TEIXEIRA, Anísio. Conselho Federal de Educação. Duração mínima do período escolar. Parecer n.11. Comissão de Ensino Primário e Médio, aprov. em 14.03.62. Documenta. Rio de Janeiro, n.2, abr. 1962, p.81-82.

DURAÇÃO MÍNIMA DO PERÍODO ESCOLAR

PARECER, N.º 11, DA

COMISSÃO DE ENSINO PRIMÁRIO E MÉDIO

Aprov. unte. em 14-2-1962

A duração do período letivo constitui uma das poucas imposições da Lei. Ateve-se o legislador ao princípio de que a lei em relação ao processo educativo deve reduzir-se a fixar as condições exteriores, as "externas" do referido processo, deixando as "internas" à consciência profissional do educador.

Os colégios devem ter a liberdade de estabelecer o modo de cumprir a lei e dar os 180 dias mínimos de trabalho letivo.

A representação dos Professôres é legítima mas deve ser encaminhada aos Diretores dos Colégios ou à Associação de Diretores para debate e decisão entre professôres e diretores.

É mais um caso, em que me parece caber acentuar o espírito da lei. Devemos sair do regime de imposição ou paternalismo no Estado para o do livre debate dos profissionais e decisão por consenso entre êles.

A educação não é processo formal a ser regulado por lei mas processo real e material a ser regulado por normas técnicas a que se chega por consenso profissional.

Só assim teremos o processo educativo como algo de autêntico, sob a responsabilidade da consciência profissional e técnica dos seus condutores.

A recomendação do Conselho deverá ser a de estimular os debates nos órgãos técnicos e profissionais para o encontro da melhor solução. Diretores, mestres e pais devem encontrá-la, podendo o Conselho vir não só a aprová-la como mesmo louvá-la.

    1. Anísio Teixeira, relator. Dom Cândido Padin, Brusa Neto, Pe. Vieira de Vasconcelos, J. dos Santos, Roberto Accioli.

VERIFICAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO ENSINO
SECUNDÁRIO

PARECER N.º 12, DA

COMISSÃO DE ENSINO PRIMÁRIO E MÉDIO

Aprov. em 14-3-1962

O texto e o espírito da lei visam a estimular a experimentação e levar os educadores a elaborarem suas próprias normas profissionais de apuração do rendimento escolar.

Trata-se de matéria em constante estado de renovação, devendo o Conselho encorajar a variedade de métodos e processos dentro das recomendações da lei.

Normas comuns poderão ser aprovadas, não porém pelo Conselho nem pela Diretoria do Ensino Secundário, mas pelos próprios professôres em reuniões de educadores, de acôrdo com o consenso a que possam chegar diante do problema tìpicamente de caráter técnico.

Se alguma recomendação oficial deve ser feita, será a de encarecer a necessidade de reuniões de professôres e diretores de escola para começarem a estudar o problema e propor as normas que lhes parecerem mais plausíveis e corretas.

Normas devem existir mas estabelecidas pelo consenso da experiência profissional e sujeitas às renovações e mudanças que essa experiência profissional venha a determinar.

É de tôda conveniência, para atendermos ao espírito da lei, que se comece a dar ao educador, como tem o médico, a necessária liberdade e autonomia na fixação das normas do processo educativo. O ukase oficial é muitas vêzes desejado porque dilui quando não suprime a responsabilidade profissional. Coincide assim o meu parecer com a primeira alternativa das hipóteses previstas no relatório do Senhor Secretário Geral.

(a) Anísio S. Teixeira, relator. Roberto Acciolli, Brusa Neto, Pe. J. de Vasconcelos, Borges dos Santos.

EXAME DE SEGUNDA ÉPOCA

PARECER N.º 17. DA

COMISSÃO DE ENSINO PRIMÁRIO E MÉDIO

Aprovado em 15-3-1962, com declaração de voto do

Cons.º Clóvis Salgado.

A consulta sôbre exames de segunda época envolve matéria relativa à apuração de rendimento escolar.

