análises, constantes do último volume publicado: "O Industrialismo e o Homem Industrial" 1

Trata-se de análise e interpretação, tão objetiva quanto possível, das diferentes estratégias que vêm conduzindo o processo de industrialização, nos diferentes países, segundo tipo de elite que passa a comandar a grande transformação.

Reconhecem os autores do estudo que a industrialização leva a certo tipo de civilização de característicos próprios e traços comuns. Nem por isto, contudo, há um só caminho para se chegar à sociedade industrial. Pelo contrário, diferentes caminhos a ela nos conduzem e, sobretudo, há estratégias diferentes, conforme o tipo de elite que toma o comando de sua marcha.

Além disto, a sociedade industrial não se desenvolve no vácuo, mas sucede a sociedades preexistentes, em diferentes condições geográficas e diferentes estádios históricos, o que a obriga a assumir aspectos distintos nos diversos países, sem nos referirmos ao pluralismo e à diversificação do próprio processo de industrialização.

A qualidade e tipo de elite que, em cada país, toma a direção do movimento e conduz a nação através das vicissitudes da transição, parecem resultar de acidente histórico. Conforme seja tal elite, como iremos ver, será a marcha, a estratégia, a velocidade e a harmonia da transformação.

Os autores examinam cinco tipos de elites, que, aqui e ali, vêm conduzindo, nos diversos países, a grande revolução: a elite dinástica, a da classe média, a dos intelectuais revolucionários, a dos administradores coloniais e a dos líderes nacionalistas. Está claro que se trata de tipos ideais, que não existem na prática em estado de pureza, mas de mistura uns com os outros, com o domínio desse ou daquele matiz. Nem êsse domínio será necessàriamente definitivo. A própria dinâmica do processo de industrialização poderá extinguir ou substituir a elite originàriamente dominante. De tôdas, por exemplo, a dos administradores coloniais parece a de menor capacidade de sobrevivência. Mas, também as outras não têm a certeza da permanência. O processo de industrialização é terrìvelmente dinâmico e, de certo modo, implacável e irreversível. Se a elite que o estiver comandando não se revelar capaz, será muito provàvelmente destruída e substituída pela elite nova que se vier formando à sombra dos erros da primeira. Aliás, tôda fase de transição é fase de luta entre o velho e o novo, e a arte de conduzir tais batalhas, extremamente difícil, em virtude das contradições que gera o próprio processo revolucionário de transformação.

Cada uma daquelas elites, ou grupos de liderança, acima mencionados, está longe de possuir composição homogênea; constitui-se antes de figuras as mais diversas - ou sejam líderes políticos, industriais, militares, autoridades religiosas, administradores públicos ou de emprêsa privada. Correspondem as denominações, que lhes dá o estudo, muito mais à filosofia e orientação central de ação de cada uma do que às pessoas que as compõem.

Para ser bem sucedida, terá a elite responsável de embarcar na tarefa de transformação da sociedade tradicional sem contudo destruir-lhe a contextura social, nem expô-la ao perigo de destruição. É de extrema importância, com efeito, que a transição se faça de forma tolerável e sem rupturas destrutivas, ressalvando-se, de qualquer modo, a integridade da contextura social; e, por outro lado, é necessário que a transformação não se revele incompatível com a posição do país no quadro internacional, em que se acha êle inserido, a fim de que possa contar com a proteção e segurança necessárias.

Embora repetindo, com os autores do estudo, que nenhum caso de desenvolvimento industrial corresponde integralmente a um único dos estilos de industrialização, vamos esboçar os aspectos típicos de cada um dêles.

1. A elite dinástica e a comunidade paternalista

A elite, que o Prof. C. Kerr e seus colegas de estudo chamam de dinástica, recruta os seus membros dentre os elementos da aristocracia rural ou comercial - agricultura e comércio são as formas de produção preexistentes - e mais raramente na casta militar (os samurais no Japão), na hierarquia religiosa, ou burocrática, ou mesmo dentre chefes tribais ou feudais.

O nexo que une essa elite é o do respeito à tradição. Embora possa aceitar um ou outro membro novo, de modo geral, corresponde a um sistema fechado, fundado na família e na classe, constituindo uma casta privilegiada - a raça dos governantes.

Dentro dessa casta, devotada à ordem estabelecida e à tradição, a qual encarna o passado, o presente e o futuro, surge, ante a ameaça da industrialização, uma minoria suficientemente inteligente para não deixar escapar-lhe o contrôle da mudança inevitável. São os "realistas" que, em oposição aos "tradicionalistas", se preparam para os compromissos necessários, a fim de permitir a industrialização, desde que se processe sob sua direção. Mesmo nos casos clássicos da transformação industrial dêsse tipo - o da Alemanha e o do Japão - deve ter precedido ao início do movimento a luta entre os dois grupos da classe aristocrática, e a vitória dos "realistas" é que evita a liquidação ou o desaparecimento dessa classe. Nem por isto cessa a luta com outros grupos, dependendo a vitória final do vigor dos respectivos contendores. Não surgem, com efeito, na elite aristocrática apenas "realistas" e "tradicionalistas" mas também outro grupo - de todos o mais congênito com essa classe - e que se poderia chamar o dos "decadentes". São êstes a flor e o mimo da casta: cultivam o prazer pessoal, o ócio alto e fino, a vida dissipada, são os heróis da "doce vida", geralmente ligados a culturas estrangeiras pelo gôsto e pelos investimentos. Os "realistas" não têm de vencer apenas os "tradicionalistas" mas também êstes últimos, inimigos bem mais difíceis e fugidios. Se os vencerem, contudo, e tiverem o necessário vigor, podem enfrentar o processo de industrialização com estilo próprio, imprimindo-lhe o feitio autoritário que caracteriza a casta. Com ênfase no poder pessoal e na perpetuação das famílias "nascidas para o govêrno", entre as quais se efetivam as alianças necessárias, processa-se o recrutamento entre elas dos administradores e gerentes e o movimento de transformação tem início, num regime, na realidade, de fôrça. Daí a facilidade do grupo tender ao fascismo. Escapando porém a êsse perigo, estabelece-se um sistema de predomínio familiar patriarcal, servido por govêrno paternal e benevolente, dotado de relativo poder de sobrevivência.

