TEIXEIRA, Anísio. Cultura e tecnologia. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.55, n.121, jan./mar. 1971. p.12-37.

ANíSlO TEIXEIRA

CULTURA E TECNOLOGIA

Apêndices: Notas sôbre o Autor

Pen Clube Homenageia Anísio Teixeira

Fundação Getúlio Vargas
Instituto de Documentação

Rio de Janeiro, 1971.

Apresentação

Cultura e Tecnologia - o último trabalho de Anísio Teixeira - foi publicado pela Fundação Getúlio Vargas no INFORMATIVO de abril do corrente ano, juntamente com a notícia traumatizante de sua morte. Trata-se da versão final da conferência que, sôbre o mesmo tema, pronunciou o autor para os alunos do curso de Teoria e Prática de Microfilmagem, ministrado, no segundo semestre de 1970, pelo Instituto de Documentação da Fundação Getúlio Vargas.

O Pen Clube do Brasil promoveu, no dia 19 de abril de 1971, sessão especial em homenagem à memória de Anísio Teixeira. Dois discursos então pronunciados, um pelo Prof. Marcos Almir Madeira, presidente daquela instituição, e outro pelo abaixo assinado, foram reproduzidos no INFORMATIVO de maio.

Além do texto definitivo da conferência, esta publicação enfeixa tôda a matéria saída no INFORMATIVO sôbre Anísio Teixeira e seu infausto desaparecimento.

A Fundação Getúlio Vargas foi a instituição cultural que recebeu as derradeiras criações do pensamento e da ação de Anísio Teixeira. Mas, o que nos move a lançar a presente publicação não é apenas o intuito de render homenagem à sua memória: é, também, o dever de dar autonomia bibliográfica, em benefício da cultura humanística do Brasil, ao último trabalho de Anísio Teixeira, o grande missionário da educação.

BENEDICTO SILVA

Diretor do Instituto de Documentação

Sumário

Cultura e Tecnologia

Anísio Teixeira

Notas sôbre o Autor

Suas últimas Criações

Cultura e Tecnologia

O Mundo Moderno

Ensino Superior no Brasil

Obras Literárias

Dados Biográficos

Depoimentos sôbre Anísio Teixeira

PEN Clube Homenageia Anísio Telxeira

A Liberdade e o Anticristo

Marcos Almir Madeira

O Missionário da Educação

Benedicto Silva

CULTURA E TECNOLOGIA

TÁBUA DE MATÉRIAS

I. Introdução

1. Whitehead e suas Reflexões sôbre o V Século A.C.

2. Separação entre o Saber Humanístico e o Saber Científico

3. Isolamento e Neutralidade da Ciência, como Saber

Especializado e Positivo dos Meios

4. Possibilidade de Extensão do Método Científico ao Processo

Cultural e, dêste modo, à Restauração da Educação

Humanística do Homem

II. As Tecnologias e as Culturas

1. Nôvo Ângulo de Análise do "Processo" Cultural

2. A Tecnologia do Microfilme e a Civilização do Livro

3. Idéia e Conceito de Cultura: Fatôres e Causas do

"Processo Cultural"

4. Confusão entre "Fator" e "Fato" Cultural. Efeitos Culturais

das Tecnologias da Palavra Oral, Manuscrita e Impressa

5. A Transição para a Tecnologia Tipográfica. A Contribuição

de McLuhan

6. A Assimilação da Cultura Tipográfica

7. O Microfilme e sua Significação como Tecnologia Cultural

1. INTRODUÇÃO

1. Whitehead e suas Reflexões sôbre o V Século A.C.

Lucien Price nos preservou em seu livro - Diálogos de Alfred North Whitehead - todo um mundo de reflexões espontâneas e ocasionais de grande filósofo, feitas ao longo de conversações entretidas com o mestre incomparável, em período de convívio que se estendeu de 1932 a 1947. Vamos começar nossas considerações citando trechos de um dêsses diálogos.

Em 14 de novembro de 1944, deixara Price o seu jornal - O Globo de Boston - para um dos seus costumeiros encontros com o mestre. Ao chegar, estando Whitehead em repouso, ficara êle com a senhora Whitehead. Como trazia a cabeça a ferver com o massacre pelos alemães da vila de Distoma na Grécia, cujos detalhes seu jornal acabara de publicar, na última edição dêsse dia, entrou em considerações sôbre a crueldade germânica. Whitehead chegou à sala em meio à conversa. Ouvindo-os, observou o filósofo quanto a crueldade era praticada pelos alemães sem propósito algum: a crueldade pela crueldade. Buscando conduzir a conversa para algo mais edificante, ocorreu a Price dar-lhe a boa notícia de ter sido o seu amigo Livingstone "admitido" à posição de Vice-Chanceler da Universidade de Oxford. A notícia deu prazer a Whitehead e a conversa se estendeu sôbre a atuação de Livingstone em Oxford e sua obra de erudição clássica. Entre os comentários ao seu primeiro livro - O Gênio Grego - e à altura intelectual e moral a que chegara a civilização helênica, Whitehead, como que voltando o espírito ao massacre de Distoma, aludido no comêço do encontro, observou:

- Sempre me chocou que a humanidade não tenha avancado moralmente nos últimos dois mil anos.

- O período talvez tenha sido mais longo, diz Price.

- Digamos 3 mil anos, aduz Whitehead.

- Eu diria 25 a 26 séculos, diz Price.

- Bem, meu cálculo seria mais ou menos êste. O período em que pensava era o do V século antes de Cristo, na Hélade, e o do VI, em que as fôrças helênicas vinham ganhando impulso e coesão. Se aceita o V século, então sim, e a questão não é sòmente a do homem moderno não ter feito nenhum avanço, mas também a de se indagar se conseguiu sequer conservar-se à altura moral a que chegaram os gregos.

Price citou alguns fatos históricos indisputados para justificar a conclusão que Whitehead considerou e pesou, depois do que disse:

- Não considero de modo nenhum impossível (embora espero que improvável) que o homem possa atingir o ápice dos seus podêres intelectuais e entrar a seguir em uma deterioração que dure milhares de anos. De fato, freqüentemente tenho pensado que esta guerra possa estar determinando o futuro do homem numa ou noutra direção. O momentum, o ímpeto do pensamento independente é tão fãcil de se perder! O homem pode afundar-se na simples repetição rotineira de atos habituais e de processos sociais costumeiros em nível bastante baixo, quase como se não tivesse cérebro, como certos insetos podem fazer funcionar sociedades estáveis embora não tenham cérebro ...

Depois de certa pausa, continua:

- Basta ver, também, a confusão que a humanidade fêz com suas religiões!... Aquêles que conhecem suas histórias tendem a hesitar até em lhes dar o nome de religião. Já considerou quantos dos grandes fundadores de religião surgem por volta do V século A.C.?

- Não pensei. Quando surgiu Buda? pergunta Price.

- Por essas alturas, diz Whitehead.

Passam a verificar e confirmam pela Enciclopédia Britânica que assim foi com efeito. O diálogo é longo e não podemos continuar a acompanhá-los.

Essa previsão de Whitehead de um possível mergulho do homem na rotina repetitiva do seu próprio pensamento, como sistema fechado de que já não pode sair, não será o que se vem dando em nosso tempo com o pensamento positivo, pragmático e operacional da ciência moderna? É tal aspecto do chamado progresso humano que desejamos trazer aqui, à maneira de introdução à nossa palestra sôbre tecnologia e cultura, a fim de sublinhar o perigo de estarem as tecnologias limitando, se não destruindo, a inerente natureza transcendente e crítica do pensamento humano.

2. Separação entre o Saber Humanístico e o Saber Científico

Que buscava a inteligência humana naquele remoto século V anterior à nossa era? Buscava a sabedoria. E que era a sabedoria senão a aplicação do saber à conduta inteligente da vida humana? Como explicar-se não ser mais a busca da sabedoria objeto do estudo humano? Era a filosofia - o amor da sabedoria - a mestra dêsse campo da reflexão humana. Oue fios da inteligência humana foram destruídos para que êsse campo não mais aparecesse na tessitura do saber humano, e a busca do conhecimento se voltasse apenas para a busca do saber-poder, e êste viesse a limitar-se ao saber extrínseco ao homem, ficando o saber relativo ao mistério dêle próprio confiado à divindade, e a nos ser trazido pela revelação, ou então pelas elocubrações da mente humana, debruçada sôbre as inclinações e desinclinações ou, se quiserem, os gostos e desgostos do homem?

Essa história, que é longa, todos nós a conhecemos. O saber grego foi tido como resultado do método de observação, sem dúvida, mas de natureza especulativa e metafísica e, como tal, intemporal, ainda que subjetivo e não comprovado. Vinte e três séculos após a sua luminosa explosão, os homens desenvolveram, acima do método de observação, o método da experimentação, e êste lhe deu o conhecimento científico, conhecimento relativo e temporário, mas singularmente eficaz. Êste último método, o da experimentação, não permitiu apenas conhecer, mas também descobrir e inventar. E o método da invenção, uma vez criado, deu-nos o imenso conhecimento físico, que já possuímos, e as múltiplas tecnologias com que transformamos o mundo e ganhamos o contrôle das condições materiais da existência, a tal ponto que hoje um dos problemas humanos é lembrar ao homem que a angústia fundamental da escassez e da miséria continua, por certo, a esmagá-lo, mas já não é nem inevitável nem fatal, como fôra antes dos conhecimentos de que hoje dispõe. A riqueza e a afluência já estão no mundo; o problema de hoje é: o que fazer dela?

