TEIXEIRA, Anísio. Educação e cultura no projeto de Constituição da Bahia.Salvador: Imprensa Oficial, 1947.30p.

CAPITULO III

DA EDUCAÇÃO E CULTURA

Art. 114 - A função de educação e ensino compete ao Estado na forma da Constituição Federal, e será exercida pelo Conselho Estadual de Educação e Cultura, órgão autônomo, financeira e administrativamente, nos têrmos desta Constituição.

§1o - O Conselho Estadual de Educação e Cultura, além do seu Presidente se comporá de seis membros, nomeados pelo Governador, entre pessoas de reputação ilibada, e se renovará de três em três anos pelo têrço. As nomeações serão submetidas à aprovação da Assembléia Legislativa ou de sua Seção Permanente.

§ 2o - O Conselho, cujas atribuições serão fixadas em lei orgânica, funcionará sob a presidência do Secretário de Educação e Saúde, seu membro nato.

§ 3o - O Conselho elegerá, por maioria absoluta, dentre pessoas de notório saber, o Diretor do Ensino e Cultura, ao qual competirão funções definidas em lei. O mandato do Diretor do Ensino e Cultura será de 4 anos, sòmente sendo permitida a sua destituição nas hipóteses reguladas na lei orgânica.

Art. 115 - Será facultado ao Conselho delegar, na extensão que entender conveniente, em cada caso, a função de educação e ensino a Conselhos Municipais de Ensino, a cuja disposição serão postos os recursos necessários retirados do "Fundo de Educação".

§ Único - Não poderá em caso algum ser delegado competência para a fixação de padrões e normas para o ensino e de condições para o exercício do magistério.

Art. 116 - O Estado promulgará a lei orgânica do ensino e cultura, instituindo, observadas as diretrizes e bases de educação nacional, o sistema de ensino público e as condições do particular, incluindo naquele, além das escolas de todos os graus e ramos, instituições extra-escolares destinadas à promoção e difusão da cultura física, científica e artística, e de informação em geral, bem como de proteção ao patrimônio natural, artístico e histórico.

§ 1o - A lei orgânica, que não poderá ser reformada senão depois de dez anos, salvo em virtude de alterações feitas nas bases e diretrizes nacionais ou por proposta da maioria absoluta dos membros do Conselho Estadual, fixará a percentagem sôbre a receita orçamentária destinada à educação e cultura no Estado e nos Municípios.

§ 2o - O "Fundo de Educação" será constituído com os recursos provenientes das dotações orçamentárias do Estado e dos Municípios, outros próprios que a lei orgânica lhe atribuir e quaisquer contribuições ou doações.

§ 3o - O Conselho baixará instruções e regulamentos para a fiel execução e o desenvolvimento dos princípios estabelecidos na lei orgânica, ressalvado à Assembléia ou à Secção Permanente o exercício da prerrogativa constante do art. 28, inciso VII.

§ 4o - O Conselho Estadual de Educação e Cultura administrará e custeará os serviços que lhe incumbem com o "Fundo de Educação", a cujos cofres serão recolhidos adiantadamente, em parcelas trimestrais, as dotações orçamentárias do Estado e dos Municípios. A Lei Orgânica do Ensino regulará as atividades financeiras do Conselho.

§ 5o - Constituirão reserva patrimonial do "Fundo de Educação" 5% (cinco por cento) dos seus recursos anuais.

Art. 117 - A lei Orgânica do Ensino, dentre outras providências, regulará:

a) - obrigatoriedade do ensino primário

b) - a criação, a manutenção ou subvenção de ensino posterior ao primário, de caráter geral e vocacional ajustado às condições do meio e suas necessidades educativas;

c) o provimento, sempre por concurso de títulos, provas e estágio posterior, das cadeiras das escolas de formação pedagógica e das escolas secundárias;

d) - a exigência da nacionalidade brasileira para os cargos de direção dos institutos de ensino;

e) a situação funcional do magistério e dos auxiliares dos serviços de ensino e cultura, cujos direitos e deveres serão regulados em estatuto próprio.

* * *

Senhor Presidente,

Senhores Constituintes,

Meus Senhores:

Honrado pelo convite desta Assembléia, a ela hoje compareço para encarecer a aprovação do Capítulo de Educação e Cultura do Projeto de Constituição, elaborado pela sua Comissão de Constituição.

Confesso que não venho, até aqui, falar-vos sobre o problema da educação sem certo constrangimento: quem percorrer a legislação do País a respeito do tema, tudo aí encontrará.

Sôbre assunto algum se falou tanto no Brasil e, em nenhum outro, tão pouco se realizou.

Não há, assim, como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir. Há cem anos os educadores se repetem entre nós. Esvaem-se em palavras, esvaímo-nos em palavras e nada fazemos. Atacou-nos, por isso mesmo, um estranho pudor pela palavra. Pouco falamos os educadores de hoje. Estamos possuídos de um desespero mudo pela ação.

Sòmente uma ocasião como esta me obrigaria a vir repetir idéias que todos sabem e conhecem. Somente esta hora me obriga a repetir uma exposição sobre os aspectos fundamentais do problema da Educação no País. Esta hora, que é da maior gravidade para o mundo e para o Brasil. Para o mundo porque chegamos àquele ponto em que a própria divisão do planeta em nações se tornou incompatível com a paz, e isto nos compele à necessidade inelutável de sua organização política em termos globais. E, para o Brasil, porque pela terceira vez estamos a enfrentar o problema de implantar a democracia no País. Pela terceira vez, estamos tentando fundar a República. É natural que não queiramos falhar, é natural que, desta vez, fundemos realmente a democracia.

Sabemos já o que seja democracia. Vimo-la, há pouco, na sua mais tremenda provação. Foi o ímpeto de sua vitória no mundo que no-la trouxe de novo às nossas plagas - para mais um ensaio de implantação. Conhecemos as suas promessas e os seus frutos, mas sabemos também que é, por excelência, um regime social e político difícil e de alto preço. Todas as suas virtudes têm um reverso: a dificuldade. O seu próprio lema, tão velho e sonoro de liberdade, igualdade e fraternidade, é uma forma condensada dessas dificuldades. A liberdade não é a ausência de restrições, mas autodireção, disciplina compreendida e consentida; a igualdade não fácil nivelamento, mas oportunidade igual de conquistar o poder, o saber e o mérito; e a fraternidade é mais que tudo isto, mais que virtude, mais que saber: é sabedoria, é possuir o senso profundo de nossa identidade de destino e de nossa identidade de origem. Democracia é, assim, um regime de saber e de virtude. E saber e virtude não chegam conosco ao berço, mas são aquisições lentas e penosas por processos voluntários e organizados. Na sua competição com outros regimes, a desvantagem maior da democracia é a de ser o mais difícil dos regimes - por isto mesmo o mais humano e o mais rico. Todos os regimes - desde os mais mecânicos e menos humanos - dependem da educação. Mas a democracia depende de se fazer do filho do homem - graças ao seu incomparável poder de aprendizagem - não um bicho ensinado, mas um homem. Assim, embora todos os regimes dependam da educação, a democracia depende da mais difícil das educações e da maior quantidade de educação. Há educação e educação. Há educação que é treino, que é domesticação. E há educação que é formação do homem livre e sadio. Há educação para alguns, há educação para muitos e há educação para todos. A democracia é o regime mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens e todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes. Nesse regime, pois, a educação faz-se o processo mesmo de sua realização. Nascemos desiguais e nascemos ignorantes, isto é, escravos. A educação faz-nos livres pelo conhecimento e pelo saber e iguais pela capacidade de desenvolver ao máximo os nossos poderes inatos. A justiça social, por excelência, da democracia, consiste nessa conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Democracia é, literalmente, educação. Há, entre os dois termos, uma relação de causa e efeito. Numa democracia, pois, nenhuma obra supera a da educação. Haverá, talvez, outras aparentemente mais urgentes ou imediatas, mas estas mesmas pressupõem, se estivermos numa democracia, a educação. Com efeito, todas as demais funções do Estado democrático pressupõem a educação. Somente esta não é a conseqüência da democracia, mas a sua base, o seu fundamento, a condição mesma para a sua existência.

