TEIXEIRA, Anísio. Ciência e Educação. Boletim Informativo CAPES. Rio de Janeiro, n.50, 1957. p.1-3.

CIÊNCIA E EDUCAÇÃO

Anísio Teixeira

Os educadores - sejam professôres, especialistas de currículo, de métodos ou de disciplina, ou sejam administradores - não são cientistas, mas, artistas, profissionais, práticos (no sentido de practioner inglês), exercendo, em métodos e técnicas tão científicas quanto possível, a sua grande arte, o seu grande ministério. Serão cientistas como são cientistas os clínicos; mas sabemos que só em linguagem lata podemos efetivamente chamar o clínico de cientista.

Acreditamos que o encontro entre cientistas sociais e educadores "científicos"- usemos o têrmo - será da maior fertilidade e, sobretudo, evitará os equívocos ainda tão recentes da aplicação precipitada de certos resultados de pesquisas científicas nas escolas, sem levar em conta o caráter próprio da obra educativa. Com os dados que lhe fornecerá a escola, o cientista irá colocar o problema muito mais acertadamente e submeter os resultados à prova da prática escolar, aceitando com maior compreensão êste teste final.

Cientistas e educadores trabalharão juntos, mas uns e outros, respeitando o campo de ação de cada um dos respectivos grupos profissionais e mùtuamente se auxiliando na obra comum do descobrir o conhecimento e as possibilidades de suas aplicação. O método geral de ação de uns e outros será o mesmo, isto é, o "método científico" e, nesse sentido, é que todos se podem considerar homens de ciência. O educador, com efeito, estudando e resolvendo os problemas da prática educacional, obedecerá às regras do método científico, do mesmo modo que o médico resolve, com disciplina científica, os problemas práticos da medicina: observando com inteligência e precisão, registrando essas observações, descrevendo os procedimentos seguidos e os resultados obtidos, para que possam ser apreciados por outrem e repetidos, confirmados ou negados, de modo que a sua própria prática da medicina se faça também pesquisa e os resultados se acumulem e multipliquem.

Os registros escolares de professôres e administradores, as fichas de alunos, as histórias de casos educativos, ou descrições de situações e de pessoas constituirão o estoque, sempre em crescimento, de dados, devidamente observados e anotados, que irão permitir o desenvolvimento das práticas educacionais e, conforme já dissemos, suscitar os problemas para os cientistas, que aí escolherão aquêles susceptíveis de tratamento científico, para a elaboração das futuras teorias destinadas a dar à educação o status de prática e arte científica que a medicina e a engenharia já atingiram. No curso destas considerações, insistimos pela necessidade de demonstração de nossa posição, na analogia entre medicina e educação. Não sirva isto, contudo, para que se pense que a prática educativa possa alcançar a segurança científica da prática médica. Não creio que jámais se chegue a tanto. A situação educativa é muito mais complexa do que a médica. O número de variáveis da primeira ainda é mais vasto do que o da segunda. Embora já haja médicos com o sentimento de que o doente é um todo único e, mais, que êsse todo compreende não só o doente mas o doente e o seu "meio", ou o seu "mundo", o que os aproxima dos educadores, a situação educativa ainda é mais pemanentemente ampla, envolvendo o indivíduo em sua totalidade, com tôdas as variáveis dêle próprio e de sua história e de sua cultura e da história dessa cultura, e mais as da situação concreta, com os seus contemporâneos e os seus pares, seu professor e sua família. A prática educativa exige que o educador leve em conta um tão vasto e diverso grupo de variáveis, que, provàvelmente, nenhum procedimento científico poderá jamais ser rigorosamente nela aplicado.

Ainda o mais perfeito método de aquisição, digamos, de uma habilidade, não poderá ser aplicado rìgidamente. O educador terá de levar em conta que o aluno não aprende nunca uma habilidade isolada; que, simultâneamente, estará aprendendo outras cousas no gênero dos gôstos, aversões, desejos, inibições, inabilidades, enfim que tôda a situação é um complexo de "radiações, expansões e contrações", na linguagem de Dewey, não permitindo nem comportamento uniforme nem rígido.

É importante conhecer todos os métodos e recursos já experimentados e provados de ensinar a ler, mas, a sua aplicação envolve tanta cousa a mais, que o mestre, nas situações concretas, é que irá saber até que ponto poderá aplicar o que a ciência lhe recomenda, não no sentido de negá-lo, mas, no sentido de coordená-lo e articulá-lo com o outro mundo de fatôres que entram na situação educativa.

Sendo assim, podemos ver quanto a função do educador é mais ampla do que tôda a ciência de que se possa utilizar. É que o processo educativo identifica-se com um processo de vida, não tendo outro fim, como insiste Dewey, senão o próprio crescimento do indivíduo, entendido êsse crescimento como um acréscimo, um refinamento ou uma modificação no seu comportamento, como ser humano. Em rigor, pois, o processo educativo não pode ter fins elaborados fora dêle próprio. Os seus objetivos se contêm dentro do processo e são êles que o fazem educativo. Não podem, portanto, ser elaborados senão pelas próprias pessoas que participam do processo. O educador, o mestre é uma delas. A sua participação na elaboração dêsses objetivos não é um privilégio, mas a conseqüência de ser, naquele processo educativo, o participante mais experimentado, e, esperemos, mais sábio.

Dêste modo, a educação não é uma ciência autônoma, pois não existe um conhecimento autonômo de educação, mas é autonôma ela própria, como autônomas são as artes e, sobretudo, as belas artes, uma delas podendo ser, ouso dizer e mesmo pretender - a educação.

A "ciência" da educação, usando o têrmo com tôdas as reservas já referidas, será constituída, na frase de Dewey, de tôda e qualquer porção de conhecimento científico e seguro que entre no coração, na cabeça e nas mãos dos educadores e, assim assimilada, torne o exercício da função educacional mais esclarecida, mais humana, mais verdadeiramente educativa do que antes.

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