Repousam os ideais sociais do grupo nos símbolos e nas instituições do passado: a família, a igreja, a propriedade privada e o estado nacional. Tradicional por excelência, só aceita alteração da sociedade na medida em que a mudança constitui necessidade de sobrevivência. Por isto mesmo, é inerentemente hostil aos intelectuais, salvo àqueles que se fazem seus "mestres espirituais", interpretando e reinterpretando a essência do passado e, à luz dessa essência, o próprio futuro.

A ordem econômica, fundada na lei e na ordem, inclina-se os cartéis e as sociedades de economia mista, numa mistura de "público" e "privado", constituindo a base de um sistema político paternalista. Entre o trabalhador e o patrão não deve haver luta, mas harmonia. A lei e o Estado aí estão para criar o clima de paz e amor entre o lôbo e o cordeiro. O poder de estabelecer as regras do jôgo não se distribui, mas fica com a lei e o govêrno. O clima do regime é o da lealdade e harmonia entre as fileiras e a hierarquia. O trabalhador faz-se um misto de "menor" e "funcionário público".

A marcha da industrialização é comandada pela idéia de sobrevivência. É preciso não esquecer que a transformação não se faz pelo seu próprio mérito mas apenas para garantir a sobrevivência da sociedade tradicional. Tôda alteração violenta é combatida com extremo rigor. A regra é: "nem mais depressa nem mais longe do que o necessário. . ." A elite dinástica e o estado paternalista devem sobreviver. Como o regime industrial ganha em ser planejado, êsse estilo pode ser bem sucedido, dada a facilidade com que pode fixar metas e objetivos e a aplicação do dispositivo de fôrça na sua conquista.

Não se pense porém que tal forma de industrialização seja pacífica. Pressões externas e internas podem incentivá-la ou destruí-Ia. As pressões externas - sejam militares, políticas ou econômicas - são geralmente salutares e incrementam o progresso econômico. Já as pressões internas, sejam as da classe trabalhadora, ou de grupos intelectuais e independentes, não são de natureza a facilitar o progresso econômico, tendendo antes a criar instabilidade política, que poderá chegar a fazer cair a classe dirigente e levá-la a ser substituída. O poder de sobrevivência dêsse estilo de industrialização é questionável. A tendência será para constituir-se fase de transição para o comando de um dos demais grupos. No melhor dos casos, ao da elite de classe média, que passamos a analisar.

2. A elite de classe média e a comunidade do mercado aberto

Não será preciso repetir como surge a classe média. Os seus membros se recrutam nos grupos comerciais ou artesanais, já existentes na sociedade anterior e sensíveis às possibilidades dos novos meios de produção. Sensíveis às oportunidades do lucro. A classe não pratica nenhuma rígida ideologia. O seu assalto à ordem velha não toma o aspecto global de uma revolução, mas fá-la ruir aos poucos, minando-a aqui e ali, construindo lentamente a nova sociedade. No seu conflito com o velho acaba contando, como aliados políticos, com intelectuais ansiosos por liberdade e operários em busca de oportunidades.

A sua flexível ideologia é econômicamente individualista e pràticamente igualitária. Cada indivíduo é responsável por si mesmo, dentro dos limites da lei. A êle cabe tirar proveito das oportunidades que a sociedade lhe oferece. Nessa áspera e livre competição, é êle o seu próprio Senhor e a sociedade funda-se no seu interêsse próprio (esclarecido se possível) em substituição ao "bem-estar da comunidade" que seria o objetivo professado da sociedade anterior.

A mobilidade vertical dos indivíduos, dentro da sociedade em relação direta com o conhecimento das oportunidades existentes e a capacidade de fazer uso delas, quebra a rigidez da classe. A família e o passado deixam por isto de ser importantes, salvo quando facilitam tal aproveitamento de oportunidades. O sistema baseia-se polìticamente num regime de leis e regras consentidas e, econômicamente, na vantagem ou proveito próprio. Ninguém nasce para mandar, mas alguns são feitos para gerir e administrar. O empreendedor, o gerente é, em parte, um político, construindo, por entre as pressões dos indivíduos, dos grupos e das instituições, em dinâmico e difícil ajustamento, uma sociedade dominada pela mobilidade e pelo interêsse pessoal.

Que ideais pratica essa sociedade? Algo de fugidio e difícil de caracterizar. Cultiva antes meios do que um fim: e os meios são o razoável, o interêsse próprio, e a relativa embora ampla tolerância ao dissentimento. A pluralidade de centros de poder e decisão e um jôgo de freios e contra-freios marcam o funcionamento social. Separação entre a Igreja e o Estado e, neste, separação dos três podêres - separados e independentes - caracterizam o pluralismo político. O pluralismo econômico está na multiplicidade das emprêsas. De todo êsse complexo jôgo de influências e contra-influências decorrerão a ordem e a justiça.

As relações entre o operário e o patrão são as de independência mútua. O operário ali está por uma transação comercial. Diz um autor: o operário "sabe que é polìticamente igual ao patrão e não deseja subordinar-se a êle e incorrer em uma dívida de gratidão. Está na fábrica ou oficina em virtude de um contrato e não considera os demais colegas como uma família de que o empresário seja o chefe e o patriarca". Dessa independência, passa o trabalhador à fase em que se organiza em oposição aos empresários, e um novo pluralismo de poder se estabelece, com a participação crescente do trabalhador nas regras do jôgo.

O progresso nesse tipo de sociedade é tido como algo de natural. Decorre do complexo jôgo de mil e um centros de poder, tomando decisões dia a dia. Não deve ser retardado mas também não deve ser forçado. Considera-se suficiente o incentivo do interêsse próprio numa sociedade materialista e competitiva. Não há planejamento central. Assim, a velocidade do desenvolvimento fica entre a da sociedade patriarcal que resiste ao progresso e a da sociedade de mobilização industrial forçada, que caracteriza o terceiro tipo a ser adiante examinado.