A art. 39 da Lei de Diretrizes e Bases regula o assunto, fixando os princípios que devem regê-lo.

O Conselho já se manifestou sôbre êste artigo, atendendo às observações, que sôbre a matéria, apresentou o senhor Secretário Geral.

Deve-se ainda acrescentar que, pelo art. 43, caberá a cada estabelecimento dispôr em regimento ou estatuto sôbre o seu regime administrativo, disciplinar e didático.

Na ocisião de apreciar o Regimento, caberá ao Conselho manifestar-se, tendo em vista, o disposto no art. 39 da Lei de Diretrizes e Bases.

Nada mencionando a lei sôbre exames de segunda época e pelo art. 39, imprimindo todo relêvo aos resultados escolares ao longo do curso e ainda pelo art. 38, item VI, obrigando a freqüência de 75% para o exame final, está claro que o exame de segunda época poderá não ser permitido ou, no caso de o ser, exigir a mesma freqüência de 75%. Esta freqüência deveria, então ser reputada a freqüência mínima.

Nosso parecer, reconhecendo a perfeita procedência da consulta do Senhor Conselheiro Clóvis Salgado, é o de julgar que a matéria deve ser apreciada quando da apresentação dos estatutos ou regimentos de cada estabelecimento, a fim de permitir que outras soluções que não o do exame de segunda época sejam também adotadas pelos estabelecimentos.

    1. Anísio Teixeira, relator. Pe. José Vieira de Vasconcelos, D. Cândido Padin, Brusa Neto, Celso Cunha.

Relatório a que se refere o parecer:

A Lei de Diretrizes e Bases dispõe, em seu art. 39, quanto ao ensino médio:

A apuração do rendimento escolar ficará a cargo de estabelecimentos de ensino, aos quais caberá expedir certificados de conclusão de séries e ciclos e diplomas de conclusão de cursos.

§1°- Na avaliação do aproveitamento do aluno preponderarão os resultados alcançados, durante o ano letivo, nas atividades escolares, assegurados ao professor, nos exames e provas, liberdade de formulação de questões e autoridade de julgamento.

§2° - Os exames serão prestados perante comissão examinadora, formada de professôres do próprio estabelecimento e, se fôr particular, sob fiscalização da autoridade competente.

2. A redação dêsse artigo e parágrafos induz à presunção de que:

    1. a apuração do rendimento escolar cabe à escola;
    2. deverá obedecer aos preceitos do próprio artigo, ou sejam:

1 – preponderância dos resultados, durante o ano, nas atividades escolares, isto é, média de provas e trabalhos de qualquer natureza;

BASES PARA A ELABORAÇÃO DE PLANOS DE
EDUCAÇÃO DESTINADOS A APLICAÇÃO DOS
FUNDOS DE ENSINO

Relatores: Conselheiros Anísio Teixeira, D. Cândido Padin e

Brochado da Rocha

Com a palavra o Conselheiro Anísio Teixeira:

"A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional contém muitos artigos que não têm sido devidamente comentados e que entretanto, são revolucionários. Pela primeira vez na nossa história a lei manda que a União despenda, de seus recursos para a educação, um têrço com o ensino primário, um têrço com o ensino médio e um têrço com o ensino superior. Tôda a tradição brasileira é a de que a União tem competência no ensino superior, mantém competência relativa no ensino secundário e não se interessa pelo ensino primário, nem sequer mantendo estabelecimentos de ensino dêste grau. Ora, para passarmos a nova situação, teremos de modificar profundamente esquemas sôbre essa competência da União.

Por outro lado, a idéia de "plano" não é nova em nosso País, mas tem encontrado entre nós viva resistência. Nutrimos grande antagonismo a qualquer tipo de planejamento sistemático e coerente. A razão, penso, é que, infelizmente, um plano só se pode fazer com relação a obrigações bem determinadas. O nosso poder de atendê-las é mais limitado, e o incidental ou o parcial fazem que nos desviemos logo dos objetivos visados. E isso acontece não apenas quando dispomos de elementos, mas também em conseqüência da liberdade, em que sempre vivemos, de nos entregarmos a caprichos e extravagâncias, fazendo muitas vêzes coisas não necessárias. Não é agradável, por isso, ao brasileiro planejar suas atividades, pois êle goza da liberdade de ser caprichoso.

