TEIXEIRA, Anísio. Urgente uma reconstrução educacional. Entrevista. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 13 jul. 1958.

URGENTE UMA RECONSTRUÇÃO EDUCACIONAL

Anísio Teixeira denuncia arcaismo

- Em nenhum outro aspecto da vida nacional se revela tão fortemente quanto na escola a cristalização de certo arcaísmo congênito de nossas instituições, devendo o próprio sentido da renovação nacional marcar a nossa reconstrução educacional - declarou, ontem, ao DC, em entrevista exclusiva, o educador Anísio Teixeira.

Após afirmar que <<parece haver chegado, para o Brasil, momento semelhante ao da Alemanha de Fichte, em que devemos também escrever nossa carta à Nação brasileira>>, o professor Anísio Teixeira declarou: - <<Há que virar pelo avesso a nossa filosofia de educação: a escola primária tem de ser à mais importante escola do Brasil, depois, a escola média, e depois, a escola superior.

IGNORANTES E LETRADOS

Para o Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, "antes de tudo, caracteriza o arcaísmo de nosso sistema educacional, a sua obstinação em se fazer - embora hoje muito mais amplo do que ontem - um simples sistema de preparo de uma elite de trabalho e de govêrno, mantendo a nação dividida entre uma massa de ignorantes e uma elite inflacionada de letrados. O característico dos sistemas modernos de educação é o de que realizem êles, primeiro, um grande educação comum para todos elevando o nível geral de educação de todo o povo para, sôbre esta base, erguer o corpo de especialistas e sábios que não dirigem, mas, servem à massa de trabalhadores educados que governam - pelo voto - e constroem a nação".

SISTEMA ANTIGO

- Os sistemas escolares antigos - afirmou o prof. Anísio Teixeira - sempre foram sistemas de educação para uma elite. Tôda a importância e tôda a razão de ser do sistema estava em preparar aquêle pequeno grupo de excepcionais destinados a dirigir e servir a nação. Mesmo quando se alarga a base de escolha aumentando as escolas de nível primário e médio, ainda não se mudou a filosofia da educação do sistema: as escolas primárias e médias são mais numerosas, mas, o seu fim é o mesmo fim propedêutico de permitir um maior número de candidatos à educação superior.

EDUCAÇÃO PARA TODOS

A mundança do sistema só se opera segundo o sr. Anísio Teixeira, quando a escola primária e a escola média se fazem, de certo modo, mais importantes que a própria escola superior: - Com efeito, o novo princípio diretor é o de que importa elevar o nível geral de educação de todos para se criarem novas condições de trabalho e de compreensão do esfôrço comum. Não se aumentam as escolas primárias e as médias para se fazer uma colheita mais fina de homens para o nível superior (embora êsse resultado indireto também se venha a colhêr), mas para dar, como um fim em si mesmo, educação melhor mais eficiente a todo o povo.

SISTEMA ATUAL

Prosseguindo, afirmou o prof. Anísio Teixeira: "No momento atual expandimos o sistema, ampliamos o número de escolas, mas não cuidamos de sua seriedade nem de sua eficiência, pois, o seu fim, não é educar o povo mais selecionar um número maior de candidatos à única educação que conta em um país ainda dividido, bigurcado em elite diplomada e massa ignorante. A ampliação que temos é simplesmente quantitativa, sem a reconstrução, que se impõe, da escola e dos seus objetivos".

ESCOLA PRIMÁRIA

Acha o prof. Anísio Teixeira que é necessário virar pelo avesso a nossa filosofia da educação, colocando a escola primária como a mais importante, seguida, pela escola média e, finalmente, pela escola superior: - Bem sabemos a finalidade da escola superior, da qual depende a aceleração do nosso progresso. Mas, no momento presente, a escola primária tem prioridade, pois dela depende não a aceleração, mas a estabilidade, a consolidação do progresso que até hoje realizamos.

REFORMA DE POMBAL

Disse o prof. Anísio Teixeira que se estivéssemos em qualquer outro período da história com a sociedade organizada na base de camponeses ignorantes, artesãos autodidatas e uma elite governante, não precisaríamos senão de escolas superiores, servidas por escolas preparatórias de nível primário e médio. - As escolas não precisariam ter outra finalidade que a de preparar o pequeno ou grande grupo de especialistas, indispensáveis ao manejo dessa sociedade dual de governantes e súditos. A reforma do Marquês de Pombal seria perfeitamente adequada a essa fase da nação.

