TEIXEIRA, Anísio. Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.25, n.61, jan./mar. 1956. p.145-149.

CENTRO BRASILEIRO DE PESQUISAS
EDUCACIONAIS

Pelo Decreto n. º 38. 460, de 28 de dezembro de 1955, foram instituídos o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais e centros regionais. Completando a documentação publicada à página n. º 118 do n. º 59, relativo ao trimestre julho- setembro de 1955, dêste periódico, "REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS" publica a seguir os textos do Ofício do Senhor Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e da Exposição de Motivos do Exmo. Sr. Ministro da Educação propondo a criação da novel instituição, assim como do decreto acima citado.

A) OFÍCIO Nº 1. 086 – EM 27 DE DEZEMBRO DE 1955.

Senhor Ministro,

No discurso que pronunciei, por ocasião de minha posse no cargo de Diretor dêste Instituto, depois de analisar a situação educacional brasileira, assim indiquei o programa de estudos que se deveria encetar:

O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos tem de tentar uma tomada de consciência em relação à expansão educacional brasileira, examinar o que foi feito e como foi feito, proceder a inquéritos esclarecedores e experimentar medir a eficiência ou ineficiência de nosso ensino.

Não podemos continuar a crescer do modo por que vamos crescendo, porque isto não é crescer, mas dissolver-nos. Precisamos voltar à idéia de que há passos e etapas, cronològicamente inevitáveis, para qualquer progresso. Assim é que não podemos fazer escolas sem professôres , seja lá qual fôr o nível das mesmas, e, muito menos, ante a falta de professôres, improvisar, sem recorrer a elementos de um outro meio, escolas para o preparo de tais professôres. Depois, não podemos fazer escolas sem livros. E tudo isto estamos fazendo, invertendo, de modo singular, a marcha natural das coisas. Como não temos escolas secundárias por nos faltarem professôres, multiplicamos as faculdades de filosofia, para as quais, como é evidente, ainda será frisante a falta de professôres capazes. Se não podemos fazer o menos, como havemos de tentar o mais? Para restabelecer o domínio dêste elementar bom-senso, em momento como o atual, em que a complexidade das mudanças impede e perturba a visão, são necessários estudos cuidadosos e impessoais, de que o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos deverá encarregar-se com o seu corpo de técnicos e analistas educacionais, mobilizando ou convocando também, se preciso e como fôr possível, outros valores humanos, e onde quer que se os encontre.

Está já em curso no Congresso a lei complementar à Constituição, que traçará as diretrizes e bases da educação nacional. Essa lei básica não poderá deixar, dentro dos princípios constitucionais, de proceder a uma ampla e indispensável descentralização administrativa da educação, graças à qual êste Ministério poderá retomar as suas altas e difíceis funções de liderança estimuladora e criadora da educação ao invés da atuação restritiva e rígida com que cerceia e dificulta, hoje, o desenvolvimento e a expansão das iniciativas e experiências novas, e limita e empobrece a fôrça vivificadora da autonomia e do senso de responsabilidade. No novo regime, a ser implantado, de descentralização e liberdade com responsabilidade, dentro do quadro das bases e diretrizes da educação nacional, os instrumentos de contrôle e coordenação passam a ser os delicados instrumentos das verificações objetivas, dos inquéritos reveladores, da troca de informações e esclarecimentos, entre os educadores, nas conferências educacionais. Será um regime de sanções mais de opinião pública e de consciência educacional, a se criar no país, do que de atos de autoridade.

As funções do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos deverão ganhar, em a nova fase, amplitude ainda maior, buscando tornar-se, tanto quanto possível, o centro de inspirações do magistério nacional para a formação daquela consciência educacional comum que, mais do que qualquer outra fôrça, deverá dirigir e orientar a escola brasileira, ajudada pelos planos de assistência técnica e financeira com que êste Ministério irá promover e encorajar todos os esforços úteis e tôdas as iniciativas saudáveis, que as energias insuspeitadas da liberdade e da autonomia irão fazer surgir em todo o Brasil.

Os estudos do I.N.E.P. deverão ajudar a eclosão dêsse movimento de consciência nacional indispensável à reconstrução escolar.

A educação nacional está sendo, todos os dias, por leigos e profissionais, apreciada e julgada. Os métodos para êstes julgamentos resumem-se, entretanto, nos da opinião pessoal de cada um. Naturalmente, os julgamentos hão de discordar, mesmo entre pessoas de tirocínio comprovado. Temos que nos esforçar por fugir a tais rotinas de simples opinião pessoal, onde ou sempre que desejarmos alcançar ação comum e articulada. Sempre que pudermos proceder a inquéritos objetivos, estabelecendo os fatos com a maior segurança possível, teremos facilitado as operações de medida e julgamento válidos. Até o momento, não temos passado, de modo geral, do simples censo estatístico da educação. É necessário levar o inquérito às práticas educacionais. Procurar medir a educação, não sòmente em seus aspectos externos, mas em seus processos, métodos, práticas, conteúdo e resultados reais obtidos. Tomados os objetivos da educação, em forma analítica, verificar, por meio de amostras bem planejadas, como e até que ponto vem a educação conseguindo atingi-los.

Cumprir-nos-á, assim e para tanto, medir o sistema educacional em suas dimensões mais íntimas, revelando ao país não apenas a quantidade das escolas, mas a sua qualidade, o tipo de ensino que ministram, os resultados a que chegam no nível primário, no secundário e mesmo no superior. Nenhum progresso principalmente qualitativo se poderá conseguir e assegurar, sem, primeiro, saber-se o que estamos fazendo.

Tais inquéritos devem estender-se aos diferentes ramos e níveis do ensino e medir ou procurar medir as aquisições dos escolares nas técnicas, conhecimentos e atitudes, considerados necessários ou visados pela escola.