A democracia é, assim, o regime em que a educação é o supremo dever, a suprema função do Estado. Seria vão querermos equipará-Ia às funções de polícia ou de viação, ou mesmo de justiça, porque a de educação constitui a única justiça que me parece suficientemente ampla e profunda para apaziguar a sede de justiça social dos homens. Todos falamos em regime de justiça social, porém haveis de me permitir sublinhar o sentido de justiça social da democracia. Nascemos diferentes e desiguais, ao contrário do que pensavam os fundadores da própria democracia. Nascemos biologicamente desiguais. Se a democracia pode constituir-se para nós um ideal, um programa para o desenvolvimento indefinido da própria sociedade humana, é porque resolve o problema dessa dilacerante desigualdade. Oferecendo a todos e a cada um oportunidades iguais para defrontar o mundo e a sociedade e a luta pela vida, a democracia aplaina as desigualdades nativas e cria o saudável ambiente de emulação em que ricos e pobres se sentem irmanados nas mesmas possibilidades de destino e de êxito. Esta, a justiça social por excelência da Democracia.

A educação é, portanto, não somente a base da democracia, mas a própria justiça social.

Que fizemos nós no Brasil, até hoje, para que essa suprema função do Estado se exercesse?

A resposta a esta pergunta exprime-se pelo fato mesmo de estarmos aqui a fundar, pela terceira vez, a Democracia.

Por que estamos, com 125 anos de atraso, a fundá-la hoje? Porque não tivemos educação universal e livre que cria a Democracia.

Há 4 tipos de Govêrno, dizia-nos o Professor Russel, da Universidade de Colúmbia; há o governo dos ignorantes pelos ignorantes, que é a tirania, há o governo dos que sabem pelos ignorantes, que significa revolução próxima; há o governo dos ignorantes pelos que sabem, que é despotismo benevolente; e há o governo dos que sabem pelos que sabem, que é democracia. Que tivemos até hoje? Quando muito, despotismo benevolente, o governo dos ignorantes pelos que sabem ou pretendem saber. E isto por quê? Porque não fizemos da educação o serviço fundamental e básico do Estado.

Falamos em democracia, temos aspirações democráticas, sentimentos democráticos. Suspiramos pela democracia que é a educação para todos, educação boa e bastante para todos, a mais difícil, repetimos, das educações: a educação que faz homens livres e virtuosos. E por que não a tivemos? Porque, força é insistir, jamais fizemos da educação o serviço fundamental da República. E não se pense que esta é a história, em seus começos, de todas as democracias. A democracia da América do Norte não começou mais cedo do que a nossa: de certo modo, começou depois da nossa, quando Horace Mann iniciou a sua grande campanha pela educação pública e gratuita para todos, na presidência de um Conselho de Educação, como este que queremos fundar aqui.

Horace Mann, eleito em 1837 para o Conselho de Educação de Boston, inicia então uma luta que só em 1847 começa a dar seus primeiros frutos.

Naquela época, aqui, na Bahia, já tínhamos até a nossa Escola Normal, isto é, a formação profissional de mestres primários, que a América só iria conhecer anos depois. Na Bahia, começamos pois tão cedo, ou mais cedo do que eles; mas enquanto na América a solidez de seus movimentos retirava sua força da seriedade puritana e cívica de suas origens, nós aqui plantávamos na areia móvel de nossas tradições de aventura e de incerteza. A escola sempre foi um dos deveres mais relegados e menos sérios do Poder Público; a política, a cadeia foram sempre mais importantes do que a escola pública.

Mesmo hoje, no Estado da Bahia, gasta-se mais com as suas "forças de terra" do que com todo o professorado primário, secundário e normal!

Mas, por infortúnio nosso, temos razão para ser assim.

Ouço constantemente insistir-se na obediência às nossas tradições, e sou, devo declarar, profundamente sensível às legítimas e boas tradições brasileiras. Mas distingo entre estas tradições brasileiras algumas tradições que me parecem profundamente más e perniciosas, embora vivas e vivazes.

Passemos, com efeito, os olhos pela nossa história. Que fomos? Colônia, por mais de três séculos. E, como colônia, governados por um grupo que não me atrevo a chamar de aristocrático, porque antes seria escravocrata. Fomos, então, qualquer coisa como uma escravocracia. Como poderíamos aprender democracia na Colônia? (Risos)

Tudo que pudemos aprender, foi rebeldia; rebeldia que se fez, assim, uma das fundas e legítimas tradições brasileiras. Mas rebeldia que é, senão conformidade negativa? Rebeldia era o desejo de que os privilégios escravocratas, ou outros dos tempos coloniais, viessem a competir a alguns nativos (não todos os nativos), em substituição àqueles que nos estavam a todos explorando. (Risos)

E depois da Colônia, que tivemos? A Monarquia, com o rótulo superlativo de Império. E o Império ainda era um governo de ocupação, ainda era uma dinastia estrangeira ocupando o Brasil, governando o Brasil com algum ou talvez bastante espírito nativo, com algum ou talvez bastante espírito local, mas espírito, em essência, aristocrático, ou melhor, oligárquico. Um grupo de brasileiros se substituíra numa vitória daquele movimento de rebeldia já acentuado na Colônia ao grupo estrangeiro que explorava o Brasil.

Porque jamais tivemos regime que fosse, na real concepção da democracia, a integração de todo o povo "com" e "em" seu governo; em que não houvesse uma distinção radical entre a classe dominante e o povo, em que não houvesse a classe que se beneficia do Brasil e a que trabalha, peleja e sofre para a existência dessa outra classe.

Às vezes ponho-me a indagar: por que será que o Governo, entre nós, há de ser sempre como um bem privado, que se conquista como se fosse um tesouro, uma riqueza a ser distribuída com os amigos, companheiros e partidários? Tal concepção é tão profundamente generalizada no Brasil, que me ponho, por vezes, a indagar da origem, por certo vigorosa, de tão estranha deformação.

E ocorre-me que talvez não tenha sido inocente a este respeito o método de colonização português. Enquanto a Inglaterra colonizava por meio de companhias comerciais organizadas para o objetivo privado da exploração e do lucro, e estas companhias comerciais, por força das circunstâncias, faziam-se Governo e Estado, adquirindo, sem o quererem, funções públicas de ordem e poder de tributação, Portugal colonizava por intermédio de governos que se faziam, por força ainda das circunstâncias, comércio e exploração de lucro privado. Assim, enquanto na colonização inglesa era o comércio, era o privado que se fazia público, na colonização portuguesa, era a autoridade pública, o governo, que se fazia comércio, que se fazia poder privado e particular. Julgo que está aí, talvez, um pouco da explicação do privatismo irremediável com que ficou maculado o nosso conceito de governo. O problema já foi estudado pelo Professor Nestor Duarte, menos porém em sua etiologia do que em seu diagnóstico.

O que é certo é ser, entre nós, este privatismo de senso do Estado mais profundo do que em outros países que sofreram, como o Brasil, a colonização e, entretanto, mais cedo recuperaram ou adquiriram o sentido de República.

Sòmente com a abolição e a campanha republicana é que podemos dizer que o sentimento democrático se tenha esboçado no Brasil. E com a proclamação, afinal, da República, é que o problema da educação se apresenta em sua totalidade.

Mas, profundas influências européias e aristocráticas nos levaram, então, a imaginar um duplo sistema de educação: um sistema para a chamada elite e um para as camadas populares.

Mesmo, pois, com a fundação da República, ainda não chegamos à democracia. O regime educativo visava assegurar a manutenção de uma sociedade de classes, em que um grupo seria beneficiado com uma educação alta e o povo, as "classes menos favorecidas" (singular linguagem democrática), teria escolas primárias seguidas ou a par de inadequadas e precárias escolas profissionais.

Êsse dualismo entre educação para os dirigentes e educação para os dirigidos corrompeu, desde o início, o nosso conceito de educação democrática. E aqui faz-se indispensável prolongar a nossa análise, a fim de descobrir as razões porque a nossa consciência democrática, a despeito de assomos por vezes vigorosos, se mostra tão débil e corruptível. Há, com efeito, algo de orgânico na falta de coerência e de consistência nacional, na extrema tenuidade nacional.

