TEIXEIRA, Anísio. Bases para uma programação de educação primária no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.27, n.65, jan./mar. 1957. p.28-46.

BASES PARA UMA PROGRAMAÇÃO DA
EDUCAÇÃO PRIMÁRIA NO BRASIL *

Anísio Teixeira

Diretor do I.N.E.P.

Sinto-me satisfeito de falar a economistas. Aos economistas compete, com efeito, ajudar os educadores a organizar e programar devidamente o sistema educacional.

Participei, em 1929, na Universidade de Columbia, do primeiro curso, que ali se ministrou, sôbre "education economics". O professor Clark nos deu, então, em sua primeira aula, uma definição de educação que guardo até hoje e à qual sempre aludo convencer certos espíritos de que a educação não é apenas um processo de formação e aperfeiçoamento do homem, mas o processo econômico de desenvolver o capital humano da sociedade.

A definição que o Prof. Clark nos dava, em 1929, era a de que a educação intencional, ou seja a educação escolar, é o processo pelo qual se distribuem adequadamente os homens pelas diferentes ocupações da sociedade. A educação escolar, dizia êle, é o processo pelo qual a população se distribui pelos diferentes níveis e ramos de trabalho diversificado da sociedade moderna. Deixados a si mesmos, os homens ficariam de modo geral capazes das mesmas coisas, não podendo assim atender à inevitável diversificação de funções e ocupações especializadas.

A sociedade moderna industrial intensifica ainda mais o processo de diversificação de funções e ocupações, determinando, por isto mesmo, uma educação não sòmente mais prolongada, como mais variada. A princípio, a sociedade preparava, pela educação intencional, o sacerdote, o soldado, o governante ou melhor o funcionário, e o intelectual; todos os demais trabalhos, predominantemente agrícolas, eram aprendidos diretamente pelo exercício da própria atividade de produção.

Do Renascimento em diante, começou a se afirmar em algumas sociedades a necessidade de educação para todos, à medida que as artes da leitura e da escrita se fizeram mais generalizadas. Graças à imprensa e à Reforma, a leitura da Bíblia se fêz possível e, então, obrigatória, decorrendo daí a generalização de uma arte intelectual, a de ler e escrever, que não podia ser regularmente aprendida senão pela escola. A escola passou a ser necessária para a vida comum do homem.

Com as Revoluções Políticas inglêsa, americana e francesa, a necessidade da escola para todos foi proclamada como essencial à participação dos homens em uma sociedade governada democràticamente, isto é, governada por todos os seus membros adultos, e baseada no conhecimento racional, isto é, progressivo. Quer dizer, sòmente há 150 ou, no máximo, 200 anos, é que se pode admitir a necessidade regular da escola para todos. Tal educação seria ministrada numa escola primária comum, destinada a ensinar a ler, escrever e contar e dar rudimentos de formação cívica. A primeira escola primária das nossas democracias tinha êsse objetivo. Além dessa formação comum, certo grupo de cidadãos seria formado para as profissões liberais, para o magistério e para a pesquisa, e para a política, constituindo o grupo assim superiormente educado a elite governante do País.

Com a revolução industrial e as suas crescentes imposições de especialização do trabalho humano, êste quadro educacional tende a ampliar-se de maneira considerável. A passagem de um predomínio da agricultura para uma situação de predomínio industrial, leva a uma imensa transformação de ocupações, com a redução do número de pessoas ocupadas na agricultura e o crescimento da população ocupada com a indústria e os serviços. Nos EE.UU., êsse movimento reduziu a população ocupada na agricultura a menos de 10%. Na França, há um século atrás, nada menos de 80% ainda se encontravam na agricultura e 10% na indústria; hoje, a França conta com 30% na agricultura, 35% na indústria e 35% nas atividades chamadas terciárias ou de serviços; no Brasil, a situação era, em 1872, de 77% na agricultura, em 1920, de 69% na agricultura; em 1940, 65% e em 1950, 58% na agricultura, com 42% em atividades não agrícolas.

Tal transformação corresponde a uma era de crescente progresso técnico, o qual exige, por sua própria natureza, um correspondente progresso cultural em todos os domínios, para todos os homens, de tôdas as categorias sociais. Quer dizer: a "quantidade" de educação necessária a uma sociedade deve guardar uma estreita correlação com o progresso técnico que nela se tenha operado. Muitos dos desajustamentos que o Brasil sofre decorrem de sua utilização de um progresso técnico em muito superior às suas condições educacionais. Costumo dizer que, de um modo geral, o Brasil não chegou ao nível cultural do uso da fechadura. Devíamos, talvez, usar apenas a taramela. Tanto assim é que as fechaduras tôdas se quebram, as chaves tôdas se perdem e difìcilmente se encontra casa onde tôdas as fechaduras estejam funcionando. Êsse singelíssimo progresso técnico da fechadura não está, assim, na necessária correspondência com progresso cultural efetivamente existente na sociedade.

A realidade é que o novo progresso tecnológico e não puramente empírico e tradicional impõe a educação intencional ou escolar, de modo cada vez mais extenso, tornando assim indispensável a prolongação da escolaridade comum, como, também a diversificação cada vez maior da educação especial, média e superior.