Parece, porém, que, em face da Constituição e da Lei de Diretrizes e Bases, os planos se tornaram uma obrigação inarredável. Não podemos deixar de fazer planos. Não há nisso qualquer mistério. Basta agir coerentemente, sistemàticamente, levando em conta os objetivos, os meios e as conseqüências dêsses meios. E nisso a Constituição de 1 946, a que só agora a Lei de Diretrizes dá complementação ao setor da educação, é realmente revolucionária quando determina que todos os brasileiros têm direito à educação, que passa a dever do Estado brasileiro. É, com efeito, uma novidade, porque a educação não é um direito no Estado liberal. Neste, o poder público promovia a instrução e preparava certos quadros profissionais, mas era obrigado a dar educação a cada indivíduo que dela necessitasse. Isso mostra que a Constituição tem objetivos mais amplos que os do Estado simplesmente liberal. Com essa Constituição e essa legislação recente, o cidadão passa a ter direito à educação, que o Estado tem o dever de lhe assegurar.

A primeira conseqüência é que a educação primária é obrigatória, não como uma aspiração de melhoria de bem-estar dos brasileiros, mas porque sem ela ninguém pode vir a ser um bom cidadão. A educação já não é um bem acessório, mas uma condição sine qua non para que o brasileiro se torne um cidadão, para exercer seus direitos políticos e seu poder econômico e viver decente e dignamente.

Sem pretender alongar-me, creio que o "direito à educação" representa igualmente uma solução de justiça social. Ao lado da solução apresentada pelo comunismo, só temos um grupo de nações que resolveram o problema de educar os seus filhos, oferecendo igualdade de oportunidades a todos êles. E não me referirei à Europa, porque Conant, vivendo seis anos na Alemanha, não encontrou na língua alemã o equivalente da expressão "igualdade de oportunidades". Temos, pois, os Estados Unidos e as nações latino-americanas, para não falar nas culturas mais arcaicas africanas e asiáticas. E foi a Constituição norte-americana que, desde seu início jurou assegurar a igualdade de oportunidades educativas a todos os seus filhos, o que permitiu à América do Norte se desenvolvesse até hoje sem convulsões sociais. Houve a Guerra de Secessão, mas convulsões sociais não houve. E isso graças a êste traço original: igualdade de oportunidades a todos os cidadãos. Para tanto, porém tiveram de sacrificar muito da boa educação, tornando-se, no fim do século XIX, objeto de críticas e quase de chacota da Europa. Dizia-se que a América não tinha escola secundária, não possuía escola superior, mantinha suas instituições de educação abertas a qualquer, facultava suas universidades a quem quisesse estudar, e a escola secundária, quando assim reconhecida, era igual à primária. Mas tudo isso porque os norte-americanos partiam da hipótese de que a educação deveria ser acessível a todos. Eduardo Ramos escrevia a um pai cujo filho não era muito inteligente, dizendo: – Mande-o para a América do Norte, porque lá as escolas são como os hotéis: para todos e todos os preços.

Mas isso hoje está sendo copiado na Europa, que passa por modificação profunda para chegar aos objetivos que a América do Norte já havia atingido graças àquela solução, a qual não é pedagógica, técnica ou cultural, mas política. E então temos que só os Estados Unidos resolveram seu problema de educação para todos, porque se o Canadá o resolveu, foi pela tradição inglêsa, mas também a Inglaterra caminha para a igualdade de oportunidades para todos.

Fora disso, as repúblicas latino-americanas falam muito em educação, e não a resolvem, conceituada a educação como um processo especial para ser concedidos a alguns indivíduos que ficam habilitados, êles só, para o exercício de funções especializadas, em uma sociedade que na educação generalizada não se baseia.