A sociedade do tipo classe média não é homogênea nem uniforme. Seus característicos e distinções decorrem das suas origens. Na Europa e na América Latina surge como uma sociedade nova em luta contra a ordem estabelecida, a da classe aristocrática dominante e contra os hábitos de uma civilização anterior. Nos Estados Unidos, no Canadá, na Nova Zelândia, a classe média é quase a classe original. Nem aristocratas nem peões. Acabam todos se julgando classe média. São essas sociedades os modelos mais puros da sociedade de classe média e do mercado aberto, onde melhor se pode sentir as tendências por assim dizer espontâneas dêsse tipo de organização social. Nesses países, o progresso marcha ràpidamente e certa consistência cultural interna se processa sob a direção da classe industrial e comercial. Nos demais países, o desenvolvimento não é tão homogêneo: pelo menos três subculturas surgem, a da aristocracia, a da classe comercial e a dos trabalhadores. Ao lado dêsses países que iniciaram cedo o seu desenvolvimento e vêm lentamente aprendendo essa nova sociedade de classe média, temos hoje os países subdesenvolvidos e os novos que se estão ràpidamente industrializando. Se o Estado não se transforma no empresário universal, há que recrutar os empreendedores entre os comerciantes... E a transição não é fácil: o comerciante trabalha com a mentalidade do lucro a curto prazo e custa a mudar para a mentalidade de industrial, de criador de riqueza, de lucro a longo prazo. Surge então o espírito de exploração, tanto mais grave quanto, não havendo também competição industrial, desaparece qualquer freio ao lucro. Falta de espírito industrial, falta de competição, auxílio do Estado - retiram a essas sociedades muito dos característicos da sociedade individualista de classe média. Dividida entre o mercado e o Estado, entre o consumidor e o burocrata, a "corrupção" e a "dissipação" passam a medrar e com elas o sentimento de "exploração". A luta pelo desenvolvimento faz-se difícil, penosa e tensa. O êxito sòmente poderá ser obtido se a industrialização fôr tão rápida que consiga disciplinar os elementos em jôgo e restaurar na sociedade aquêle mínimo de saúde indispensável ao domínio do espírito do mercado e das fôrças autocorretivas da competição.

A carreira da classe média desde o seu surgimento como mercadores, depois produtores e empreendedores, até à era dos administradores profissionais das sociedades altamente organizadas - representa uma longa carreira, com extrema variedade de tipos de ação e de emprêsa. Mas algo de comum sempre ficou: a busca do lucro, a confiança na iniciativa privada, o espírito de gradualidades nas mudanças ... Eficiência gerencial, atitudes do trabalhador, relações entre operário e patrão variam, entretanto, de forma acentuada. A dinâmica dêsse tipo de sociedade está longe de encerrar-se e não é pequena a sua luta contra o terceiro estilo, que passamos a examinar.

3 . Os intelectuais revolucionários e o Estado centralizado

Uma nova classe de intelectuais, e seus seguidores ou ativistas, assume, neste caso, o contrôle do processo da industrialização e da sociedade como um todo, substituindo a velha elite e a velha cultura por uma nova classe e uma nova cultura.

Ao se atribuírem o poder de liderança, buscam justificá-la pela aceitação e adoção de uma teoria da história, que lhes ensina o lugar, o tempo e os meios de agir e os transforma em instrumentos do próprio inevitável processo histórico, do próprio processo de criar e fazer o futuro.

Ao contrário da classe média, essa nova classe funda-se numa rígida ideologia, segundo a qual a nova sociedade é inevitável ... Esta nova sociedade seria a sociedade totalmente identificada com a nova tecnologia e com as relações econômicas e sociais mais compatíveis com o seu máximo desenvolvimento. Daí a elaboração de verdadeira ortodoxia, com os seus "sumos-sacerdotes" para interpretar e aplicar a ideologia e a "linha" para segui-los. Os novos membros são escolhidos na base de capacidade e confiança política.

Com o desenvolvimento dessa sociedade, entretanto, os intelectuais revolucionários cedem crescentemente o lugar de líderes do sistema a administradores políticos de alto nível e a burocratas. Um novo grupo passa a controlar a nova sociedade mas de maneira diferente dos antigos revolucionários. São até, de certo modo, opostos êsses novos burocratas aos antigos apóstolos. Em vez da mudança constante são antes conservadores e em vez do debate político básico, discutem interpretações e reinterpretações da doutrina. De qualquer modo, porém, o intelectual revolucionário é substituído pela ideologia, pelo partido, pelo Estado: os revolucionários se vão, fica o Estado centralizado.

Se a primeira elite tem sua origem no proprietário de terras, a segunda no comércio, esta terceira nasce com o "manifesto" político. O partido é o centro dessa sociedade. Os conflitos se resolvem na base da correção ortodoxa. O sistema repousa na coesão ideológica dos líderes; na manipulação dos interêsses econômicos das massas; e no uso de fôrça quando necessário. Pensamento coletivo e força coletiva marcam o desenvolvimento social, que é considerado um processo histórico, fundado na nova tecnologia. Não há assim objetivos sociais determinados, mas a marcha para a conquista absoluta dessa tecnologia - educação, organização do trabalho, arte, literatura, tudo é pôsto a serviço do sistema de produção. A sociedade é unitária, monolítica, sem distinção alguma entre as instituições econômicas, políticas e religiosas. O poder de estabelecer as regras fica com a hierarquia: o operário depende do gerente e êste do Estado. O mais alto atributo do trabalhador é o senso do dever. É um "cidadão" com muitos deveres e poucos direitos. A sociedade é considerada perfeita, na medida em que se submete à lógica da industrialização, e conquista assim o máximo poder de sobrevivência.

Tôda a ênfase é posta no progresso econômico. A história é considerada um processo consciente e, dentro de certos limites, sujeito a contrôle central. A teoria é a de que a história marcha por avanços e saltos. Há constelações estratégicas de interêsses de classe e estratégicos momentos de tempo a ser manipulados. A capacidade de mobilização industrial constitui, talvez, o seu maior poder de sobrevivência e o grande impacto histórico dêsse tipo de sociedade.

A falha do sistema talvez esteja entre as exigências da ideologia e as aspirações das massas em seus ambientes históricos e geográficos. A versão ortodoxa (União Soviética e China) dá lugar a versões mais moderadas, com maiores concessões às massas (Polônia, Iugoslavia), à luz dessas circunstâncias históricas e geográficas. Os fiéis, entretanto, receiam essa marcha para a heterodoxia.