Voltemos, porém, às nossas considerações gerais. Por que assim se limitou o campo do saber humano? As causas não foram intelectuais, mas sociais, embora se revestissem de grande aparato terminológico. Todo saber humano era global e unificado e sôbre êle é que se fundava o poder de contrôle das grandes fôrças sociais da cultura da época. Para que a ciência, com seus novos métodos, viesse a ser aceita, parece ter sido prudente aceitar-se o expediente de limitar o saber experimental e verificado, o saber hoje em dia eficaz, o saber pragmático, ao que não afetasse o mundo dos valôres humanos, os quais continuaram autônomos, sob a égide do saber revelado sobrenaturalmente, ou então, sob a égide da pura especulação humana, como saber subjetivo, governando as crenças e os gostos, ou desgostos humanos, sem outra eficácia senão a do confôrto e consôlo que poderia dar aos homens.

Com êsse expediente, separaram-se as áreas do conhecimento em conhecimento espiritual e material, conhecimento objetivo e subjetivo, conhecimento religioso e secular, conhecimento de meios e conhecimento de fins. O conhecimento científico passou a ser, essencialmente, um conhecimento de meios e, geralmente, apenas de meios materiais, guardando seu objetivo de eficácia, mas apenas para dar meios ao homem de fazer o que vinha fazendo, ou livremente viesse a querer fazer. Assim, quando chegamos à bomba atômica, o problema da ciência era fazê-la, mas jamais o de debater o seu usa. Êste seria resolvido pelos gostos do homem. Gostando êle de destruir, a bomba seria feita para destruir. E Oppenheimer perdeu o seu lugar e quase o convívio dos cientistas, quando julgou dever levantar a questão.

3. Isolamento o Neutralidade da Ciência, como Saber Especializado e Positivo dos Meios

A separação da ciência do mundo dos problemas humanos para o mundo dos problemas físicos especializou o cientista de tal modo que êle chegou a ser excluído do mundo do pensamento pròpriamente dito, com o que êle próprio veio a aprofundar a separação, passando a considerar impróprios para o seu espírito os problemas que consideraria espirituais, ou metafísicos, ou religiosos, ou tecnológicos, e por fim, de modo geral, os problemas, não diria humanos - pois o bem material é também humano e neste sentido êle enriqueceu extraordinàriamente o homem - mas humanísticos, ou seja, os de sua política e os da convivência humana, os problemas dos valôres humanos, criando-se, afinal, a falácia das duas culturas do homem.

Tão físicos se fizeram os objetivos da ciência, que a própria fisiologia teve dificuldade em ingressar nos seus domínios e, depois, a psicologia precisou de um gênio (Freud) para abrir-lhe a porta. E as ciências sociais, de modo geral, só fizeram um comêço de caminho, quando se limitaram a ser ciências positivas, querendo apenas estudar os meios para fazer o que fõsse corrente. A ciência era neutra, não aceitando jamais a função crítica que arriscaria pô-la em contradição com os fins, a serem achados ou esclarecidos pelo outro tipo de conhecimento, fundado nos costumes e nas crenças dominantes entre os homens. E aqueles dentre os pensadores sociais que avançaram em seu pensamento não são considerados homens de ciência, mas pensadores da primeira cultura, que seria a humana e humanística.

A ciência, entretanto, que, talvez para sobreviver, tivera de assim reduzir e limitar o tipo de conhecimento que cultivava, logrou tamanho êxito em sua tarefa, que se fêz a fôrça dominante do conhecimento humano, do conhecimento para o poder e a ação.

E, sem dúvida alguma, fêz-se a fonte do nôvo poder humano sôbre a natureza e as condições materiais da vida, tornando-se a causa principal da presente riqueza do mundo desenvolvido e o instrumento do seu poder material pràticamente ilimitado. Por isso mesmo, chega hoje a constituir uma das causas do presente terror humano, não mais apenas do clássico mal-estar da civilização a que se referia Freud.

Mas, diante de tal separação e isolamento do conhecimento científico, que sucedeu aos outros campos do conhecimento já cultivados pelos homens desde o momento luminoso e criador da antiga Grécia? Fêz-se conhecimento humanístico, transcendente ou filosófico, estético ou artístico, metafísico, religioso ou teológico. Era conhecimento sem comprovação, tendo sido, em nosso mundo ocidental - que já houve quem o chamasse de mundo da civilização acidental - seu último período unificado (melhor diria sistematizado, de que o primeiro foi o de Aristóteles) o de Santo Tomás de Aquino. Ouebrada essa unidade, com a Reforma, entrou em processo de variação até se transformar em crenças de grupos e até, de certo modo, individuais, a serem decididas na intimidade do ego, ou da consciência individual.

Não pensemos, porérn, que essa pulverização individualista do mundo de valôres tenha produzido imediata anarquia. A compartimentalização do conhecimento não decorreu de caprichos individuais, mas foi o resultado do jôgo de fôrças sociais de dominação, de ordem, e do natural conservadorismo humano. Em têrmos mais neutros, do jôgo das fôrças culturais do nosso tempo.

Os Estados separaram a Igreja do Estado, para assegurar-lhes a coexistência pacífica. Com o Estado ficou o pensamento secular; com a Igreja, o pensamento pròpriamente espiritual e religioso. Com a ciência ficara o mundo físico, mas o político, econômico e social ficara com as profissões liberais e a iniciativa privada, reduzindo-se o desenvolvimento do conhecimento a seu respeito ao conhecimento convencional, substancialmente não crítico, proposto à elaboração e conservação das instituições e do poder tal como se fôsse êste desenvolvendo. Aí não entravam nem o método da experimentação, nem muito menos o da invenção, salvo em aspectos técnicos que não afetassem senão a maior ou menor eficácia dos meios. Como antes se afirmara a respeito da razão, o saber racional científico era "o escravo das paixões humanas".

Nessa imensa área do poder secular, oposto ao poder das igrejas, o pensamento humano foi declarado livre, considerando-se livres, vale acentuar, desde que praticado por homens livres, significando isto homens alheios a necessidades materiais, conceito que herdamos ainda dos gregos, e que pensassem dentro do "socialmente estabelecido". Apesar, contudo, desse natural condicionamento, a inteligência humana criou os métodos e as instituições democráticas e desenvolveu a arte e o conhecimento estético, considerado também como forma isolada de conhecimento e, de certo modo, como refúgio, por assim dizer, religioso, para o pensamento secular. As separações e isolamentos da época tinham de resultar em expedientes de acomodação para a possível coexistência.

O conhecimento humano desenvolveu-se, nessa época, dentro desse contexto, realmente dividido entre áreas de poder. A ciência foi, talvez, a que logrou - dentro de sua limitação, pràticamente aceita pelos cientistas e pela sociedade, de cuidar sòmente do material e dos meios - maior liberdade real. E, por isto mesmo, foi a que foi mais longe, pondo-se a serviço do sistema econômico dominante, dando origem à indústria, como solução do problema de produção, sem consideração a quaisquer aspectos humanos. Aliada ao sistema econômico predominante, criou as tecnologias que transformaram materialmente o mundo, tecnologias que, por sua vez, moldaram o homem para a fácil conformação às condições do sistema econômico que acabou por assimilar a ponto de incorporá-lo à sua segunda natureza.

A arte, também isolada como forma diferente e excepcional de conhecimento, criou, à maneira das profissões, suas formas de auto-proteção, passando o artista a ser razoàvelmente livre, dentro do conceito liberal de livre, e graças a uma relativa alienação social. Separado o pensamento secular das formas profundas e de interação no contexto social, encontrou o homem na arte consôlo e confôrto. Fêz-se a arte uma espécie de religião leiga e secular. A beleza, na frase de Stendhal, era a "promessa de felicidade" e com essa esperança se acomodou o homem.

Desprovido do método científico experimental, o pensamento filosófico, político, psicológico, artístico e social ficou entregue a escolas de pensamento, sob a liderança de fundadores, inspiradores, mestres excepcionais de doutrinas, de algum modo não científicas, mas ideológicas. Como a democracia criara certa atmosfera liberal, isto é, liberdade dentro do sistema estabelecido vigente, êsse método compartimentalizado desenvolveu-se em nosso complexo, organizado, poderoso e confuso mundo moderno, com suas sociedades de mercado e culturas do dinheiro.

4. Possibilidade de Extensão do Método Científico ao Processo Cultural e, dêste Modo, à Restauração de Educação Humanística do Homem

A educação é um reflexo dêsse mundo. É êle que separa a educação humanística da educação científica, a educação geral da educação para a profissão e a vocação, a educação de ciência pura da educação tecnológica e, de certo modo, a educação artística das demais formas de educação.

Às vêzes, ponho-me a pensar que se a espécie humana apenas dispusesse, como os insetos, de seus sentidos, para completar sua evolução e adaptação ao seu mundo, essas formas divididas de educação poderiam ser fatôres dessa evolução para a perfeita conformação dos seus corpos à vida possível no mundo. Mas, havendo o homem descoberto e desenvolvido as línguas como forma de sua convivência e, depois da língua, o alfabeto, e depois a escrita e a tipografia, e, afinal, o telégrafo, o rádio, a televisão e os processos eletrônicos de comunicação, que lhe estenderam os sentidos e multiplicaram seus meios de informação e interação, sua evolução já não vai, talvez, ser biológica, mas social, sendo cada homem uma súmula da espécie, e não simples unidade especializada da espécie. A idéia da igualdade humana nasce, em rigor, daí. Parece, a valer a intuição de Whitehead, que o homem terminou sua evolução biológica nas alturas do século V antes de nossa era, em pleno meio-dia helênico. Daí por diante; não há mais saltos biológicos, mas desenvolvimentos sociais. Tais avanços, contudo, vêm sendo verdadeiros saltos, não mais biológicos, talvez, mas tecnológicos, de extensão dos sentidos e das faculdades e podêres materiais e mentais do homem, desde à marcha, pelo andar e pelo transporte, até a mente, pela língua, o alfabeto, a escrita, a imprensa e, finalmente, a comunicação pelo telégrafo, o rádio, a televisão e todos os atuais recursos eletrônicos, inclusive os satélites. A educação, por tudo isso, fêz-se o problema de adaptação do homem não só à natureza mas aos seus próprios inventos, às suas próprias tecnologias, concebidas como extensões dos seus sentidos e seus podêres.