Sabemos que somos um país de distâncias físicas; sabemos que temos uma geografia que nos espanta e nos separa em suas imensas distâncias. Mas, o Brasil não é apenas um país de distâncias materiais, o Brasil é um país de distâncias sociais e de distâncias mentais, de distâncias culturais, de distâncias econômicas e de distâncias raciais. E nas dificuldades que todos sentimos em compreendê-lo, não devemos esquecer este fato: é por causa dessas distâncias que há tantas linguagens pelo Brasil afora.

Falamos uma língua em voz alta e outra em voz baixa. Temos uma língua para as festas e outra para a intimidade. Uma para o povo, outra para o estrangeiro e outra para os nossos "iguais".

Um certo temor, uma certa incompreensão em relação ao "povo", nome que pronunciamos sempre como se fosse entre aspas, provém, a meu ver, da existência dessas distâncias. Em virtude delas, tudo no País fica esgarçado, frágil e tênue. Só uma força vence esse distancialismo brasileiro, força que, se não existisse, tornaria bem difícil a existência e a unidade do País, a despeito de sua constituição ganglionar e esparsa. Só uma força vence este distancialismo, procurando unir debilmente a gigantesca talagarça nacional - o sentimentalismo. Só isto nos une em nosso imenso esfacelamento institucional, mas une corrompendo, deformando, viciando e destruindo o vigor dos órgãos e dos tecidos nobres e criando, em seu lugar, um monstruoso tecido conjuntivo, em que órgãos e funções desaparecem na massa informe e sentimental do falso corpo nacional.

Em tudo, no País, vemos essa força de dispersão. As melhores práticas. Uma certa invencível tenuidade compromete na seriedade os esforços nacionais. Somos indivíduos sem outra coesão social que a da família ou a do grupo oligárquico. Êstes ganglios de coesão formam nosso arquipélago nacional. Um arquipélago econômico, social, cultural e intelectual.

A educação é a melhor, mas não a única demonstração desse processo de diluição institucional corrente no País. Nenhuma outra atividade pode, com efeito, melhor refletir a alma nacional.

Que sucede com as instituições educativas?

É preciso não esquecer que, durante toda a Monarquia, nossa cultura superior vinha da Europa. As escolas secundárias existiam, mas se achavam, também, profundamente ligadas às instituições européias, aos processos e aos métodos da Europa.

Com a República, detém-se um pouco essa importação da cultura européia, ensaiamos aquelas idéias a que já nos referimos de um duplo sistema de ensino - para a elite um, para o povo, outro. Mas, nem uma, nem outra coisa funciona. A educação popular faz-se seletiva e entra a preparar alunos (os célebres "alunos prontos") para as escolas secundárias e estas fazem-se o processo de "passar" da classe popular para a da alta elite ou classe dirigente. E, apesar da República, toda a educação continua oligárquica, como se estivéssemos na Monarquia ou na Colônia. Apenas, o que não é pouco, as classes dominantes, privadas da contribuição da cultura européia, fazem-se populares - populares e menos cultas. É o tecido conjuntivo que se vai fazendo podre. Nestas alturas é que a velha República entra em dissolução e se esfacela. Inicia-se o período "revolucionário" de 30.

É perfeitamente visível, a quem acompanhou aqueles primeiros anos, que a Nação sentiu, então, a gravidade de seu problema de educação. É vigoroso o choque de idéias. O País, a despeito de tudo, crescera encetando a sua era industrial. As aspirações democráticas, geradas pela nossa geografia e fortalecidas pela indústria nascente, desejam impôr-se. A educação para a elite e a educação popular entram em choque e tendem a fundir-se. Nesta ocasião, a luta dramática de São Paulo dá-nos 1934 e, pela segunda vez, a oportunidade de fundar a democracia. Tivemos a Constituição de 34.

Vamos retomar todo o esforço de 89 e dirigi-lo. É justificada a esperança de renascimento. Mas, a fragilidade de nossa democracia, por vício de nossa educação, lançados de novo num regime de força, na velha e forte e tradicional corrente do poder pessoal.

Porque a República é que é um programa de renovação, a demoracia é que é uma revolução. Tradicional, histórico, conservador, é o poder pessoal. A fugaz noção de República eclipsa-se mais uma vez. O País volta a ter dono: o seu governante. Somos, de novo, como na Colônia, como no Império, não uma Nação, mas a propriedade de uma oligarquia, apenas agora ainda mais absorvente. A oligarquia é composta de negocistas e de "operários". Aos "operários" dá-se a mais desmoralizante das legislações trabalhistas; e aos negocistas dão-se os negócios.

Confirmam-se certas categorias de nosso desenvolvimento histórico e confirma-se aquele democratismo sentimental. Tivemos uma ditadura considerada por alguns "profundamente mansa e boa" (Risos). Os velhos e "novos ricos" são, pela sua tenuidade, frágeis e acomodados. Ajustam-se à situação e tiram dela o proveito que podem. E na educação, que sucede? Rompe-se o dualismo. Toda a educação faz-se popular. Mas como a educação popular, comparada com a da formação das elites, era mais ou menos uma burla, toda a educação faz-se uma burla. Os males de uma e outra juntam-se no pandemônio educativo da ditadura. A vitória do "popular" no ensino secundário institui o regime "das facilidades".

Tudo é fácil para alunos e professores. As forças amplas e difusas do sentimentalismo brasileiro escorrem sobre as escolas desmanchando-as e diluindo-as. Nem elites, nem educação popular. Os vícios mais ou menos contidos da educação popular - improvisada e empírica - e da educação secundária - formalista e burocrática - misturam-se e produzem a bacanal educativa do Estado Novo. A educação faz-se mero formalismo para o aluno e uma desenfreada defesa de interesses pessoais para os professores. E chegou-se, assim, àquele ponto de saturação, já revelado em plena ditadura, de não poderem mais funcionar os serviços normais de governo. Só em condições extraordinárias podia-se obter alguma eficiência. Só em condições e... digo: sobre o Brasil comum, cumpria erguer um Brasil extraordinário, que funcionasse. A ditadura trouxe-nos, talvez, este bem: levou certos males nacionais às suas últimas extremidades, demonstrando com isso - tragicamente, é certo - a necessidade de sua reforma. Mais do que outros, ficaram demonstrados certos males do governo. Exacerbados os interesses até à desordem pela ditadura, a exploração do governo, por esses interesses em desordem, faz-se catástrofe. O regime do parasitismo e da irresponsabilidade atingiu o auge. Saímos disto para esta nova tentativa de fundar, pela terceira vez, a República.

Que iremos fazer dessa lição e desta oportunidade? Da lição da ditadura e da oportunidade da revolução em que nos achamos? Como iremos organizar o sistema de educação para todos, que nos salve de nossos vícios e nos crie as condições para a democracia? Como estabelecer a seriedade do processo educativo e a sua eficiência? A própria ditadura - mergulhada no seu caos administrativo - foi obrigada, em certos serviços, a mostrar o caminho. São os seus famosos serviços "especiais" e serviços "extraordinários". Um deles foi, por certo, o DASP, que constitui um serviço aceitável em princípio, mas cuja atuação é um dos melhores exemplos de quanto pode a extravagância nacional deformar e arruinar uma boa idéia. Indico-o, aqui, porém, mais como modelo das organizações extraordinárias do que para analisá-lo. As conseqüências de sua ação foram tremendas, a sua inconsciência dessas conseqüências ainda mais pasmosas, mas o seu caráter de órgão especial é muito interessante para demonstrar a impossibilidade de funcionamento dos órgãos comuns da burocracia brasileira. Criado para "consertar" esses órgãos comuns, esqueceu-se de que o remédio estava nos próprios moldes de sua constituição - autônoma e responsável - e, em vez disso, restringiu, limitou, mecanizou até à insensatez os serviços públicos do País. Seria divertido estudar os disparates de sua inacreditável terapêutica.