A antiga idéia da educação para formar um grupo de especialistas era a que se achava em vigor no Brasil: a educação é um critério de seleção de alguns indivíduos que ficarão capacitados a exercer certas funções, muito vantajosas para êles, mas não se destina a preparar todos os cidadãos para que possam atingir um nível de vida decente e digno.

De um modo ou de outro, estamos, no Brasil diante da Constituição e dessa lei que nos obriga a fazer planos de educação e determina que a educação primária seja tôda ela obrigatória. Isso admite a possibilidade, pelo menos teórica, de o brasileiro ir à Justiça para obter a educação a que tem direito. Além disso, declara-se que a educação ulterior à primária será gratuita para os que provarem falta de recursos.

Êsses dois princípios governam a aplicação dos recursos da União, dos Estados e dos Municípios, destinados à educação. E a própria Constituição estabelece os recursos que devem ser empregados por essas três esferas políticas. Portanto, a Constituição e a lei que a complementa criam o dever solidário de educação para a União, os Estados e os Municípios. Se a União tem o dever de exercer ação supletiva, é evidente que o plano da União deve ser tão engenhosamente armado que governe indiretamente a aplicação dos recursos pelos Estados e Municípios.

Para dar uma idéia de como isto se pode estabelecer, é evidente que se tem de partir da base de que todos os brasileiros têm direito à educação primária, e essa tem a extensão e o desenvolvimento que se venha a fixar em lei. Nesta se fixa que há de ser um curso de seis anos, e os acôrdos assinados em Punta del Este e Santiago determinam que o govêrno brasileiro assume a obrigação de estabelecer a duração de seis anos de ensino primário para todos os brasileiros, até 1970. Assim, no ensino primário a meta está muito clara: atingir, até 1970, seis anos de escolaridade para todos. Se cabe ao Govêrno Federal promover a conquista dessa meta, é claro que temos de partir de qualquer coisa que estabeleça o padrão de educação, sem prejuízo também de um sentido regional, que atenda às peculiaridades de cada zona. Obtido êsse padrão para cada região, vamos ver os recursos que os Municípios podem dar para atender a êsse ensino e quantas crianças o Município pode educar. Temos em seguida, de perguntar aos Estados, quantas crianças o Município pode educar. Temos em seguida, de perguntar aos Estados, quantas crianças estarão obrigadas pelo curso padrão, de cada um dêles e da obrigação que lhes corre de aplicar na educação vinte por cento de suas rendas. E, em terceiro lugar, a União viria com a sua suplementação para que tôdas as crianças fôssem educadas.

Daí passaríamos à meta da educação no segundo nível. Para isso, em Punta del Este e Santiago, no programa de Aliança para o Progresso, o Govêrno brasileiro, assumiu o compromisso de aumentar as oportunidades de 12 alunos por mil, que estão presentemente sendo educados, para 30 e, se possível, para 50 alunos. É um aumento de três a quatro vêzes a situação atual, quanto aos que têm oportunidades de educação secundária.

Na educação superior, constituímos na América Latina um caso melancólico. Dividida a América Latina em três níveis educacionais, nós ocupamos o último, ao lado do Haiti. Apenas, para consôlo nosso, podemos dizer que o Brasil é muito diferenciado e que isso não se aplica a todos os brasileiros, pois, se considerarmos apenas a região do Rio de Janeiro para o sul, ficaremos colocados em situação próxima da Argentina e do Uruguai. Em todo caso, segundo o que se aprovou na reunião de Santiago, teremos de elevar os 0,7 por mil de estudantes superiores, que ora temos, para 2 por mil.

Estas é que são as metas. E cumpre fazer que a União, os Estados e os Municípios ajam solidàriamente. É evidente que isso nos obriga a uma revisão maciça de nossos conceitos. Os objetivos da lei são muito gerais, mas os planos precisam ter maior precisão.