Em nosso tempo, para ficarmos dentro do tema, processaram-se vários dêsses saltos tecnológicos, e nos encontramos em um mundo que, para acompanhar a classificação de Raymond Williams, em seu livro Cultura e Sociedade, teve seu desenvolvimento dominado por cinco palavras-chave: indústria, democracia, classe, arte e cultura. Cultura é conceito nôvo de nosso tempo, significando o esfôrço humano por controlar, pela tomada de consciência, pela conscientização do seu processo em nossa vida, o desenvolvimento em que nos lançam as extensões tecnológicas dos nossos sentidos e podêres.

É pela cultura, assim concebida, que o homem vai ganhar o contrôle da situação extremamente complexa em que está a viver. Mas, como a cultura é algo dinâmico, em constante mudança, o homem sòmente pode tomar consciência da mesma por esfôrço extraordinário de educação. E essa educação não pode ser para fazer dêle o inseto especializado da espécie, mas o homem capaz de compreender e controlar todo o processo de sua vida. E jamais será isto possível se a educação apenas o especializar para a produção e suas ocupações pessoais. Há necessidade de habilitá-lo para muito mais do que isso. Habilitá-lo a compreender e dirigir a cultura em que está mergulhado e em que vive, a fim de poder aceitá-la e adaptar-se a ela e, ao mesmo tempo, contribuir para sua constante revisão e reforma.

Para êsse tipo de educação, teremos de voltar ao tempo em que a educação era a busca da sabedoria - da "arte da vida", ainda na expressão de Whitehead - e não apenas do saber especializado que precisa para seu trabalho produtivo. Éste é apenas parte de sua educação. Para dar-lhe a outra, precisamos que voltem a existir filósofos devotados aos problemas humanos, naquele amplo e transcendente aspecto de que Platão nos deu o exemplo.

Mas a filosofia, dentro do processo de especialização que obceca o nosso tempo, fêz-se também especialidade altamente técnica a estudar uma realidade superior (o ser em si), ou o conhecimento em si, ou a lógica formal em seus aspectos mais delicados e sutis. Tudo isto é essencialmente importante, mas há que fazê-la voltar às suas origens, metafísicas, digamos o têrmo, no sentido literal de "além da física", a fim de novamente ser a "mestra da compreensão da vida", da "arte de viver", a despeito da extrema complexidade do mundo criado pela ciência. Para isto, não irá afastar-se da ciência, mas fazer-se a estudiosa dos usos da ciência e dos valôres humanos, das "causas finais", e estudá-las dentro do próprio método científico, como se procedeu com a matemática, também de raízes filosóficas, a fim de nos oferecer os decálogos do comportamento e da sociedade humanos, da "arte de viver".

A ciência, melhor diria, o método científico produz o conhecimento positivo, a filosofia produziria a sabedoria de como usá-lo para poder êle contribuir para a vida feliz e digna do homem. Os valôres humanos são o seu estudo, concebidos tais valôres como os instrumentos, como na ciência física, para o tipo de vida humana feliz e digna de ser vivida. O uso humano da ciência, que nos ensinará a sabedoria, é que tornará tal vida possível e, dêste modo, humanística a educação ministrada pela instrução científica.

Em nenhum período da história, a necessidade da educação fazer-se a mestra do processo de viver foi tão extrema e urgente, por isto mesmo que a vida se fêz incrìvelmente organizada e complexa, tornando o problema de compreender-lhe o processo infinitamente mais dificultoso do que nos tempos em que o homem lutava apenas contra os mistérios da natureza. Estes mistérios, a ciência em grande parte os desvendou. Os novos mistérios são os do uso que o homem fêz do seu conhecimento e saber. Êste, o problema do nosso tempo: estender o método científico aos valôres humanos, voltar à busca e ao amor da sabedoria, consumando-se para o mundo social e moral a epopéia da ciência aínda limitada ao mundo físico e material. Julguei imprescindível apresentar tais reflexões neste momento em que passo a examinar, dentro do tipo analítico-positivo e, em rigor, operacional do pensamento moderno, o nosso tema de tecnologia e cultura.

II. AS TECNOLOGIAS E AS CULTURAS

1. Nôvo Ângulo de Análise do "Processo" Cultural

Desejo aqui examinar os efeitos das tecnologias sôbre as culturas humanas, procurando discernir o grau em que tais efeitos, na forma em que se processaram, decorreram do fato de têrmos assimilado as tecnologias sem maior indagação quanto ao poder delas próprias de nos alterar a visão do mundo e nossos propósitos e modos de vida. A aceitação das tecnologias como as próprias condições do nosso desenvolvimento mental e material pôs-nos em situação de completa dependência, senão impotência, e levou-nos ao desenvolvimento da cultura humana como conseqüência, por assim dizer automática, do processo de assimilação das referidas tecnologias.

Tão inconsciente foi todo o nosso longo e difícil processo cultural, que o próprio conceito de cultura é relativamente nôvo, em sua atual significação de esfôrço do homem para ganhar o contrôle do processo de vida e desenvolvimento em que o lançaram as tecnologias, ou seja, as extensões de seus sentidos, podêres e faculdades.

Sempre, em rigor, foi isto a cultura, mas não a concebíamos como algo que pudéssemos controlar, e, sim, como efeitos a que tivéssemos de nos adaptar para conseguir o reequilíbrio de nosso espírito, em face das mudanças e perturbações causadas pelas tecnologias de nossa própria invenção e por nós incorporadas ao nosso modo de vida.

Com a moderna intensificação do processo tecnológico, viemos a criar o que já se chama a "cultura tecnológica" dos nossos dias, que representa, mais do que tudo, o reino dos meios em contraposição ao reino dos fins e valôres fundamentais da vida humana. Êste é o problema característico do nosso tempo. Temos que retornar à velha e penetrante afirmação de Dewey de que os meios são parcelas dos fins, não se podendo, portanto, considerá-los neutros nem indiferentes. Para isto, nossa atenção terá de voltar-se para o estudo do processo cultural, visando à possibilidade de seu contrôle, a fim de se assegurarem a correspondência entre fins e meios e a salvaguarda dos valôres que constituem nossa inestimável herança cultural. Tal estudo é que poderá dar-nos consciência do processo de cultura sob que vivemos e de que somos hoje cegamente dependentes, e, pela consciência, a possibilidade de dirigir e orientar seu desenvolvimento.

O homem, com seus podêres e faculdades estendidos pelas tecnologias, construiu suas culturas, que hoje lhe comandam e dirigem a vida, com fôrça equivalente, senão maior que a do seu meio ambiente físico e natural. Em certa fase de sua história, relativamente recente, descobriu o método de invenção, e com êle desenvolveu seus conhecimentos de forma sem precedentes no passado. Esta foi, por excelência, a obra da ciência.

Êste nôvo saber intensificou sobremodo a descoberta de tecnologias, as quais aumentam e estendem os podêres e faculdades do homem, mas também os influenciam e lhes alteram as formas e modos de perceber, agir e fazer. Os estudos de cultura, nos seus aspectos pròpriamente humanos, portanto, não envolvem apenas o homem, mas êle e o mundo construído pelas suas tecnologias. Êste tem hoje extensão, variedade e complexidade semelhantes, senão maiores, que as de seu mundo físico e natural sujeito a Ieis mais regulares. A época, pois, em que estamos, de investigação e estudo, pode vir a ser, senão mais ampla, mais complexa que a anterior, de estudo da natureza, no qual o homem já despendeu quase quatro séculos, para ficarmos apenas no período da experiência e da invenção.

O nôvo campo de estudo compreenderá, com efeito, o estudo do homem e de suas culturas através do espaço e do tempo, envolvendo, senão tôda a própria ciência, todos os seus efeitos, e mais tôda história desde os tempos pré-históricos até os dias de hoje. Tais estudos não podem assim reduzir-se, como de certo modo reduziu-se a ciência física e natural, ao laboratório e à experimentação, onde o pesquisador se isola e investiga seu objeto especializado e neutro de estudo. O objeto de estudo agora é a vida humana, que não está tanto no espaço, quanto no tempo. E a documentação relativa à duração da vida humana neste planeta é seu material preliminar e essencial de investigação, exame e interpretação.

Até agora, as culturas humanas não puderam ser estudadas, em suas conseqüências e efeitos, senão a posteriori. Sómente estudos retrospectivos levam-nos, pelo conhecimento dos efeitos e conseqüências das culturas, a poder operar com o método experimental do raciocínio, o qual consiste em partir dos efeitos para a descoberta das causas e, por essa descoberta, conhecer e explicar, e daí poder chegar a controlar o processo em estudo. O laboratório e a oficina para essa operação, reversa à da simples observação antiga, foram os instrumentos do método de experimentação e de invenção, com o qual construiu o homem pela ciência o mundo poderoso dos dias de hoje.

