TEIXEIRA, Anísio. Educação e cultura na Constituição do Estado da Bahia . Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v.65, n.151, set./dez. 1984. p.685-696.

Educação e Cultura na Constituição

do Estado da Bahia (1947)*

Anísio Teixeira (1900-1971)

Atendendo a convite da Assembléia Constituinte do Estado da Bahia, o Professor Anísio Teixeira compareceu, em 1947, à sessão em que foi debatido o capítulo sobre Educação e Cultura. Na oportunidade, o renomado educador brasileiro, na qualidade de Secretário de Educação do Estado, fez esta exposição em que analisa aspectos fundamentais da educação no País, transcrita das notas taquigráficas dessa sessão.

Honrado pelo convite desta Assembléia, a ela hoje compareço para encarecer a aprovação do Capítulo de Educação e Cultura do Projeto de Constituição, elaborado pela sua Comissão de Constituição.

Confesso que não venho, até aqui, falar-vos sobre o problema da educação sem certo constrangimento: quem percorrer a legislação do País a respeito do tema, tudo aí encontrará. Sobre assunto algum se falou tanto no Brasil e, em nenhum outro, tão pouco se realizou. Não há, assim, como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir. Há cem anos os educadores se repetem entre nós. Esvaem-se em palavras, esvaímo-nos em palavras e nada fazemos. Atacou-nos, por isso mesmo, um estranho pudor pela palavra. Pouco falamos os educadores de hoje. Estamos possuídos de um desespero mudo pela ação.

Somente uma ocasião como esta me obrigaria a vir repetir idéias que todos sabem e conhecem. Somente esta hora me obriga a repetir uma exposição sobre os aspectos fundamentais do problema da Educação no País. Esta hora, que é da maior gravidade para o mundo e para o Brasil. Para o mundo porque chegamos àquele ponto em que a própria divisão do planeta em nações se tornou incompatível com a paz, e isto nos compele à necessidade inelutável de sua organização política em termos globais. E, para o Brasil, porque pela terceira vez estamos a enfrentar o problema de implantar a democracia no País. Pela terceira vez, estamos tentando fundar a República. É natural que não queiramos falhar, é natural que, desta vez, fundemos realmente a democracia.

Sabemos já o que seja democracia. Vimo-la, há pouco, na sua mais tremenda provação. Foi o ímpeto de sua vitória no mundo que no-la trouxe de novo às nossas plagas - para mais um ensaio de implantação. Conhecemos as suas promessas e os seus frutos, mas sabemos também que é, por excelência, um regime social e político difícil e de alto preço. Todas as suas virtudes têm um reverso: a dificuldade. O seu próprio lema, tão velho e sonoro de liberdade, igualdade e fraternidade, é uma forma condensada dessas dificuldades. A liberdade não é a ausência de restrições, mas autodireção, disciplina compreendida e consentida; a igualdade não fácil nivelamento, mas oportunidade igual de conquistar o poder, o saber e o mérito; e a fraternidade é mais que tudo isto, mais que virtude, mais que saber: é sabedoria, é possuir o senso profundo de nossa identidade de destino e de nossa identidade de origem. Democracia é, assim, um regime de saber e de virtude. E saber e virtude não chegam conosco ao berço, mas são aquisições lentas e penosas por processos voluntários e organizados. Na sua competição com outros regimes, a desvantagem maior da democracia é a de ser o mais difícil dos regimes - por isto mesmo o mais humano e o mais rico. Todos os regimes - desde os mais mecânicos e menos humanos - dependem da educação. Mas a democracia depende de se fazer do filho do homem - graças ao seu incomparável poder de aprendizagem - não um bicho ensinado, mas um homem. Assim, embora todos os regimes dependam da educação, a democracia depende da mais difícil das educações e da maior quantidade de educação. Há educação e educação. Há educação que é treino, que é domesticação. E há educação que é formação do homem livre e sadio. Há educação para alguns, há educação para muitos e há educação para todos. A democracia é o regime mais difícil das educações, a educação pela qual o homem, todos os homens e todas as mulheres aprendem a ser livres, bons e capazes. Nesse regime, pois, a educação faz-se o processo mesmo de sua realização. Nascemos desiguais e nascemos ignorantes, isto é, escravos. A educação faz-nos livres pelo conhecimento e pelo saber e iguais pela capacidade de desenvolver ao máximo os nossos poderes inatos. A justiça social, por excelência, da democracia, consiste nessa conquista da igualdade de oportunidades pela educação. Democracia é, literalmente, educação. Há, entre os dois termos, uma relação de causa e efeito. Numa democracia, pois, nenhuma obra supera a da educação. Haverá, talvez, outras aparentemente mais urgentes ou imediatas, mas estas mesmas pressupõem, se estivermos numa democracia, a educação. Com efeito, todas as demais funções do Estado democrático pressupõem a educação. Somente esta não é a conseqüência da democracia, mas a sua base, o seu fundamento, a condição mesma para a sua existência.