A mecanização do trabalho industrial, do trabalho agrícola e dos próprios serviços terciários, e, logo, dentro em pouco talvez, a "automation", a automatização, levarão à necessidade de educação comum cada vez mais ampla, e de educação especializada cada vez mais alta. O exemplo extremo que poderia dar e que retirei há pouco da exposição do Ministro da Educação de França, sôbre a reforma educacional que ali se projeta, reforma educacional que guarda perfeito paralelismo com a reforma necessária ao Brasil, é o de uma mina de carvão, em que o número de pessoas de preparo técnico superior atinge apenas a 3%, enquanto numa usina atômica atingirá 40%. Serve a ilustração para mostrar a quantidade de educação de que a sociedade moderna precisa. O exemplo é, sem dúvida, ainda remoto, mas ajuda-nos a ver em que medida o desenvolvimento científico de nossa civilização vai, cada vez mais, exigir uma educação generalizada e infinitamente mais ampla que tudo quanto até hoje conhecemos.

Não se pode negar que o Brasil tenha entrado em um processo de desenvolvimento semelhante a êstes já realizados pelas nações "desenvolvidas". Tal progresso brasileiro está a exigir um sistema educacional adequado e compatível com as novas necessidades nacionais e os novos recursos nacionais.

Iremos, nesta exposição, procurar avaliar a "quantidade" de educação de que o Brasil precisaria, nas condições atuais, para atender às necessidades do seu desenvolvimento. Considerando que qualquer das nações desenvolvidas já mantêm sistemas de educação, para todos, até a idade dos 16 anos, não me parece excessivo estimar que já nos cumpre, pelo menos nas cidade, manter a escola primária de seis anos de curso, isto é, elevar a escolaridade urbana até os 12 anos. Isto implicaria em uma escola primária de seis anos de curso para uma população de 20 milhões de habitantes, que é ao que se eleva a nossa população das cidades. Para os 35 milhões da área rural, poder-se-ia, pelo momento, manter a escola de três anos, recomendando-se no mais próximo futuro a sua elevação a quatro séries.

Não me parece excessivamente ambiciosa a escola de seis anos para a população urbana, elevando-se a escolaridade obrigatória até aos 12 anos, sobretudo se considerarmos que 14 anos é a idade mínima, em que, pela nossa legislação social, é permitido o trabalho do menor. Para os 35 milhões da população rural, prevejo a necessidade de uma escola primária de quatro anos de curso, em substituição à atual de três anos. Estas duas escolas, uma de seis anos para a região urbana e uma de quatro anos para a região rural, devem poder comportar uma matrícula total de 8 milhões de alunos.

Como vamos estudar a educação em suas necessidades quantitativas, remeto o leitor interessado em sua análise qualitativa a dois estudos meus recentes - "Educação não é privilégio" e "Escola pública, universal e gratuita" e, se me permitirem, ao meu livro A educação e a crise brasileira. Nestes trabalhos, verá o leitor como o problema não é só de quantidade, mas de correção de distorções culturais, que fazem a escola brasileira não só deficiente em número como ineficaz e inadequada em sua própria qualidade.

Justifiquemos, porém, embora sumàriamente, a escola primária de seis anos. A escola primária era, originàriamente, de oito anos. Com os desenvolvimentos sucessivos das últimas décadas e a extensão da escolaridade até os 16 e 18 anos, a educação comum do cidadão passou a se fazer também na escola média, decorrendo daí uma diminuição dos anos considerados primários. A América do Norte veio a fixar-se na escola primária de 6 anos e a secundária de 3 e 3 (Junior e Senior High School). Na França, o ensino primário fixou-se em 5 e o ensino de segundo grau, em 6, encaminhando-se ambos para a obrigatoriedade.

Na realidade - vale a pena recordar - quase tôda a Europa organizara dois sistemas educacionais, um para o povo e outro para a elite. Na França, onde tal dualismo foi mais nítido, o sistema destinado à elite não incluía a escola primária, fazendo-se o ensino dêsse nível nas "classes préparatoires" da própria escola secundária, cujos alunos assim se separavam do povo, desde o nível primário. Para o povo, a educação se fazia na escola primária e primária superior, seguidas das escolas profissionais e das escolas normais. Êstes dois sistemas coexistiam, paralelos e estanques, um conduzindo à Universidade, para a elite, e outro, às escolas vocacionais para o povo. Êsse dualismo, essencialmente antidemocrático, levava à perpetuação dos privilégios de classe, por um lado, e, por outro, reduzia a formação dita popular a um empirismo limitado e estreito. O chamado "espírito primário" dominava a formação popular e o "espírito secundário", a formação da elite. O chamado movimento de "democratização do ensino" na França representa a fusão desses dois sistemas em um único sistema e a busca de uma pedagogia mais ampla para inspirá-lo.

Ainda recentemente dizia o atual Ministro da Educação que a velha e tradicional pedagogia francesa teve suas virtudes e mesmo sua grandeza, mas, como desenvolvia, acima de tudo, a inteligência de tipo dedutivo, a que concebe com palavras, raciocina com palavras, a inteligência do discurso, da enunciação de problemas e de sua solução teórica, a França deixou de cultivar aquêles outros tipos de inteligência que são, de certo modo, talvez até mais necessários para a nossa civilização, tais como a inteligência de caráter plástico, que concebe com imagem, sejam sonoras, táteis ou visuais, a inteligência que concebe com ação, que é o tipo de inteligência prática, e aquela inteligência que os franceses chamam - a "inteligência da matéria", que leva à invenção e ao artesanato de alta qualidade, aquela inteligência com a qual o operário Graham descobriu o dínamo, que nos deu afinal tôda a eletricidade moderna.