Assim como a pesquisa se estendeu, corn o aparecimento dêsse método, a todo o mundo natural e físico, agora vamos procurar estendê-Ia a todo o processo cultural, e para isto precisamos, sobretudo, de documentação da vida humana através dos tempos e, no presente, através do espaço, mas dentro do tempo. Em relação ao presente, conduziremos estudos empíricos do processo da sociedade humana. Em relação ao passado, conduziremos estudos de análise, interpretação e descoberta, com o melhor método científico que fôr possível, pois o objeto do estudo, não se perdendo na fugacidade do presente, ganhará a consistência objetiva que requer o que chamamos de estudo racional e teórico, para tornar possível o método da descoberta e invenção.

Sem dúvida, tais estudos sempre se fizeram, e tôda a cultura humana anterior ao método experimental é produto do saber de intuição e observação do espírito humano. Mas tal saber limitava-se a saber imaginativo, conceptual, matemático, histórico e lingüístico e, de modo geral descritivo e interpretativo, ou seja, baseado apenas na observação e intuição imaginativa, sem outra comprovação senão a das analogias. Em sentido estrito, todo o saber era de idéias, ou especulativo, e, em relação às situações e fatos, simplesmente descritivo com o registro histórico ou poético da vida humana.

Nas últimas décadas, contudo, vêm-se desenvolvendo novas abordagens em tais estudos, parecendo ser possível estudar o processo histórico e cultural por certas linhas de causalidade não completarnente exploradas, ou apenas vislumbradas até agora. Com efeito, já se chegou a dizer que o homem é o único animal que não tem Iinguagem, pois que é êle próprio linguagem. Ora, essa linguagem é que lhe forma o espírito e lhe permite exprimir-se, que é a sua forma de ser e de existir. Ela já é sua cultura e, enquanto dela dispõe apenas em sua fase oral, sua cultura é cultura oral, susceptível de se fixar nos hábitos, costumes e obras do homem, mas com pequeno dinamismo para seu desenvolvimento. Tôdas as culturas arqueológicas e pré-históricas são dêsse tipo até a invenção da escrita, quando começam os períodos históricos, ou sejam do registro da experiência sob a forma mais duradoira que a da simples memória, e mais explícita que a dos simples vestígios materiais remanescentes, que nutrem e nutriram os estudos arqueológicos. Sobrevém depois a fase escrita pré-alfabética e, afinal, a do alfabeto fonético, que vem a revelar-se de espantosas virtualidades. No século XIV, com a invenção da imprensa, essa cultura alfabética dá verdadeiro salto. Servida pela tecnologia da palavra impressa, ganha o homem impulso sem precedente, constituindo-se a tipografia ou o prelo talvez a causa principal do que chamamos civilização moderna.

Saído da cultura antiga, que ruíra sob a invasão dos bárbaros, o homem medieval se atira primeiro aos novos estudos lingüísticos da língua antiga que se fizera a depositária da cultura do passado, desenvolvendo estudo específico das tecnologias da linguagem - tais como a gramática e a retórica, que se fazem, com o trivium e quadrivium, os modos de formação do homem. A êsse período, sucede o da impressão, e depois o telégrafo, o cinema, o rádio e a televisão, que vieram abrir possibilidades inesperadas para o desenvolvimento humano, facilitando-nos poder compreender e explicar porque o homem foi o que tem sido através de sua longa existência. Tudo, ou quase tudo, que nos pareceu natural e produto espontâneo de sua natureza, estamos passando a ver como produtos das tecnologias e conseqüências das formas de percepção que veio o homem a adquirir e assimilar em virtude dessas próprias tecnologias. De tal modo incorporou o homem a seu comportamento tais tecnoiogias, que sua natureza real biológica passou a constituir-se apenas a base de sua segunda natureza, entrando esta a atuar, como espontânea e natural, inerente ao seu próprio ser, em substituição à sua vida instintiva.

A identificação das tecnologias e dos seus efeitos com sua própria natureza veio a dar sentido determinístico e inconsciente ao seu desenvolvimento, daí se originando estado de superstição e cegueira em relação a êsse desenvolvimento, que o homem passou a julgar determinado e fatal, importando em adaptação e ajustamento ao estabelecido como forma pràticamente final da existência humana.

A revelação dêste fato trouxe-me, pela primeira vez, a explicação do que sucedeu com as grandes religiões, as quais, sem dúvida, representam momentos culminantes do espírito humano, na concepção do destino do homem. A vida moderna as esvaziou e banalizou até o ponto em que as vemos hoje, sem qualquer fôrça eficaz para guiar os homens para a vida de igualdade, fraternidade e beleza, perfeitamente antevista pelos seus grandes criadores originais. Não faltaram ideais ao homem para o encaminhamento feliz de sua existência, mas as tecnologias, por êle criadas, substituíram-se às idéias e o estrangularam dentro de poderosas organizações, que passaram a lhe comandar e determinar a existência, por fôrça da linguagem, sem dúvida, como antes, mas da linguagem servida por tecnologias, que a arrancaram da fase oral - global e ainda harmônica - para fases de especialização e segmentação, pelas quais se dimensionou uniformemente o homem, sob a forma de fragmento de si mesmo, para uma vida linear, racional e organizada, útil, talvez, ao desenvolvimento do conglomerado humano que dêste modo se criou, mas profundamente hostil ao seu desenvolvimento como homem, no sentido global e harmônico, ideado pelos grandes fundadores das suas filosofias e religiões.

As duas primeiras grandes experiências, em nosso Ocidente, da vida presidida pela grande aventura das idéias e por uma pobre e elementar tecnologia, na Grécia, e da vida dominada ainda por idéias, mas já servida de vigorosas tecnologias, em Roma, ambas ruíram sob o impacto da invasão dos bárbaros, ou seja a simples mobilização da espécie humana. Renasceram ambas depois, na Idade Média, guardando muito da civilização escrita das duas civilizações anteriores, mas conscientemente inspiradas por mais antiga tradição de civilização religiosa, com a herança judaica renovada por Cristo. Podia o período ter tôdas as limitações, mas importou em reviver período ainda envolvido pelo sentido transcendente, religioso e profundo do destino humano.

É com o período moderno que a substituição da vida instintiva humana pelas tecnologias se consuma completamente, e o homem começa a ser verdadeiramente o produto dessas tecnologias, as quais, partindo do prelo, avançaram para a máquina e reduziram a existência do homem a algo equivalente a uma de suas máquinas, criando-se organizações com tal fôrça de dominação de sua vida material, que em máquina teria realmente de se transformar para poder ajustar-se completamente à imensa transformação operada pela indústria.

Não continuemos, contudo, por essa linha de considerações gerais e passemos à análise dos efeitos e conseqüências do período tipográfico, de que resultou a transformação da sociedade oral, e depois escrita, na sociedade da palavra impressa, de que estamos agora a emergir para a era eletrônica dos novos meios maciços e plurais de comunicação humana. Dêste modo, chegaremos ao tema mais imediato desta conferência, que é o das novas necessidades de comunicação da presente era de transição entre a ordem linear, visual, homogênea e uniforme da cultura escrita, sucedida pela cultura impressa tipográfica, e a da nova cultura oral dos meios audiovisuais de comunicação, criados pelo telégrafo e telefone, pelo cinema, pelo rádio e pela televisão.

O que nos ensinam estudos recentes das culturas humanas foi que essas culturas são, muito mais do que pensamos, resultados das tecnologias que as servem. Essas tecnologias da comunicação associam-se às estruturas sociais, afetando-as profundamente e, dêste modo, moldam o tipo de homem ajustado ao respectivo uso da linguagem, seja o da fala apenas oral, o da linguagem escrita do alfabeto fonético, o da palavra impressa, e depois audiovisual, até o de todos êsses modos juntos na cultura presente, simultâneamente oral, escrita, impressa e audiovisual.

Cada uma dessas culturas foi servida por métodos próprios de registro conceitual e histórico da experiênca humana, com o que se tornou possível sua continuidade e estabilidade. A cultura oral, anterior ao alfabeto, reduzia-se à tecnologia da fala, sendo significativo notar-se que, segundo Seraphim leite, para os índios brasileiros o membro mais importante da tribo era o senhor da fala, como, já em estado mais avançado, era, entre os romanos da era cicerônica, o orador. A tecnologia da palavra escrita, sucedendo à cultura oral, substituiu o bardo pelo orador e produziu, assim, o exemplar mais perfeito de sua cultura escrita, mas ainda, sob muitos aspectos, oral.

Durante largo tempo, a cultura escrita conservou muito dêsse modêlo da cultura oral anterior. O orador, o mestre da palavra, seja nos diálogos de Platão, ou nos arrazoados das orações de Cícero, continuou o expoente da cultura manuscrita. A Idade Média aprofundou essa cultura, continuando, entretanto, pela dialética escolástica, como cultura da palavra dominantemente oral.

No século XIV, com a descoberta da tipografia, é que se inicia a nova era da cultura da palavra impressa, que transforma radicalmente a cultura anterior.

Ainda assim, todo o século XV é apenas, em grande parte, a continuação da cultura manuscrita. Tôda a publicação de livros até 1500, que subiu à cifra de 15 a 20 milhões de livros, compreendendo entre 30 e 35 mil títulos, ou publicações separadas, foi em cêrca de 77% de livros manuscritos em latim da era medieval. Sòmente entre 1500 e 1510 é que o livro original impresso entra a competir com o manuscrito. E só depois dessa data é que o livro em vernáculo tem seu comêço. De 1530 em diante, o leitor de língua vernácula começa a crescer até vir a superar em número ao leitor do latim. Ouanto aos livros, ainda no início do século XVIII, mais de 50% eram em latim. Assim, a época da renascença da cultura antiga era, ao mesmo tempo, a do nascimento da cultura vernácula. (Ver McLuhan, The Galaxy of Gutenberg, p. 207-208).