Imaginemos que ocorresse ao DASP "consertar" os cartórios do País. Sabemos que os cartórios são, ainda hoje, cargos privados. O tabelião, investido de uma função pública, exerce-a, entretanto, em moldes e por processos privados. Ninguém negará, entretanto, que eles não funcionam por isso. Pelo contrário, são rápidos e eficientes. Como os "consertaria" o DASP para reintegrá-los nos moldes políticos? Começaria por exigir concurso para o tabelião e reduzir-lhe os vencimentos. Depois lhe retiraria o direito de nomear os auxiliares, que passariam a ser escolhidos mecanicamente pelo DASP. A seguir, estabeleceria um regulamento pelo qual o diretor nenhum poder tivesse sobre os funcionários, nem estes nada devessem aos diretores. Tomaria também a si a distribuição de material ao cartório, segundo normas e padrões, dele, DASP. A conclusão é óbvia. O cartório estaria perfeito como regulamento, mas já não funcionaria. Um reconhecimento de firmas se faria em quinze dias. Uma escritura em três meses. O DASP tinha curado o doente matando-o... (Risos). Cito o caso tão somente para demonstrar como o que falta entre nós é a continuidade entre meios e fins. O Brasil vive numa orgia de formalismo e, perdido nele, esquece os fins, a não ser que admitamos adotar não os fins explícitos e claros, mas outros, dissimulados naquele frenesi de formalidades e normas, que tanto mais se exaltam quanto mais se desvirtua o serviço público.

A ausência de espírito público, o caráter comodista e displicente do funcionário, a substituição da eficiência pela exigência formal, tudo apenas revela a resistência da tradição antiga e tenaz da natureza do cargo ou emprego público.

Entretanto, mesmo no caso extremo dos cartórios, a correção seria fácil, se lhes quiséssemos dar o caráter de serviço integralmente público. Para isto bastaria mudar as condições de provimento dos cargos, mas não tirar ao tabelião nenhum dos seus poderes, nem retirar aos funcionários nenhum dos seus deveres. Os métodos de retribuição de um e outros também poderiam mudar, mas não de modo a não ser mais possível ter bons tabeliões nem funcionários diligentes. E, sobretudo, seria necessário que a eficiência do serviço fosse mais importante que as formalidades externas do mesmo. Nesse caso, o serviço tornar-se-ia público, sem perder nenhuma das vantagens do período em que era explorado particularmente.

Quem cuidar que, nas democracias, o primado desse famoso formalismo brasileiro seja a regra, estará completamente errado. Basta ler os poderes de um Diretor de Instrução nos Estados e Municipalidades da América. A muitos, entre nós, pareceria estar na presença de um sultão ou de um ditador, tão grandes são os poderes desse administrador. Mas, imensa também é sua responsabilidade e, para cumpri-Ia, todos aqueles poderes são indispensáveis. Por outro lado, não esqueçamos que a organização, na América, é feita para as crianças e não para os funcionários, para os fins e não para os meios, enquanto, entre nós, a organização pública perde-se na sua preocupação pelo funcionário, esquecendo os fins a que se propõe.

Sr. Presidente: Peço licença a V. Excia. Para esclarecer que está a findar-se a hora do expediente.

Sr. Antônio Balbino: Sr. Presidente, requeiro a V. Excia. a prorrogação, por mais sessenta minutos, da hora do expediente, com fundamento no que dispõe o artigo 42 parágrafo 6 do nosso Regimento, que embora conceitue como improrrogável a hora do expediente, abre uma exceção para esta hipótese, que é o único caso em que é possível prorrogação.

Sr. Presidente: A hora do expediente é improrrogável com a só exceção de prorrogabilidade, quando fala um Secretário ou Chefe de Estado. Ponho, pois, em votação o Requerimento do Sr. Deputado Antônio Balbino, que é perfeitamente regimental.

Os senhores Deputados que aprovam o Requerimento queiram se conservar sentados (pausa). Está aprovado.

Continua, pois com a palavra o Dr. Anísio Teixeira.

Sr. Anísio Teixeira:

Estas considerações prendem-se à análise de certas condições gerais da vida burocrática brasileira, que devem agora ser lembradas, para nos fazer ver como é grande e delicada a tarefa no momento atual de sua reconstrução.

Que vamos fazer, portanto, para dar à Constituição da Bahia a força e vigor necessários para a reforma dos seus serviços públicos e, especialmente, educacionais?

Devo dizer que a grande revolução educacional já foi feita pela Constituição de 1946, que consagrou duas grandes medidas. Uma delas resultou de uma longa luta dos educadores brasileiros - é a que institui a autonomia da educação nos Estados, autonomia que é condição de liberdade, porque a centralização, antes de ser um erro administrativo, antes de ser um vício administrativo, é uma limitação da liberdade. Felizmente, agora, por essa Constituição, poderemos ter vinte e um sistemas escolares no Brasil e isso significa vinte e uma possibilidades para idéias boas e progressivas. Uma delas poderá ser a melhor e estimular os demais para imitá-la ou buscar ainda outras melhores, o que seria impossível com o sistema centralizador.

A primeira oportunidade é, pois, de sermos autônomos. A Bahia poderá realizar a reforma de sua organização educacional com a obediência tão só à lei de bases e diretrizes, complementar à Constituição Federal, lei que, importa acentuar, como os seus próprios termos o dizem, não poderá conter senão as bases e diretrizes de educação nacional.

A segunda oportunidade é a das percentagens instituídas para a educação nacional, para a União, os Estados e os Municípios.

É, talvez, o artigo mais revelador da nova consciência democrática expressa na Constituição Federal. Este artigo determina que 20% das rendas estaduais, 20% das rendas municipais e 10% das rendas federais sejam aplicadas na educação.

Aquilo que, há cem anos, se fizera nas outras democracias, em que alguns impostos foram desde o início especialmente destinados à manutenção da educação pública, como na América do Norte, onde todos os impostos relativos à propriedade imóvel tem o destino de atender à educação, fez-se, afinal, entre nós.

Esta idéia foi sugerida no Brasil dezenas e dezenas de vezes e nunca conseguiu vencer. Uma daquelas permanentes brasileiras, o espírito fazendário, sempre impediu a criação dos fundos autônomos para a educação. É de muito maior importância aquilo que se chama pernosticamente de "unidade orçamentária" do que os serviços de educação e formação do homem do Brasil.

Tenho quatorze anos de lutas dentro dos Governos procurando reivindicar para a educação a autonomia que me parece indispensável ao desenvolvimento dos seus serviços. Nunca precisei de lutar pela educação fora dos Governos. A minha experiência nestes quatorze anos é uma longa confirmação de que será inteiramente impossível fazer-se educação no Brasil, enquanto estivermos na dependência da burocracia e do formalismo dos serviços comuns da administração brasileira.

Vamos, de algum modo, aproveitar a sugestão da única lição que nos deu a ditadura. Vimos como, no seu esforço de levar os vícios brasileiros até ao extremo, veio ela a demonstrar que, efetivamente, os serviços públicos só funcionam no Brasil em caráter extraordinário. Daí o famoso DASP, o Serviço Especial de Saúde Pública, o Serviço de Febre Amarela, alguns institutos e outras tantas autarquias que chegaram a funcionar porque em completa independência das fórmulas e da administração burocráticas.

Na Constituição baiana, os constituintes lançaram as bases e constituíram os órgãos pelos quais a educação conquista a sua autonomia e o seu próprio governo.

Longe de mim não reconhecer a audácia do plano proposto nessa Constituição para o governo da educação. Não é que não haja precedentes. A autonomia de certos serviços públicos é uma idéia velha e já não são raros os exemplos de sua aplicação. Mas, pela primeira vez, tenta-se a autonomia para serviço da vastidão e importância do serviço educacional.

Recomendamos esta experiência porque há 125 anos nos defrontamos, no País, com o problema da educação popular e nos revelamos impotentes para sua solução dentro dos serviços comuns de governo. Há, entre nós, uma desproporção considerável entre as funções mais imediatas do governo democrático e a obra de educação popular. A vastidão deste empreendimento com escolas primárias para todos, com as escolas secundárias e técnicas para uma porção substancial da população, com as escolas profissionais e superiores e todas as demais instituições de cultura e difusão dos conhecimentos humanos, além da pesquisa e desenvolvimento das ciências, letras e artes, a vastidão deste empreendimento leva os governos a relegá-lo e adiá-lo, pois só lhes seria possível resolvê-lo deixando-se por ele absorver, completamente.