Assunto de tal magnitude não pode ser resolvido em um debate como êste. Daí a preliminar que levanto, com a devida licença dos colegas relatores. É a seguinte: ou êsses relatores se reúnem em comitê, ou deve organizar-se uma comissão para ordenar os trabalhos, em assunto de tamanha complexidade, traçando as linhas gerais dos diferentes planos. Não só isto. Como êsses planos não se tiram do nada, procuraremos conseguir que o Poder Executivo nos forneça os dados e elementos sôbre os quais gasearemos nossos estudos. O Govêrno, principalmente o atual, desde o seu início, tem um programa em que a idéia de plano é intrínseca. Já existem organismos trabalhando no planejamento, e o Ministro da Educação, de volta de Santiago, submeteu ao Primeiro-Ministro, que o assinou, decreto constituindo comissão especial para apreciar, à luz dos planos brasileiros, o que devemos receber do programa da Aliança para o Progresso e dos demais fundos internacionais de educação. É-nos impossível trabalhar sem ter conhecimento de tôda essa elaboração por parte do próprio Govêrno.

Há, pois, duas sugestões, como preliminar: reunirmo-nos em comitê (ou que se constitua uma comissão para examinar o assunto), ou obtermos do Govêrno e do Ministério da Educação os dados e informações indispensáveis para nossos estudos."

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Com a palavra o Conselheiro D. Cândido Padin:

"Ouvi com muita atenção e muito interêsse a exposição do eminente Conselheiro e companheiro de tarefa na elaboração de bases para os planos que deverão presidir aos Fundos de Ensino Primário, Médio e Superior.

De minha parte, devo dizer que recebi a tarefa um pouco tardiamente, porque, por uma questão que poderei chamar técnica, os elementos que me foram remetidos só me chegaram às mãos, em conseqüência de êrro de caixa postal, há dois dias. De modo que eu não tive tempo para elaborar um trabalho neste sentido. Como, porém, o problema já estava em minhas cogitações desde a elaboração do projeto que se converteu na Lei de Diretrizes e Bases, venho acompanhando todos os debates sôbre o assunto, procurando coligir alguns dados. Parece, aliás, que a maneira como o assunto foi pôsto em debate, estabelecendo-se discussão prévia, é o melhor caminho para ventilarmos o problema. Vou, por isso expender algumas considerações, embora, declarando que estou desde logo de acôrdo com a sugestão para que se organize uma comissão que receba contribuições e estude o caso.

Entendo, Sr. Presidente, que de fato a Lei de Diretrizes e Bases não só inovou, mas particularmente obriga a uma mudança de mentalidade. E êsse me parece o mais importante aspecto dessa lei, que espero venha a ser um marco na história da nossa educação. Em relação ao problema particular que estamos examinando, a mudança de mentalidade tem de ser em referência à função que cabe à União. É claro que temos de tomar como ponto de partida a Constituição Federal. A meu ver, há, ainda, outro preceito constitucional a ser invocado, além daqueles citados pelo Conselheiro Anísio Teixeira. É quando a Constituição, além de rezar que o ensino primário é obrigatório e o ensino primário oficial é gratuito para todos, estatui que o ensino ulterior ao primário o será para quantos provarem "falta ou insuficiência" de recursos. Há, portanto, duas hipóteses, a exigirem dois critérios. Isso deve pesar no cumprimento da obrigação de dar educação a todos. E eu me recordo de um trabalho do Conselheiro Anísio Teixeira, publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, de 1957, se não me engano, com o qual estou de acôrdo. E S. Ex,a dizia, se bem me lembro, que a única maneira de garantir ensino primário para todos e dar o ensino ulterior de maneira democrática seria eliminar a diferença entre ensino oficial e ensino particular, o que é difícil de ser conseguido, mas que o poderia ser com a instituição de bôlsas de estudo. O ponto me parece muito importante.