A transição entre a cultura manuscrita e a tipografia estende-se aproximadamente por dois séculos. Sòmente a partir do século XVII é que se pode afirmar haver-se chegado à nítida caracterização da cultura tipográfica, que atinge seu apogeu no século XIX. De 1905 em diante, podemos datar a nova era, em que Newton é ultrapassado e se inicia francamente a era eletrônica de hoje. Vivemos, em nosso século XX, período de transição semelhante ao do século XVI.

2. A Tecnologia do Microfilme e a Civilização do Livro

Parecerá tudo isso perfeitamente desligado do curso de microfilmagem em que estais aqui empenhados. Convocado, entretanto, para trazer aqui alguma contribuição, como educador, pareceu-me ter manifesto cabimento sublinhar como vejo o microfilme no quadro geral da cultura humana. Considero o microfilme como descoberta equivalente à do livro.

A nossa civilização é a civilização do livro e até a nossa religião cristã é, por excelência, a religião do livro. O prelo multiplicou êsse livro e difundiu a civilização pelo mundo. Enquanto o homem não chegou a essa pequena invenção que foi a impressão por tipos móveis - tão pequena que se pode perguntar: que afinal inventou Gutenberg? - o progresso humano foi lento e de certo modo estável. Mas, a diminuta alteração de Gutenberg - pois a impressão já existia antes dêle na impressão de gravuras e de textos por meio de modelos de madeira ou metal, reduzindo-se a descoberta, talvez, aos tipos móveis de letras que já estaria implícita no alfabeto fonético - mudou a face da Terra. A tipografia gerou o individualismo e deu definitivo impulso à existência pessoal das criaturas, criou as culturas vernáculas, que nos deram as nações, difundiu o saber fazendo dêle algo verdadeiramente universal, podendo as culturas desenvolvidas se distribuírem por todo o planêta. A aparentemente diminuta alteração do processo mecânico de produzir em série a palavra impressa e o livro deu início à universalização da máquina e com ela a Indústria, ou seja, nôvo método de produção de tôda sorte de bens de consumo, inclusive o saber, tornando-o acessível a todos e, além disto, permanentemente progressivo. Lançou o mundo num processo de mudança que não mais se interrompeu, chegando afinal a tornar viável a própria utopia com que a humanidade sempre sonhara.

A estátua de Gutenberg, que se ergue em Strasbourg, representa-o retirando do prelo uma página impressa, em que se lê: "E a luz se fêz!" A sua invenção, vale a pena repetir, mal chega a constituir invenção. A imprensa já existia e sua descoberta se reduziu aos típos móveis de composição. Mas essa modestíssima, embora engenhosa, invenção equipara-se à criação do mundo. Fiat lux fôra a ordem, no Gênese, mas quem a executou foi Gutenberg, universalizando o saber. Não sei de maior exemplo da importância de um pequeno aperfeiçoamento tecnológico, nem de melhor ilustração para indicar a significação dêste vosso curso. A microfilmagem não é invenção capital, mas, como a tipografia, um aperfeiçoamento. A tipograria criou o indivíduo e o individualismo, o cidadão e as nações, a democracia e a indústria, multiplicou a cultura pela variedade das culturas nacionais, e deu à ciência, à arte e às línguas vernáculas condições de desenvolvimento inesperadas e ilimitadas. A microfilmagem completa a sua obra. As culturas nacionais sofriam a limitação do acesso à cultura, que não é o esforço isolado de cada língua vernácula, mas o longo esfôrço do homem através das línguas cultas do passado e de cada uma das línguas vernáculas de hoje. Por isto mesmo, as nações que lograram chegar ao pleno desenvolvimento da cultura foram as que tiveram completo acesso às culturas do passado. A sobrevivência da cultura antiga na biblioteca de Alexandria permitiu a continuidade da cultura na Idade Média. Gutenberg permitiu a continuidade da Idade Média na Renascença e no mundo moderno, mas limitou-a à Europa, onde se localizaram as bibliotecas. Na América, o desenvolvimento sòmente se fêz completo ao Norte, com a expansão da cultura inglêsa, servida de todo o material da cultura do passado e das possibilidades da cultura moderna. No Centro e no Sul ficamos com os vestígios dessa cultura que se estenderam até a Espanha e ao pequenino Portugal, que continuam nações em rigor pré-tipográficas, pois não chegaram sequer ao pleno desenvolvimento científico e industrial decorrente da cultura tipográfica. Os Estados Unidos e parcialmente o Canadá representam os casos mais completos do desenvolvimento tipográfico, pois, sobretudo os Estados Unidos, puderam realizá-lo sem o choque com a cultura medieval e feudal, de que não chegaram a ter qualquer real e completa experiência social. Registre-se, contudo, que tiveram acesso aos seus produtos intelectuais e imaginativos, sem os quais a cultura tipográfica não poderia continuar a construção da cultura humana em suas novas formas.

Vemos, assim, que o mundo moderno chegou ao seu alto desenvolvimento nas áreas em que a continuidade da cultura humana, a partir da Antiguidade e da Idade Média, pôde ser assegurada pelo livro manuscrito das línguas cultas - o grego, o latim e o hebraico - e pelas bibliotecas, dando lugar ao florescimento da imensa cultura moderna tipográfica e industrial, que atinge seu apogeu no comêço do nosso século, para ser sucedida pela cultura eletrônica do nosso tempo. A tipografia foi o grande instrumento dessa transformação, sendo o seu produto específico o livro, a primeira e grande máquina de ensinar, ou seja, de acesso à cultura, a que sòmente chegaram os povos de certas áreas da Terra. O acesso a êsse reservatório de cultura é condição essencial para a continuidade da cultura e para a sua renovação e progresso. O livro universalizou potencialmente a cultura existente, mas tal poder sòmente se iria concretizar onde fôsse possível conservá-la sob forma acessível para o labor intelectual, imaginativo e criador do homem. A microfilmagem, como a vejo, é invenção similar à dos tipos móveis, completando a obra de universalização da cultura, permitindo que os povos desprovidos dos recursos do passado possam ter acesso à cultura humana em tôda a sua longa e imensa extensão. As culturas vernáculas e nacionais isolaram e empobreceram os homens, salvo aquêles que puderam pelo livro conservar a sua riqueza e desenvolvê-la até a opulência de alguns em nossos dias. A microfilmagem, em rigor a miniaturização, vai universalizar essa riqueza fonte, sem a qual as culturas nacionais não podem competir em têrmos de igualdade com as culturas desenvolvidas. A tipografia foi ainda um fiat lux - pois a luz sòmente se fêz completa em certas áreas. O microfilme é que é "E a luz se fêz" do monumento de Gutenberg. É pelo microfilme que todos vamos ter pleno acesso à cultura em tôda sua extensão no tempo e no espaço, e sentirmo-nos assim capacitados a participar do esfôrço intelectual e criador do homem em todo o planêta, para a construção da nova cultura eletrônica do nosso tempo em nossa imensa aldeia mundial, em que vamos passar a viver, servidos por meios de comunicação simultânea e universal que excedem em suas possíveis conseqüências o nosso poder imaginativo.

3. ldéía e Conceito de Cultura: Fatôres e Causas do "Processo Cultural"

Para melhor comprendermos o sentido dos desenvolvimentos novos, que estamos a considerar no estudo da cultura, faz-se necessário voltarmos, ainda que ràpidamente, a atenção para a idéia de cultura, tal como veio a caracterizar-se a partir do século XIX. Nossa idéia de cultura identificava-se inicialmente ao treino para cultivo pessoal em certo campo de educação e estudo, partindo disto para ganhar a significação de coisa em si mesma, primeiro como estado geral da mente humana em relação ao aperfeiçoamento do homem, depois como estado geral do desenvolvimento intelectual da sociedade; e a seguir, como o "corpo geral das artes" de um povo e, por fim, como seu "modo de vida, material, intelectual e espiritual", fazendo-se, assim, uma das idéias de maior complexidade de nosso tempo e intrìnsecamente ligada a todos os meios e recursos de registro, documentação e comunicação humana. (Daí a importância de uma tecnologia como a do microfilme).

A idéia da cultura passou assim a incorporar todo o processo do continuado esfôrço do homem, apenas em parte consciente, de crescimento e adaptação às condições sempre renovadas da vida, envolvendo as ações e reações em pensamento e sentimento às mudanças ocorrentes. Tal crescimento constitui, no sentido mais geral, a cultura humana, concebida como o processo do aperfeiçoamento do homem, dentro de certos valôres universais, desenvolvidos ao longo do tempo, caracterizando o que costumamos chamar a condição humana. A história dêsse esfôrço, em cada caso particular, local ou, hoje, inacional, constitui a cultura, concebida como documentação, análise e interpretação do esfôrço intelectual e imaginativo do homem. Como cada cultura envolve uma forma de vida, temos a cultura em sua definição social, como tipo e modo de vida e de sociedade.

Assim como o curso do desenvolvimento humano, na sua acepção geral, constituiu a história, as culturas também foram estudadas, analisadas e interpretadas como fenômeno histórico. Parece haver agora desenvolvimento nôvo que visaria a penetrar nas causalidades do "processo cultural", descobrindo as estruturas de organização que o explicam. Recentemente, McLuhan voltou as suas vistas para os aspectos tecnológicos do desenvolvimento humano, enxergando na introdução e assimilação das tecnologias causas preponderantes das formas e modos que tomam a percepção e a visão da vida entre os homens no curso do seu desenvolvimento. Tais presentes estudos vêm dando nova dimensão à compreensão e análise das culturas humanas.

Além do nôvo pensamento estruturalista de interpretação da vida e experiência humana desenvolvido pela ciência social, registra-se, acredito que o acompanhando e complementando, essa nova contribuição de Marshall McLuhan com seus estudos dos efeitos das tecnologias, consideradas como sistemas de extensão dos sentidos e faculdades do homem, dêles resultando novas formas de experiência humana e, conseqüentemente, de organização de sua vida material e social.