A democracia é, assim, o regime em que a educação é o supremo dever, a suprema função do Estado. Seria vão querermos equipará-Ia às funções de polícia ou de viação, ou mesmo de justiça, porque a de educação constitui a única justiça que me parece suficientemente ampla e profunda para apaziguar a sede de justiça social dos homens. Todos falamos em regime de justiça social, porém haveis de me permitir sublinhar o sentido de justiça social da democracia. Nascemos diferentes e desiguais, ao contrário do que pensavam os fundadores da própria democracia. Nascemos biologicamente desiguais. Se a democracia pode constituir-se para nós um ideal, um programa para o desenvolvimento indefinido da própria sociedade humana, é porque resolve o problema dessa dilacerante desigualdade. Oferecendo a todos e a cada um oportunidades iguais para defrontar o mundo e a sociedade e a luta pela vida, a democracia aplaina as desigualdades nativas e cria o saudável ambiente de emulação em que ricos e pobres se sentem irmanados nas mesmas possibilidades de destino e de êxito. Esta, a justiça social por excelência da democracia. A educação é, portanto, não somente a base da democracia, mas a própria justiça social.

Que fizemos nós no Brasil, até hoje, para que essa suprema função do Estado - a educação - se exercesse? A resposta a esta pergunta exprime-se pelo fato mesmo de estarmos aqui a fundar, pela terceira vez, a democracia.

Há quatro tipos de governo, dizia-nos o Professor Russel, da Universidade de Colúmbia; há o governo dos ignorantes pelos ignorantes, que é a tirania, há o governo dos que sabem pelos ignorantes, que significa revolução próxima; há o governo dos ignorantes pelos que sabem, que é despotismo benevolente; e há o governo dos que sabem pelos que sabem, que é democracia. Que tivemos até hoje? Quando muito, despotismo benevolente, o governo dos ignorantes pelos que sabem ou pretendem saber. E isto por quê? Porque não fizemos da educação o serviço fundamental e básico do Estado.

Falamos em democracia, temos aspirações democráticas, sentimentos democráticos. Suspiramos pela democracia que é a educação para todos, educação boa e bastante para todos, a mais difícil, repetimos, das educações: a educação que faz homens livres e virtuosos. E por que não a tivemos? Porque, força é insistir, jamais fizemos da educação o serviço fundamental da República. E não se pense que esta é a história, em seus começos, de todas as democracias. A democracia da América do Norte não começou mais cedo do que a nossa: de certo modo, começou depois da nossa, quando Horace Mann iniciou a sua grande campanha pela educação pública e gratuita para todos, na presidência de um Conselho de Educação, como este que queremos fundar aqui. Horace Mann, eleito em 1837 para o Conselho de Educação de Boston, inicia então uma luta que só em 1847 começa a dar seus primeiros frutos.

Naquela época, aqui, na Bahia, já tínhamos até a nossa Escola Normal, isto é, a formação profissional de mestres primários, que a América só iria conhecer anos depois. Na Bahia, começamos pois tão cedo, ou mais cedo do que eles; mas enquanto na América a solidez de seus movimentos retirava sua força da seriedade puritana e cívica de suas origens, nós aqui plantávamos na areia móvel de nossas tradições de aventura e de incerteza. A escola sempre foi um dos deveres mais relegados e menos sérios do Poder Público; a política, a cadeia foram sempre mais importantes do que a escola pública. Mesmo hoje, no Estado da Bahia, gasta-se mais com as suas "forças de terra" do que com todo o professorado primário, secundário e normal.

Mas, por infortúnio nosso, temos razão para ser assim.

Ouço constantemente insistir-se na obediência às nossas tradições, e sou, devo declarar, profundamente sensível às legítimas e boas tradições brasileiras. Mas distingo entre estas tradições brasileiras algumas tradições que me parecem profundamente más e perniciosas, embora vivas e vivazes.

Passemos, com efeito, os olhos pela nossa história. Que fomos? Colônia, por mais de três séculos. E, como colônia, governados por um grupo que não me atrevo a chamar de aristocrático, porque antes seria escravocrata. Fomos, então, qualquer coisa como uma escravocracia. Como poderíamos aprender democracia na Colônia? (Risos)

Tudo que pudemos aprender, foi rebeldia; rebeldia que se fez, assim, uma das fundas e legítimas tradições brasileiras. Mas rebeldia que é, senão conformidade negativa? Rebeldia era o desejo de que os privilégios escravocratas, ou outros dos tempos coloniais, viessem a competir a alguns nativos (não todos os nativos), em substituição àqueles que nos estavam a todos explorando. (Risos)

E depois da Colônia, que tivemos? A Monarquia, com o rótulo superlativo de Império. E o Império ainda era um governo de ocupação, ainda era uma dinastia estrangeira ocupando o Brasil, governando o Brasil com algum ou talvez bastante espírito nativo, com algum ou talvez bastante espírito local, mas espírito, em essência, aristocrático, ou melhor, oligárquico. Um grupo de brasileiros se substituíra numa vitória daquele movimento de rebeldia já acentuado na Colônia ao grupo estrangeiro que explorava o Brasil.