4. O administrador colonial e a metrópole

Não precisamos deter-nos muito neste tipo de industrialização, porque já não se aplica ao nosso caso. No interêsse, contudo, da clareza, convém dizer que os autores do livro dão larga atenção no caso da introdução do processo de industrialização por uma elite estrangeira, apresentando três tipos de colonialismo: o colonialismo temporário e de um segmento apenas da sociedade nativa; o colonialismo de colonos que se estabelecem permanentemente no território e criam uma sociedade dual, de colonos e nativos; e o "colonialismo total" quando os agentes coloniais visam transformar totalmente a sociedade à sua imagem (Havaí, Moçambique, Hungria).

Pela própria classificação, pode-se ver que cada tipo de colonialismo tem sua lógica histórica. O colonialismo "segmental" traz consigo a semente de sua destruição. É o criador e a vítima do progresso. O segundo é mais tenaz - mas não sabemos ainda se pode sobreviver. O terceiro - o colonialismo total - se bem sucedido deixa de ser colonialismo e, neste sentido, tem maior poder de sobrevivência. Não fica, porém, apenas nisto. Conforme a Metrópole esteja dominada pela elite dinástica, ou de classe média, ou dos intelectuais revolucionários, o colonialismo assume aspectos diversos. Por isto mesmo, é o de mais difícil caracterização como tipo ideal.

5. O líder nacionalista e o Estado como guia

O quinto tipo de condução do processo de industrialização é o do líder nacionalista. Não se pode dizer que haja no caso um sistema de idéias. O movimento nacionalista pode servir para a conquista do poder, mas não encerra pròpriamente uma teoria de ação. Predispõe, entretanto, a certas direções: a revolta contra a velha ordem, a luta pela independência, a consagração de heróis nacionais. A falta de um programa coerente de ação lança a sociedade nos braços de personalidades carismáticas e o povo, numa atitude de expectativa de milagres. Os objetivos são extravagantes, episódicos e espetaculares. Trata-se de "tomar de assalto as fortalezas da história", como já disse alguém.

Por isto mesmo, a tendência do nacionalismo é de confiar ao Estado a direção do seu esfôrço. Daí a sua inclinação à economia planejada, ao investimento pelo Estado, ao contrôle estatal das organizações trabalhistas, à previdência estatal, à direção estatal da indústria e a dramáticos apelos do Estado para a austeridade e o trabalho árduo. Tôda essa orientação passará a assumir suas verdadeiras côres, num sentido ou noutro, para a direita ou para a esquerda, conforme sejam os líderes que venham a assumir a direção. Daí serem os países nacionalistas um dos palcos da competição da guerra fria. Tais líderes poderão ser os da elite dinástica (lran), os da democracia liberal ou dos intelectuais quase-socialistas (Índia), ou os da hierarquia militar (Egito), e conforme as respectivas doutrinas, favorecerão a iniciativa privada ou a iniciativa do Estado, a liberdade individual e o livre debate ou a fôrça, a disciplina, o dever e o govêrno pessoal.

Sua economia tenderá também a ser uma economia mista, entre a da iniciativa privada preferida pela classe média e o contrôle estatal dos intelectuais revolucionários.

O maior perigo dêsse estilo de industrialização está na conservação ou excesso dos seus aspectos negativos, os ódios e mêdos que derem origem ao movimento de independência. Quanto mais depressa se vencer essa fase, mais afortunadas serão as possibilidades de se não perderem o ímpeto e o dinamismo do movimento e de se conquistar aquela unidade nacional indispensável a um progresso firme e contínuo. De qualquer modo, o estilo nacionalista implica líderes carismáticos, massas em expectativas de milênios, e no Estado como instrumento do desenvolvimento econômico.

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Demos, assim, em breves traços, uma idéia dos cinco estilos pelos quais se pode processar o movimento de industrialização em nossa época. Resta uma nota, para não me afastar do livro que estou procurando resumir, sôbre as duas grandes fôrças oscilantes, de que dependem, de certo modo, o êxito de cada um dêsses estilos: os intelectuais e os generais, representando as idéias e o poder material. Essas fôrças inclinam-se já num sentido, já em outro, e constituem, sem dúvida, fatôres cruciais nos momentos críticos da grande transição. Quem tiver a fôrça, comandará o movimento. De todos os estilos só o democrático-liberal pode-se dar ao luxo de ignorar os generais. De modo geral, as duas fôrças - os intelectuais e os militares - comandam o processo de industrialização, sempre que a marcha fôr incerta e crítica. Só com certa normalidade é que fôrças mais estáveis poderão tomar a direção. Isto pôsto, e considerando que não levamos em conta o regime de colonização, temos que há quatro métodos paralelos de conduzir o processo de industrialização: o da elite dinástica, o da classe média, o dos revolucionários intelectuais e o dos líderes nacionalistas. As perguntas cujas respostas caracterizam tais métodos são as seguintes: 1) Quem conduz a marcha? 2) Qual o propósito da marcha? 3) Como se organiza a marcha?

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Quem conduz a marcha?

a) a elite dinástica responde:

os que nasceram para mandar e que se identificam pela família e pela classe; o govêrno é pessoal, fundado na tradição e sustentado pela fôrça, se necessário.

b) a classe média responde:

os que por competitiva educação e competitiva experiência melhor merecem a responsabilidade da liderança; essa liderança funda-se no consentimento e se processa segundo certas regras gerais aprovadas do jôgo.

c) os revolucionários intelectuais respondem:

os que possuírem uma teoria superior da história e uma estratégia superior para organizar a sociedade de acôrdo com as exigências da tecnologia industrial; sua liderança apóia-se na fôrça.

d) os líderes nacionalistas respondem:

os que pela sua "visão" e "coragem" encarnam o futuro da nação; o seu poder se funda no senso de patriotismo que logram despertar nos cidadãos da nação.