McLuhan acentua que o homem sempre sofreu êsses efeitos, mas não se deteve em estudá-los nos seus fatôres causais, construindo suas culturas como formas de adaptação e de possível reação, sem ganhar, entretanto, consciência, pela análise e conhecimento, das causas reais das modificações operadas, as quais resultariam, na realidade, das próprias tecnologias introduzidas, aceitas e assimiladas automàticamente pelo homem em sua vida ordinária e comum.

O pensamento de McLuhan procura esclarecer como tôda e qualquer nova tecnologia que estenda os sentidos e faculdades humanas cria nôvo clima ou ambiente cultural, que passa a comandar a percepção, a ação e o sentimento do homem, lançando-o em processo de mudança de natureza automática, que o envolve e o cega quanto às causas efetivas da alteração operada, ou em operação, e lhe impede a consciência dessa modificação e, dêste modo, o faz impotente para o seu contrôle.

Esta, parece-me, inovação significativa de nosso tempo. O homem constrói as suas culturas, mas o faz em verdadeiro estado de sonambulismo, fazendo-se o joguete das tecnologias que êle próprio inventou e criou, cujos efeitos e conseqüências sofre, mas não dirige nem comanda, embora muitas vêzes, na perturbação e transe em que o mergulha o "choque cultural" do processo de mudança, manifeste o conhecido mal-estar da civilização e certo estado de reação, inconformidade e contestação. A cultura, resultante dêsse processo de aceitação em grande parte inconsciente e de crítica e inconformação parcial, e, por vêzes, total, representa o conjunto de significados, conceitos e modos de comportamento e de ser que o homem vem penosamente elaborando, em realidade sofrendo, para dar forma e expressão à experiência e organização equilibrada de sua vida.

Não é necessário acentuar aqui que estamos a viver, neste momento, período excepcional de transição nessa dramática história do homem, não nos bastando para vencê-lo o recurso às analogias de períodos similares anteriores, mas, exigindo, verdadeiramente, novos métodos de análise e estudo, a fim de podermos alcançar aquêles mínimos de aceitação e relativo equilíbrio e contrôle de cultura que a humanidade conseguiu em outras épocas.

Parecem-me, por isto mesmo, muito significativas as novas abordagens que o espírito humano vem desenvolvendo para ver se consegue apreender o processo de cultura e, de certo modo, controlá-lo. A contribuição que trazem ao problema os estudos de McLuhan sôbre a assimilação das tecnologias que estendem e ampliam os sentidos e faculdades humanas, entre as quais avultam as dos meios de comunicação e, portanto, a de microfilmagem, requer, portanto, tôda nossa atenção.

4. Confusão entre "Fator" e "Fato" Cultural. Efeitos Culturais das Tecnologias da Palavra Oral, Manuscrita e Impressa

Sempre foi de nosso hábito referirmo-nos às culturas como orais nos períodos tribais anteriores ao alfabeto fonético, como escritas, nos períodos do alfabeto fonético e da escrita, como literária, isto é, de letras, no período do prelo e da tipografia, como elétrica, no período de hoje dos meios eletrônicos de comunicação. Mas, embora assim as designássemos, não nos detínhamos, como já aludimos, em ver quanto as respectivas formas de organização e de experiência da vida dependiam intrìnsecamente do caráter e natureza das tecnologias dêsses meios de comunicação. Assimilávamos as novas tecnologias sem indagar dos efeitos que elas próprias iriam ter na forma e organização da experiência humana. Sofríamos tais efeitos, mas, não os tendo estudado e aprendido em suas causalidades, não poderíamos ver como pudessem ser alterados e modificados. Daí resultou que tais meios operassem condicionamentos cegamente determinantes das conseqüentes mudanças culturais, as quais, portanto, ficavam independentes do contrôle humano. Estamos hoje procedendo a radical revisão de tal situação, procurando estudar as tecnologias dos meios de comunicação em si mesmas, a fim de lhes descobrirmos os efeitos e, dêste modo, ganharmos a possibilidade de intervir e controlar o processo da cultura.

Para melhor avaliar a contribuição específica de McLuhan em relação ao poder das tecnologias criadas pelo homem de transformar as estruturas que governam a forma e expressão de suas culturas, cumpre-nos examinar, retrospectivamente, mesmo com o perigo de certa repetição, como atuaram as tecnologias anteriores introduzidas na cultura humana.

E comecemos pela cultura oral, que está ainda presente em grandes extensões do mundo e também de nosso país. Fomos colonizados por homens da cultura alfabética e escrita, em sua transição para a cultura impressa. Mas nem por isto nos fizemos completamente uma cultura letrada. Continuamos orais e daí nossas diferenças culturais com a Europa ocidental. Também assim continuara a maior parcela da Europa oriental. O que viemos chamar de civilizacão ocidental é sobretudo a região do mundo em que o alfabeto fonético veio a predominar de forma acentuada e universal. Êsse alfabeto fonético criou a escrita e com ela o livro e a civilização do livro manuscrito. Lembremo-nos que, sejam os judeus, sejam os gregos, ou os romanos, cujas tradições deram origem à civilização européia e ocidental, foram êles povos de cultura da palavra manuscrita em contraste com a palavra oral. E sôbre a palavra manuscrita edificaram suas formas de civilização, que lhe refletem os característicos. Entre os judeus, sua própria religião se fêz a religião do livro, a Bíblia. Entre os gregos, criou-se a cultura do número e das idéias, presidindo-a a geometria e a filosofia - Euclides e Platão. Entre os romanos, a primeira cultura dotada substancialmente do poder de certas tecnologias materiais, podemos vê-Ia iluminada pelos oradores e escritores. Dessas três civilizações procede a civilização da Idade Média, sob a inspiração das culturas manuscritas hebraica, helênica e romana.

A experiência humana e a organização da vida estão essencialmente ligadas a formas e modos criados pela cultura manuscrita do alfabeto fonético. O homo faber das civilizações orais faz-se progressivamente, o homo sapiens do pensamento escrito. A tecnologia da escrita iria dar ao pensamento humano e à organização da vida altura sem precedentes, mas devido à limitação dessa tecnologia, necessàriamente praticada por poucos, dar-lhe também o caráter aristocrático e escravista, com a sociedade dividida em ordens separadas de acôrdo com seus papéis e funções. A democracia chega a surgir, mas sòmente existe para os homens livres, que eram os aristocratas, pois sòmente êstes, nesse tipo de cultura, podiam ser iguais e praticá-la. Os demais eram escravos e respondiam pela massa do trabalho material da sociedade.

Êsse caráter aristocrático da cultura manuscrita estende-se por tôda a civilização antiga e prolonga-se pela Idade Média, com a riqueza, o colorido e a variedade de sua vida feudal e os progressos intelectuais e tecnológicos de todo o longo período, que vem a entrar, no século XIV, em fase de transformação revolucionária. Êsse século XIV aperfeiçoa a imprensa pela descoberta dos tipos móveis e com isto universaliza o saber. Liberta das limitações da cultura manuscrita, a cultura mecânica da tipografia iria ser o fiat lux para tôda a civilização moderna. Jamais uma tecnologia, e das mais modestas que criara o homem, chegou, como já referimos, a constituir fôrça tão revolucionária. A pequena invenção de Gutenberg iria universalizar a escrita e, dêste modo, transformar o pensamento humano e a organização humana nos prodígios que marcaram a chamada civilização moderna, a qual entra, por sua vez, no final do século XIX, em sua nova grande transformação, semelhante à mudança ocorrida com a civilização da Idade Média, no século XIV. Nesse séculb, com efeito, registram-se os primórdios da era da divisão do trabalho e da produção mecânica, uniforme, homogênea, linear e aberta, do mesmo modo que, no princípio do século XX, com a nova física e o desenvolvimento da era eletrônica, iria ter comêço a transformação em que estamos envolvidos, equiparando-se, dêste modo, o sentido de transição de nossa época com os dos primeiros séculos posteriores ao século XIV.

5. A Transição para a Tecnologia Tipográfica. A Contribuição de McLuhan

Não estamos aqui para analisar tais transformações de nossa civilização, mas para acentuar, ainda que ligeiramente, o papel das tecnologias na civilização humana e, sobretudo, das tecnologias que alteram nossas formas de comunicação, como formas de percepção e visão do mundo. Depois da civilização manuscrita, ainda dominantemente oral - pois a civilização escrita ainda é oral, e a palavra escrita, limitada e difícil, palavra para ser recitada e ouvida - entramos na cultura impressa que vai tudo mudar, ao longo de quatro séculos, não nos sendo possível senão um lance d'olhos sôbre a imensa mudança operada.

Constitui, com efeito, tarefa pràticamente impossível procurar resumir o que foi a grande transformação que agora está a entrar em nova fase, talvez mais radical que a anterior. E isto porque a nossa própria forma de perceber e compreender se alterou profundamente, não nos sendo mais tão fácil elaborar aquêles resumos lúcidos e claros da era tipográfica - lineares, uniformes e homogêneos, servidos por uma lógica e racionalidade cartesiana e abstrata, mas perfeita.

Todo êsse espírito sistemático e coerente, com seus modelos estereotipados e soberanamente lineares, homogêneos e mecânicos, começou a ser transformado, a partir do fim do século passado, refletindo-se a mudança no esfôrço intelectual e imaginativo do homem. Foi, entretanto, tal espírito que construiu o mundo da máquina e, pràticamente, tôda a nossa sociedade de produção e riqueza, sob o govêrno do mercado e do dinheiro, em que continuamos pràticamente a viver, embora sob as tensões do momento presente.