Porque jamais tivemos regime que fosse, na real concepção da democracia, a integração de todo o povo "com" e "em" seu governo; em que não houvesse uma distinção radical entre a classe dominante e o povo, em que não houvesse a classe que se beneficia do Brasil e a que trabalha, peleja e sofre para a existência dessa outra classe.

Às vezes ponho-me a indagar: por que será que o Governo, entre nós, há de ser sempre como um bem privado, que se conquista como se fosse um tesouro, uma riqueza a ser distribuída com os amigos, companheiros e partidários? Tal concepção é tão profundamente generalizada no Brasil, que me ponho, por vezes, a indagar da origem, por certo vigorosa, de tão estranha deformação.

E ocorre-me que talvez não tenha sido inocente a este respeito o método de colonização português. Enquanto a Inglaterra colonizava por meio de companhias comerciais organizadas para o objetivo privado da exploração e do lucro, e estas companhias comerciais, por força das circunstâncias, faziam-se Governo e Estado, adquirindo, sem o quererem, funções públicas de ordem e poder de tributação, Portugal colonizava por intermédio de governos que se faziam, por força ainda das circunstâncias, comércio e exploração de lucro privado. Assim, enquanto na colonização inglesa era o comércio, era o privado que se fazia público, na colonização portuguesa, era a autoridade pública, o governo, que se fazia comércio, que se fazia poder privado e particular. Julgo que está aí, talvez, um pouco da explicação do privatismo irremediável com que ficou maculado o nosso conceito de governo. O problema já foi estudado pelo Professor Nestor Duarte, menos porém em sua etiologia do que em seu diagnóstico. O que é certo é ser, entre nós, este privatismo de senso do Estado mais profundo do que em outros países que sofreram, como o Brasil, a colonização e, entretanto, mais cedo recuperaram ou adquiriram o sentido de República.

Somente com a abolição e a campanha republicana é que podemos dizer que o sentimento democrático se tenha esboçado no Brasil. E com a proclamação, afinal, da República, é que o problema da educação se apresenta em sua totalidade. Mas, profundas influências européias e aristocráticas nos levaram, então, a imaginar um duplo sistema de educação: um sistema para a chamada elite e um para as camadas populares.

Mesmo, pois, com a fundação da República, ainda não chegamos à democracia. O regime educativo visava assegurar a manutenção de uma sociedade de classes, em que um grupo seria beneficiado com uma educação alta e o povo, as "classes menos favorecidas" (singular linguagem democrática), teria escolas primárias seguidas ou a par de inadequadas e precárias escolas profissionais.

Esse dualismo entre educação para os dirigentes e educação para os dirigidos corrompeu, desde o início, o nosso conceito de educação democrática. E aqui faz-se indispensável prolongar a nossa análise, a fim de descobrir as razões porque a nossa consciência democrática, a despeito de assomos por vezes vigorosos, se mostra tão débil e corruptível. Há, com efeito, algo de orgânico na falta de coerência e de consistência nacional, na extrema tenuidade nacional.

Sabemos que somos um país de distâncias físicas; sabemos que temos uma geografia que nos espanta e nos separa em suas imensas distâncias. Mas, o Brasil não é apenas um país de distâncias materiais, o Brasil é um país de distâncias sociais e de distâncias mentais, de distâncias culturais, de distâncias econômicas e de distâncias raciais. E nas dificuldades que todos sentimos em compreendê-lo, não devemos esquecer este fato: é por causa dessas distâncias que há tantas linguagens pelo Brasil afora. Falamos uma língua em voz alta e outra em voz baixa. Temos uma língua para as festas e outra para a intimidade. Uma para o povo, outra para o estrangeiro e outra para os nossos "iguais". Um certo temor, uma certa incompreensão em relação ao "povo", nome que pronunciamos sempre como se fosse entre aspas, provém, a meu ver, da existência dessas distâncias. Em virtude delas, tudo no País fica esgarçado, frágil e tênue. Só uma força vence esse distancialismo brasileiro, força que, se não existisse, tornaria bem difícil a existência e a unidade do País, a despeito de sua constituição ganglionar e esparsa. Só uma força vence este distancialismo, procurando unir debilmente a gigantesca talagarça nacional - o sentimentalismo. Só isto nos une em nosso imenso esfacelamento institucional, mas une corrompendo, deformando, viciando e destruindo o vigor dos órgãos e dos tecidos nobres e criando, em seu lugar, um monstruoso tecido conjuntivo, em que órgãos e funções desaparecem na massa informe e sentimental do falso corpo nacional.

