TEIXEIRA, Anísio. Prefácio. In: MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo, Editora Nacional, Editora da USP, 1972. 390p.

Apresentação

O que faz dêste livro - A Galáxia de Gutemberg - talvez o seu livro fundamental é que nêle Marshall McLuhan, baseado em sua identificação das tecnologias com extensões do homem, dos seus sentidos, das suas formas de ser, oferece-nos uma explicação da transformação do homem da cultura oral e manuscrita no homem da cultura tipográfica e moderna, com um poder de penetração e imaginação não atingido por qualquer outro escritor.

A tecnologia da tipografia precedeu, com efeito, tôdas as outras tecnologias avançadas que marcam nossa época. A linguagem já nos havia dado as línguas e com elas a mente e a inteligência humana. O alfabeto e a escrita nos deram a civilização, que atingiu seu apogeu intelectual na Hélade e o apogeu material no Império Romano.

Com a queda do Império Romano, a civilização sobrevive na longa era medieval com o cristianismo, ainda uma expressão da cultura escrita greco-judaico-romana, a qual vem a redespertar com o Renascimento.

Mas é a invenção da tipografia que marca a grande transformação. A tecnologia da imprensa dá ao homem, com o livro, - "a primeira máquina de ensinar", na expressão de McLuhan - a posse do saber, e armando-o com uma perspectiva visual e um ponto de vista uniforme e preciso, o liberta da tribo, a qual explode, vindo, nos dias de hoje, transformar-se nas grandes multidões solitárias dos imensos conglomerados individuais.

Inicia-se a fase da Galáxia de Gutenberg com a descoberta da tipografia, desdobrando-se a cultura heleno-latina nas variedades das culturas vernáculas e nacionais, fundindo-se os grupos feudais nas nações modernas, com o aparecimento do Público, do Estado, do Indivíduo e das civilizações nacionais. O nôvo meio de comunicação que é a palavra impressa faz-se o grande instrumento da civilização. McLuhan dá-nos o retrato de tôda a época e nos traz até a porta dos tempos de hoje, com a Reconfiguração da Galáxia em face dos novos meios de comunicação.

Não exageram os que dizem ser McLuhan - um dos mais debatidos pensadores da década que ora se encerra - figura a ombrear-se com a dos fundadores do pensamento contemporâneo. O que lhe marca a atuação é o nôvo ângulo pelo qual procura desvendar as origens e o modo por que se formou o que chamamos o espírito moderno, nossa visão do mundo, nosso modo de ser e existir, nossa cultura.

A sua obra é como a revelação de uma fotografia. Não é um criador de pensamento, ou de ideologia, ou de teorias de natureza humana ou de sociedade, mas alguém que busca ver e descrever o que se passou com a evolução do homem em seu esfôrço por desenvolver-se e criar o seu mundo, inventando as tecnologias que lhe estenderam os sentidos e o poder de formar suas culturas. Tudo isto, porém, fêz o homem em seu longo e penoso esfôrço criador, tomando seu poder como algo de admirável, por certo, mas não sabendo bem como explicá-lo, nem dêle tendo a completa consciência.

A obra de McLuhan é uma tentativa original e penetrante de descoberta dessa explicação, que êle vai encontrar escondida em pressentimentos, ocasionais sugestões e raros e acidentais rasgos de luz e consciência.

O esfôrço de McLuhan tem incrível penetração e tal originalidade de intuição e percepção que chega a ser desconcertante, dando-nos, por vêzes, uma certa vertigem, sobretudo aos que se fizeram integral e plenamente homens gutenberguianos da cultura da palavra impressa, a cultura que nos fêz "indivíduos", que criou o "público", o "Estado", as "nações", o "pensamento científico", desinteressado e objetivo, a "secularização" global da vida humana.

No momento em que tudo isso está em crise e estamos ameaçados de voltar à cultura tribal de períodos anteriores, pode-se compreender porque McLuhan está sendo saudado como um precursor, um profeta, um revelador das formas pelas quais o homem chegou ao relativo domínio do mundo material e se adaptou, como pôde, às suas próprias invenções e criações, de tudo resultando a grande fusão – melhor diria, confusão – moderna, a que chamamos nossa civilização ocidental.

Para a nova era dessa civilização que está indiscutìvelmente a anunciar-se, ler e procurar penetrar o difícil, nôvo e original pensamento de McLuhan não é apenas um raro e alto prazer, mas dever e necessidade de cada um de nós que sofremos as perplexidades e incertezas da imensa transição.

A novidade dos nossos tempos tumultuados, com início da era eletrônica em substituição à mecânica e tipográfica de nossa extinta era moderna, pela maior transformação tecnológica de tôda a história, será a de que vamos entrar na nova era tribal da aldeia mundial pelos novos meios de comunicação, mas agora em contraste com os nossos antepassados espontaneístas e semiconscientes, em estado de alerta, como diz McLuhan.

Para estarmos assim despertos, contudo, precisamos, sem dúvida, de o ter lido, como um dos mais autorizados videntes da nova era.

ANÍSIO TEIXEIRA

Rio, 7/12/1969.

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