TEIXEIRA, Anísio. Conselho Federal de Educação. Profissão e ocupação técnica. Declaração de voto. Documenta. Rio de Janeiro, n.20, nov. 1963. p.11-12.

PROFISSÃO E OCUPAÇÃO TÉCNICA

Declaração de voto - Em relação ao Par. nº 298/63, peço permissão para apresentar os seguintes reparos. Acredito que estamos estendendo o conceito de profissão ao que, em rigor, não passa de atividade técnica. O exercício da atividade de nutricionista não parece constituir atividade profissional.

O que caracteriza a profissão é a aplicação de certa parcela do saber humano, por pessoas que a isto se habilitaram de modo a lhes poder ser reconhecido o privilégio dessa aplicação. Por isto mesmo, ao privilégio, que lhes é dado, acompanha a plena responsabilidade pela aplicação dêsse conhecimento no interêsse da humanidade. É de praxe exigir-se juramento para o exercício profissional. A profissão é, com efeito, um munus público, a ser praticado não apenas com ciência mas com consciência e implica sempre em responsabilidade científica e moral.

O profissional é a autoridade em sua prática profissional a serviço da humanidade, não estando subordinado senão à sua consciência e à consciência dos seus colegas - único que poderão julgar dos seus êrros ou de suas faltas.

Distingue-se, assim, fundamentalmente o exercício profissional do exercício de atividades técnicas as quais podem requerer perícia e conhecimentos, mas não idêntica responsabilidade, já por constituírem simples tarefas a serem executadas, segundo planos ou ordens, já por se tratar de atividades que não afetam fundamentalmente o homem e a sua segurança.

Serão ocupações, algumas altamente técnicas, a exigir destreza e habilitação, mas sem maior sentido ético. Poderão requerer certificados de habilitação mas não graus acadêmicos ou juramento profissional, não importando o seu exercício em privilégio.

Houve tempo em que o próprio artezanato chegou a atingir caráter profissional mas em tais casos o artesão era um artista, autônomo em sua atividade e nela sòmente podendo ser julgado pelo seu colega. Neste sentido, todo verdadeiro artista é um profissional como profissional é o escritor.

Recordo-me da ocasião em que, se não me engano, Bernard Shaw, H. G. Wells e G. K. Chesterton foram convidados por uma firma comercial a escreverem algo, aparentemente inocente, mas destinado a servir de propaganda para a emprêsa. Os três, sem se entenderem, responderam idênticamente que não o poderiam fazer, pois como escritores, não podiam trair o seu público, que dêles esperava sòmente escrever em obediência a mandato de sua consciência. É êste munus, êste dever moral, que caracteriza a profissão, tantas vêzes, por isto mesmo, chamada de sacerdócio.

O nutricionista exerce ocupação de nível técnico, que pode exigir formação de nível superior, mas esta não lhe confere a autoridade final do saber no seu campo de ação. Trabalha sob ordens e, tanto não pode ser juiz de sua atividade, que o parecer recorda, para o caso de enfermos, que deve agir sob orientação do médico.

Deve assim a lei dispor apenas sôbre o registro dos certificados de nutricionistas. Êstes não lhes confere privilégio mas servem a comprovar-lhes o preparo e facilitar-lhes a obtenção de empregos. A distinção entre certificado de curso e de grau deverá ficar estabelecido para a necessária diferenciação entre curso de preparo e treinos técnicos e curso de formação profissional.

Por estas razões, é que me sinto obrigado a negar meu voto favorável ao parecer em discussão. (a) Anísio Teixeira, relator.

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