A pedagogia intelectualista, pondo tôda a sua ênfase na inteligência da palavra e do discurso, relegava a nível inferior êsses outros tipos de inteligência, que não cultivava nem mesmo na escola primária, pois esta era antes uma escola intelectualista de segunda classe, do que uma escola verdadeiramente destinada ao cultivo dos tipos de inteligência não verbais. Sòmente a América do Norte escapou, com vigor, a êsse vício intelectualista, merecendo, por isto, a sua pedagogia a permanente sátira, por parte dos europeus, de pedagogia do praticismo senão do materialismo e, sempre, do primarismo. Estou em que os Estados Unidos foram salvos pelo espírito pragmático de sua própria filosofia. Sabemos, hoje, que o pragmatismo não é mais afinal do que o espírito científico generalizado aos demais aspectos do pensamento. Na escola secundária americana, a inteligência prática, a inteligência plástica, a inteligência da "matéria" e a inteligência especulativa são tôdas cultivadas. Se alguma sofre diminuições, esta seria a inteligência especulativa, e não os três outros tipos de inteligência. O nosso sistema escolar é uma transplantação infeliz do da França, com a diferença de que não consegue ser eficaz nem no cultivo da inteligência especulativa, para não se falar dos outros demais aspectos da inteligência, igualmente essenciais.

Com a fusão, porém, dos dois sistemas e o prolongamento da escolaridade pelo campo do ensino de segundo grau, chamado secundário, houve uma tendência para encurtar o curso primário, o qual, na Alemanha, com o nome de "Grundschule", chegou a ser reduzido a quatro anos. Nenhuma nação pensava em reduzir a escolaridade obrigatória a 4 anos, mas, apenas, a reduzir o chamado período primário a quatro anos, correspondendo às idades infantis de 7 a 10 anos, seguidos logo após dos cursos igualmente obrigatórios da escola de segundo grau. A escola primária seria, assim, a da infância pròpriamente dita, até os 10 anos, logo seguida da escola secundária, ou escola para adolescentes, a se iniciar aos 11 de idade, mas igualmente distribuída a tôda a população. O Brasil, no seu incrível mimetismo, à luz dessa lição, criou a escola secundária para os meninos de 11 anos, sem perceber que, com isto, limitava a escola primária a sòmente quatro anos. Embora não fizesse a articulação da escola secundária com a primária, pràticamente impediu esta última de se estender, pois não criou nenhum outro ensino paralelo e equivalente, ao qual pudesse visar o aluno de curso primário mais longo. Com a democratização do país, não seria possível, aliás, ressuscitar um sistema dualista de ramos estanques, resultando daí a parada de desenvolvimento da escola primária e o crescimento patológico do curso secundário de tipo intelectualista e verbal. A escola primária de quatro séries passou a funcionar apenas como curso propedêutico, podendo ser abreviado e reduzido em tempo e horários, desde que conseguisse, pelo menos para os bons alunos, dar-lhes o preparo necessário para o exame de admissão à escola secundária. No Distrito Federal, essa finalidade propedêutica da escola primária já se acha consagrada em lei. Nos demais Estados, a consagração é apenas de fato. A restauração dêsse curso na sua necessária autonomia exige o seu prolongamento aos seis anos mínimos de um curso popular, destinado a dar à criança as técnicas sociais da leitura, escrita e matemática e a formar-lhe um mínimo de senso executivo, de capacidade de pensar e julgar e de aptidão a apreciar os aspectos morais e artísticos da vida. A conferência de Ministros de Educação em Lima aceitou os seis anos de escola primária, como mínimo aceitável para a presente situação da América Latina.

Justificada, assim, a necessidade dessa meta, vejamos até que ponto a cumpre o sistema escolar brasileiro.

Admitida a meta de 6 anos para a escola urbana, e a de 4 anos, para a escola rural, deveríamos ter nas escolas uma população de 7 milhões 150 mil alunos; temos presentemente 5 milhões e 100 mil. Pretendo mostrar que os 2 milhões faltantes não constituem a deficiência mais grave da escola primária brasileira, primeiro porque se encontram em sua maior parte na zona rural e, em segundo lugar, porque é mais grave a incapacidade da escola de dar instrução contínua sequer nas próprias quatro séries do seu pequeno curso.

Examinemos, com efeito, o comportamento dos alunos na seqüência das séries escolares. Procedemos, para isto, a um estudo da evasão escolar em todo o país e, em particular, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. Para êsse estudo da evasão escolar, o estatístico Moysés Kessel * , utilizou-se de método já aplicado na Itália várias vêzes e, no Brasil, uma vez, por Teixeira de Freitas, o qual consiste em acompanhar uma geração através das séries da escola. Tomando, então, a geração de 1945, composta de 1 milhão e duzentos mil alunos matriculados na 1ª série, acompanhou-a rigorosamente até 1950. Revelou o estudo que de cêrca de 1 milhão e 200 mil alunos que entraram na escola em 1945, conservaram-se nela menos de um ano 104 mil crianças; conservaram-se apenas um ano 506 mil crianças; conservaram-se dois anos 152 mil crianças; conservaram-se três anos 111 mil crianças; conservaram-se quatro anos 143 mil crianças; cinco anos, 125 mil; seis anos, 49 mil e sete anos, 10 mil. Já vemos por estas cifras que, efetivamente, mantemos um curso escolar primário de sete anos. Com efeito, por um processo draconiano de exames e de rigidez da graduação escolar, reprovamos repetidamente os alunos, conservando alguns sete anos na escola, outros, seis anos, outros, cinco, outros, quatro. É, porém, de quatro em diante, que começa a escola a produzir seus resultados. De maneira que, tomados 1.200.000 alunos, conservamos na escola quatro e mais anos 320.000 crianças. Quer isto dizer que, de 1.200.000 alunos, dada a incapacidade de nossa escola de reter o aluno, sòmente aproveitam realmente êsses trezentos e tantos mil alunos. (Vide quadro I, pág. 35). São êsses trezentos e tantos mil que vão fornecer ao Brasil aquêle mínimo de educação necessária para podermos fazer, razoàvelmente, certas coisas. Para os demais, o curso foi tempo perdido, pois mal chegaram a saber ler, ficando apenas capazes de assinar o nome. Na verdade, para o país, passam a ser elementos piores do que os totalmente analfabetos. Com efeito, a escola não os educou, mas, deu-lhes certa predileção por atividades mais brandas e fáceis e certa indisposição pedante por trabalhos braçais ou manuais. São êles que constituem essa grande massa de operários semi-alfabetizados que desejam ser funcionários públicos, e que integram, em grande parte, o quadro subalterno das funções públicas como serventuários, que são maus trabalhadores manuais e ainda piores servidores de escritório.