Qual o propósito da marcha? E como é a marcha organizada?

a) a elite dinástica responde:

preservar a ordem tradicional e a comunidade paternalista, ao mesmo tempo que manter o contrôle do novo método de produção. Para isto, precisa-se de um estado-forte, a fim de manter a ordem e a estabilidade interna; de deixar nas mãos dos patrões um poder substancial para regular as condições de trabalho e manter os trabalhadores na dependência da sua lealdade aos patrões.

b) para a classe média, o objetivo da marcha é o desenvolvimento de um método de ação que, a longo prazo, traga o máximo bem-estar aos indivíduos: o método do mercado aberto nos negócios econômicos e políticos. Êste método importa dar relêvo ao esfôrço privado, na distribuição pluralística do poder na área das relações industriais entre a gerência, as organizações trabalhistas e o Estado. Os trabalhadores, por meio de organizações independentes, podem resolver seus conflitos com os empregadores.

c) os revolucionários intelectuais consideram o objetivo a construção de uma nova sociedade completamente compatível com a nova tecnologia. Para isto, há que estabelecer um Estado centralizado, que detenha todo poder de fixar as regras e espere de cada trabalhador o cumprimento do dever e a aceitação, sem discutir, das decisões do Estado que, em teoria, age em seu interêsse.

d) os líderes nacionalistas consideram o objetivo a independência e o progresso da nação, a ser obtido sob a direção do Estado.

A elite dinástica oferece continuidade; a classe média, escolha individual; os intelectuais revolucionários, alta velocidade de industrialização; e os líderes nacionais, a integridade e o progresso da nação. Desenvolve-se assim em plena diversidade o processo de industrialização. A intensidade ideológica de nossa época marca o grau de conflito e de luta. Com a aceitação progressiva da industrialização, é de esperar a queda do tonus ideológico e o possível reencontro de todos êsses diversos métodos num único industrialismo do futuro. Até êsse remoto futuro, a variedade de condições culturais, histórias e econômicas fará do quadro industrial do mundo um quadro diversificado e múltiplo, mas, nem por isto, sem uma vigorosa lógica interna e certa unidade fundamental, que irá transformar o homem e sua sociedade como nenhum movimento da história jamais o transformou.

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À luz dêsse quadro aí esboçado, não por ideólogos ou teóricos, mas por frios e objetivos economistas - onde poríamos nosso país e seu arranco inicial em prol da industrialização?

Não é verdade que logo sentimos quanto nosso esfôrço participa de uma liderança eclética, com aspectos de liderança aristocrática, de liderança da classe média e de liderança nacionalista? Ora, cada uma dessas lideranças tem suas exigências específicas quanto à educação e quanto ao modo de conceber o fator humano no desenvolvimento industrial. Será que o exame dessas diversas posições poderá esclarecer-nos quanto à nossa confusão educacional e ao infindável debate em que nos perdemos e que já começa a ser objeto até do humorismo internacional? (Um jornalista suíço em visita ao Brasil manifestou, ao voltar à pátria, sua surprêsa: o país oferece o espetáculo de cinqüenta por cento de analfabetos ao lado do mais rico debate pedagógico que jamais lavrou em alguma nação.)

O processo de industrialização afeta a sociedade em quase todos os seus elementos: muda o sistema familiar (da família chamada extensa ou colateral para a família nuclear ou conjugal); mudam as estruturas de classe (de rígidas para flexíveis, de fechadas para abertas) e mudam com elas as relações entre trabalhador e empresários; mudam valores religiosos e éticos em relação ao trabalho, à economia e à satisfação de desejos materiais; e em relação à inovação, à mudança e à utilização da tecnologia moderna; mudam os conceitos jurídicos e legais, a respeito das relações de trabalhador e empresário; e muda o conceito de estado-nação, cujo poder sôbre os grupos divididos da sociedade tradicional anterior se faz muito mais forte, conseguindo muitas vêzes certo grau de unificação política e social. O interêsse nacional torna-se mais consciente na sociedade em vias de industrialização e certa mobilização coletiva de esforços, mais viável. Essas rápidas indicações sugerem a natureza e a diversidade das resistências que a sociedade tradicional pode vir a opor ao processo de industrialização. Se juntarmos a êsses fatôres, já de si mesmos diversificados e contraditórios, a contradição entre as próprias formas de condução do movimento de industrialização, poderemos ver quanto é difícil a situação brasileira, no sentido de poder atuar em relação à sua nascente industrialização com a necessária unidade e o necessário ímpeto.

Parece, com efeito, indiscutível o caráter misto de nosso processo de desenvolvimento. Temos o setor francamente aristocrático, pouco importando o aspecto humorístico de que alguns dos mais eminentes membros dêsse grupo sejam acabados e perfeitos novos-ricos do próprio movimento; temos o setor liberal-democrático de classe média; e temos o grupo nacionalista.

Dêsses três grupos, só o segundo tem doutrina, a doutrina liberal-democrática. Mas como essa doutrina é aberta e não dogmática, não se pode evitar certa confusão e obscuridade entre os líderes dêsse grupo, em contraste com os demais, dominados mais nìtidamente por interêsses e sentimentos. Entre a difícil doutrina liberal e o emocionalismo nem sempre lúcido do nacionalismo, o pensamento político brasileiro se refugia em expedientes intelectuais e conjurações de interêsses. Falta à cena nitidez e definição. Por isto mesmo, o desenvolvimento brasileiro se vem fazendo com uma carga de contradições tão grande e resistências tão implacáveis ao seu funcionamento lógico que, se não receio a sua parada, receio a sua ruptura, devido ao jôgo de progressos e regressos que vem provocando e alimentando sua grande confusão ideológica.

Vimos, na análise que reproduzimos, nas páginas anteriores, que sòmente as elites de classe média e as elites intelectuais marxistas têm certa bagagem de idéias para a condução, com unidade de propósitos, da transformação social em marcha no mundo. As elites dinásticas são contrárias à industrialização e apenas a admitem enquanto necessária à sobrevivência da ordem anterior; a elite colonial age no interêsse da metrópole, salvo os casos do "colonialismo total", em que se confundem com as demais elites e suas respectivas doutrinas; a elite nacionalista, mais um movimento que uma doutrina, não tem método próprio de ação, salvando-a apenas o estado de consciência e de mobilização emocional que cria e lhe permite o programa de surpresas e esforços espetaculares, com que alimenta o famoso clima quiliástico em que arde! (Assuã, Brasília... ).

Ora, achando-se nosso desenvolvimento sob a influência de três grupos, o aristocrático, o de classe média e o nacionalista, a salvação estaria em que a ênfase viesse a caber à elite de classe média, por ser a mais aparelhada em idéias específicas relativas à nova ordem industrial.

Sucede, porém, que o debate político dos últimos cem anos, embora de modo algum encerrado, tem concorrido, entre nós, para emprestar à classe média apenas o caráter reacionário que, por vêzes, assume, sempre aliás em aliança com a elite dinástica, esquecendo-se o seu passado revolucionário, de iniciadora da transformação da sociedade pela industrialização, e a possibilidade de continuar ela seu destino inovador.