Enquanto assim não procedermos, não poderemos progredir nem fazer recomendações para qualquer progresso, que não sejam de valor puramente individual ou opinativo. Êste trabalho, pois, não será nenhum trabalho remoto e distante, mas parte integrante e preliminar do programa de reconstrução de nossas escolas e revisão dos seus métodos. Não será por leis, mas por tais estudos, que daremos início à reforma do ensino, que todos anseiam, mas temem, com fundado receio de que se transforme em mais uma experiência frustra de alteração de nomes ou de posição dos elementos no complexo da situação educacional.

Se conseguirmos, porém, os estudos objetivos que aqui sugerimos, e sôbre êles fundarmos diagnósticos válidos e aceitos, não será difícil a elaboração dos métodos de tratamento e a indicação dos prognósticos. Os métodos de tratamento surgirão nos guias e manuais de ensino para os professôres e diretores de escolas, os quais constituirão livros experimentais de sugestões e recomendações para a condução do trabalho escolar. Em complemento, deveremos chegar até o livro didático, compreendendo o livro de fontes, buscando integrar nestes instrumentos de trabalho o espírito e as conclusões dos inquéritos procedidos.

Com tal planejamento, estaremos prosseguindo o estudo objetivo da educação e lançando as bases de nossa ciência da educação. Uso esta palavra – ciência – com extremo cuidado, porque, entre nós, dela se vem abusando, como, não menos, da palavra técnica.

Esforçar-nos-emos por aplicar métodos objetivos e, quando possível, experimentais, mas tudo conduziremos com o sentimento profundo do caráter provisório do conhecimento mesmo quando, ou talvez, sôbretudo, quando científico. A ciência não nos vai fornecer receitas para as soluções dos nossos problemas, mas o itinerário de um caminho penoso e difícil, com idas e voltas, ensaios e verificações e revisões, em constante reconstrução, a que não faltará, contudo, a unidade de essência, de fins e objetivos, que estará contida não só na lei de bases e diretrizes, como a consciência profissional, que pouco a pouco se irá formando entre os educadores. Será por êsse modo que o Instituto pensa se deixar conduzir pelo método e espírito científico.

Dentro da estrutura do Ministério da Educação e Cultura, compete, com efeito, ao Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos o estudo da educação e seus métodos e conteúdos, nos seus diversos ramos e níveis, nas diferentes regiões do país.

Além dessa função precípua de estudo e pesquisa, veio, posteriormente, pela Lei n. º 580, de 30-7-938, a lhe ser atribuído um programa de assistência técnica e de aperfeiçoamento do magistério dos Estados.

Para dar cumprimento a essa dupla tarefa de estudo e assisência técnica, êste Instituto vem, desde 1953, ampliando as suas atividades, buscando realizar, pela C.I.L.E.M.E. (Campanha de Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar) e pela CALDEME (Campanha do Livro Didático e Manuais de Ensino), estudos e pesquisas sôbre o ensino em cada um dos Estados da Federação, sôbre programas escolares, sôbre as matérias do curso médio, e a elaborar para uso do magistério manuais de ensino destinados a consolidar conquistas pedagógicas ou renovar-lhe os métodos.

Procurado, em face dêsse programa de pesquisa educacional em todo o país e de assistência pedagógica aos Estados, pelos órgãos de cooperação internacional, pôde o Instituto articular com a UNESCO uma colaboração, pela qual receberia o auxílio de especialistas estrangeiros para o melhor aproveitamento do seu programa.

Já se acham trabalhando conosco os professôres Bertram Hutchinson e Andrew Pearse e, no próximo ano, deverão vir os professôres Havighurst, Jacques Lembert e Otto Klineberg. Além disto, o professor Charles Wagley, da Columbia University, já, por duas vêzes, estêve conosco, em períodos de três meses, prestando sua alta colaboração no campo da antropologia. A colaboração dêsses especialistas estrangeiros vem-se somar à dos nacionais, que integram o corpo central de pesquisadores e técnicos dos Centros.

No ano que ora se encerra, deram-se vários passos na concretização dêsse plano de trabalho, que deve estender-se a todo o país com a instalação de um centro brasileiro de pesquisas educacionais aqui no Rio e cinco centros regionais, localizados no Recife, na Bahia, em Belo Horizonte, em São Paulo e em Pôrto Alegre.

Tais centros, que deverão absorver as atividades de estudo e documentação do I.N.E.P. e das suas respectivas campanhas (CALDEME e C.I.L.E.M.E.) e ainda as de assistência técnica correspondente ao seu programa de aperfeiçoamento do magistério, deverão completar a sua instalação e entrar em pleno funcionamento em 1956.

A título de experiência, vêm-se instalando e funcionando, mediante convênio, o centro brasileiro e os centros regionais da Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, em sedes próprias ou alugadas.

Parece, assim, chegada a oportunidade de consolidar o plano, mediante um decreto presidencial que institua definitivamente os diversos centros, defina os seus objetivos e lhes dê organização apropriada ao desenvolvimento dos seus trabalhos tão altamente especializados.

O projeto do decreto que acompanha esta exposição visa satisfazer a êsse propósito, instituindo os centros subordinados ao I.N.E.P., mas com organização, a ser aprovada pelo Ministro, em que se estabeleçam as condições de independência e flexibilidade existentes para as campanhas extraordinárias de educação e o regime de financiamento especial igualmente previsto em nosso sistema de orçamento, a fim de que as atividades ora em vista de concretização possam ter a necessária eficiência e a segurança do seu desenvolvimento.

Apresento a Vossa Excelência as minhas respeitosas saudações.

ANISIO S. TEIXEIRA

Diretor do I.N.E.P.

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