Organizar o governo autônomo para a educação parece-nos um meio de responder a essa dificuldade, tanto mais quanto todas as outras funções de governo vêm sofrendo, com o correr dos tempos, ampliações cada vez mais profundas. Entre nós, tão amplos se fazem certos deveres do Estado, que não raro desejamos governos especializados para cumpri-los. E sonhamos um governo de médicos para a solução dos problemas de assistência médico-social, governo de educadores para a solução do problema da educação popular. Quantas vezes lamentamos não havermos possuído nosso Sarmiento, para armar, entre nós, definitivamente, este problema!

A retirada, pois, do problema da educação do magno dos problemas brasileiros de governo, representa, assim, a medida preliminar para criar a possibilidade do seu solucionamento. Afastamo-lo, para poder concentrar sobre ele a atenção, os esforços e as providências. Faríamos, porém, obra insincera, se o afastássemos sem dar aos órgãos prepostos à solução os poderes e autonomia, que só o Governo possui. O projeto é audacioso, mas, por isso mesmo, é que é viável. É o governo da educação que estamos instituindo nesta Constituição.

Poderíamos, instituí-lo como uma fundação, sob a direção de um único homem, mas a própria vastidão da obra desaconselhava tamanha concentração de poder. A sugestão do Conselho, de um pequeno colégio de personalidades, nasce do propósito de confiar obra tão ampla ao pensamento concertado de várias cabeças. Se isto enfraquece, sob certos aspectos, a unidade de ação, por outro lado, conduz àquela sábia e equilibrada orientação necessária em empreendimentos de real magnitude. Mas, o projeto prevê ainda a correção de qualquer possível dispersão de objetivos. Este Conselho tem funções de deliberação, funções que chamaríamos legislativas, se os nossos termos jurídicos não tivessem sentidos tão particularmente restritos, em oposição às funções executivas. O Conselho delibera e decide, mas não executa. A execução será confiada ao Diretor de Ensino, cuja nomeação é o mais importante ato de política educacional a ser praticado pelo Conselho. Com um Conselho para ponderar, deliberar e aprovar e um Diretor para executar e cumprir, teremos, deveremos ter autonomia, sem ditatorialismo, e eficiência, sem extremismo.

Criado o aparelho de controle das escolas, cabe oferecer-lhe os meios para o desempenho de suas funções. Os meios são a completa autonomia financeira, administrativa e econômica. O Conselho administra o fundo de educação, estabelece as regras para as despesas educacionais, fixa salários, orça a despesa e promove a receita da educação. Tudo isto não é para que se liberte de freios, cuidados e normas no dispêndio do dinheiro público, mas para que se liberte da dualidade de autoridades com que se impede, entre nós, toda e qualquer eficiência do serviço público. Quando o dever de realizar está com uma autoridade e o poder de pagar com outra, quando o dever de constituir está com uma autoridade e o poder de construir com outra e o poder de pagar com uma terceira, não há serviço que funcione. A Bahia é um triste exemplo dessa multiplicidade de autoridades. Tudo isto seria possível, talvez, com um pequeno governo de pequenas iniciativas e escassos recursos públicos.

Mas, com o crescimento natural dos trabalhos e funções de governo, ou especializamos os serviços, ou tudo continuará no estado caótico em que se deparam tais serviços, administrados por uma minúscula organização administrativa de dezenas de anos atrás.

Evidentemente que o vulto do problema educacional obriga o Governo a cuidar dele, de modo especial e particular, sob pena de perder-se o senso de sua importância na imensa importância da obra de governo propriamente dita. A mistura do problema escolar com o problema da polícia, ou da justiça, ou da fazenda, ou da agricultura leva à submersão do problema escolar dentro da urgência muito maior destes problemas graves e imediatos. A educação pode esperar, e nessa espera estamos há 125 anos; e outros 125 transcorrerão, sem menor progresso, se insistirmos em não afastar os serviços de educação da atual confusão de responsabilidades que é a máquina geral do Governo. Mas, não basta afastar. É necessário criar órgãos autônomos e cheios de prestígio para administrar-lhes os destinos. E mais. É necessário dar-lhes recursos próprios e tão abundantes quanto possível. Tudo isto é, no momento histórico que estamos vivendo, realizável e, por isto, é que o capítulo constitucional que estamos recomendando tem oportunidade.

Com efeito, o momento de reconstitucionalização do País permite a inclusão das bases da reforma na própria Constituição, com o que se lhe confere o prestígio necessário para uma implantação profunda. E, por outro lado, resulta de uma luta tenaz. A Constituição Federal, pela primeira vez, inclui a obrigação de dotar o Estado de serviços educacionais com recursos não inferiores a 20% de sua renda ordinária. Temos, assim, a base financeira, sem o que a nossa proposta de autonomia seria uma irrisão. Se juntarmos a isto os 20% das rendas municipais, teremos os elementos para estender esta autonomia aos municípios. O momento é realmente de uma oportunidade flagrante para uma mudança radical e profunda.

Parecem-me naturais as nossas expectativas em torno do Conselho que a Constituição estabelecer. Teremos um governo animado não do espírito burocrático, mas do espírito de serviço. A obra de educação entre nós será sempre uma obra "extraordinária", em que são necessários esforços excepcionais para levá-la a termo. Não visa ela tão-somente à perpetuação de instituições, aspirações e hábitos, mas reformá-los para implantar a nova ordem democrática. Sua tarefa é a de reerguer o meio e não apenas conservá-lo. Seu fito não é conservar o passado, mas dirigir o presente e preparar o futuro. Força será, pois, que possam as instituições educacionais, entre nós, cultivar e promover esse excepcional espírito público e, ao mesmo tempo, a liberdade e flexibilidade que só as instituições privadas possuem. O plano ora proposto participa desses dois característicos. Tem o caráter público de um plano constitucional e o vigor e liberdade de uma fundação privada. Esperamos, deste modo, com essa dupla fertilização da nova estrutura educativa do Estado, substituir na sua obra educacional o espírito burocrático pelo espírito de devoção pública, a rotina pela vitalidade, pela agilidade e pelo espírito de progresso, o desalento dos seus servidores por uma aguda e sensível consciência profissional, a tendência à exploração e proveito dos seus recursos pelo estímulo às doações e dádivas de toda espécie, o patrocínio político às nomeações pelo respeito ao serviço por excelência sagrado do Estado, o alheamento e desconfiança do povo pela sua identificação profunda com a escola - a sua maior arma democrática.

Meus senhores, não desejo estender-me porque devemos reservar algum tempo para o debate propriamente dito sobre o capítulo do Conselho, com os Senhores Constituintes.

Antes, porém, de iniciá-lo, que me seja lícito acentuar certos aspectos financeiros do plano de estrutura educacional ora proposto para o Estado. Criada a autonomia financeira do Conselho, importa consagrar, por lei, o caráter sagrado dos fundos que lhe são confiados. Estes fundos provém de dotações orçamentárias estabelecidas dentro da percentagem mínima atribuída pela Constituição Federal à Educação. Quero sugerir que calculemos, cada ano, essa dotação orçamentária para o Conselho, na base de uma determinada quantia por criança em idade escolar recenseada. Não é nenhuma novidade. Assim fazem inúmeros orçamentos de educação no mundo. O valor desse critério está, para mim, em seu poder de evocar e acentuar o caráter especial dos dinheiros confiados ao Conselho para educação pública. O próprio orçamento passará a fixar o número de crianças a ser contemplado, dando, por este modo, o endereço desses recursos, os mais delicados e mais respeitáveis de todos os recursos públicos.

Encerrando aqui, meus senhores, estes comentários, tenho a dizer que o estatuto constitucional da educação na Bahia, criando o Conselho, dando-lhe autonomia e confiando-lhe os recursos generosos previstos pela Constituição Federal, abre a possibilidade para a solução gradual do problema da educação. A solução deste problema é o preço da democracia.

Caso seja votado o Capítulo de Educação e Cultura, os serviços de ensino e cultura ganharão preeminência só comparável à dos três poderes do Estado. Teremos feito o que devíamos ter feito cem anos atrás. A responsabilidade da educação, que se perdia na irresponsabilidade omnímoda do Governo, define-se e localiza-se. A educação passa a ser servida por um aparelhamento paralelo ao do Governo do Estado. É a grande obra permanente do regime democrático, obra de longo alcance. Ao lado dela, a função do Governo parece próxima e imediata. Pela educação, forma-se o homem, e mais, conquista-se a justiça social. É saudável, portanto, que essa obra se faça sem os atropelos da obra do Governo, sem abalos políticos, mas com espírito de permanência, que sua relativa segregação assegura.