A verdade é que a classe média sòmente conseguiu realmente estabelecer-se e controlar a nova sociedade em certas nações da Europa e na América do Norte, Canadá, Austrália e Nova Zelândia. Em todo o resto do mundo, prevalece a sociedade tradicional, com as suas formas feudais ou dinásticas, ou as elites revolucionárias comunistas, ou as ainda indefinidas elites nacionalistas.

Em tôda a chamada América Latina, estamos emergindo da fase feudal ou dinástica, e tentando criar as tradições da classe média mas sem o conseguirmos, sobretudo porque se perdeu o sentido revolucionário dessa classe e nos radicalizamos numa luta entre os extremos da direita ou da esquerda.

Como estas duas sociedades extremadas são sociedades unitárias e planejadas, e como as críticas mais vivas à classe média foram sempre ao seu individualismo e ao seu laissez-faire, ambos hoje tão modificados e qualificados, tem-se procurado valer dessa contradição para considerar-se pràticamente inviável a teoria da classe média: ou seja a do interêsse próprio individual conjugado e disciplinado pelo pluralismo de organização e funcionamento.

Considerando a classe média reacionária e assumindo que o que existe no país já é classe média, embora de modo algum se tenha conseguido criar a mentalidade de classe média, o grupo autocrático consegue firmar-se e, com o auxílio do grupo mais revolucionário (que se opõe acima de tudo aos aspectos revolucionários da mentalidade da classe média), criar as condições vigentes no Brasil de predomínio reacionário ou, pelo menos, dominantemente autoritário.

Não julgo, com efeito, que seja preciso demonstrar que nosso desenvolvimento está, de fato, muito mais sob a influência do espírito dinástico e paternalista, que herdamos do Estado Novo e agora recebe a propulsão do combustível nacionalista, do que sob o comando das doutrinas da classe média, embora estas se ostentem na letra da Constituição, que nem sequer logramos complementar.

Não seria preciso contradição maior para marcar a situação de confusão e de crise em que vivemos. A verdade é que estamos cada vez mais longe da formação do cidadão indispensável ao difícil funcionamento da democracia liberal. E por isto mesmo é que a análise da situação educacional é suscetível de tornar patente grande parte dessas contradições que, a meu ver, podem quebrar a coesão e a contextura de nossa sociedade.

Como seria muito longo analisar, em face de cada tipo de elite, além das suas respectivas estratégias - que procuramos esboçar nas páginas anteriores - as respectivas atitudes em face dos conflitos culturais provocados pela industrialização, as respectivas políticas em face do chefe de emprêsa, do administrador e do gerente, do trabalhador, do seu protesto, de sua organização, do seu recrutamento e do seu treino, vamos limitar-nos a traduzir o quadro em que Kerr e os seus colegas definem, esquemàticamente, as diferentes posições das elites em questão. A seguir voltaremos à situação brasileira, com respeito à educação, a fim de fazermos mais uma vez a advertência de que a confusão e obscuridade políticas da vida brasileira é que não permitem que êsse eterno problema seja equacionado e resolvido.

Não é difícil, percorrendo os quadros seguintes, indicar a posição do país em cada um dos pontos examinados e definidos. Mas sòmente iremos sublinhar os aspectos educacionais.

Como é natural, cada elite estabelece a educação que melhor se ajuste à sua estratégia para a industrialização. A elite dinástica, visando, acima de tudo, preservar a tradição, oferece educação, apenas, aos poucos e, especialmente, a grupos seletos e destinados a constituir a elite governante. A ênfase é em educação humanística e na formação jurídica, com restritas facilidades para a educação científica. Os valores tradicionais e a religião são postos em relêvo em todos os graus e níveis do ensino. Não têm as universidades participação no processo de industrialização. Há pouco interêsse no treino dos trabalhadores, além da educação elementar e do aprendizado direto nas fábricas.

Há alguma dificuldade em nos encontrarmos nesse retrato? Não se destina até hoje aos "poucos" a nossa educação? Não há uma constante pressão para que continue humanística e não científica? Têm as universidades algo a ver com o processo de industrialização? Com relação aos trabalhadores, deve-se reconhecer

CONSEQUÊNCIAS PARA OS TRABALHADORES E OS GERENTES

DECISÕES

BÁSICAS

DINÁSTICA

CLASSE

MÉDIA

INTELECTUAIS

REVOLUCIONÁRIOS

ADMINISTRADORES

COLONIAIS

LÍDERES

NACIONALISTAS

Métodos de distribuição da fôrça do trabalho

Laços de família e de comunidade limitam a mobilidade das fôrças de trabalho e tornam maior a necessidade de mobilidade do capital.

Confiança no mercado de trabalho e no treino público.

Distribuição planejada e treino com ênfase em incentivos monetários.

Distribuição direta do trabalho nativo e importação do qualificado e de alto nível.

Treino de nacionais para substituir o estrangeiro.

Métodos de motivar a fôrça de trabalho.

 

Lealdade à tradição, à família e à igreja.

A ética pessoal de trabalho duro e recompensas em dinheiro.

Compulsão ideológica e recompensas em dinheiro.

Compulsão limitada e aceitação limitada de alguns do grupo de govêrno.

Nacionalismo como ideal.

ADMINISTRAÇÃO E GERÊNCIA

Acesso à gerência e administração.

Acesso baseado na família e os profissionais subordinados à autoridade da família.

Acesso na base de iniciativa e competência Rápido desenvolvimen-to de conceito de administração profissional.

No princípio, acesso na base de filiação política, depois, em padrões profissionais.

As posições importantes reservadas para os filhos da metrópole.

Diversos, com ênfase em qualificações políticas e profissionais.

Caráter da autoridade da gerência sôbre o trabalhador.

Interêsse paternalista no trabalhador, considerado um "dependente".

Decorrente da lei e de estatutos das organizações industriais e trabalhistas ou ocasionalmente democráticas.

Ditatorial e autoritária, mas, depois, dentro de certo limite, baseada em lei e regulamentos.

Ditatorial ou paternalista.

Diversos, dependendo da natureza da classe de gerentes.

Base de autoridade do gerente.

