TEIXEIRA, Anísio. Entrevista ao Correio da Manhã. Educação e Ciências Sociais. Rio de Janeiro, v.3, n.8, 1958. p.133-137.

ENTREVISTA DO PROF. ANÍSIO TEIXEIRA AO "CORREIO DA MANHÃ" DE 26/3/1958

– "A elevada proporção de reprovações nas escolas superiores não é fenômeno a ser examinado isoladamente", disse ontem à reportagem do Correio da Manhã o prof. Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, respondendo à "enquete" a que êste jornal vem procedendo em tôrno do problema nacional da maior relevância: educação e cultura. "Sem perder de vista que o vestibular às escolas superiores pretende ser um "concurso" e não um "exame" e, dêste modo, a escolher os melhores e não apurar a simples habilitação dos candidatos – não tendo à essa luz caráter alarmante as reprovações – a realidade é que a forma e o tipo dos exames vestibulares refletem processos pedagógicos obsoletos e uma filosofia inadequada da escola e do ensino. Confesso ter dificuldade para compreender como se pode ter esquecido, entre nós, quase cinqüenta anos de discussão e análise dos processos de verificação e avaliação do ensino e se continue com um sistema de exame mil vêzes condenado, fundado em esforços extenuantes de memória por parte do aluno e na aprovação, afinal de contas, por sorte, tão aleatório é o processo de verificação".

CONCEITO FALHO

– "Tudo, porém", – continua o prof. Anísio Teixeira, –"está prêso a um conceito de saber fundamentalmente falso, isto é, de saber já feito e que deve ser decorado. O saber hoje é êle próprio um processo de aprender. O que se deve verificar no aluno não é tanto o que êle sabe, como o modo pelo qual sabe e quanto está habilitado a saber o que ainda não sabe, quer dizer, se aprendeu a aprender o grau de autonomia que vai adquirindo nessa sua capacidade de aprender".

SÁBIO É SEMPRE ESTUDANTE

– "O sábio de hoje – diz o diretor do INEP – é um permanente estudante. O que sabe, realmente, é estudar e fazê-lo tanto mais eficientemente quanto mais armado estiver para o ofício de estudar e aprender. Tôda a ênfase do exame se desloca, então, da memória para a inteligência e a arte de estudar. Os exames se fazem com livros e com os recursos para procurar os conhecimentos, apurando-se a capacidade de resolver os problemas com a própria memória, sem dúvida, mas também com os meios normais de que dispõe qualquer profissional ou qualquer sábio".

PROVOCAÇÕES E AVENTURAS

– "Com o nosso atual processo de exames, tôda a ênfase está na memória. Os exames constituem-se em provocações para os capazes e aventura para os despreparados, podendo, no seu jôgo de risco e sorte, aprovar os últimos e reprovar os primeiros".

COMPLETAMENTE FALHO

Referindo-se à estrutura atual do curso secundário, o prof. Anísio Teixeira frisou: "– A estrutura do atual curso secundário, é a de um curso enciclopédico, supostamente propedêutico ao ensino superior. Querendo tudo ensinar, pouco ensina de cada coisa e, dêste modo, falha em sua finalidade propedêutica, como falha – e aí pela sua própria natureza – na finalidade de cultura geral, que muitos lhe querem emprestar. O atual curso secundário, nos tempos correntes, não se destina apenas a alguns mas à grande maioria, senão a todos os jovens de uma nação moderna. Por isto mesmo, impõe-se a modificação de sua finalidade e de seus objetivos.

ADAPTAR A ESCOLA AOS TIPOS INDIVIDUAIS

Oferecendo sua sugestão, o prof. Anísio Teixeira continua: "Deve visar o curso secundário, primeiro, a ministrar uma cultura geral, isto é, comum e de natureza utilitária e prática, mais de ciência aplicada, de conhecimentos de uso comum, que de conhecimentos teóricos e especializados. Tal curso, destinado a todos ou quase todos, se diversificaria, segundo os interêsses e aptidões dos alunos, podendo para alguns, (talvez cinco por cento do total) assumir o caráter de severo curso acadêmico de preparo para estudos ulteriores, ou sejam estudos universitários de caráter teórico ou científico ou altos estudos de natureza literária, filosófica ou artística. Para tal, seria necessário levar o brasileiro a aceitar a idéia das diferenças individuais e adaptar a escola aos tipos de inteligência e aptidão dos alunos, desistindo de impôr a todos o mesmo tipo uniforme de estudos. Cêdo ou tarde, chegaremos a um curso geral prático, com ênfase na língua vernácula e em nossa literatura, nas matemáticas, e nas ciências – físicas e sociais – aplicadas, e, ao lado dêste curso comum, cursos enriquecidos com línguas estrangeiras e estudos teóricos para aquêles que se mostrarem interessados e capazes de ensino desta natureza, como ainda cursos especializadamente técnicos para os inclinados à especialização tecnológica, de nível médio e superior. A importância da reforma estará em fixar como grande núcleo central a escola comum, prática e de ciência aplicada, para a grande maioria, as modalidades acadêmica e técnica para o menor número. De tôdas as três, a única que será inevitàvelmente propedêutica será a sessão acadêmica, pois estudos dêste tipo só se completam no nível superior. As demais sessões teriam finalidades próprias e dariam ao aluno o preparo necessário para um sem numero de ocupações de nível médio ou de nível qualificado para o trabalho na indústria. Sòmente os melhores dentre êstes e os da sessão acadêmica deveriam aspirar ao ensino superior, cujos exames vestibulares se fariam com o espírito de apurar a capacidade intelectual mais do que a erudição para os estudos superiores".