Haverá perigos nesse afastamento da educação do tumulto e do personalismo da obra de Governo? O receio é o mais injustificado dos receios. A educação passa a ser autodirigida. Mas, como toda arte humana, como a medicina, como a ciência, tem a educação em si mesma seus freios, sua disciplina e sua índole. Autonomia não é anarquia. Libertada da intromissão estranha, a educação será responsável perante a si mesma. Não se isola mas integra-se em si mesma, na sua consciência profissional, no magistério que a serve e na sociedade a que serve.

Sendo a educação o maior empreendimento humano tentado pelo Estado, justo é que se desenvolva com essa independência, sob as vistas de um Conselho que emana diretamente do Chefe do Poder Executivo e governa sob as luzes de sua Assembléia política. A obra da educação é obra que pede "tempo limpo, céu claro, mar bonança..." É isto que lhe vai dar a Constituição Bahiana.

* * *

Debates em tôrno do Capítulo de
Educação e Cultura no Projeto de
Constituição da Bahia, após a exposição feita
pelo Dr. Anísio Teixeira, Secretário de
Educação e Saúde.

Deputado José Mariani: Senhor Presidente: Sabe o nobre Secretário de Educação que, nos seus traços gerais e nas suas linhas fundamentais, aceito o pensamento político de S. Excia. Entretanto, desejaria ouvir, diretamente, de S. Excia., a justificativa perante a Câmara de algumas pequenas objeções que terei de formular.

Por exemplo: se S. Excia. deseja dar completa autonomia aos serviços de educação e, assim, colocou um Conselho nomeado por um prazo muito acima do mandato governamental; se esse Conselho, com mandato de 9 anos, está ao abrigo das oscilações políticas, tem perfeita autonomia, não podendo o Governo destituí-lo, por que deve ser o Diretor da Educação nomeado por um prazo fixo, acrescendo-se o fato de que se prevê, no mesmo capítulo, a existência de uma lei organica com maximo de 10 anos, com normas preestabelecidas, ainda estas possíveis de regulamentação pelo próprio Conselho? Sendo pensamento de S. Excia. assegurar a autonomia dos serviços Educacionais e independencia dos mesmos organismos, desejaria ouvir dos lábios de S. Excia. a explicação de por que, já sendo o Conselho absolutamente autonomo e ao abrigo das mudanças políticas, deve ser o Diretor da Educação funcionario, não da confiança desse Conselho mas eleito pelo prazo preestabelecido?

Era esta uma das indagações que desejava ver respondidas pelo nobre Senhor Secretário de Estado.

O Senhor Anisio Teixeira: - Ouvi, com a maior satisfação, as ponderações feitas pelo nobre Deputado Sr. José Mariani e devo dizer a esta Casa que tenho em profunda consideração tôdas as suas objeções sôbre o assunto, que, de modo muito particular, revelam haver compreendido, em tôda a sua extensão, o alcance das medidas que aquí estai-nos propondo.

O Conselho de Educação é, efetivamente, o orgão constitucional que vai passar a ter o contrôle e o governo da escola. O Diretor do ensino é o orgão técnico que administra as escolas. Ha diferença entre contrôle e administração da escola. O Conselho que é o órgão deliberativo e político, escolhe o técnico, o profissional a quem vai entregar a administração das escolas, da mesma forma por que uma familia escolhe o medico para tratar de sua criança: a família pode destituir o médico, mas não pode intervir no diagnostico nem no tratamento proposto pelo medico.

A disposição que fixa 4 anos para o mandato do Diretor de Educação visa pôr este diretor em situação de independência perante o Conselho. Não sendo o Conselho orgão técnico mas leigo, impõe-se tal medida, sob pena de não se poder assegurar a sua independência profissional nem o seu poder de administração. O diretor do ensino é na educação, de certo modo, o poder executivo, enquanto o Conselho é o poder deliberativo e político. A divisão de poderes e funções é essencial ao funcionamento harmonico do plano aqui proposto e, ao mesmo tempo, uma condição do mutuo equilíbrio entre o Conselho e o diretor.

O Sr. Deputado Antonio Balbino: - É um sistema de freios e contrapesos.

O Sr. Deputado Nelson Sampaio: - Eu creio que a Constituição não veda a possibilidade de o Conselho amanhã destituir o Diretor.

O Sr. Deputado José Mariani: - Conheço perfeitamente o texto desse artigo 114. Desde que a autonomia do Conselho está assegurada em todos os seus termos, parece-me que não se justifica que, além desse Conselho, se dê ao Diretor um prazo fixado. O paragrafo 3 prevê a exoneração por falta de competencia.

O Sr. Deputado Nelson Sampaio: - O termo "prefixado" teria ana!ogia com o sistema politico dos freios e contrapesos do regime parlamentarista: o Diretor é eleito por 4 anos; mas pode ser destituído se não tiver a confiança do Conselho.

O Sr. José Mariani: - Neste caso, é inteiramente diferente.

O Sr. Anisio Teixeira: - Agradeço os apartes dos nobres Deputados Antonio Balbino e Nelson Sampaio. Devo, entretanto, acentuar as ponderações que vinha fazendo em resposta ao nobre Deputado José Mariani. Desejo que fique muito claro que, embora seja permitido ao Conselho destituir o Diretor, esta destituição só se pode dar em casos extremos.

Cumpre-nos aqui aproveitar a experiência de 150 anos de funcionamento deste regime na democracia americana. A caracterização da função do diretor de ensino perante o Conselho, a perfeita divisão de competência e atribuições entre um e outro só recentemente se estabeleceu nos Estados Unidos. Procuramos na Constituição Bahiana valer-nos dessa experiência, atribuindo ao Conselho, como disse, a função de contrôle e governo das escolas e ao Diretor a função de executor da politica do Conselho e administrador das escolas, assegurando-lhe as condições necessárias pala exercê-la com eficiência e com independencia.

Sr. José Mariani: - Se V. Excia. reconhece que isso pertence a uma segunda etapa, por que, aqui, começar de logo por essa segunda etapa, se ainda não atravessamos a primeira?

Sr. Anisio Teixeira: - Porque não temos tempo para atravessar a primeira.

Estamos precisando queimar as etapas.

Eu, lhes digo com franqueza, entretanto, que a nossa organização não é tão radical quanto parece. A independência futura da educação deverá ser muito mais radical, quando os seus serviços tiverem atingido áquele ponto em que o professor, devotado à formação da juventude e empenhado toda a vida, no cultivo das ideias e do saber e da virtude, será o unico senhor de sua profissão que exercerá a salvo de qualquer intromissão estranha.

Ainda estamos num período de transição e os freios e contrapesos que se estabelecem na constituição são o penhor da moderação de nossa experiência.

Sr. Antônio Balbino: - Desejo dar um esclarecimento. É que, além do texto do Projeto, a Comissão de Constituição deu parecer favorável a uma das emendas do Deputado Osvaldo Deway, no sentido de permitir a remissão da lei orgânica, não sòmente nos casos especiais, mas também a reforma até por um próprio quorum qualificativo em um têrço da Assembléia - tendo sido abrandada gquela rigidez primitiva, porquanto, verificado qualquer impasse de ordem política, a Assembléia terá a faculdade de tomar a iniciativa de rever a lei orgânica.

Sr. Anísio Teixeira: - Êste é um outro ponto - a rigidez da lei orgânica criticacla pelo Deputado José Mariani . Desejaria que uma lei fôsse, realmente, uma lei orgânica. O prazo para a sua reforma indicado na Constituição, visa, no meu entender, muito mais caracterizar-lhe o aspecto e os limites de lei orgânica do que o seu tempo real de vida. Meus votos sãopara que dure muito mais. Os dez anos são para que o legislador sinta que está fazendo uma lei orgânica e não desça a detalhes que possam prejudicar o caráter de permanência dessa lei.