E então me ocorre o exemplo do meu Estado, o de São Paulo. O Conselheiro Almeida Júnior, que aqui está a meu lado, e também é de São Paulo, já teve ocasião de conversar comigo a êsse respeito. São Paulo resolveu, pela sua Constituição, declarar que todo o ensino oficial, em qualquer grau, é gratuito. Ora, com o devido respeito aos juristas presentes, entendo que é pelo menos duvidosa a constitucionalidade dêsse preceito. A Constituição Federal, no art. 18, estabelece que cada Estado se regerá pela Constituição e pelas leis que adotar, "observados os princípios estabelecidos nesta Constituição". E diz ainda que aos Estados se reservam todos os podêres que implícita ou explìcitamtente não lhes sejam vedados pela Constituição. Ora, se o capítulo especial sôbre educação e cultura estabelece princípios constitucionais nestes setores, um dêles é precisamente o de que o ensino primário é obrigatório para todos, o ensino primário oficial é gratuito para todos, e o ensino ulterior ao primário sê-lo-á para quantos provarem falta ou insuficiência de recursos. Então, a Constituição não estabelece que o ensino oficial, em qualquer grau, seja gratuito. Dir-se-á que os Estados podem ser mais generosos. Será assim? A meu ver, estamos diante exatamente de um princípio constitucional, no setor da educação, que deve ser respeitado por todos os Estados.

Isso para mim tem grande importância o estabelecimento do ponto de partida para uma avaliação real dos recursos indispensáveis à suplementação das necessidades dos Estados. Se vamos perguntar aos Estados se seus recursos são suficientes e até onde o são, temos que ver o que é gasto realmente para o atendimento da educação, e não o que é dado a mais, ou em setores que não são pròpriamente de educação.

Além disso, a Lei de Diretrizes estabelece o que se deve entender por despesas com o ensino. Os orçamentos pecam fundamentalmente a êsse respeito, incluindo despesas que não são, em realidade, com o ensino. Não sei de caso concreto, mas, se fizermos um levantamento, veremos que de fato ao ensino não são destinados, e devidamente aplicados, sequer 5% da arrecadação dos impostos.

Precisamos, pois, dêsses dados, para ponto de partida de qualquer estudo. É uma providência prática que eu lembraria ao Sr. Secretário-Geral, a obtenção dêsses elementos, ou, pelo menos, a tentativa de obtê-los, a fim de que saibamos efetivamente quais os gastos que, de acôrdo com a Lei de Diretrizes, são feitos com o ensino. Sem isso, acho que não podemos começar a trabalhar. A lei nova diz que a União deve aplicar 12% da arrecadação dos impostos e que êsse montante deve ser dividido em dez partes, dos quais nove, distribuídas em parcelas iguais, devem efetivamente garantir a manutenção de ensino. Mas para trato, temos de verificar, de acôrdo com o art. 93, parágrafos 1.º e 2.º , quais são as despesas com o ensino e quais as que não são. E temos de examinar o orçamento da República. Fora disso, não teríamos qualquer base real para um estudo.

Ainda o mês passado, recebemos do Deputado Paulo Sarazate um trabalho onde mostrava que em 1961 os gastos da União com o ensino estavam assim distribuídos: ensino primário – 9%; ensino médio – 17%; ensino superior – 74%. No orçamento de 1962, à custa de grande esfôrço, a situação é a seguinte: ensino primário – 12%; ensino médio – 15%; ensino superior – 73%. Ora, a Lei de Diretrizes e Bases vem alterar totalmente esta situação, porque vai obrigar a uma aplicação em parte iguais nos três graus de ensino. Pelo orçamento de 1962, teríamos para o ensino primário mais de dez bilhões de cruzeiros. Isso basta para demonstrar que nos cumpre repensar inteiramente o problema.

O Sr. Conselheiro EDGARD SANTOS, Presidente – Dezoito bilhões para cada Fundo – é o que nos informa a Divisão de Orçamento do Ministério da Educação.

O Sr. Conselheiro D. CÂNDIDO PADIN – Devemos fazer um levantamento do custo real do ensino, pois a Lei de Diretrizes estabelece que as bôlsas serão distribuídas de acôrdo com o custo médio em cada município.

Necessitamos, pois, dêsses dados todos, sem os quais não poderemos trabalhar. Teríamos de apenas ficar em alguns critérios muito gerais."