Em tudo, no País, vemos essa força de dispersão. As melhores práticas. Uma certa invencível tenuidade compromete na seriedade os esforços nacionais. Somos indivíduos sem outra coesão social que a da família ou a do grupo oligárquico. Estes g&aamoooocirc;nglios de coesão formam nosso arquipélago nacional. Um arquipélago econômico, social, cultural e intelectual.

A educação é a melhor, mas não a única demonstração desse processo de diluição institucional corrente no País. Nenhuma outra atividade pode, com efeito, melhor refletir a alma nacional. Que sucede com as instituições educativas? É preciso não esquecer que, durante toda a Monarquia, nossa cultura superior vinha da Europa. As escolas secundárias existiam, mas se achavam, também, profundamente ligadas às instituições européias, aos processos e aos métodos da Europa.

Com a República, detém-se um pouco essa importação da cultura européia, ensaiamos aquelas idéias a que já nos referimos de um duplo sistema de ensino - para a elite um, para o povo, outro. Mas, nem uma, nem outra coisa funciona. A educação popular faz-se seletiva e entra a preparar alunos (os célebres "alunos prontos") para as escolas secundárias e estas fazem-se o processo de "passar" da classe popular para a da alta elite ou classe dirigente. E, apesar da República, toda a educação continua oligárquica, como se estivéssemos na Monarquia ou na Colônia. Apenas, o que não é pouco, as classes dominantes, privadas da contribuição da cultura européia, fazem-se populares - populares e menos cultas. É o tecido conjuntivo que se vai fazendo podre. Nestas alturas é que a velha República entra em dissolução e se esfacela. Inicia-se o período "revolucionário" de 30. É perfeitamente visível, a quem acompanhou aqueles primeiros anos, que a Nação sentiu, então, a gravidade de seu problema de educação. É vigoroso o choque de idéias. O País, a despeito de tudo, crescera encetando a sua era industrial. As aspirações democráticas, geradas pela nossa geografia e fortalecidas pela indústria nascente, desejam impôr-se. A educação para a elite e a educação popular entram em choque e tendem a fundir-se. Nesta ocasião, a luta dramática de São Paulo dá-nos 1934 e, pela segunda vez, a oportunidade de fundar a democracia. Tivemos a Constituição de 34. Vamos retomar todo o esforço de 89 e dirigi-lo. É justificada a esperança de renascimento. Mas, a fragilidade de nossa democracia, por vício de nossa educação, lançados de novo num regime de força, na velha e forte e tradicional corrente do poder pessoal.

Porque a República é que é um programa de renovação, a democracia é que é uma revolução. Tradicional, histórico, conservador, é o poder pessoal. A fugaz noção de República eclipsa-se mais uma vez. O País volta a ter dono: o seu governante. Somos, de novo, como na Colônia, como no Império, não uma Nação, mas a propriedade de uma oligarquia, apenas agora ainda mais absorvente. A oligarquia é composta de negocistas e de "operários". Aos "operários" dá-se a mais desmoralizante das legislações trabalhistas; e aos negocistas dão-se os negócios.

Confirmam-se certas categorias de nosso desenvolvimento histórico e confirma-se aquele democratismo sentimental. Tivemos uma ditadura considerada por alguns "profundamente mansa e boa" (Risos). Os velhos e "novos ricos" são, pela sua tenuidade, frágeis e acomodados. Ajustam-se à situação e tiram dela o proveito que podem. E na educação, que sucede? Rompe-se o dualismo. Toda a educação faz-se popular. Mas como a educação popular, comparada com a da formação das elites, era mais ou menos uma burla, toda a educação faz-se uma burla. Os males de uma e outra juntam-se no pandemônio educativo da ditadura. A vitória do "popular" no ensino secundário institui o regime "das facilidades".

Tudo é fácil para alunos e professores. As forças amplas e difusas do sentimentalismo brasileiro escorrem sobre as escolas desmanchando-as e diluindo-as. Nem elites, nem educação popular. Os vícios mais ou menos contidos da educação popular - improvisada e empírica - e da educação secundária - formalista e burocrática - misturam-se e produzem a bacanal educativa do Estado Novo. A educação faz-se mero formalismo para o aluno e uma desenfreada defesa de interesses pessoais para os professores. E chegou-se, assim, àquele ponto de saturação, já revelado em plena ditadura, de não poderem mais funcionar os serviços normais de governo. Só em condições extraordinárias podia-se obter alguma eficiência. Só em condições e... digo: sobre o Brasil comum, cumpria erguer um Brasil extraordinário, que funcionasse. A ditadura trouxe-nos, talvez, este bem: levou certos males nacionais às suas últimas extremidades, demonstrando com isso - tragicamente, é certo - a necessidade de sua reforma. Mais do que outros, ficaram demonstrados certos males do governo. Exacerbados os interesses até à desordem pela ditadura, a exploração do governo, por esses interesses em desordem, faz-se catástrofe. O regime do parasitismo e da irresponsabilidade atingiu o auge. Saímos disto para esta nova tentativa de fundar, pela terceira vez, a República.