EXAME DE CONSCIÊNCIA

Diante dêsse estado de coisas, julga o prof. Anísio Teixeira chegado o momento de se fazer um necessário exame de consciência para indagar: - Que estamos fazendo com as nossas escolas? Que espetáculo é êste de escolas primárias de dois, três e quatro turnos, reduzindo o seu dia escolar a quatro, três e uma hora e meia, visando tão sòmente, ao preparo para um sumário exame de admissão à escola média? E a escola média, que é ela senão uma passagem, em que a maioria, aliás, naufraga, para o paíoso da escola superior? E a escola superior, com alunos já cobertos de obrigações de trabalho e professôres em sua maioria de tempo parcial, que está sendo ela senão um ritual - penoso e esterilizante, é certo - mas um ritual para a consagração pomposa do diploma e da graduação?

CULTURA POR DECRETO

Ressalvando a existência, no Rio e em São Paulo, de escola superiores que honrariam qualquer nação do mundo, referiu-se a seguir, o prof. Anísio Teixeira à proliferação de escolas superiores pelo Brasil, afirmando: - Essa febre de estabelecimentos de nível superior seria, talvez, apenas mais uma manifestação da nossa fabulosa energia improvisadora, se fôssem escolas livres, sem sanção legal, tentando elevar, de qualquer modo, o nível cultural do país. O caso, porém é muito mais grave. Não sendo livres mas, resultando de "concessões públicas" tôdas elas são escolas do Estado, "diplomando" doutores com os mesmos direitos dos doutores de nossas melhores escolas. São pois, em rigor, uma inflação pela qual o Estado brasileiro tem "emitido" cultura, por decreto.

O QUE CUMPRE FAZER

- Diante disto, que nos cumpre fazer? Reunir tôdas as nossas fôrças, pessoais e financeiras, e nos lançarmos em um grande plano de conjunto, mobilizando todos os recursos públicos e privados, pedindo a cada um sua cota de esfôrço e, também, de sacrifício para a construção, primeiro, das escolas básicas na nação: a primária e a média, para 25 ou, talvez, 50% da população da respectiva idade. Nenhuma dessas escolas dará direitos outros que não sejam os que o aluno adquire pela sua maior capacidade para o trabalho.

CURRÍCULOS

Preconiza o prof. Anísio Teixeira que tais escolas não terão luxos de ilustração - serão escolas para o preparo do cidadão comum do Brasil: - A língua materna e a literatura nacional, a matemática elementar e aplicada, a geografia e a história brasileiras e a introdução à ciência e estudos de ciência aplicada, de desenho e de artes industriais, constituirão seu currículo fundamental. Línguas estrangeiras e antigas, estudos científicos propedêuticos serão enriquecimentos de currículo que as melhores escolas com alguns excepcionais tentarão por certo, mas que também não darão nenhum direito especial, nem privilégio algum. A cultura é um bem em si mesmo, a ser adquirida pelas vantagens diretas que oferece e não em virtude de "direitos" que a lei venha acrescentar aos títulos que a pressuponham. Todos os títulos e diplomas perderão sua "liquidez" ficando sem valor a depender de contraprovas perante órgãos profissionais que ficaram encarregados de conceder as "licenças" profissionais, no nível médio ou mesmo superior.

DIVERSIFICAÇÃO

Enquanto, dentro do sistema educacional apregoado pelo prof. Anísio Teixeira a escola média será altamente diversificada, "os estudos superiores serão extremamente severos, exigindo devotamento integral e só permitindo o trabalho na própria universidade. Todo êle deverá ser pago pela família, quando suas posses chegarem para tal, ou por meio de bôlsas particulares e públicas para os alunos que tiverem passado nas provas e aos quais faltem recursos. Os títulos e diploma, ainda assim sòmente valerão como suposição de preparo, o qual deverá ser contraprovado perante as organizações profissionais, inclusive para o magistério. Tôda a preparação dêste magistério se faria em nível superior, com cursos e estágios de um e dois anos para o magistério primário, de quatro para o secundário e de seis e mais para o superior. De sua qualidade dependerá o êxito de todo êsse sistema, livre e diversificado, sem sanções formais, e confiada a sua eficácia ao próprio magistério".

CULTURA NACIONALISTA

Finalizando suas declarações, o prof. Anísio Teixeira afirmou: - Resta-me dizer que tais escolas deverão ser mais do que tudo, centros de estudos do Brasil, da cultura brasileira, da língua, da literatura, da geografia, da história e das ciências sociais brasileiras. Só a matemática e as ciências físicas seriam universais. Em tudo mais, o Brasil seria o motivo, a intenção e o objeto. Somos já uma cultura cuja aquisição deverá bastar para educar o brasileiro. Saberemos, por certo, línguas estrangeiras, mas como as sabem as nações desenvolvidas e adultas, como um requinte, com algo de especial a que alguns e não todos se devotaram. Poderíamos exigí-las para todos que ambicionassem estudos superiores, mas, não para todos que alcançassem uma educação média.

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