Retomemos, porém, o trabalho de M. Kessel, e examinemos, à luz do comportamento daqueles 1.200.000 alunos da geração de 45, como se processa a educação elementar de cêrca de 1.940.000 alunos que iniciaram seus estudos em 1953.

A aplicação das proporções encontradas pelo trabalho de Kessel mostra-nos que daqueles 1.940.000 ficam na escola menos de 1 ano 146.000, ou 7,5%; 1 ano 815.000, ou 42,0%; 2 anos 245.000, ou 12,6%; 3 anos 180.000, ou 9,0%; 4 anos

QUADRO I
PERMANÊNCIA NA ESCOLA PRIMÁRIA DAS GERAÇÕES DE ALUNOS MATRICULADOS NO PERÍODO 1945/53

Anos de permanência

 

1945

 

1946

 

1947

 

1948

 

1949

 

1950

 

1951

 

1952

 

1953

 

1954

 

1955

 

1956

 

1957

 

1958

 

1959

 

1 204 477

1 323 584

1 388 911

1 566 233

1 652 316

1.728 599

1 802 240

1 849 516

1 937 722

           

--1

1

 

2

 

3

 

4

 

5

 

6

 

7

104 348

 

1 100 129

 

 

113 862

 

1 209 722

 

5593 396

118 528

 

1 270 383

 

6652 524

 

4441 075

132 736

 

1 433 497

 

685 244

 

484 977

 

329 675

134 373

 

1 517 943

 

773 228

 

509 296

 

362 553

 

186 129

137 989

 

1 590 610

 

818 778

 

574 688

 

380 733

 

204 684

 

60 616

141 417

 

11 660 823

 

857 975

 

608 543

 

429 619

 

214 948

 

66 655

 

10 918

143 192

 

11 706 324

 

895 847

 

637 675

 

454 927

 

242 547

 

69 998

 

11 976

145 898

 

11 791 824

 

920 391

 

665 823

 

476 705

 

256 835

 

78 985

 

12 576

 

 

 

 

966 509

 

684 065

 

497 748

 

269 131

 

83 638

 

14 191

 

 

 

 

 

 

718 342

 

511 385

 

281 011

 

87 642

 

15 027

 

 

 

 

 

 

 

 

537 009

 

288 710

 

91 511

 

15 747

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

303 176

 

94 018

 

16 442

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

98 729

 

16 892

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

17 739

NOTA: Aplicação das taxas obtidas por M. Kessel no estudo da geração de 1945 às estatísticas do Ensino Fundamental Comum para os anos 1956-1953.

231.000 ou 11,9%; 5 anos 201.000, ou 10,4%; 6 anos 80.000 e 7 anos 17.000.

Podemos dizer que estaremos educando, em cada geração, o grupo que permanece na escola 4 anos e mais, isto é, cêrca de 530.000 crianças, ou seja, cêrca de 1/4 em cada geração. Apenas êsses atingem nível cultural razoável para ajudar a conduzir a civilização semi-tecnológica que já possuímos.

Não basta, porém, examinar o número de anos em que se conservam na escola. Embora a escola se prolongue por sete anos cronológicos, tomando-se o ano de 1953 como base, não conseguem aprovação em nenhuma série 945.609 alunos, isto é, 48% dos 1.940.000 alunos da geração daquele ano; 354.000, ou seja pouco mais de 18%, obtêm aprovação apenas na 1ª série. Cêrca de 9%, ou 170.000, são aprovados na 2ª série; 8,5%, ou 165.000 são aprovados na 3ª série; 290.000, ou 15%, obtêm aprovação na 4ª série e 12.000, na 5ª série. Êsses dados baseiam-se também nos coeficientes obtidos no estudo de M. Kessel, e diferem bastante para menos dos apresentados pela estatística oficial. A razão principal reside no fato das proporções apresentadas acharem-se vinculadas a uma só geração - a que iniciou seus estudos em 1953 - ao passo que os dados da estatística oficial se referem à totalidade de alunos em cada série, que, como é normal, englobam estudantes de várias gerações em virtude de repetência, renovações de matrículas, etc. (Vide quadro II, pág. 37).