Que iremos fazer dessa lição e desta oportunidade? Da lição da ditadura e da oportunidade da revolução em que nos achamos? Como iremos organizar o sistema de educação para todos, que nos salve de nossos vícios e nos crie as condições para a democracia? Como estabelecer a seriedade do processo educativo e a sua eficiência? A própria ditadura - mergulhada no seu caos administrativo - foi obrigada, em certos serviços, a mostrar o caminho. São os seus famosos serviços "especiais" e serviços "extraordinários". Um deles foi, por certo, o DASP, que constitui um serviço aceitável em princípio, mas cuja atuação é um dos melhores exemplos de quanto pode a extravagância nacional deformar e arruinar uma boa idéia. Indico-o, aqui, porém, mais como modelo das organizações extraordinárias do que para analisá-lo. As conseqüências de sua ação foram tremendas, a sua inconsciência dessas conseqüências ainda mais pasmosas, mas o seu caráter de órgão especial é muito interessante para demonstrar a impossibilidade de funcionamento dos órgãos comuns da burocracia brasileira. Criado para "consertar" esses órgãos comuns, esqueceu-se de que o remédio estava nos próprios moldes de sua constituição - autônoma e responsável - e, em vez disso, restringiu, limitou, mecanizou até à insensatez os serviços públicos do País. Seria divertido estudar os disparates de sua inacreditável terapêutica.

Imaginemos que ocorresse ao DASP "consertar" os cartórios do País. Sabemos que os cartórios são, ainda hoje, cargos privados. O tabelião, investido de uma função pública, exerce-a, entretanto, em moldes e por processos privados. Ninguém negará, entretanto, que eles não funcionam por isso. Pelo contrário, são rápidos e eficientes. Como os "consertaria" o DASP para reintegrá-los nos moldes políticos? Começaria por exigir concurso para o tabelião e reduzir-lhe os vencimentos. Depois lhe retiraria o direito de nomear os auxiliares, que passariam a ser escolhidos mecanicamente pelo DASP. A seguir, estabeleceria um regulamento pelo qual o diretor nenhum poder tivesse sobre os funcionários, nem estes nada devessem aos diretores. Tomaria também a si a distribuição de material ao cartório, segundo normas e padrões, dele, DASP. A conclusão é óbvia. O cartório estaria perfeito como regulamento, mas já não funcionaria. Um reconhecimento de firmas se faria em quinze dias. Uma escritura em três meses. O DASP tinha curado o doente matando-o... (Risos). Cito o caso tão somente para demonstrar como o que falta entre nós é a continuidade entre meios e fins. O Brasil vive numa orgia de formalismo e, perdido nele, esquece os fins, a não ser que admitamos adotar não os fins explícitos e claros, mas outros, dissimulados naquele frenesi de formalidades e normas, que tanto mais se exaltam quanto mais se desvirtua o serviço público.

A ausência de espírito público, o caráter comodista e displicente do funcionário, a substituição da eficiência pela exigência formal, tudo apenas revela a resistência da tradição antiga e tenaz da natureza do cargo ou emprego público.

Entretanto, mesmo no caso extremo dos cartórios, a correção seria fácil, se lhes quiséssemos dar o caráter de serviço integralmente público. Para isto bastaria mudar as condições de provimento dos cargos, mas não tirar ao tabelião nenhum dos seus poderes, nem retirar aos funcionários nenhum dos seus deveres. Os métodos de retribuição de um e outros também poderiam mudar, mas não de modo a não ser mais possível ter bons tabeliões nem funcionários diligentes. E, sobretudo, seria necessário que a eficiência do serviço fosse mais importante que as formalidades externas do mesmo. Nesse caso, o serviço tornar-se-ia público, sem perder nenhuma das vantagens do período em que era explorado particularmente.

Quem cuidar que, nas democracias, o primado desse famoso formalismo brasileiro seja a regra, estará completamente errado. Basta ler os poderes de um Diretor de Instrução nos Estados e Municipalidades da América. A muitos, entre nós, pareceria estar na presença de um sultão ou de um ditador, tão grandes são os poderes desse administrador. Mas, imensa também é sua responsabilidade e, para cumpri-Ia, todos aqueles poderes são indispensáveis. Por outro lado, não esqueçamos que a organização, na América, é feita para as crianças e não para os funcionários, para os fins e não para os meios, enquanto, entre nós, a organização pública perde-se na sua preocupação pelo funcionário, esquecendo os fins a que se propõe.