Constitui, com efeito, fenômeno característico do processo cultural que o mesmo, uma vez incorporada determinada tecnologia, seja a da palavra na cultura oral, ou a do alfabeto fonético na cultura manuscrita, ou a da palavra impressa na cultura tipográfica, não pode passar à nova fase seguinte sem longo período de transição, em que a forma velha e os vislumbres da nova se misturam e se confundem, lançando-nos em estado de choque cultural, estendendo-se o período de transição e readaptação pelo tempo em que ainda sobreviverem as formas anteriores de cultura.

Daí haver sido necessário para a efetividade da mudança operada pela cultura tipográfica, a compulsoriedade da educação escolar para o treino e a instrução na forma nova a ser adquirida e assimilada. No período tipográfico misturaram-se, por todos os séculos XV, XVI e XVII, as formas novas, em processo de criação, com as formas orais e manuscritas, e sòmente do século XVIII em diante acentua-se a preponderância do tipográfico, com a consolidação e apogeu do mundo mecânico de "Newton e seu longo sono", que se prolonga até os começos do nosso século. Têm início então os novos conceitos de relatividade, de indeterminismo da física e dos novos "campos de conhecimento" que revolucionaram a ciência física e começam agora a revolucionar os estudos sociais. Mas, na realidade, as formas anteriores de organização do que chamamos o espírito humano continuam vivas e atuantes, daí se podendo dizer, como já se disse, que o presente é o futuro do futuro, pois as formas de percepção em elaboração no presente irão ficar dominantes na terceira fase do processo de assimilação e incorporação das formas latentes existentes no presente.

Não poderei, pois, reproduzir-lhes aqui com qualquer coerência os campos ou mosaicos das configurações da percepção humana elaborados e formados na era tipográfica. McLuhan os esboça no seu livro A Galáxia de Gutenberg ao longo de quase 300 páginas, em que reúne 262 mosaicos, que fogem inteiramente ao espírito proposicional das exposições da era tipográfica. Citando mais de 200 obras, a fim de nos oferecer a configuração da Galáxia de Gutenberg, terminando o volume com uma breve reconfiguração, em face de nossa era eletrônica atual, dessa galáxia em gradual mas cada vez mais rápida dissolução.

Terei que me limitar a comentários que permitam visualizar alguns aspectos das formas de percepção, ação e reação do mundo gutenberguiano e do seu modo de operar ao longo dos quatro séculos de evolução de sua progressiva preponderância. Não falta abundante literatura que registra a profunda modificação ocorrida nesse período nas atitudes, crenças, valôres e visão do mundo, mas não se sabe exatamente o que teria levado a tais mudanças. McLuhan tenta demonstrar que a revolução tecnológica foi ela própria uma das suas causas fundamentais, podendo, entretanto, acrescenta cautelosamente, haver outras.

O seu livro não é nenhum livro especulativo de possíveis interpretações do comportamento humano, mas longa série de análises de observações históricas comprovadas, visando a demonstrar terem os fatos ocorrido em virtude de distúrbios e alterações produzidas pelas tecnologias em nossa mente e nosso modo de percepção. Lembra êle a obra clássica de Claude Bernard sôbre a Medicina Experimental, em que o Autor elucida de forma definitiva a diferença entre experimento e observação. Pela observação registra-se simplesmente o que acontece. Pelo experimento, intervém-se, perturba-se o processo e verifica-se o que então acontece, deduzindo-se daí porque tal acontece, e com êsse porque controla-se o processo. O mesmo tenta McLuhan: observa o que acontece na cultura oral. Depois, verifica o que acontece nessa cultura oral, se ela sofre a intervenção da cultura manuscrita e o que acontece na cultura manuscrita com o distúrbio ou perturbação causada pela intervenção da cultura impressa e, dêste modo, pela análise retrospectiva, introduz no estudo das culturas o equivalente ao método experimental. A sua invenção pode julgar-se pequena, como a dos tipos móveis de Gutenberg, mas sua aplicação tem fertilidade surpreendente nos esclarecimentos que nos trazem e nas deduções que nos permitem.

Tomando a cultura oral, observa que tôda sua ênfase está no sentido da audição, que é diferente do visual, envolvendo aquêle a interação dos sentidos, inclusive o táctil, oferecendo, assim, campo sensorial mais amplo, mais prático e mais completo. Já na cultura manuscrita registra-se certa limitação do campo sensorial, mas, como se conserva auditiva, guarda muitos aspectos da cultura oral.

Sobrevindo a cultura impressa, todo o equilíbrio e relacionamento dos sentidos se perde, e o sentido visual ganha completa ascendência e nôvo poder de separação e isolamento. Isto envolve modificação total do aparelho perceptivo humano e leva a alterações radicais no pensamento e no sentimento. As conseqüências são as mais radicais: para começar, separa o cérebro do coração, tornando o ato de pensar um artifício abstrato e racional, pensamento puro, sem dúvida de imensa eficácia no estudo objetivo da natureza física, criando a ciência como cultura não humanística e tornando o cérebro uma máquina de pensar tão fria como um computador. Pode-se considerar muito da violência e crueldade do mundo contemporâneo como resultante dessa radical separação.

Mas a supremacia do visual não fica nisto. Reduzindo a cultura à vista, cria o indivíduo como algo oposto ao corporativo e coletivo do período tribal-oral, a vida interior como oposta à vida exterior, o ego como uma totalidade a realizar-se em contraste com a vida existencial e com - outros e, como tal, essencialmente esquizóide, senão esquizofrênico. Desenvolvendo, depois, pela tipografia, as línguas vernáculas, cria as nações em competição e luta, como o indivíduo e o ego, contra os outros, ou as outras.

6. A Assimilação da Cultura Tipográfica

Vai além a cultura tipográfica. Criando a cultura impressa e sub-metendo-se à uniformidade e forma repetitiva, homogênea, coerente, mecânica e lógica da razão abstrata desse mundo tipográfico, transforma tôda educação em instrução, uniforme, abstrata, sistemática e separada da vida, para a formação intelectual do cidadão uniforme, homogêneo, mecânico e sistemático das novas nações. A educação passa a ser o processo de perder o indivíduo tôdas as particularidades das culturas locais da era oral e se uniformizar segundo o modêlo abstrato e racionalizado da cultura racional e nacional. O cidadão seria o soldado uniforme e enfileirado da nação. O alfabeto fonético criara os exércitos, segundo o mito de Cadmo, o alfabeto impresso criara a nação armada, fragmentando o homem em indivíduos pulverizados e isolados nas solitárias multidões modernas, mecânicamente uniformes como os tipos móveis da imprensa gutenberguiana.

Há ainda algo mais importante. O cérebro humano funciona em uníssono de acôrdo com certos modelos adquiridos e incorporados que lhe comunicam o necessário estado de equilíbrio ou unidade. Os estímulos externos ou internos quebram êsse equilíbrio e põem parte do cérebro, ou todo êle, em atividade para readquiri-lo. O seu trabalho consiste em selecionar os novos aspectos trazidos pelos estímulos ocorrentes para reparar os modelos atingidos e fazer voltar as células cerebrais ao ritmo estabelecido regular e sincrônico. Nesse esfôrco, o cérebro seleciona e experimenta diferentes seqüências entre os estímulos e os modelos existentes até reconquistar unidade satisfatória e completa para seu funcionamento. A quebra do equilíbrio sensorial entre os sentidos, com a ênfase no visual, uniforme e seqüente, importou em estimulação vigorosa do cérebro, que entrou em atividade para readquirir o senso do inteiriço, do ciclo completo ou fechado, necessário ao seu equilíbrio. A cultura tipográfica intensificou sobremodo êsse processo da rutura e reequilíbrio, com a supressão de certos sentidos e a extensão de outros, emprestando ao cérebro uma atividade frenética que marca a fertilidade intelectual da era moderna e as conseqüências surpreendentes dêsse período de inovação e criação. Mas tudo isto se operou em estado de inconsciência, obrigando o homem a uma adaptação forçada e arbitrária a si mesmo e ao mundo, o que já fêz, como dissemos, que se pudesse chamar a nossa civilização ocidental de civilização acidental.

Não podemos, infelizmente, prolongar esses rápidos comentários. Resta, porém, para concluir, anotar ponto essencial, senão crucial, implícito na consideração que acabamos de fazer. Como a tecnologia da palavra impressa, bem como tôdas as tecnologias introduzidas e assimiladas pela espécie, não foram analisadas como agora se está procurando fazer, mas aceitas cegamente como ocorrências naturais da evolução humana, a nossa adaptação ao nôvo mundo por elas criado não foi lúcida, nem dirigida, mas arbitrária, confusa e contraditória, produzindo conseqüências de que temos de nos curar a posteriori e pelo mesmo método acidental ou fatal e, na maior parte das vêzes, conflituoso, incerto e trabalhoso, senão catastrófico. A comprovação disto está na situação atual de todo o mundo moderno, sobretudo o altamente desenvolvido.

Depois da era tipográfica, que se encerra no comêço do nosso século, entramos na era eletrônica dominantemente oral, simultânea e global, em contraste com a proposicional, uniforme, seqüente e homogênea da palavra impressa. Continuamos, contudo, a viver em ambas as culturas, mantidas as tecnologias de uma e outra, mas já agora exigindo umas e outras readaptações fundamentais a fim de se ajustarem mùtuamente e dêste modo se construir a nova cultura múltipla, variada, oral, escrita, impressa e eletrônica, que vai suceder à cultura unidimensional, linear, uniforme, visual e mecânica elaborada nos últimos e longos quatro séculos da era moderna. Não será necessário sublinhar a terrível transição em que nos achamos e aqui deixo êstes comentários apenas para provocar-vos a reflexão, voltando à consideração da microfilmagem como tecnologia, objeto, neste curso, de vossos estudos.