CURSOS SUPERIORES

Com respeito a estrutura atual dos cursos superiores, seus defeitos e as providências que deverão ser tomadas para melhorá-las, disse o prof. Anísio Teixeira que com a proliferação das escolas superiores e a improvisação de seu professorado, não há outro meio de remediar a situação senão pela retirada do caráter de liquidez ao valor do diploma: – "Parece-me inevitável – afirmou – criar uma nova instância para a concessão da licença profissional. Ou se dará aos conselhos e às ordens profissionais o direito de procederem à apuração da competência, ou as escolas continuarão a se multiplicar atraídas pela facilidade de conceder diplomas legais e válidos, independente da competência dos diplomados. Sòmente depois dessa medida é que se poderá pensar em modificar os cursos, os currículos e os métodos e processos do ensino superior".

ENSINO PARTICULAR

No que concerne ao ensino particular, o nosso entrevistado frisou: – "Defendo a organização do ensino público com tal autonomia institucional que, do ponto de vista de eficiência e sentido de responsabilidade, não se distinga êle do privado. Acho mesmo que não deve ser totalmente gratuito senão para os muito inteligentes e privados de recursos. A partir do ensino de nível de colégio, as escolas públicas deveriam cobrar anuidades que cobrissem pelo menos um têrço do custo do ensino. Aos capazes e nimiamente pobres seriam dadas bolsas de estudo e aos demais facilitado o empréstimo para educação a ser pago depois dos estudos, no número de anos que fôsse necessário. A gratuidade sòmente seria justa se a todos fôsse dado êsse ensino, de nível de colégio ou superior. Tais medidas tornariam o ensino público tão sério e responsável quanto o privado, e melhor do que êste, porque altamente subvencionado pelo Estado, poderia ter o nível e a eficiência necessários".

ENTREVISTAS E ESTÁGIOS

Inquirido sôbre a conveniência ou não dos exames psicotécnicos nos candidatos a cursos superiores, o prof. Anísio Teixeira afirmou que prefereria exames objetivos e prolongados, com entrevistas e estágios, conselho dos professôres, e possibilidade de correção e revisão de escolhas precipitadas ou erradas. "A escolha das profissões de nível superior – disse – poderia ser facilitada e orientada com um bom serviço de informações a respeito de cada profissão. Situação do mercado de trabalho, escassez e abundância de profissionais, necessidades verificadas e locais onde essas necessidades são maiores, etc.".

PESQUISA: INSPIRAÇÃO DO SABER MODERNO

– Deve a pesquisa científica constituir parte integrante dos programas universitários? indagamos. – "A Universidade é um centro de ensino e de pesquisas, mais de ensino que de pesquisas" – respondeu o prof. Anísio Teixeira. "Estas podem ser feitas fora da universidade e só se integram na universidade porque facilitam e inspiram o ensino universitário. Sendo o saber hoje não um saber já feito, mas um saber dominado pelo espírito da pesquisa e da descoberta, se não tivéssemos as pesquisas na Universidade faltar-nos-ia a própria inspiração do saber moderno. Aliás, o próprio saber já elaborado se ensina hoje por métodos muito próximos dos da própria pesquisa".

DEVEDORES E NÃO CREDORES

Quanto ao amparo do Estado aos diplomados em cursos superiores, professôres e homens de ciência, o diretor do INEP afirmou que os diplomados de cursos superiores não deveriam ser amparados, mas amparar-nos a todos. "Êles é que tiveram a melhor parte. Êles é que puderam educar-se até êsse nível. Devem ser gente capaz de produzir e de viver muito bem. Julgo-os mais devedores da sociedade do que seus credores. Esta idéia de amparo está prêsa à idéia arcaica de que os diplomados de nível superior são criaturas inúteis, destinadas à contemplação do saber e que nos cabe mantê-los, para polimento e glória de nossa civilização. Até os poetas – quando bons de verdade – podem hoje muito bem ganhar sua vida. Arte e beleza são dos produtos mais procurados por uma civilização desenvolvida".

COMUNHÃO INTELECTUAL É MAIS COMPLETA

Referindo-se ao fato de o Brasil vir a assumir papel preponderante no mundo, o nosso entrevistado é de opinião que a ciência e a arte podem hoje medrar em qualquer parte do mundo. Os grandes nesses campos são cada vez mais internacionais. – "Nada impede que no Brasil surjam grandes cientistas e artistas. Mas sejam êles brasileiros ou não, o que importa é que hoje tôda a humanidade se beneficie com os seus gênios. O nosso planetazinho é cada vez menor e a comunhão intelectual cada vez mais completa".

TÉCNICA E CIÊNCIA

No setor da técnica e da ciência, crê o diretor do INEP que entre nós ainda não se atingiu ao grau de maturidade necessária para influir visìvelmente na solução dos nossos problemas. Todavia, acredita que chegará o dia em que não sòmente usaremos a ciência e a técnica estrangeira mas também a criaremos. "E então, sentiremos em sua plenitude a atuação dos cientistas e dos técnicos brasileiros".

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