Estas considerações prendem-se à análise de certas condições gerais da vida burocrática brasileira, que devem agora ser lembradas, para nos fazer ver como é grande e delicada a tarefa no momento atual de sua reconstrução.

Que vamos fazer, portanto, para dar à Constituição da Bahia a força e vigor necessários para a reforma dos seus serviços públicos e, especialmente, educacionais?

Devo dizer que a grande revolução educacional já foi feita pela Constituição de 1946, que consagrou duas grandes medidas. Uma delas resultou de uma longa luta dos educadores brasileiros - é a que institui a autonomia da educação nos Estados, autonomia que é condição de liberdade, porque a centralização, antes de ser um erro administrativo, antes de ser um vício administrativo, é uma limitação da liberdade. Felizmente, agora, por essa Constituição, poderemos ter vinte e um sistemas escolares no Brasil e isso significa vinte e uma possibilidades para idéias boas e progressivas. Uma delas poderá ser a melhor e estimular os demais para imitá-la ou buscar ainda outras melhores, o que seria impossível com o sistema centralizador.

A primeira oportunidade é, pois, de sermos autônomos. A Bahia poderá realizar a reforma de sua organização educacional com a obediência tão só à lei de bases e diretrizes, complementar à Constituição Federal, lei que, importa acentuar, como os seus próprios termos o dizem, não poderá conter senão as bases e diretrizes de educação nacional.

A segunda oportunidade é a das percentagens instituídas para a educação nacional, para a União, os Estados e os Municípios. É, talvez, o artigo mais revelador da nova consciência democrática expressa na Constituição Federal. Este artigo determina que 20% das rendas estaduais, 20% das rendas municipais e 10% das rendas federais sejam aplicadas na educação.

Aquilo que, há cem anos, se fizera nas outras democracias, em que alguns impostos foram desde o início especialmente destinados à manutenção da educação pública, como na América do Norte, onde todos os impostos relativos à propriedade imóvel tem o destino de atender à educação, fez-se, afinal, entre nós.

Esta idéia foi sugerida no Brasil dezenas e dezenas de vezes e nunca conseguiu vencer. Uma daquelas permanentes brasileiras, o espírito fazendário, sempre impediu a criação dos fundos autônomos para a educação. É de muito maior importância aquilo que se chama pernosticamente de "unidade orçamentária" do que os serviços de educação e formação do homem do Brasil.

Tenho quatorze anos de lutas dentro dos Governos procurando reivindicar para a educação a autonomia que me parece indispensável ao desenvolvimento dos seus serviços. Nunca precisei de lutar pela educação fora dos Governos. A minha experiência nestes quatorze anos é uma longa confirmação de que será inteiramente impossível fazer-se educação no Brasil, enquanto estivermos na dependência da burocracia e do formalismo dos serviços comuns da administração brasileira.

Vamos, de algum modo, aproveitar a sugestão da única lição que nos deu a ditadura. Vimos como, no seu esforço de levar os vícios brasileiros até ao extremo, veio ela a demonstrar que, efetivamente, os serviços públicos só funcionam no Brasil em caráter extraordinário. Daí o famoso DASP, o Serviço Especial de Saúde Pública, o Serviço de Febre Amarela, alguns institutos e outras tantas autarquias que chegaram a funcionar porque em completa independência das fórmulas e da administração burocráticas.

No projeto da Constituição baiana, os constituintes lançaram as bases e constituíram os órgãos pelos quais a educação conquista a sua autonomia e o seu próprio governo.

Longe de mim não reconhecer a audácia do plano proposto nessa Constituição para o governo da educação. Não é que não haja precedentes. A autonomia de certos serviços públicos é uma idéia velha e já não são raros os exemplos de sua aplicação. Mas, pela primeira vez, tenta-se a autonomia para serviço da vastidão e importância do serviço educacional.

Recomendamos esta experiência porque há 125 anos nos defrontamos, no País, com o problema da educação popular e nos revelamos impotentes para sua solução dentro dos serviços comuns de governo. Há, entre nós, uma desproporção considerável entre as funções mais imediatas do governo democrático e a obra de educação popular. A vastidão deste empreendimento com escolas primárias para todos, com as escolas secundárias e técnicas para uma porção substancial da população, com as escolas profissionais e superiores e todas as demais instituições de cultura e difusão dos conhecimentos humanos, além da pesquisa e desenvolvimento das ciências, letras e artes, a vastidão deste empreendimento leva os governos a relegá-lo e adiá-lo, pois só lhes seria possível resolvê-lo deixando-se por ele absorver, completamente.