7. O Microfilme e sua Significação como Tecnologia Cultural

Perdoai a minha ignorância, se vou considerá-la dentro do aspecto da cultura tipográfica, como extensão e ampliacão dos recursos do livro e da documentação como instrumentos de cultura. Uma coisa é o encerramento da fase de exclusividade e predominância da cultura tipográfica, outra é a sua sobrevivência cada vez mais necessária, a despeito das transformações que vai sofrer. A Galáxia de Gutenberg não vai desaparecer mas integrar-se em nova reconfiguração. No período de sua ascensão e desenvolvimento, conquistou o homem poder sem precedente, é verdade que mais para dividir e destruir do que para unir e construir. Mas nem por isto é menor a sua potencialidade, embora a concretização dessa potencialidade se tenha tornado extremamente difícil.

A cultura tipográfica, como cultura mecânica, dominantemente destinada à produção de bens, para vencer as carências humanas elementares de sobrevivência da espécie, triunfou espetacularmente, suprimindo a fatalidade da pobreza, criando condições sem paralelo de saúde, parecendo que estamos às vésperas da supressão da doença infecciosa, e criando condições de trabalho que irão transferir às máquinas tôda labuta material e confiar ao homem funções dominantemente mentais, com a automação já em estado inicial. São tais realizações algo sem precedente histórico e que lançam a espécie em estado por assim dizer utópico, podendo voltar a prevalecer pensamento semelhante ao que sacudiu o povo helênico, em que a busca da sabedoria e não a do "saber como poder" se fizera a busca dominante, retomando o homem, dêste modo, ao debate sôbre seu destino - como sucedeu no período das grandes religiões - e a apenas ao seu desenvolvimento material.

Em face do nôvo homem, liberto das necessidades materiais e físicas e elevado às condições de trabalho dominantemente mental, podemos bem de algum modo figurar o nôvo sentido humano que terá sua cultura no futuro.

Não irei me alongar nisto, porque o que julgo necessário acentuar são as novas exigências de educação do homem e as possibilidades que abre para êsse imenso desafio a microfilmagem, que é a tecnologia de vosso estudo e devoção.

Antes da escrita pelo alfabeto fonético, a cultura, concebida como registro do esforço mental e imaginativo do homem, era privilégio dos templos e dos sacerdotes, que comandavam a vida tribal e mágica do homem. O alfabeto fonético criou o tipo de escrita simples e uniforme - em contraste com a escrita hieroglítica e figurada - tornando possível o registro e difusão de todo o saber existente, quebrando-se assim o monopólio dos templos e se criando o nôvo govêrno secular das cidades-estado e depois dos impérios da Antiguidade. A escrita em forma impressa criou as nações e multiplicou as culturas pelas línguas vernáculas dessas nações. Os documentários dessas culturas ficaram, entretanto, fechados dentro dos limites do idioma nacional, só se tornando acessíveis umas às outras pela tradução ou pela aprendizagem das respectivas línguas originais. As traduções em proporção considerável só puderam ser feitas pelas culturas mais desenvolvidas, acentuando outra espécie de monopólio similar ao dos templos antigos: sòmente certas línguas armazenaram quantidades substanciais da cultura humana, encerrando-as em suas bibliotecas fabulosas, mas, òbviamente, de difícil acesso.

O microfilme universaliza o acesso do homem de qualquer nação ao saber total da espécie, tanto ao saber antigo quanto ao moderno, e quanto ao de hoje. Trata-se, pois, de aperfeiçoamento que ombreia com os mais significativos da espécie. Se aos microfilmes, como é natural, associarmos os meios elétricos de reprodução e comunicação, as oportunidades da cultura não conhecem hoje barreiras, podendo o esforço de pensamento e imaginação do cidadão de qualquer país fazer-se em comunhão com todo o esfôrço e imaginação da espécie. O microfilme, portanto, cria a igualdade dos recursos culturais entre os homens.

Sabemos que sempre houve entre as nações diferenças mercantes no acesso às fontes da cultura histórica em qualquer de suas fases, antiga, medieval ou moderna. Hoje, dada a aceleração e intensificação do saber e da pesquisa, sabemos que a mesma situação ele privilégio continua a existir, no presente, de forma ainda mais marcante, porque o saber e a pesquisa envolvem recursos abundantes, refugiando-se certas fases do saber altamente desenvolvido entre as nações ricas e poderosas, que têm no saber a própria expressão de sua fôrça. O microfilme faz-se, por isso mesmo, a mais importante tecnologia para quebrar e romper tais privilégios.

Há porém, mais do que isto. Como o microfilme nos chega já no período eletrônico, êle se beneficia dos progressos técnicos e eletrônicos, podendo ser utilizado com intensidade e amplitude desconhecida em outras épocas. Tais recursos técnicos vêm revolucionando os processos de aprendizagem, dando-lhes as novas dimensões que nos trazem os novos meios de comunicação, que são também meios de aprendizagem. Isso pode significar que o microfilme venha a substituir de certo modo o próprio livro e fazer-se o instrumento fundamental da nova cultura humana oral, global, instantânea e universal. Estamos, pois, diante de uma tecnologia de potencialidades imprevistas.

Bem sei que o livro continua a riqueza fundamental e que hoje se publica e se lê mais do que em qualquer outro tempo. O livro pela escrita fonética, na imagem de um príncipe africano, que ascendera à cultura letrada, era a armadilha que apanhara o saber, saber que poderíamos soltar ou libertar pela leitura, e daí a ansiedade ainda hoje pela sua conquista, embora o seu uso e seu hábito se tenham estendido por mais de dois mil anos da cultura humana. O homem da cultura oral e analfabeta via assim luminosamente como o alfabeto o faria civilizado e o habilitaria a soltar o pensamento e com êle desprender-se da tribo. Foi isto que se deu ao longo dos séculos, em meio a dificuldade de tôda espécie, a despeito da simplicidade e facilidade da aquisição da leitura. É que ler é fácil, mas ter o que ler é difícil, e sòmente quando o hábito de ler se faz universal é que a necessidade da biblioteca se faz necessidade básica e fundamental. Essa biblioteca, contudo, é também algo de extraordinàriamente difícil, sòmente, ainda hoje, existindo completa ou quase completa em certos lugares do mundo. O microfilme é que a vai tornar universal, pondo as suas mais raras preciosidades ao alcance de qualquer nação. O alfabeto é a chave da civilização e o ler a chave do saber pelo qual ela se concretiza. Aprender tècnicamente a ler é fácil e simples. Mas o de que dispõe cada povo para ler é proporcional a seu acesso ao saber humano e êste saber humano, que é a chave para o seu progresso, é de acesso extremamente difícil e, mesmo nos dias de hoje, pràticamente impossível sendo o microfilme a primeira grande promessa de sua possível universalização.

Sabemos que entre promessa e realidade há imensas distâncias, mas nas tecnologias de nosso tempo há o aspecto de mercado, pelo qual a generalização de qualquer bem depende de seu sucesso comercial, podendo obtê-lo o microfilme para afinal nos dar as bibliotecas para o mundo atual. Bem sei que o microfilme do saber presente antecipará, talvez, o do saber histórico, mas continuo a pensar que sua primeira contribiuicão devia voltar-se para o saber histórico do passado, pois êste é que iria dar às nacões subdesenvolvidas a posse do tempo e livrar-nos da improvisação, superficialidade e falta de densidade das culturas subdesenvolvidas. Dia virá em que, além do mercado, que é a dinâmica da procura e oferta, nas nações subdesenvolvidas compreenderão que a cultura é riqueza fonte, riqueza matriz, que deve ser paga e promovida, como é a defesa nacional, por princípios diferentes dos do mercado e comércio. A biblioteca será então bem comum, como a água e a luz, e o microfilme, o recurso nôvo que a fará tão rica e abundante quanto a dos países desenvolvidos.

Agora mesmo anuncia-se para os meados já iniciados de 1970 a entrada no mercado de algo como televisão por assinatura, paga como pagamos o telefone, e cujo programa adquirimos como adquirimos o disco para a vitrola ou gramofone. É o cartridge vídeo, ou cassete, que vai nos transformar o aparelho de televisão em um projetor e uma tela para programas de nossa escolha, a ser ligada em qualquer momento, unida à nossa casa por um fio como o telefone. Não só projetará o programa, como o poderá parar, ou repetir a passagem que queiramos melhor observar, ou estudar. Espera-se que seja um nôvo choque cultural como o do rádio e como o da televisão, para informação, diversão, ou publicidade. Essa terceira onda ou vaga cultural está chegando e é fácil imaginar suas conseqüências: vai mudar o statu quo na televisão, no cinema, no teatro, na música, no jornalismo, na edição de livros, na indústria da comunicacão e da diversão, e em nossos hábitos, nossas atitudes, nossos gostos e nossas desejos de educação e cultura.

Com o cassete, o microfilme, em sua nova forma, será o instrumento mais universal de educação, a chave de acesso à cultura nos seus segredos e preciosidades mais raros. O livro manuscrito não chegou senão ao comércio de segunda mão, que é o comércio dos colecionadores. O livro impresso fêz-se completo comércio para o livro atual e imediato, mas menos isto para o livro fonte e para os originais da cultura passada. O microfilme fará tôda a cultura no tempo e no espaço um bem presente e possìvelmente universal. O curso, portanto, que estais a fazer é curso de fundamentos, é curso raiz, para o Brasil desenvolvido de amanhã.

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