Conceito de que alguns são "chamados" a mandar. Organização pessoal e não funcional.

A autoridade decorre das funções que têm de preencher.

Administradores são os servos do partido e do Estado.

Superioridade dos nacionais da metrópolde.

Os administradores são considerados como instrumentos necessários do desenvolvimento industrial.

Educação e o desenvolvimento das fontes de onde deve sair a elite industrial.

Educação de uma pequena minoria selecionada (elite).

Educação universal e educação funcional em tecnologia e administração.

Alta prioridade para a educação funcional em todos os níveis.

Muito limitadas oportunidades de educação para os nativos.

Educação universal prioridade para a educação superior.

SUMÁRIO DAS DIFERENTES POLÍTICAS COM QUE AS DIFERENTES ELITES CONDUZEM O INDUSTRIALISMO

DECISÕES

BÁSICAS

DINÁSTICA

CLASSE

MÉDIA

INTELECTUAIS

REVOLUCIONÁRIOS

ADMINISTRADORES

COLONIAIS

LÍDERES

NACIONALISTAS

O sistema educacional.

Preserva os valores tradicionais: educação superior reservada à elite; as universidades têm pequeno papel em relação à industrialização; os trabalhadores recebem apenas educação elementar.

Educação liberal; educação universal; o sistema educacional constitui o maior instrumento de mobilidade vertical para os trabalhadores e suas famílias.

Educação ligada à ideologia revolucionária; alta prioridade para a ciência e os setores especializados; os trabalhadores recebem treino especial.

Educação adaptada da metrópole; educação superior limitada a poucos nativos e dada muitas vêzes sòmente no país metropolitano.

O sistema educacional planejado para promover a independência e dar prestígio. Dilema entre educação geral e treino de mão-de-obra de alto nível.

Auto-suficiência ou integração econômica.

Grau relativamente elevado de auto-suficiência, particularmente em relação a importantes aspectos militares.

Os mercados financeiros e de bens de consumo tendem a criar um alto grau de interdependência internacional.

Um alto grau de auto-suficiência com transações econômicas internacionais.

Integração com a metrópole.

Conflito entre as aspirações de auto-suficiência e a necessidade de integração para o desenvolvimento.

Reflexos da industrialização sôbre a população.

A política é a de estimular o crescimento da população e desencorajar a imigração.

Não há política demográfica. O mercado, a renda, as despesas públicas com saúde influem sôbre a população. A imigração é permitida.

Várias medidas são tomadas para constranger a tendência da população a crescer em virtude da industrialização. Não se permite a imigração.

Não há interêsse pela população se a mão-de-obra fôr adequada. No caso contrário, recruta-se a mão-de-obra na própria colônia ou fora.

Conflito entre os meios de diminuir a mortalidade e os de impedir o crescimento da população nos países superpovoados.

CONSEQUÊNCIAS PARA OS TRABALHADORES E OS GERENTES

Pressão para limitar o consumo.

Pequena, devido à lentidão da marcha pela civilização.

A poupança é obtida por meio de economias voluntárias e de impostos democràticamen-te planejados.

Limitação severa de consumo para acelerar a industrialização.

Depende das necessidades da metrópole.

Altas aspirações, mas grande dificuldade em aplicar as pressões.

Métodos de limitar o consumo.

Inflação.

Poupança privada.

Contrôles diretos em ampla frente.

Contrôles diretos em alguns ítens, especialmente de importação.

Inflação.

Política em relação à agricultura.

Diminutas modificações de estrutura, exceto para aumentar a exportação para as cidades.

Contração subordinada às fôrças do mercado.

Ampla reorganização para liberar recursos e aumentar a produção.

A agricultura é orientada para servir a metrópole.

Tendência a negligenciar a agricultura em face do programa de desenvolvimento industrial.

SUMÁRIO DAS DIFERENTES POLÍTICAS COM QUE AS DIFERENTES ELITES CONDUZEM O INDUSTRIALISMO

DECISÕES

BÁSICAS

DINÁSTICA

CLASSE

MÉDIA

INTELECTUAIS

REVOLUCIONÁRIOS

ADMINISTRADORES

COLONIAIS

LÍDERES

NACIONALISTAS

Velocidade da industrialização.

Não mais rápida do que o necessário para preservar a elite tradicional e os seus valores. Necessidades militares podem, ocasionalmente, determinar maior velocidade.

Velocidade determinada pelas perspectivas de ganho individual, escolhas individuais e ação limitada do govêrno. Marcha moderada.

A mais rápida possível, sob uma série extensa de contrôles.

Depende apenas da vantagem e interêsse da metrópole colonziadora.

Altas aspirações e promessas, mas velocidade incerta.

Fontes dos recursos.

Doações paternalistas e proteção governamental. A renda agrícola pode ser importante. A continuidade dos recursos depende dos favores do govêrno, que variam. As fontes internacionais, raramente se fazem importantes.

Decisões de mercado, poupanças comerciais e pessoais voluntárias, crédito bancário e capital internacional. A continuidade depende das incertezas e variações do mercado. As fontes internacionais são as vêzes importantes.

Restrição forçada do consumo por impostos e outros meios, a fim de assegurar uma grande parcela da renda nacional para a formação de capitais. Continuidade estável. Fundos dominantemente internos.

Fundos orçamentários da nação metrópole. A continuidade depende dêsses r ecrursos orçamentários.

Tende a buscar grandes somas no estrangeiro para suplementar as economias internas, mas as dificuldades são grandes, o atendimento variável e em prazo curtos.

Prioridade no desenvolvimento.

Preserva e protege a agricultura; as obras públicas, os monumentos e os projetos paternalísticos, inclusive planos residenciais, hospitais .

A agricultura comprimida pela competição internacional. A sequência das iniciativas depende do mercado: o modêlo tradicional é o movimento das indústrias de consumo para o das indústrias básicas. Projetos residenciais dependem do mercado.

A agricultura comprimida pelo recrutamento de pessoal para indústria e pela proibição da agricultura individual. Violenta prioridade para as indústrias básicas. Planos de residências restringidos.

Desenvolvem-se as indústrias que forneçam materiais ou bens de consumo à nação-metrópole ou se destinem à exportação para produzir divisas.

Aspira alcançar ampla base industrial. Expande-se ao longo da linha anterior da administração colonial. Tem interêsses por ítens que produzam perstígio.