Organizar o governo autônomo para a educação parece-nos um meio de responder a essa dificuldade, tanto mais quanto todas as outras funções de governo vêm sofrendo, com o correr dos tempos, ampliações cada vez mais profundas. Entre nós, tão amplos se fazem certos deveres do Estado, que não raro desejamos governos especializados para cumpri-los. E sonhamos um governo de médicos para a solução dos problemas de assistência médico-social, governo de educadores para a solução do problema da educação popular.

Quantas vezes lamentamos não havermos possuído nosso Sarmiento, para armar, entre nós, definitivamente, este problema!

A retirada, pois, do problema da educação do magno dos problemas brasileiros de governo, representa, assim, a medida preliminar para criar a possibilidade do seu solucionamento. Afastamo-lo, para poder concentrar sobre ele a atenção, os esforços e as providências. Faríamos, porém, obra insincera, se o afastássemos sem dar aos órgãos prepostos à solução os poderes e autonomia, que só o Governo possui. O projeto é audacioso, mas, por isso mesmo, é que é viável. É o governo da educação que estamos instituindo nesta Constituição.

Poderíamos, instituí-lo como uma fundação, sob a direção de um único homem, mas a própria vastidão da obra desaconselhava tamanha concentração de poder. A sugestão do Conselho, de um pequeno colégio de personalidades, nasce do propósito de confiar obra tão ampla ao pensamento concertado de várias cabeças. Se isto enfraquece, sob certos aspectos, a unidade de ação, por outro lado, conduz àquela sábia e equilibrada orientação necessária em empreendimentos de real magnitude. Mas, o projeto prevê ainda a correção de qualquer possível dispersão de objetivos. Este Conselho tem funções de deliberação, funções que chamaríamos legislativas, se os nossos termos jurídicos não tivessem sentidos tão particularmente restritos, em oposição às funções executivas. O Conselho delibera e decide, mas não executa. A execução será confiada ao Diretor de Ensino, cuja nomeação é o mais importante ato de política educacional a ser praticado pelo Conselho. Com um Conselho para ponderar, deliberar e aprovar e um Diretor para executar e cumprir, teremos, deveremos ter autonomia, sem ditatorialismo, e eficiência, sem extremismo.

Criado o aparelho de controle das escolas, cabe oferecer-lhe os meios para o desempenho de suas funções. Os meios são a completa autonomia financeira, administrativa e econômica. O Conselho administra o fundo de educação, estabelece as regras para as despesas educacionais, fixa salários, orça a despesa e promove a receita da educação. Tudo isto não é para que se liberte de freios, cuidados e normas no dispêndio do dinheiro público, mas para que se liberte da dualidade de autoridades com que se impede, entre nós, toda e qualquer eficiência do serviço público.

Quando o dever de realizar está com uma autoridade e o poder de pagar com outra, quando o dever de constituir está com uma autoridade e o poder de construir com outra e o poder de pagar com uma terceira, não há serviço que funcione. A Bahia é um triste exemplo dessa multiplicidade de autoridades. Tudo isto seria possível, talvez, com um pequeno governo de pequenas iniciativas e escassos recursos públicos. Mas, com o crescimento natural dos trabalhos e funções de governo, ou especializamos os serviços, ou tudo continuará no estado caótico em que se deparam tais serviços, administrados por uma minúscula organização administrativa de dezenas de anos atrás.

Evidentemente que o vulto do problema educacional obriga o Governo a cuidar dele, de modo especial e particular, sob pena de perder-se o senso de sua importância na imensa importância da obra de governo propriamente dita. A mistura do problema escolar com o problema da polícia, ou da justiça, ou da fazenda, ou da agricultura leva à submersão do problema escolar dentro da urgência muito maior destes problemas graves e imediatos. A educação pode esperar, e nessa espera estamos há 125 anos; e outros 125 transcorrerão, sem menor progresso, se insistirmos em não afastar os serviços de educação da atual confusão de responsabilidades que é a máquina geral do Governo. Mas, não basta afastar. É necessário criar órgãos autônomos e cheios de prestígio para administrar-lhes os destinos. E mais. É necessário dar-lhes recursos próprios e tão abundantes quanto possível. Tudo isto é, no momento histórico que estamos vivendo, realizável e, por isto, é que o capítulo constitucional que estamos recomendando tem oportunidade.

Com efeito, o momento de reconstitucionalização do País permite a inclusão das bases da reforma na própria Constituição, com o que se lhe confere o prestígio necessário para uma implantação profunda. E, por outro lado, resulta de uma luta tenaz. A Constituição Federal, pela primeira vez, inclui a obrigação de dotar o Estado de serviços educacionais com recursos não inferiores a 20% de sua renda ordinária. Temos, assim, a base financeira, sem o que a nossa proposta de autonomia seria uma irrisão. Se juntarmos a isto os 20% das rendas municipais, teremos os elementos para estender esta autonomia aos municípios. O momento é realmente de uma oportunidade flagrante para uma mudança radical e profunda.