Quem tiver experiência do nível cultural correspondente ao 4º ano primário e souber que um aluno dessa série está longe de ter desenvolvido certa capacidade de pensamento articulado, de pensamento racional, de pensamento reflexivo, poderá perceber como a população brasileira, de modo geral, mal chega a ganhar um contrôle real do ato de pensar e muito menos da arte de formular seu pensamento razoàvelmente, e, ainda menos, da arte de apreciar e julgar. Daí a contradição nacional entre um razoável progresso técnico, que de certo modo já adquirimos, e uma situação cultural em que se faz pràticamente impossível a proposição coletiva de certos problemas, dêsses que exigem um mínimo de razoabilidade coletiva para serem resolvidos. As medidas e os programas coletivos que o brasileiro venha a formular encontram essa barreira para serem executados. Falta o mínimo de cultura para ficar assegurada a cooperação voluntária. Essa deveria decorrer da capacidade de persuasão do cidadão brasileiro. A capacidade de persuasão decorreria do grau de cultura. Faltando esta, nenhuma decisão coletiva pode atingir qualquer grau de razoabilidade. Nem nos regimes totalitários se pode prescindir dêsse mínimo de educação. Que dizer, porém, do regime

QUADRO II
Aprovações alcançadas pelos alunos que iniciaram o curso primário nos anos 1945 a 1953, calculadas de acordo com os coeficientes obtidos por M. Kessel para a geração de 1945

Última série em que foi obtida aprovação

 

1945

 

1946

 

1947

 

1948

 

1949

 

1950

 

1951

 

1952

 

1953

 

1 204 477

1 323 584

1 388 911

1 566 233

1 652 316

1 728 599

1 802 240

1 849 516

1 937 722

 

Nenhuma

(48,80)

(18,28)

(8,73)

(8,55)

(15,01)

(0,63)

 

587 731

 

220 142

 

105 140

 

103 044

 

180 815

 

7 605

 

645 909

 

241 952

 

115 548

 

113 166

 

198 671

 

8 338

 

677 789

 

253 893

 

121 252

 

118 752

 

208 475

 

8 750

 

 

 

764 322

 

286 308

 

136 732

 

133 913

 

235 091

 

9 867

 

806 331

 

302 044

 

144 247

 

141 273

 

248 012

 

10 409

 

843 557

 

315 988

 

150 906

 

147 795

 

259 463

 

10 890

 

879 494

 

329 449

 

157 335

 

154 091

 

270 517

 

11 354

 

902 564

 

338 092

 

161 462

 

158 133

 

277 613

 

11 652

 

945 609

 

354 216

 

169 163

 

165 675

 

290 852

 

12 207

NOTA: - Segundo Kessel, os repetentes representam 62,78% da evasão durante o ano inicial e os novos, os restantes 37,22%. A obtenção dos números relativos à matrícula de alunos novos em cada ano foi calculada nesta base.

democrático, fundado, em essência, na informação e no esclarecimento e na cooperação voluntária?

Depois de examinar assim a situação geral de todo o país, passemos a estudar São Paulo e Rio Grande do Sul. Nestes dois Estados de maior desenvolvimento, a situação é bem melhor.

Em São Paulo, para cada grupo de 10.000 alunos, 1.085 se conservam menos de 1 ano nas escolas urbanas e 1.678 nas escolas rurais; mais de 1 ano, 1.713 alunos nas urbanas e 3.073 alunos, nas escolas rurais; dois anos, 752 alunos nas escolas urbanas, e 1.615, nas escolas rurais; 3 anos, 648 alunos nas urbanas e 1.625 nas rurais; 4 anos 2.455 alunos na escola urbana e 1.336, na escola rural e 5 anos de estudo, 2.223 na urbana e 513 na escola rural; 6 anos, 888 na urbana e 134 na rural; e 7 anos, 236 na urbana e 26 na rural. Logo, no sistema escolar paulista, que, efetivamente, está funcionando 7 anos, em 10.000 alunos, temos que cêrca de 6.000 se conservam mais de 4 anos. Enquanto no Brasil apenas 15% da população atinge o 4º ano, em São Paulo, 60% atingem e ultrapassam o 4º ano; quer dizer, São Paulo já está dando uma educação primária de 4 anos a mais da metade da sua população. Se examinarmos as aprovações por série, temos o mesmo resultado. São Paulo, em 10.000 alunos, aprova na 4ª série 5.219 alunos: quer dizer, metade dos alunos recebe aprovação na 4ª série, enquanto que no Brasil a recebem 15%. (Vide quadros III e IV, na pág. 39).

Os melhores recursos e a melhor situação econômica de São Paulo produzem essa melhor educação, a qual, por sua vez, produz as melhores condições de trabalho. No Estado do Rio Grande do Sul, 34% das crianças são aprovadas no 4º ano.

Pelo estudo, pois, que vimos comentando, verificamos que, em todo o país, a criança recebe uma educação média de cêrca de 2 anos e meio e, presentemente, apenas 15% dos alunos têm 4 anos de estudo; em São Paulo, já 52% dos alunos são aprovados na 4ª série das escolas urbanas e 23% são aprovados, nas escoIas rurais, na 3ª série; no Rio Grande do Sul, 34% nas escolas urbanas são aprovados na 4ª série e nas escolas rurais. Considerando a educação como um tratamento que não vale senão completo, temos que em São Paulo metade da população tem curso primário, e no Rio Grande do Sul, um têrço. Como êsses Estados têm matrícula equivalente à sua população escolar, ambos já possuem um sistema escolar, que cabe melhorar e aperfeiçoar; já em todo o Brasil, o sistema escolar não chega ainda a existir; é uma forma frustra de sistema escolar.