Pressão sôbre os administradores de emprêsas.

Pressão fraca: a competição internacional é reduzida com o sistema de cartéis e tarifas. As organizações trabalhistas têm pouco interêsse em relação à produtividade.

Forte pressão: mercado competitivo tanto no plano interno, como no externo. As organizações trabalhistas orientadas para a produção também pressionam os gerentes.

Forte pressão: a produção é burocràticamente determinada e as metas são sustentadas pelo partido, pelas organizações trabalhistas e pelos interêsses profissionais.

Pressão fraca: nem os mercados - seja o interno ou externo - exercem influência, nem as organizações trabalhistas são orientadas para a produção. Escassez de mão-de-obra pode ocorrer, mas há métodos outros de recrutar trabalho barato, que são, então, aplicados.

Constitui problema complexo e difícil o de organizar o clima para o administrador de emprêsa. De modo geral, pequena é a pressão, exercida sôbre êle.

que fizemos o SENAI, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial. Mas, a despeito da alta qualidade dêsse serviço, não é difícil mostrar quanto êle, por um lado, reflete e, por outro, resiste à realidade do paternalismo efetivamente reinante em nossa sociedade. A verdade é que, de modo geral, nosso sistema educacional reproduz estruturalmente a educação dominante nas sociedades conduzidas aristocràticamente. Se voltarmos as nossas vistas para a posição das elites nacionalistas, veremos que também com ela temos as nossas indisfarçáveis afinidades, sobretudo no dilema entre educação comum e universal e educação de nível superior. Vivemos também dramàticamente êsse dilema e quando o tentamos resolver é para expandir exatamente aquêle ensino superior destinado à formação de elites de lazer e desprovido de claro propósito técnico ou de reais objetivos de produtividade.

Seremos assim aristocráticos e nacionalistas. Será que também somos ou começamos a ser uma sociedade de classe média?

O característico do comportamento educacional da classe média é a sua crença na educação como instrumento fundamental de justiça social e de mobilidade vertical, com o enfraquecimento das fronteiras e divisões de classe. Das cinco elites, são a da classe média e a dos intelectuais revolucionários que efetivamente acreditam em educação. Ambas distribuem a educação a todos. Ambas consideram a educação essencial ao desenvolvimento econômico. Ambas ligam o processo educacional, as escolas e as universidades ao desenvolvimento industrial. Ambas fazem da educação o método de ascensão social. Já fizemos acaso algo disto? Nada, por certo. Apenas falamos e cansamos de falar em tudo isto. É verdade que há uns vagos sinais de que algo vai acontecendo. Aquêle antigo dualismo de educação aristocrática e educação técnico-profissional vem se esbatendo, não porém sem recrudescências ocasionais. A equivalência, entre as diversas linhas, antes segregadas, do ensino médio, é indicação de certo processo de integrarão da sociedade brasileira. Mas não nos iludamos. O característico fundamental da educação aristocrática, ou seja, o caráter desinteressado da educação, tão desinteressado que chega a dispensar eficiência, a famosa educação-polimento, a educação-alisar-bancos-da-universidade, sem dúvida ótima para uma classe aristocrática e rica, entra mesmo agora em fase de expansão desvairada, com a proliferação de universidades e faculdades de filosofia, inteiramente insuscetíveis de se poder transformar em centros de educação tecnológica para a era moderna.

Não sugere tudo isto que a marcha do desenvolvimento econômico brasileiro não está sendo realmente conduzida pela nascente classe média brasileira, mas pelos remanescentes do aristocratismo, ajudados pela emoção nacionalista? Não se reencontram ambos nessa expansão desordenada da educação destinada a produzir prestígio social e não eficiência científica ou tecnológica?

Não se pode, com efeito, discutir educação como algo em si mesmo. Nada mais ela é do que epifenômeno de fôrças muito mais profundas, que controlam a sociedade.

Educação para o desenvolvimento era o título do nosso trabalho. Quisemos, com a exposição das análises e fatos aqui sumariados, mostrar que nada se pode dizer sôbre educação para o desenvolvimento, sem primeiro responder às perguntas fundamentais aqui reproduzidas: que classe, que elite dirige o desenvolvimento? Com que propósito o dirige? Em que velocidade o quer fazer marchar?

A situação de transição em que se encontra o Brasil faz com que seu desenvolvimento esteja sob a influência de fôrças, que não são as mais aptas para a sua integrarão na civilização tecnológica e industrial de amanhã. A própria nascente classe média, cuja doutrina do indivíduo da competição individual e do pluralismo econômico, político e social poderia servir de lastro ideológico ao movimento, não tem conseguido exercer influência que se possa considerar importante. Mais fortes, no comando do Brasil, são as fôrças autoritárias ou as fôrças desaparelhadas de doutrina do nacionalismo. Antes que se estabeleça um ambiente de maior nitidez e claridade política e melhor definição da doutrina democrático-liberal, pouco poderá fazer pela educação nacional. Continuarão os grandes desenvolvimentos de hoje, ou sejam, a expansão de ensino superior destinado a dar prestígio à nação, pelo número de escolas e universidades, e aos alunos, pelos diplomas com que os venham agraciar; a expansão do ensino privado, a fim de permitir a educação dos filhos das classes favorecidas sem competição de matrícula; e as falsas campanhas de alfabetização para "dopar" a consciência nacional cada vez mais incômodamente desperta para a sua tragédia educacional.

Quando outras fôrças, menos arcaicas, ou sejam as da classe média democrática, com fundamento em textos expressos de nossas constituições, poderem vir a exercer a necessária influência, os nossos objetivos educacionais serão fàcilmente equacionados, à luz da doutrina democrático-liberal, que só tem segredos e obscuridades para os que, na realidade, não a aceitam.

A minha conclusão funda-se, pois, em uma preliminar. Enquanto o país não se decidir sôbre as suas próprias instituições democráticas e, para ser específico, sôbre o cumprimento de suas constituições, tanto a federal quanto as estaduais, votadas em 46 e 47 e até hoje à espera de execução, pouco podemos fazer, nós educadores, para ajustar as arcaicas estruturas educacionais vigentes às novas estruturas econômicas, que o processo de industrialização, de qualquer modo, está construindo para o Brasil materialmente desenvolvido de amanhã.

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