Parecem-me naturais as nossas expectativas em torno do Conselho que a Constituição estabelecer. Teremos um governo animado não do espírito burocrático, mas do espírito de serviço. A obra de educação entre nós será sempre uma obra "extraordinária", em que são necessários esforços excepcionais para levá-la a termo. Não visa ela tão-somente à perpetuação de instituições, aspirações e hábitos, mas reformá-los para implantar a nova ordem democrática. Sua tarefa é a de reerguer o meio e não apenas conservá-lo. Seu fito não é conservar o passado, mas dirigir o presente e preparar o futuro. Força será, pois, que possam as instituições educacionais, entre nós, cultivar e promover esse excepcional espírito público e, ao mesmo tempo, a liberdade e flexibilidade que só as instituições privadas possuem. O plano ora proposto participa desses dois característicos. Tem o caráter público de um plano constitucional e o vigor e liberdade de uma fundação privada. Esperamos, deste modo, com essa dupla fertilização da nova estrutura educativa do Estado, substituir na sua obra educacional o espírito burocrático pelo espírito de devoção pública, a rotina pela vitalidade, pela agilidade e pelo espírito de progresso, o desalento dos seus servidores por uma aguda e sensível consciência profissional, a tendência à exploração e proveito dos seus recursos pelo estímulo às doações e dádivas de toda espécie, o patrocínio político às nomeações pelo respeito ao serviço por excelência sagrado do Estado, o alheamento e desconfiança do povo pela sua identificação profunda com a escola - a sua maior arma democrática.

Meus senhores, não desejo estender-me porque devemos reservar algum tempo para o debate propriamente dito sobre o capítulo do Conselho, com os Senhores Constituintes.

Antes, porém, de iniciá-lo, que me seja lícito acentuar certos aspectos financeiros do plano de estrutura educacional ora proposto para o Estado. Criada a autonomia financeira do Conselho, importa consagrar, por lei, o caráter sagrado dos fundos que lhe são confiados. Estes fundos provém de dotações orçamentárias estabelecidas dentro da percentagem mínima atribuída pela Constituição Federal à Educação. Quero sugerir que calculemos, cada ano, essa dotação orçamentária para o Conselho, na base de uma determinada quantia por criança em idade escolar recenseada. Não é nenhuma novidade. Assim fazem inúmeros orçamentos de educação no mundo. O valor desse critério está, para mim, em seu poder de evocar e acentuar o caráter especial dos dinheiros confiados ao Conselho para educação pública. O próprio orçamento passará a fixar o número de crianças a ser contemplado, dando, por este modo, o endereço desses recursos, os mais delicados e mais respeitáveis de todos os recursos públicos.

Encerrando aqui, meus senhores, estes comentários, tenho a dizer que o estatuto constitucional da educação na Bahia, criando o Conselho, dando-lhe autonomia e confiando-lhe os recursos generosos previstos pela Constituição Federal, abre a possibilidade para a solução gradual do problema da educação. A solução deste problema é o preço da democracia.

Caso seja votado o Capítulo de Educação e Cultura, os serviços de ensino e cultura ganharão preeminência só comparável à dos três poderes do Estado. Teremos feito o que devíamos ter feito cem anos atrás. A responsabilidade da educação, que se perdia na irresponsabilidade omnímoda do Governo, define-se e localiza-se. A educação passa a ser servida por um aparelhamento paralelo ao do Governo do Estado. É a grande obra permanente do regime democrático, obra de longo alcance. Ao lado dela, a função do Governo parece próxima e imediata. Pela educação, forma-se o homem, e mais, conquista-se a justiça social. É saudável, portanto, que essa obra se faça sem os atropelos da obra do Governo, sem abalos políticos, mas com espírito de permanência, que sua relativa segregação assegura.

Haverá perigos nesse afastamento da educação do tumulto e do personalismo da obra de Governo? O receio é o mais injustificado dos receios. A educação passa a ser autodirigida. Mas, como toda arte humana, como a medicina, como a ciência, tem a educação em si mesma seus freios, sua disciplina e sua índole. Autonomia não é anarquia. Libertada da intromissão estranha, a educação será responsável perante a si mesma. Não se isola mas integra-se em si mesma, na sua consciência profissional, no magistério que a serve e na sociedade a que serve.

Sendo a educação o maior empreendimento humano tentado pelo Estado, justo é que se desenvolva com essa independência, sob as vistas de um Conselho que emana diretamente do Chefe do Poder Executivo e governa sob as luzes de sua Assembléia política. A obra da educação é obra que pede "tempo limpo, céu claro, mar bonança..." É isto que lhe vai dar a Constituição baiana.

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