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* *

Com a palavra o Conselheiro Brochado da Rocha:

"Entendi que a minha inclusão entre os relatores da matéria, que se reveste de tal transcendência, era devida à necessidade de colocar um estudioso de Direito, junto aos técnicos que iriam preparar o projeto de plano. Esperei, portanto, que os fatos surgissem para poder verificar a incidência do Direito sôbre êsses fatos. Êstes agora começam a surgir.

Primeiro, o Conselheiro Anísio Teixeira levantou as linhas gerais do problema e mostrou como, sem maior alarde, a Lei de Diretrizes é realmente de caráter revolucionário, pois, enquanto a União se preocupa com o ensino superior, e só relativamente com o de grau médio, e nunca com o primário, agora a lei estabelece três faixas de igual intensidade para a aplicação dos recursos. Isso, como bem lembrou D. Cândido Padin, nos obriga a repensar o problema inteiramente.

Claro que os aspectos de orientação ou de diretrizes que isto significa são por demais relevantes, e foram indicados pelo Conselheiro Anísio Teixeira, que apontou os dois conceitos de educação: o primeiro, para certas pessoas, a fim de que exerçam funções especializadas na sociedade; e o segundo, para dar a todos igualdade de oportunidades a uma vida digna.

Há, entretanto, aspectos que teremos de considerar em íntima colaboração com os órgãos dêste Ministério. Poderá a União investir outros recursos além dos fundos de ensino primário, médio e superior? É problema que precisamos começar a estudar.

Por outro lado, o Conselheiro D. Cândido Padin levantou o problema constitucional de saber se é preciso seguir o preceito da Carta Magna de que o ensino ulterior ao primário, oficial, só é gratuito na medida de falta ou deficiência de recursos do estudante, ou se êsse preceito não é exaustivo e os Estados podem ir além, dando ensino secundário e superior gratuito. São questões que esperam a nossa meditação. Ainda temos de saber se a ação supletiva da União se faz apenas completando as deficiências dos Estados. Não seria isso premiar as unidades federativas que até agora não se empenharam no assunto? O princípio federativo está a exigir equidade na aplicação dos recursos federais entre as regiões em que o país se divide.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, temos no orçamento uma verba de seis bilhões de cruzeiros para educação, acrescidos de mais três bilhões, num total de mais de nove bilhões, destinados exclusivamente ao ensino, sendo que a maior parte para o ensino primário e médio. O Fundo Nacional, segundo os cálculos do Ministério, ainda hoje constantes da entrevista de V. Ex.a, Sr. Presidente, a O Globo, não ultrapassará dezoito bilhões para o ensino primário em todo o País. Mas sabemos quanto custa ao Rio Grande do Sul tirar de seu orçamento recursos para a educação, em um montante de nove bilhões. O nosso orçamento é pequeno, se comparado com o de outros Estados. E é da receita geral que, atendendo ao princípio democrático a que se referiu o Conselheiro Anísio Teixeira, retiramos êsses recursos, os quais irão fazer falta, em outros setores, para atender ao desenvolvimento econômico e social daquela unidade. Então, pergunto: será justo que se apliquem os recursos da educação maciçamente em outros pontos do País que não desenvolveram tanto a execução de seus sistemas de ensino? É outra questão, em que cabe ponderar muito. E não quero deixar passar êste ponto sem uma observação, porque o decifit de nossas necessidades em matéria escolar, no Rio Grande do Sul, vai a dois bilhões de cruzeiros. Não é possível pensar em ensino primário sem salas de aula, que são a base de qualquer sistema, e elas têm de ser construídas.

O Conselheiro D. Cândido Padin também feriu a questão do que deve ser considerado despesa com o ensino e do que não o deve ser. A Lei de Diretrizes considera as que decorrem da administração dos órgãos administrativos relativos ao ensino. Só isso representaria uma faixa de absorção de recursos.

Outro problema que também deverá ser estudado é o de saber se a enumeração do art. 93 é exclusivo. A meu ver, uma interpretação dessa ordem viria prejudicar fundamentalmente o desenvolvimento do ensino daqui para o futuro.