Tentemos, porém, medir o "deficit" dêsses sistemas escolares em face daquela meta estabelecida de 6 anos para aluno urbano e de 4 anos para aluno rural. Numa população de 20.000.000 na área urbana, teríamos 2.800.000 alunos

QUADRO III

Permanência na escola num grupo de 10.000 alunos

 

 

MATRÍCULAS

 

FREQUÊNCIA

RIO GRANDE DO SUL

 

SÃO PAULO

 

urbanos

 

rurais

urbanos

rurais

 

Menos de 1 ano

1 ano

2 anos

3 anos

4 anos

5 anos

6 anos

7 anos

 

770

3 874

1 553

1 331

1 189

873

343

067

 

 

1 406

2 346

819

877

1 643

1 767

902

240

 

1 085

1 713

752

648

2 455

2 223

888

236

 

1 678

3 073

1 615

1 625

1 336

513

134

26

QUADRO IV
Aprovações num grupo de 10.000 alunos

 

 

APROVAÇÕES

 

SÉRIE ESCOLAR

RIO GRANDE DO SUL

 

SÃO PAULO

 

urbanos

 

rurais

urbanos

rurais

Sem nenhuma

aprovação

1ª série

2ª série

3 ª série

4ª série

 

 

3 618

1 369

822

762

3 429

 

4 119

2 487

1 070

1 169

1 155

 

2 572

1 112

733

364

5 219

 

4 267

2 111

1 341

1 930

351

e numa população de 35.000.000 na zonal rural, teríamos 4.350.000 alunos, num total de 7.100.000 alunos; contamos, presentemente, com 5.100.000 alunos nas escolas; de maneira que faltaria matrícula para 2.000.000 de alunos. Mas, é muito importante notar que essa falta ocorre na zona rural. Na zona urbana, temos escolas para todos os alunos, isto é, para os 2.800.000 alunos existentes no grupo etário de 7 a 11. A nossa meta corresponderia a dar a 2.800.000 alunos urbanos, seis anos de curso, ou sejam 16.800.000 alunos-ano. Quer dizer, para darmos o curso completo aos alunos urbanos, deveríamos dispor de 16.800.000 alunos-ano e para os 4.350.000 alunos rurais, com 4 anos de curso, deveríamos dispor de 17.400.000 alunos-ano, num total, se o sistema escolar funcionasse completo para todos, de 34.200.000 alunos-ano.

De quanto dispomos realmente? Tomado aquêle período de permanência da criança na escola e feita a extrapolação entre o estudo de Moysés Kessel e a situação de 5.100.000 alunos que temos nas escolas, em todo o Brasil, verificamos que estamos dando presentemente a cada geração, 11.515.500 alunos-ano; como deveríamos dar 34.200.000, o nosso déficit é de cêrca de 22.000.000 alunos-ano. * Não são 22.000.000 de alunos-ano em cada ano, mas 22 milhões num curso de 6 anos para criança urbana e de 4 anos para criança rural. Se aceitarmos, porém, o sistema atual, de 4 anos para a escola urbana e 3 anos para a escola rural, verificaremos que a matrícula atual de 5.100.000 alunos cobre os grupos etários das crianças de 7 a 11 anos na zona urbana e os de 7 a 10 da zona rural, correspondentes a 2.800.000 alunos urbanos e 2.300.000 rurais; precisaríamos então de 18.100.000 alunos-ano; como só dispomos de 11.515.000 alunos-ano, nosso déficit é apenas, para o sistema atual, de 7.415.000 alunos-ano, que, dividido pelo número de anos dos cursos, iria dar por ano um déficit de mais ou menos 2.000.000 de alunos-ano. Custando cada aluno-ano em média no Brasil Cr$ 700,00, precisaríamos de Cr$ 1.400.000.000,00 a mais para que o atual sistema escolar pudesse funcionar, oferecendo 4 anos a todos os alunos urbanos e três, a todos os alunos rurais.

Se tomarmos, porém, São Paulo, a situação será a seguinte: a meta ambiciosa, que está parecendo a alguns aqui ambiciosa, de 6 anos de curso para as escolas urbanas e 4 anos de curso para as escolas rurais, seria atingida do seguinte modo. Temos uma população urbana em São Paulo de 4.804.000 habitantes e uma população rural de 4.330.000. (É interessante observar que sòmente em São Paulo a população rural é inferior à população urbana. No Brasil, a população rural é de 35.000.000 e a população urbana é de 20.000.000). Para a população de São Paulo, seria necessária a matrícula de 960.000 alunos nas escolas urbanas e 649.000 alunos nas escolas rurais, num total, por conseguinte, de 1.600.000 alunos. Isso corresponde à necessidade de 8.358.000 alunos-ano, para dar em São Paulo a educação de 6 anos ao menino urbano e de 4 anos ao menino rural. De quantos alunos-ano dispõe atualmente São Paulo? São Paulo já tem a matrícula de 1.065.000 alunos, sendo 776.000 urbanos e 288.000 rurais. Esta população fica na escola o tempo indicado abaixo:

 

Frequência

 

 

Urbano

 

Rural

 

Nº de alunos-ano

 

 

Menos de 1 ano

1 ano

2 anos

3 anos

4 anos

5 anos

6 anos

7 anos

 

 

84 223

132 971

58 374

50 301

190 569

172 560

68 931

18 319

 

48 452

88 732

46 633

46 921

38 577

14 812

3 869

750

 

66 335

221 703

210 014

291 666

916 584

936 860

436 800

133 483

 

 

 

 

 

TOTAL

 

3 213 445

O número de alunos-ano em São Paulo é, por conseguinte, de 3.213.445 alunos-ano. Precisaríamos de 8.358.000 alunos-ano para dar a tôda população os 6 e 4 anos de curso, respectivamente à população urbana e à rural, conforme se pode ver:

Meta ambiciosa, embora necessária:

6 anos de curso - escolas urbanas.

4 anos de curso - escolas rurais

População urbana: 4 804 211; alunos: 960 000

População rural : 4 330 212; alunos: 649 500

Total de alunos-anos urbanos: 5 760 000

Total de alunos-ano rurais : 2 598 000

-------------

8 358 000 alunos-ano.

