TEIXEIRA, Anísio. Querendo tudo ensinar, o curso secundário falha completamente em sua finalidade. Entrevista. Correio da Manhã. Rio de Janeiro, 26 mar. 1958.

"Querendo tudo ensinar, o Curso Secundário

falha completamente em sua finalidade"

Inevitável criar uma nova instância para a concessão de licença profissional, ou dar-se às ordens e conselhos profissionais o direito de apuração da competência - Gratuidade só para os muito inteligentes e privados de recursos - Diplomado em curso superior não é um inútil - Fala ao "Correio" o diretor do INEP, prof. Anísio Teixeira

- "A elevada proporção de reprovações nas escolas superiores não é fenômeno a ser examinado isoladamente", disse ontem à reportagem do Correio da Manhã o prof. Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, respondendo à enquete a que êste jornal vem procedendo em tôrno de problema nacional da maior relevância: educação e cultura. "Sem perder de vista que o vestibular às escolas superiores pretende ser um "concurso" e não um "exame" e, dêste modo, a escolher os melhores e não apurar a simples habilitação dos candidatos - não tendo à essa luz caráter alarmante as reprovações - a realidade é que a forma e o tipo dos exames vestibulares refletem processos pedagógicos obsoletos e uma filosofia inadequada da escola e do ensino. Confesso ter dificuldade para compreender como se pode ter esquecido, entre nós, quase cinqüenta anos de discussão e análise dos processos de verificação e avaliação do ensino, e se continue com um sistema de exame mil vêzes condenado, fundado em esforços extenuantes de memória por parte do aluno e na aprovação, afinal de contas, por sorte, tão aleatório é o processo de verificação".

CONCEITO FALHO

- "Tudo porém", - continua o prof. Anísio Teixeira - "está prêso a um conceito de saber fundamentalmente falso, isto é, de saber já feito e que deve ser decorado. O saber hoje é êle próprio um processo de aprender. O que se deve verificar no aluno não é tanto o que êle sabe, como o modo pelo qual sabe e quando está habilitado a saber o que ainda não sabe, quer dizer, se aprendeu a aprender o grau de autonomia que vai adquirindo nessa sua capacidade de aprender".

SÁBIO É SEMPRE ESTUDANTE

- "O sábio de hoje - diz o diretor do INEP - é um permanente estudante. O que sabe, realmente, é estudar e fazê-lo tanto mais eficientemente quanto mais armado estiver para o ofício de estudar a aprender.

Tôda a ênfase do exame se desloca, então, da memória para a inteligência e a arte de estudar. Os exames se fazem com livros e com os recursos para procurar os conhecimentos, apurando-se a capacidade de resolver os problemas com a própria memória, sem dúvida, mas também com os meios normais de que dispõe qualquer profissional ou qualquer sábio".

PROVOCAÇÕES E AVENTURAS

- "Com o nosso atual processo de exames, tôda a ênfase está na memória. Os exames constituem-se em provocações para os capazes e aventura para os despreparados, podendo, no seu jôgo de risco e sorte, aprovar os últimos e reprovar os primeiros".

COMPLETAMENTE FALHO

Referindo-se à estrutura atual do curso secundário, o prof. Anísio Teixeira frisou: "- A estrutura do atual curso secundário é a de um curso enciclopédico, supostamente propedêutico ao ensino superior. Querendo tudo ensinar, pouco ensina de cada coisa e, dêste modo, falha em sua finalidade propedêutica, como falha - e aí pela sua própria natureza - na finalidade de cultura geral, que muitos lhe querem emprestar.

O atual curso secundário, nos tempos correntes, não se destina apenas a alguns mas à grande maioria, senão a todos os jovens de uma nação moderna. Por isto mesmo, impõe-se a modificação de sua finalidade e de seus objetivos".

ADAPTAR A ESCOLA AOS TIPOS INDIVIDUAIS

Oferecendo sua sugestão, o prof. Anísio Teixeira continua: "Deve visar o curso secundário, primeiro, a ministrar uma cultura geral, isto é, comum e de natureza utilitária e prática, mais de ciência aplicada, de conhecimentos de uso comum, que de conhecimentos teóricos e especializados. Tal curso, destinado a todos os quase todos, se diversificaria, segundo os interêsses e as aptidões dos alunos, podendo para alguns, (talvez cinco por cento do total) assumir o caráter de severo curso acadêmico de preparo para estudos ulteriores, ou sejam, estudos universitários de caráter teórico e científico ou altos estudos de natureza literária, filosófica ou artística".

Para tal, seria necessário levar o brasileiro a aceitar a idéia das diferenças individuais e a adaptar a escola aos tipos de inteligência e aptidão dos alunos, desistindo de impôr a todos o mesmo tipo uniforme de estudos. Cêdo ou tarde, chegaremos a um curso geral prático, com ênfase na língua vernácula e em nossa literatura, nas matemáticas, e nas ciências - físicas e sociais - aplicadas, e, ao lado dêste curso comum, cursos enriquecidos com línguas estrangeiras e estudos teóricos para aquêles que se mostrarem interessados e capazes de ensino desta natureza, como ainda cursos especializadamente técnicos para os inclinados à especialização tecnológica, de nível médio e superior. "A importância da reforma estará em fixar como grande núcleo central a escola comum, prática e de ciência aplicada, para a grande maioria, e as modalidades acadêmica e técnica para o menor número. De tôdas as três, a única que será inevitàvelmente propedêutica será a sessão acadêmica, pois estudos dêste tipo só se completam no nível superior. As demais sessões teriam finalidade própria e dariam ao aluno o preparo necessário para um sem número de ocupações de nível médio ou de nível qualificado

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