Sr. José Mariani - V. Excia. não acha que se poderia conciliar êsse ponto de vista se fizéssemos duas lei diversas: uma, regulando a atividade do Conselho e outra correspondente ao ensino pròpriamente dito, deixando-se sòmente que a segunda não fôsse reformada num prazo de dez anos?

Sr. Anisio Teixeira - Respeito profundamente as objeções do Deputado José Mariani. Tôdas elas visam transformar a experiência em algo de menos radical, para que amanhã, um governo que não pense como nós, no momento, estamos pensando, possa rever o assunto. Receio, no entanto que essa revisão seja a volta as fórmulas antigas. pelas quais se estava tornando impossível a solução do problema educacional. Reconhecendo, como reconheço, a necessidade de prudência, julgo contudo que não devemos transigir, se com tal transigência ferirmos a integridade do plano e das suas linhas essenciais. Não ensaiemos as cousas pela metade, pois nisto está a razão de tantas vezes termos falhado. Os Conselhos, por exemplo, entre nós, têm falhado muitas vezes, por não passarem de órgãos meramente consultivos e decorativos. O Conselho de Educação aquí proposto terá, entretanto, responsabilidades imensas mas não lhe faltam também os poderes para cumprí-las e, por isto, acredito que não falhe.

Sr. Deputado José Mariani: - Quanto estava falando, não me ocorreu fazer esta outra consideração, para provar a V. Excia. que, si os serviços de educação vão ser completamente autônomos, vão ser, digamos assim, autárquicos, porque a Presidência do Conselho é do Secretário da Educação, como seu membro nato, que restaria da Secretaria de Educação, pròpriamente dita, si êste serviço se tornasse completamente autônomo, como pretende V. Excia?

O Sr. Anísio Teíxeira: - Dou razão a V. Excia. Devo dizer, porém, que o Secretário de Estado presidirá o Conselho para que a obra de secessão entre o Govêrno e a educação não seja completa, ficando esta ainda ligada, de certo modo, ao Executivo, que, generosamente, abre mão de todos os poderes que lhe eram habitualmente confiados, para entregá-los ao Conselho.

Nunca foi idéia minha que a Presidência do Conselho fôsse dada ao Secretário de Educação; no entanto, reconheço a sabedoria da medida que irá permitir ao Govêrno, mais que todos os interessados, nesta reforma, assistir ao Conselho nos primeiros estágios do seu estabelecimento e da sua consolidação. É mais uma medida de prudência e de moderação que em nada afeta o arrojo da transformação e permite ao Govêrno ter sob as suas vistas os seus primeiros estágios.

Sr. Antônio Balbino: - Eu ia, justamente, salientar isto. O ponto de vista salientado por V. Exa. nesses debates, era, precisamente, êste; e confesso que as objeções e pondeções particulares dos Srs. Deputados foram no sentido de compreender que era preciso esta fórmula intermediária, com que V. Excia. concordou. Agora, tenho a certeza de que chegaremos até lá.

Sr. Basílio Catalá: - Colimada essa idéia, não parece a V. Excia. que chegaremos a um estado dentro do Estado?

O Sr. Anísio Teixeira.- Não, perdôe-me V. Excia. Quando muito, poderia haver um govêrno dentro do govêrno; mas, nunca um Estado dentro do Estado.

O Estado democrático é eminentemente pluralista. O Conselho tem poderes dados pelo Estado. Pertence ao Estado e não quebra, de modo algum, a unidade possível do Estado na democracia.

Em outro regime, concordaria com V. Excia., menos no regime democrático.

O Sr. Presidente: - Lamento observar que faltam 10 minutos para terminar a hora regimental.

O Sr. Nelson Sampaio requer e obtem a prorrogação por meia hora).

O Sr. José Mariani: - V.Excia. me permitirá ainda uma pergunta: respeitando integralmente o pensamento político de V.Excia. que eu já conhecia da exposição que V. Excia, houvera feito. V. Excia. há-de convir num ponto muito respeitável, - temos que admitir uma hipótese: Se a experiência não der os resultados previstos não seria mais lógico que, pudéssemos reformar a lei, em vez de a Constituição.

Sr. Anisio Teixeira: - Respondo ao nobre Deputado: que seja reformada a Constituição; mas, que não se ponha na Constituição apenas a faculdade de se dar autonomia e organização ao Conselho de Educação nos moldes aqui propostos.

Conhecemos de perto a psicologia brasileira e a força muito relativa que tem a própria Constituição. Não direi a força muito relativa que têm as leis brasileiras, mas a força relitiva da própria Constituição.

Quando pedimos que esta Reforma fique inscrita inscrita na própria Constituição, é por que dai nos advirá um pouco da necessária para que se faça realidade.

Proposta na lei ordinária, teria existência efemera. A transposição do regime aqui instituído para a lei ordinária o sentido profundo que esta obra quer ter.

Em linguagem educacional, talvez pouco jurídica, costumo falar em Poder da Educacão e não função de Educação.

O ideal seria que, assim como ternos os três poderes, o Executivo. o Legislativo e o Judiciário, tivéssemos o Poder da Educação.

Acredito que dia virá em que a Educação se organizará como Poder. Sempre me impressionou o Estado de Vermont. No Estado de Vermont, o cargo de Diretor de Educação instituído, como no projeto da Constituição que aqui se discute, na própria Constituição, tem vencimentos superiores aos do Governador do Estado.

Essa pequenina republica compreende que as funções da educação, as funções de formar aquele pequenino povo, são mais importantes que a de governá-lo.

Isto vale a pena ser relembrado para mostrar como as democracias rurais do nosso continente faziam da educação a função suprema do Estado. Tal função ou se constitue dentro da Constituição ou perde, com a só exclusão, a hierarquia que aquí lhe queremos reconhecer. Compreendo as objeções do deputado José Mariani. Compreendo seus receios e os tenho como inteiramente respeitáveis.

Na presidência do Conselho, se as circunstâncias me permitirem que continue na realização desta obra pretendo me fazer, acima de tudo, uma garantia para a independência e autonomia do próprio Conselho. Conselhos, como este, irão se constituir em todos os municípios de Bahia. A Capital terá o seu grande Conselho. Desejo dar grande parte do meu tempo ao trabalho de fundar e estabelecer estes Conselhos, para que não percam o espirito que, desde a origem, deve marcar o seu aparecimento.

Sr. Carlos Anibal: - V. Excia. não acha que exigência de um estágio posterior ao concurso de provas e títulos, para preenchimento de uma cátedra, seja um atentado ao direito adquirido pelo professor, com a vitória no concurso?

Sr. Anísio Teixeira: - Devo dizer que considero o estágio posterior ao concurso essencial para a seleção do professorado e acho que não contraria a Constituição. Agora mesmo acabam de me dizer...

Sr. Antônio Balbino: - Esclareço a V. Excia. que na Comissão de Constituição houve seis votos contra cinco que acharam deveria ser mantido o texto da Constituição Federal. Um dos vencidos, porém, lendo o texto da Constituição Federal modificou seu ponto de vista e convenceu inteiramente os seus colegas tendo eles modificado o seu voto quanto ao principio da vitaliciedade imediata, que a Constituição Federal assegura.

Sr. Anisio Teixeira: - Agradeço a V. Excia. Em todo caso peço licença para insistir. Nenhum concurso somente de provas e títulos é bastante para a seleção do professorado. O estágio não é posterior ao concurso. O estágio é uma parte do concurso. Ao terminar seu concurso de títulos e provas e, quanto aprovado nessas duas eliminatórias, o candidato entrará no exercício do magistério para demonstrar, durante certo período, suas demais capacidades. Considero, por conseguinte, que não fére a Constituição Federal, nem mesmo se ela não se referisse a estágio. Temos liberdade de organizar o concurso como entendermos e poderíamos estabelecer que o concurso apenas se completaria ao término do estágio. Só nessa ocasião o professor se tornaria vitalício.

Sr. Basílio Catalá: - V. Excia. disse que os componentes desse Conselho emanavam diretamente do Chefe do Poder Executivo. Não haveria perigo de haver critério político na escolha?

Sr. Anísio Teixeira: - Qual o artigo?

Sr. Basílio Catalá: Não estou me referindo a artigo. No discurso de V. Excia., se bem entendi, V. Excia. disse que os componentes do Conselho emanariam diretamente do Chefe do Poder Executivo e desejaria que V. Excia me esclarecesse se não haveria perigo de critérios políticos serem empregados.