Mas, se tomasse só a população escolar urbana matriculada nas escolas, isto é, 776.000, precisaríamos apenas de cêrca de 4.700.000 de alunos-ano. Como dispomos para a população urbana de 2.649.626 alunos-ano, o aumento necessário seria apenas de 2 milhões e 50 mil alunos-ano em seis anos, ou sejam cêrca de 342.000 alunos-ano por ano, para darmos a todos os alunos da escola paulista seis anos de curso, objetivo perfeitamente atingível.

* * *

Estabelecida que fôsse, com efeito, a compulsoriedade da educação primária, a matrícula na escola primária se faria nos mesmos têrmos do recrutamento militar. Haveria em cada ano uma classe a matricular, a classe que houvesse completado sete anos. Como a nação só tem dinheiro para dar 4 anos de escola, só poderiam estar na escola as quatro classes de 7, 8, 9 e 10 anos. Qualquer outra criança de mais idade só poderia ser recebida na escola, se houvesse lugar. Mas a indisciplina brasileira, decorrente exatamente da recusa de refletir racionalmente sôbre os problemas, leva a se preferir, por sentimentalismo, o menino de maior idade sôbre o mais jovem. O sistema escolar se faz assim completamente anárquico; a idade de 7 anos não é atendida compIetamente; a de 8 não o é; a de 9 também não; a de 10 idem; e entra-se a atender as de 11, 12, 13 e 14. Tudo isso gera, então, uma tremenda confusão de idades no sistema escolar.

Precisamos convencer-nos de que só temos escola para os meninos de 7, 8, 9 e 10 anos; qualquer outro menino de mais idade deve ser objeto de outros cuidados, pois, a escola regular não tem lugar para êle, salvo se estendermos o curso. Se regularizássemos assim a matrícula, imediatamente a nossa atual capacidade escolar seria suficiente para os grupos etários de 7 a 10 anos; se, depois de regularizar a matrícula, organizássemos a promoção automática, então, não faltaria lugar para os alunos das classes de cada ano. Ora, a promoção automática é uma conseqüência inevitável da escola para todos; uma escola para todos é alguma coisa oferecida a todos e de que cada um vai aproveitar na medida do possível. O sistema de graduação escolar é um sistema paralelo que se busca atingir, mas que todos os meninos não podem atingir. Se submeter todos os alunos à graduação rígida, estou criando uma escola seletiva e não uma escola de formação de todos. Pela graduação rígida, pretende-se obrigar o aluno a se ajustar a padrões inadequados à sua inteligência; se lhe falta essa inteligência, o sistema escolar o recusa. Tal processo é legítimo nas escolas seletivas, quando se pretende educar alguns apenas, mas não é legítimo quando se cuida de a todos educar na medida de sua capacidade. Como no Brasil o sistema desde o 1º ano primário funciona como um processo seletivo, mantêm-se os padrões rígidos, e reprovam-se repetidamente os alunos, desencorajando-os a continuar sua educação; essa é, sem dúvida, uma das grandes causas psicológicas da evasão escolar. Em todos os países escandinavos, assim como na Inglaterra, as promoções no ensino primário são automáticas. Na França, o aluno não é reprovado, mas orientado para cursos mais populares. Se procedermos à regularização das matrículas pelas idades e à promoção automática, poderemos ver que, com as atuais despesas, que já faz o Estado de São Paulo, uma escolaridade de 4 anos para todos os alunos era ali possível.

Se elevarmos a escolaridade a seis anos na cidade e a quatro anos na zona rural, a despesa de São Paulo subiria a Cr$ 3.200.000.000,00. Como já está a gastar Cr$ 2.000.000.000,00, não me parece francamente proibitivo que pudesse gastar mais Cr$ 1.200.000.000,00. Logo, no Estado de São Paulo, seria possível, num plano gradual, atingir a meta prevista com um aumento de despesa, perfeitamente suportável, de Cr$ 1.200.000.000,00.

Se sabemos que só o aumento do funcionalismo federal foi da ordem de Cr$ 30.000.000.000,00, fica difícil afirmar que a sociedade brasileira não poderia suportar a despesa com a sua educação popular. A verdade é que não estamos preparados intelectualmente para aceitar a prioridade essencial do problema de educação. Consideramos muito mais prioritário o problema de aumentar os salários de cêrca de 300 mil brasileiros, mesmo que êsse aumento importe em despesa da ordem de Cr$ 30.000.000.000,00. Para educar tôda a população brasileira, o aumento seria apenas de mais Cr$ 4.000.000.000,00. Para os que me disserem que no Brasil não há recursos para a educação, respondo, por isto mesmo, que não é verdade. Não há no Brasil é o sentimento de que a educação tenha prioridade suficiente para determinar a despesa necessária. E o sentimento não existe, porque o Brasil alimenta um conceito místico e não racional a respeito da educação. O que é místico é espontâneo. Não há em relação a coisas místicas necessidades de dinheiro. O místico é de sua natureza gratuito, espontâneo e miraculoso.

Stevenson, o candidato democrático à presidência dos E.E.U.U., declarou em sua companha, que a América do Norte, a despeito dos 37 milhões de pessoas que estudam em tempo integral nas suas escolas, estava à beira do desastre se não cuidasse de sua crise educacional. Essa crise não era nenhum déficit escolar, mas, a escassez de professôres. Apesar de ser a América a nação que, de todos os países, mais gasta com a educação, os seus líderes acham que se deve gastar ainda muito mais.