No entanto, como bem ponderaram os relatores que me precederam com a palavra, estamos apenas levantando problemas, estabelecendo notas prévias. De fato, nada poderemos fazer sem que articulemos com os órgãos do Ministério para colhêr as informações necessárias ao trabalho que deverá ser realizado. Entendo que a sugestão do Conselheiro Anísio Teixeira é inteiramente procedente e que ou os três relatores se devem reunir em comitê, ou se crie uma comissão que estude o assunto.

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Outros Conselheiros, como os Professôres Almeida Júnior, Abgar Renault e O. José Vieira de Vasconcellos, D. Hélder Câmara e Clóvis Salgado, pronunciaram-se a êsse respeito.

(Os textos acima, atribuídos aos relatores, resultaram de notas taquigráficas).

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O Plenário aprovou a seguinte indicação:

"Cometendo ao Conselho Federal de Educação o encargo de elaborar os Planos de Educação referentes a cada Fundo – dos três previstos no art. 91 – a Lei de Diretrizes e Bases outorga àquele órgão a alta responsabilidade de, através dos Planos, atender às recomendações expressas do mesmo diploma, no que se refere à aplicação dos recursos específicos, contidas no art. 93. O respeito a essas normas, que esboçam as linhas de uma política educacional, será incompatível com a supervivência de discriminações orçamentárias que, como limitações fatais, viriam coibir o pleno exercício daquela atribuição, constituindo embaraço à execução do citado art. 93.

Do outro lado, as carências da educação no Brasil estão relacionando medidas heróicas, capazes de vencer deficits vultosos e insuficientes lamentáveis. O espírito de planificação ganha terreno em todos os setores do Govêrno, e a política administrativa será, ao fim de contas, a soma dêsses planos, ou os princípios que a êles presidem. Assumindo os deveres da suplementação do ensino, a União não mais admitirá quaisquer adiamentos no cumprimeto dêsse dever. E só através de intensa programação executada inflexìvelmente, é que se poderão vencer as desigualdades de condições na evolução social e cultural do povo brasileiro.

Tais premissas estão a aconselhar a seguinte indicação:

a) O orçamento do Ministério da Educação e Cultura incluirá, como dotações globais, três verbas destinadas, respectivamente, ao Fundo do Ensino Primário, ao Fundo do Ensino Médio e ao Fundo do Ensino Superior, correspondendo cada uma delas a 3/10 dos 12% da arrecadação de impostos para 1963.

b) Enquanto se processa a elaboração da Lei orçamentária pelo congresso, o Conselho Federal de Educação redigirá um anteprojeto de lei que disporá sôbre a especificação das verbas referentes aos três Fundos, podendo propor a adoção de planos quinquenais para melhor atender à continuidade de critérios e de ação na aplicação dos recursos destinados à educação e para cumprimento da norma contida no § 2.º do referido art. 92.

c) Para o desempenho de sua atribuição referida no texto da Lei 4 024, o Conselho solicita do Sr. Ministro o fornecimento de dados e sugestões, notadamente:

I- a estimativa da arrecadação de impostos para 1963;

II- as despesas consideradas de ensino, nos têrmos dos §§ 1.º e 2º do art. 93, destinadas à manutenção e desenvolvimento dos estabelecimentos federais de ensino

III- as despesas consideradas de ensino determinadas por leis especiais em vigor;

IV- a situação do ensino primário, médio e superior, segundo a dependência administrativa (estadual, municipal e particular), do ponto de vista das oportunidades educacionais oferecidas e das carências respectivas;

V- informação referente às metas de ensino primário, médio e superior, estabelecidas pelo Govêrno ou resultantes de compromissos coletivamente assumidos, pelos países da América;

VI- dados sôbre o custo per capita do ensino, dentro das normas fixadas pelo art. 93 da Lei 4 024, referentes, respectivamente, aos estabelecimentos federais, estaduais, municipais e particulares, em cada grau.

(a) D. Cândido Padin, O.S.B., relator. Brochado da Rocha, Anísio Teixeira, Almeida Júnior".

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