Sr. Anísio Teixeira: Eu considero que, efetivamente, o poder de nomear deve competir, privativamente, ao Chefe do Poder Executivo que deve fazer essa escolha com o mesmo espírito de responsabilidade de que se reveste o Presidente da República, quando escolhe um Ministro para o Supremo Tribunal Federal. Está fazendo uma escolha das mais graves e das mais sérias. Minha experiência ensina que ao conferirmos a responsabilidade de certa nomeação a algum poder não lhe devemos criar nenhuma condição, para que êle seja totalmente livre na escolha e não possa de modo algum fugir à completa responsabilidade da mesma

Sr. Jorge Calmon: Girando a atenção de V. Excia. para um outro ponto, eu pediria a V. Excia. que fixasse suas vistas, sôbre o artigo 116 que dispõe:

(Lê o artigo:)

Perguntaria a V. Excia. se certa função do Estado, relativa à cultura, ao patrimônio e à formação é própria da indole das instituições extra-escolares e se, por sua vez, essas instituições cabem no sistema de sistema de ensino público?

Sr. Anísio Teixeira: Devo dizer a V. Excia. que o atual conceito de sistema de Educação compreende, não só o sistema regular de escolas mas todo o conjunto de instituições que poderemos chamar de extensão cultural. O Estado mantem o sistema regular de educação e o grande sistema de educação e formação de adultos. Bibliotecas, cinemas, museus, além das suas organizações escolares pròpriamente ditas. E, permita-me que esclareça a V. Excia., dentro dêste artigo, até a imprensa caberia como função de educação do Estado. Estamos muito longe disto mas talvez o dia chegue em que o dever de informação venha a ser coisa diversa do que é hoje e se torne um dos deveres do Estado a ser cumprido por uma verdadeira magistratura.

Sr. Jorge Calmon: A minha idéia se origina de uma idéia baseada na realidade atual e eu pediria a opinião de V. Excia. sôbre o seguinte: não seria conveniente que se apartassem essas funções do Conselho Nacional de Cultura para que ficassem sob a dependência do Conselho de Educação e Saúde?

Sr. Anísio Teixeira: V. Excia, talvez esteja com a impressão de que o Conselho não seja pròpriamente Govêrno. Eu creio que êle é, também, Govêrno e que suas obrigações tenham o mesmo caráter que teriam se estivessem conferidas ao Govêrno pròpriamente dito. A única restrição que aceito é de referência àquelas funções cuja urgência ou permanência possam exigir uma mobilização do poder policial, pois êste, sim, acredito que o Conselho não possa ter. Desde que a função não exija isto, deve estar no sector de cultura e educação do povo bahiano.

Deputado Inácio Souza: Sr. Presidente, ouví atentamente as palavras do ilustre Secretário de Educação, o Sr. Anísio Teixeira e desejo, dada a responsabilidade que tenho como representante do povo, emprestar o meu concurso à feitura de nossa Carta Magna.

Ouví certas e determinados perguntas do Sr. Deputado José Mariani, que, já nesta questão de educação, a meu vêr, está de acôrdo com meu ponto de vista.

Todavia, Sr. Presidente, não ouví bem certas respostas do Sr. Secretário de Educação e neste caso, desejo formular a S. Excia. a seguinte pergunta: se, com a autonomia que nós concedermos, de direito e de fato, ao Conselho de Educação, regendo-se com rendas próprias e com tôdas as condições administrativas, qual a função do Secretário de Educação?

Sr. Anísio Teixeira: - A Secretaria de Educação, é, primeiro, na Bahia, de Educação e Saúde; de maneira que conservará tôdas as suas atribuições "de Saúde", e, na parte da Educação, a sua função será a de Presidente do Conselho.

Sr. Inácio Souza: - Eu abordo esse assunto pelo seguinte: porque tenho receio que se criem duas organizações semeIhantes: uma do Secretário de Educação com toda a sua burocracia e outra a do Conselho de Educação, que é órgão autônomo, com autonomia bastante extensiva, porque não se subordina ao Secretário de Educação, porque é subordinado ao Govêrno do Estado. Neste caso, a ação do Secretário de Educação, é apenas de membro nato, como Presidente do Conselho. Também, Sr. Secretário, como sabe V. Exa., o ensino hoje é Federal, pelo menos o criado em caráter supletivo.

Sr. Anísio Teixeira: - Pelo menos, não; no máximo, supletivo.

Sr. Inácio Souza: - Sabe V. Exa. que a União vem colaborando, dentro da Constituição, com o ensino primário, subvencionando o ensino primário.

Ora, eu considero o ensino primário nos Estados, em caráter, apenas, administrativo. É, apenas, a execução de um programa.

Creio eu que é dentro das normas traçadas pela Constituição Federal.

A segunda questão é V. Exa. considerar um estágio para nomear professores que fizeram concurso, como legal. Eu considero um absurdo. Porque o texto da Constituição, com permissão de V. Exa., diz que para o provimento das cátedras (lê).

Ora, se o professor fez concurso, se êle foi aprovado, êle está diretamente assegurado em seus direitos e ninguém, nem mesmo esta Assembléia, poderá tirar, o que está garantido pelo estatuto básico da União. E porque a Constituição vai tirar esse direito? Pelo menos iremos cometer um atentado contra a própria Constituição Federal. E nesse caso eu penso que esta Assembléia não deve atender a esse situação para o Estado da Bahia que é um pouco diversa. Vem em primeiro lugar, V. Exa. sabe muito bem porque é mais viajado do que eu e tem mentalidade conceituada nos meios educacionais até do mundo, a situação precária de nossa economia. Esta sim e talvez por causa dela V. Exa., tenha que ficar enterrado sem poder atravessar os obstáculos para executar o plano que considero magnífico.

A intenção, de V. Exa. é construtiva e benéfica e de alta significação para o Estado, mas Sr. Secretário de Educação, devermos prever as conseqüências graves. V. Exa. que talvez tenha as suas dúvidas quanto à experiência, tanto assim que estabeleceu uma fase relativa. Mas, como já disse a esta Câmara, não devemos ser objeto de experiência de um programa de ensino que talvez, dadas as condições econômicas, não tenha resultado positivo.

Sr. Presidente: - Comunico a V. Exa. que faltam apenas quatro minutos para o término da sessão.

Sr. Inácio Souza: - Agradeço a V. Exa. Não estou fazendo política partidária. É uma questão de interêsse vital para as nossas populações e eu não desejo ver sr. Secretário de Educarão, cuja figura estava na França viesse à Bahia assumir êsse cargo de responsabilidade, passe pela decepção e não queira fazer a nossa Assembléia passar pela decepção de reformar o seu estatuto básico. Porque se nós reformarmos a nossa Constituição, que V. Exa. julgou uma coisa relativa, creio, Sr. Secretário de Educação, que é um crime que vamos cometer contra a própria democracia brasileira.

Sr. Anísio Teixeira:- Agradeço ao Deputado Inácio Souza as ponderações que me fez e ás quais procurarei responder.

Quanto à parte dos concursos eu quero acentuar que não fere a Constituição Federal. O estágio é também uma prova e desde que a lei bahiana estabeleça. o estágio de um ano com uma das provas penso que não feriremos de modo algum a Constituição.

Acho que é uma medida essencial para a escolha do professor; apenas um esclarecimento a mais...

O Sr. Inácio Souza: - Mas V. Exa. deve verificar que aquí trata de época posterior.

Sr. Anísio Teixeira: - Mas as provas não terminarão senão depois de um ano. Na segunda parte, na questão de recursos desejava dizer a V. Exa. que, com muitos ou poucos recursos, se a educação tiver de ser estabelecida no Estado, melhor ficará estabelecida com liberdade e autonomia do que dentro do formalismo burocrático do Estado. No caso dos recursos escassos, a autonomia dará à educação, a liberdade para se ajustar ás condições em que se torne possível.

Quanto à reforma da Constituição e à idéia da experiência só queria ponderar o seguinte: tudo quanto nós fizermos será experiência, seja suportar o hábito estabelecido ou modificá-lo de maneira intencional e esclarecida.

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