Há, entretanto, mais do que isto; os dois melhores sistemas escolares brasileiros são os de São Paulo e do Rio Grande do Sul. Vejam bem agora se a consideração que vamos fazer não justifica a compatibilidade do programa que venho sugerindo com as condições econômicas do Brasil. O aluno-ano paulista custa Cr$ 2.000,00 por ano e o aluno-ano riograndense custa Cr$ 770,00 por ano; quer dizer, 1/3 do que custa o de S. Paulo. E, porque? Porque o ensino no Rio Grande do Sul é, em cêrca de 2/3, municipal e como tal custeado no nível econômico local. Se São Paulo adotasse o sistema do Rio Grande do Sul, os seus recursos dariam para elevar o seu sistema ao plano da meta que consideramos aparentemente ambiciosa. Isto quer dizer, se São Paulo em vez de ter um quadro único de magistério para todo o Estado de São Paulo, tivesse quadros municipais de magistério, pagando salários correspondentes aos níveis dos salários municipais, o dinheiro daria para os 6 anos da escola urbana e os 4 anos da escola rural. Agora, porque não faz São Paulo isto? Porque, dentre as distorções brasileiras, uma delas é a de criar permanentemente grupos privilegiados. Como os funcionários de quadros únicos são altamente privilegiados, pois isto os faz independentes das circunstâncias econômicas locais das diversíssimas zonas brasileiras, o Brasil sempre resolve pelos quadros únicos contra quadros locais. Porque o Brasil não organiza os seus serviços na base local, isto é, com quadros municipais? Porque nos seus serviços não procura atender aos serviços, mas aos assalariados dêsse serviço.

Se o ensino primário fôsse local, com salários locais, o dinheiro de que o Brasil dispõe para a educação produziria número muito maior de escolas, com a vantagem, além disto, de não ser o professor um funcionário consular a ganhar um salário do Estado lá no Município, mas um funcionário como os demais funcionários municipais a ganhar o salário do seu município.

As três idéias que trago, assim, para demonstrar a compatibilidade do programa aqui proposto com as condições econômicas brasileiras são estas: regularizar a matrícula por idade; tornar a promoção automática; organizar o sistema na base de despesas locais e não gerais do Estado, nem muito menos nacionais do govêrno federal. Com estas três inovações, criaríamos as condições necessárias para um sistema escolar modesto, mas permanentemente progressivo.

Atingida a meta de seis anos de escolaridade fundamental na cidade, deveria abrir-se a oportunidade de continuação dos estudos para os alunos mais capazes, seja já qual fôsse a sua situação econômica, e para os alunos que estiverem em condições financeiras de continuarem os estudos.

Cabe aqui uma outra sugestão, que é inovadora também; modesta e inovadora. Diz a nossa constituição que a educação primária é gratuita e a pós-primária gratuita a todos quanto provarem insuficiência de recursos; em face disto, a educação média brasileira, como, também, a educação superior brasileira, seria sempre paga; aos alunos capazes e que provassem falta de recursos, o Estado forneceria bôlsas de estudos e os demais pagariam sua educação pelo que a mesma custasse. Desapareceria, dessa sorte, a diferença mais profunda entre escola pública e escola particular; ambas seriam pagas e ambas seriam autônomas. As públicas constituídas em Fundações, com autonomia financeira, administrativa e técnica; os professôres pertenceriam às escolas e não ao Estado; e, portanto, teriam os salários correspondentes aos recursos da escola, adotados pelos respectivos Conselhos Administrativos com a plena responsabilidade da manutenção das escolas em sua totalidade. Com a autonomia das escolas, seguir-se-ia a autonomia dos currículos. O ensino chamado médio deve ser diversificado, em virtude daquele critério inicial de que a educação é o processo de distribuição das pessoas pelas diferentes ocupações à luz das suas aptidões. Sendo assim, a escola média continuaria a escola fundamental, diversificados os seus ramos de estudos, mas socialmente equivalentes, já de cultura da inteligência especulativa, já da inteligência plástica, da inteligência prática e da inteligência inventiva ou da matéria, com grande variedade de currículos e programas.

Com a escolaridade obrigatória prolongada na cidade até os 12 anos, não seria difícil orientar os melhores alunos nesta idade para os múltiplos caminhos equivalentes do ensino médio, que seria, não mais propedêutico ao ensino superior, ma, autônomo e dirigido nìtidamente no sentido de preparo real para a vida.

Tal ensino médio formaria o quadro das ocupações de nível médio de uma sociedade moderna, na indústria, no comércio, na agricultura, e no serviço público e privado. Dêsse quadro, formado com 6 anos de curso primário e 6 anos de curso médio, sairiam os candidatos ao ensino superior; também êle altamente diversificado, destinado a formar os quadros profissionais, técnicos e científicos do país.

Tudo leva a recomendar um colégio universitário entre essa escola secundária e a universidade, para o qual se entraria mediante concurso vestibular, para daí seguir para os cursos básicos de nível superior. De fato, a escola superior seria um conjunto de cursos básicos superiores, êstes sim de caráter propedêutico aos estudos pós-graduados para as múltiplas profissões e especialidades da complexa vida moderna, fundada em tecnologias cada vez mais adiantadas. Todo êste ensino seria igualmente auto-financiado pelas taxas escolares. O sistema de bôlsas do Estado e de bôlsas particulares permitiria aos alunos capazes e sem recursos completarem a sua formação de nível superior. Do ensino médio em diante, o Estado destinaria sempre certa importância para a concessão de tais bôlsas.

A falta de tempo obriga-me a deixar-lhes, assim, de relance, sugestões que exigiriam desenvolvimentos muito mais minuciosos. Possam, porém, as indicações apenas esboçadas para uma possível "programação" educacional que aqui lhes confio, servir de estímulo ao estudo econômico da educação. Afinal educar é investir no setor do capital humano, tão essencial, pelo menos quanto o capital de máquinas e equipamento. Muito obrigado.

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